Melhor jogador do mundo: escolha natural, construção ou marketing?

Criado em 1991, pela Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), o prêmio Fifa Best Player of the Year[1] , excepcionalmente, na edição 2021/2022 será entregue apenas ano que vem. O adiamento foi para que a eleição pudesse levar em consideração, também, a performance dos jogadores na Copa do Catar. Com isso, a entidade evita – ou ao menos pode fugir – de escolhas constrangedoras como, em 2002, quando “o melhor da Copa” não foi “o melhor do ano”. A entidade elegeu o goleiro alemão Oliver Kahn o melhor jogador daquele Mundial, apesar de ter falhado na final, no lance que resultou no primeiro gol do Brasil, ao rebater um chute de Rivaldo nos pés de Ronaldo.

Fonte: Diario do Litoral

O próprio alemão reconheceu a falha, com um argumento algo curioso e desabonador para os que o escolheram: “Esse foi o único erro que eu cometi em sete jogos, e, infelizmente, eu fui brutalmente punido por Ronaldo.” Mais constrangedor do que premiar o goleiro que falhara “apenas” no jogo decisivo, vencido pelo Brasil por 2 x 0, na conquista do seu quinto título mundial, foi, pouco tempo depois, eleger Ronaldo, que, na eleição da Copa ficara em segundo lugar, como o Fifa Best Player of the Year, tendo, agora, Khan como segundo colocado.

A inversão nas colocações, longe de representar uma retificação da escolha da Fifa, expôs fragilidades nos critérios da premiação. É que Ronaldo, que rompera o tendão patelar do joelho direito, em abril de 2000, apenas seis minutos após entrar em campo para defender a Internazionale, de Milão, contra o Lazio, pelo primeiro jogo da final do Campeonato Italiano, praticamente, não entrou em campo até a Copa que seria realizada cerca de dois anos depois. Então, se, de acordo com a Fifa, não foi o melhor do Mundial de Japão e Coreia do Sul, do qual foi artilheiro com oito gols, em que outra competição, daquele ano, teria justificado, para a mesma entidade, o direito de ser eleito o melhor de 2002?

Essa, no entanto, está longe de ser a única contradição dos critérios da premiação e a renomeação da eleição pelo jornalismo esportivo brasileiro para “O melhor do Mundo” torna, ainda, de mais difícil compreensão o objetivo real da eleição. Afinal, a adoção daquela tradução, pela imprensa daqui, tem significado bem mais profundo. Isso implicaria contrariar o que a experiência empírica nos ensina: que os melhores – ou os piores – são mais identificados ou identificáveis do que precisam ser eleitos. Se é preciso haver uma eleição se está diante da necessidade de se estabelecer uma hierarquia que não seria reconhecida e/ou natural para todos ou, ao menos, para a grande maioria.

Nos tempos dos bancos escolares, por exemplo, é desnecessário eleger “a garota ou o garoto mais bonito(a) da sala”, “o mais nerd” ou o “mais mala”. Sempre que tal crivo faz-se necessário é justamente quando “o eleito” não está naturalmente estabelecido e/ou não é, claramente, reconhecível pela grande maioria. Assim, embora o prêmio, na gramática da Fifa, refira-se ao “melhor jogador do ano”, ao menos, no Brasil, ele é tratado como destinado “ao melhor jogador do mundo”, sem sequer uma delimitação de temporada para avalizar o escolhido. Com isso, podemos ter “o melhor do mundo em 1995”, o liberiano George Weah, que, naquele ano, atuara por Milan e Paris Saint-German, simplesmente, deixar de ser “o melhor do mundo” nos anos seguintes. Uma superioridade restrita a uma única temporada?

Ou, ainda, em 1997, quando o atacante Edmundo, após uma temporada de alta excelência pelo Vasco, sequer ser indicado ao prêmio da Fifa, colocar em evidência que, mesmo num momento em que os clubes brasileiros rivalizavam com os europeus, a eleição, na verdade, limita-se ao melhor jogador daquela temporada europeia, seja qual for a nacionalidade do escolhido.

Aqui, talvez, seja interessante observar que, muito longe de replicar em nível mundial uma polêmica de mesa de bar entre conhecidos, a escolha da Fifa tem implicações bem mais poderosas, como aumentos generosos de salários, previstos em cláusulas prévias, e alta exponencial dos cachês em ações de marketing e propaganda, não raro com direito à participação dos clubes dos premiados em parcela desse salto na carreira – e na conta bancária – dos jogadores. Isso sem falar na concessão de um palanque global ou amplificação desse palanque para os eleitos. Em poucas palavras: a escolha, pelo visto, parece ponderar outros fatores bem além da performance em campo.


[1] Entre 2010 e 2016, a premiação foi feita em conjunto com a revista francesa France Footbal, que, desde 1956, concedia o prêmio O Balão de Ouro, apenas para o melhor jogador europeu. Em 1994, a publicação ampliou a escolha para jogadores de qualquer nacionalidade que jogassem em clubes da Europa e, a partir de 2006, incluiu atletas de todos continentes. Após o rompimento do acordo com a Fifa, a revista voltou a oferecer, a partir de 2017, o seu próprio prêmio.

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