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Jogo (não) consensual 

“Este é um lugar destinado para homens, onde eles podem fazer o que quiserem e, não importa o que aconteça, devem proteger uns aos outros”.

Essa poderia ser uma frase tirada de um filme americano, de um clube de homens de 1960. Poderia ser o lema de uma sociedade no século XIII ou até um slogan machista de alguma marca. Mas a ideia não fica apenas no campo das hipóteses. Essa parece ser a mensagem que, ainda hoje, é ensinada para os homens que jogam futebol e conseguem algum sucesso no esporte.

Em uma sociedade construída por homens e para homens, qual é o espaço que sobra para as mulheres ocuparem? Em um esporte que paga salários astronômicos para os jogadores, como não se ter tudo o que quer? Em país que já tornou ilegal a prática do futebol pelas mulheres, como legitimá-las nesse ambiente?

Nesse “clube do Bolinha”, quem não encarna essa ideia de masculinidade, fica de fora. Um exemplo é o ex-jogador e agora comentarista do Grupo Globo, Richarlyson. Em 2007, José Cyrillo Júnior, à época dirigente do Palmeiras, insinuou em rede nacional que o jogador seria gay. Richarlyson registrou uma queixa-crime, indeferida pelo juiz Manoel Maximiniano Junqueira Filho, que arquivou o processo ao alegar que “não seria razoável aceitar homossexuais no futebol brasileiro porque prejudicaria o pensamento da equipe”. E ainda completou: “futebol é coisa de macho, não homossexual”.

A perpetuação do futebol como um lugar “para machos”, faz com que a cada cinco dias uma mulher denuncie um jogador por estupro, segundo levantamento feito pela Folha de São Paulo, em 2021. Em um país que, também em 2021, teve um estupro a cada dez minutos, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é compreensível que a acusação por estupro tenha repercutido duas vezes menos nas redes sociais do que a convocação de Daniel Alves. Afinal, como diriam alguns, precisamos de jogadores com raça, que sejam “machos mesmo” pra vencer. 

Fote da imagem: ge.globo.com

Outro caso que explicita essa realidade é o da Ponte Preta que contratou o atacante Dudu Hatamoto, investigado por estupro. Mesmo sob protestos da torcida, o clube manteve a contratação. Mas os torcedores deram uma resposta à altura. O auge de um aficionado por futebol,  se revelou também como um momento de protesto: Dudu marcou, e a torcida não comemorou. Nas redes sociais, torcedores e torcedoras foram enfáticos: “não comemoro gol de estuprador”.

Mas a lenta mudança na sociedade ainda não chegou no clube do Bolinha. O atual técnico do Barcelona, Xavi, que foi campeão ao lado de Daniel Alves pelo clube Catalão, disse que “se sentia mal” pelo lateral ter sido denunciado por estupro. As críticas vieram rapidamente e no dia seguinte ele se desculpou por ter ignorado a vítima e que condena qualquer ato de violência de gênero ou estupro, independente de quem o tenha feito.

O jornal OGlobo procurou 16 dos 26 jogadores convocados para a Copa do Mundo ao lado de Daniel Alves e ninguém quis se manifestar. Na mídia, coube às jornalistas mulheres levantar o debate, enquanto os homens confirmavam “realmente”, “sim, com certeza”, como se acenos de cabeça e respostas curtas fossem o máximo que poderia ser feito.

Escolher não falar sobre o Caso Dani Alves sob o argumento “mas ele não foi condenado”, é uma justificativa pífia para não se comprometer com o Clube do Bolinha. Afinal, o que está em questão é muito maior do que Daniel Alves. É sobre a misoginia e a cultura do estupro enraizadas no futebol. É sobre como esse é um ambiente ameaçador para as mulheres. É sobre como a mulher é descredibilizada e invisibilizada.

A jornalista Renata Mendonça, do Grupo Globo, e uma das fundadoras do site Dibradoras, levantou interessante questão: se fosse um carro roubado a cada cinco dias por jogadores de futebol, uma série de atletas envolvidos no tráfico de drogas, esportistas envolvidos em assaltos. Mas o estupro é diferente. Como ter certeza se a mulher não queria mesmo? Se ela não está querendo se promover? Talvez até ela tenha provocado ele, ou, na pior das hipóteses, ele cometeu um “deslize”. Para os amigos, “deu mole”. 

Acontece, porém, que o consentimento não está em uma linha tênue, ou em fronteiras borradas. Ele é claro, simples, direto e pode ser resumido em duas palavras: sim e não. O problema é quando os homens não respeitam a resposta negativa, afinal, não estão acostumados a terem seus desejos negados. Afirmam que elas falam “não”, querendo dizer “sim”. E que não reconhecem suas próprias ações como violentas e agressivas, afinal, eles sabem que no fundo elas queriam. Quem diria não para eles?  

Muitas mulheres.

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O maximalismo e os óculos da soberba

O estilo maximalista adotado por grande parte dos 26 “foras de série” que representaram nosso país na Copa do Mundo 2022, promovida pela FIFA, foi usado para “contar a narrativa do hexa”. Título prometido ao “Mito” que, junto a sua vitória nas urnas, dariam, sim, um novo valor simbólico à camisa canarinho (e a Bandeira Nacional). 

Este estilo, construído de fora para dentro, com cabelos criados por “personal hair style”, headphones exclusivos banhados a ouro ou inseridos em óculos de design avançado (por acaso estilo dos anos 1980) junto às coreografias dignas dos musicais da Broadway, fizeram parte deste “mais é mais” promovido por esta casta de privilegiados que esqueceram de fazer o principal (os Gols), com o intuito de maximizar as experiências do consumidor (torcedor em outras épocas), mascarar a realidade do futebol brasileiro atualmente em cartaz  e o clima político vivido no momento.

Todos esses elementos, em conjunto com a soberba dos mitos socialmente construídos, não permitem avaliar com precisão a força à disposição, como também os leva a desconsiderar de forma arrogante a força dos oponentes, sempre sob a tutela da mídia e sua fome de audiência. Nunca perdemos porque os outros demonstraram superioridade e sim porque por algum motivo nós permitimos.

Está na hora de esquecer esses mitos de origem, campeonatos morais e glórias históricas que não entram em campo e revisitar conceitos, ou então mudar o método pedagógico formativo, se é que existe algum método nesse campo. 

Já se vão cinco Copas do Mundo onde os protagonistas em campo, dirigentes, “cartolas” e a imprensa esportiva especializada (em entretenimento) prometem aprender com a derrota e voltar mais fortes na próxima (?). No atual contexto, fica evidente que não se aprende com a derrota, se aprende corrigindo os erros. E a primeira atitude a ser tomada para ter êxito é identificá-los e reconhecê-los. Simplesmente admitir a derrota torna-se ineficaz, ela é óbvia, normalmente testemunhada ao vivo por alguns bilhões de espectadores ao redor do planeta.

Fonte: Esportes R7

O reconhecimento desses erros revela invariavelmente os CPFs da autoria, deixando a descoberto indivíduos ineptos ou incompetentes e exigem principalmente um “minha culpa” público. Nobre atitude que nunca tiveram, têm ou terão, enquanto uma casta desprovida de ética. Que ao invés de buscar o sportswashing, procurem superar as dificuldades, transpor os obstáculos com vistas à construção de um espaço de ordem onde curriculum, tradição, história e peso de uma camisa tenham seu devido lugar: no imaginário da torcida e da imprensa (e não no campo de jogo). 

Num esporte coletivo, a identificação de um “vilão” para o fracasso não exime os “pecados”, pelo contrário, relativiza a análise da derrota, jogando uma máscara na realidade. A falta de críticas construtivas nas vitórias (onde não haveria nada a melhorar) colaboram para permanência da atual conjuntura.  

Partindo de algumas hipóteses vou tentar contestar algumas “verdades” travestidas de tradição que regem este imaginário popular:

  • Somos o país do futebol… Será?

Em primeiro lugar, se fôssemos, estaríamos para o futebol, como os Estados Unidos estão para o basquete – mesmo que eles não se autodenominem o “país do basquete” ou como os africanos estão para as maratonas.

Segundo, deveríamos ter políticas públicas oriundas da CBF, que no lugar de organizar campeonatos regionais e/ou nacionais, limitasse sua atuação às Seleções Nacionais e seus compromissos esportivos. Brindasse apoio material, técnico e de infraestrutura aos Estados e Municípios para normatizar, desenvolver e fiscalizar o futebol infantil, que hoje está na mão de “experts” travestidos de pseudoeducadores nas “Escolinhas de Futebol” com a “marca” de craques do passado que nem conhecem o espaço físico onde estas ficam localizadas.  

Terceiro, sendo o “país do futebol” dono dos jogadores mais habilidosos e técnicos do universo e única seleção pentacampeã Mundial, deveríamos ter mais protagonismo global. Pelo contrário, utilizamos o futebol como mais uma commodity: exportamos “pé de obra” (DAMO) e importamos o espetáculo pronto, repatriamos craques aposentados e retransmitimos ao vivo as Ligas mais poderosas do mundo, pagando royalties para assistir alguns outrora meninos nossos da periferia. 

Não é por acaso ou por abuso infantil que os meninos brasileiros são recrutados cada vez mais cedo. E então levados para centros de excelência para serem formados ética, moral e esportivamente.  

A exportação da maioria de nossos jogadores tem como destino as ligas menores. São poucos aqueles que atuam nas ligas Inglesa, Alemã, Espanhola, Italiana ou Francesa e o mais sintomático: nossos Técnicos não frequentam (nem frequentaram) as ligas da elite mundial.

O acaso não é responsável de que a Licença de Treinador da CBF na Europa, valha o mesmo que minha carteira de motorista… a UEFA não reconhece e não autoriza seu portador a exercer função remunerada no continente. 

A título de curiosidade, podemos olhar para as 10 últimas Copas do Mundo e contar quantos técnicos brasileiros estão ou estiveram a frente de seleções europeias, ou para ir geograficamente mais perto, olhar nas últimas cinco edições da Copa América e fazer o mesmo levantamento[1].

Também caberia fazer essa pesquisa em nível de Clubes nas cinco maiores Ligas do velho continente, sem atribuir isso à barreira idiomática… Portugal não deixa.  

Os argentinos, por exemplo, também teriam essa barreira, e mesmo assim têm simultaneamente quatro ou cinco técnicos nas maiores ligas europeias, sendo também maioria nas Seleções sul-americanas.

O reconhecimento desse fato fica evidenciado quando após a saída do “Mister” Tite, (aquele mesmo, que abandonou os guerreiros caídos no final da batalha após a derrota) a CBF busca um não-nativo para comandar o próximo “ciclo” mundial à frente da Seleção Nacional. Deve ser reflexo de que nos últimos 5 anos no Brasil, os técnicos que brilharam por estas terras eram estrangeiros, entre eles Jorge Jesus e Abel Ferreira.

  • Somos os únicos pentacampeões … E daí? 

O título de pentacampeão, por si só, não confere nenhuma vantagem ou meritocracia ao portador. O histórico não alinha em campo nem converte gols.

Se fizermos uma leve reflexão, perceberíamos que nos últimos 52 anos (meio século) não existe hegemonia de seleção alguma no planeta. Tanto Brasil quanto Argentina e Alemanha, ganharam três edições da Copa do Mundo cada uma.

  • Somos a única seleção a participar de todas as Copas… Mérito próprio? 

Verdade, somos a única a participar de todas as Copas e não temos que nos orgulhar disso. A geopolítica (e não a classificação na bola, via eliminatórias) nunca atuou contra a Seleção Brasileira, nunca barrou a sua participação por motivos burocráticos ou políticos, como fez com algumas nações. Portanto somos os únicos que participamos de todas as edições do evento sim, sem contestação, de novo… qual o mérito, por quais motivos?

Na Copa do Mundo da França, em 1938, a FIFA deixou de fora a Espanha porque em 1937 o país atravessava um conflito armado por conta da guerra civil e não permitiu que disputasse as eliminatórias.

No Brasil, em 1950, a ONU (Organização das Nações Unidas) solicitou à FIFA que excluísse Alemanha e Japão por conta de sanções impostas pela entidade em 1945, após o término da Segunda Guerra Mundial.  

Na Copa de 1954 na Suíça, as representações de Bolívia, Costa Rica, Cuba, Índia, Islândia e Vietnã não cumpriram o prazo de inscrição e perderam as Eliminatórias. 

Em 1958, na Suécia, onde o Brasil se sagrou Campeão pela primeira vez, a FIFA limitou o número de participantes deixando de fora os africanos, que à época tinham acabado de formar sua Confederação e disputavam as eliminatórias junto aos asiáticos, e enviaram por último a documentação (Rígida a FIFA, né?). A África do Sul ficou de fora devido ao regime do Apartheid, e Turquia, Indonésia e Sudão se retiraram das disputas por se recusarem a enfrentar a seleção de Israel.

Em 1966, na Inglaterra, a África do Sul permaneceu de fora pelo Apartheid e os demais países africanos não compareceram por achar injusta a forma de disputa[2]. As Filipinas que não efetuaram o pagamento das taxas de inscrição, além de Congo e Guatemala, que perderam o prazo de inscrição, também foram excluídas.

Em 1970, no México, quatro seleções tiveram os pedidos rejeitados pela FIFA, mas as razões são desconhecidas. Albânia, Cuba, Guiné e Zaire foram as barradas da vez.

Nas edições de 74 e 78 não houve interferência alguma da FIFA. Somente em 1982, na Espanha, a República-Centro-Africana ficou de fora por não efetuar o pagamento das taxas. 

Na Copa do México, em 1986, vencida pela Argentina, mais uma vez um conflito armado decide a participação ou não de uma nação. Irã e Iraque foram os protagonistas do confronto, e somente o primeiro ficou de fora. O Iraque foi autorizado a participar das eliminatórias e se classificou para a disputa.  

Ao tentar fraudar a FIFA, inscrevendo jogadores acima da idade permitida (vulgo gatos) para o Mundial Sub-20 de 1989, o México foi punido, sendo proibido de disputar a Copa do Mundo de 1990, na Itália. As representações de Belize, Ilhas Maurício e Moçambique não disputaram as Eliminatórias por dívidas com a entidade máxima do futebol.

Um fato ocorrido no Maracanã em 1989, na última rodada das Eliminatórias para 1990, protagonizada por um sinalizador e o goleiro chileno Rojas, suspendeu o Chile da Copa dos Estados Unidos de 1994 por simulação e fraude. Rojas foi banido do futebol e vários jogadores foram suspensos. A ONU pediu também a suspensão da Iugoslávia e da Líbia, devido ao conflito dos Balcãs e a atentados terroristas, respectivamente.

Nas Copas de 2014 e 2018, a tentativa de interferência de Governos nas respectivas federações, tirou da Copa o Brunei e a Indonésia, respectivamente.

Por último, na Copa de 2022, no Qatar, a FIFA desfiliou a Rússia pela invasão (em curso) da Ucrânia, deixando-a de fora da disputa da repescagem e por consequência, da Copa do Mundo. Como podemos perceber, o mérito de o Brasil ter participado de todas as edições do maior evento do planeta é exógeno.

Dito isto, acho que está na hora de deixar de pensar o futebol brasileiro como um museu (que vive do passado) ou como um ser acadêmico (que vive de curriculum). Deixar de pensar que as derrotas são fruto de conspirações e, principalmente, que gostamos de futebol, gostamos mesmo é de ganhar. Se gostássemos de futebol, não vibraríamos com a eliminação de uma seleção ou estaríamos torcendo para outra ser eliminada, só pelo fato de serem concorrentes, nem escolheríamos (quando possível) qual time preferíamos enfrentar na seguinte fase. 

Outro sentimento que (convenientemente) não temos muito claro, por exemplo, é referente aos nossos vizinhos de continente: “Com Argentina e com Uruguai temos rivalidade”, por isso torcemos contra. 

Não, contra eles temos alteridade Como gostaríamos de ter ganho a Copa de 1950, já seríamos hexa… Também não ter perdido a Copa América 2021 no Maracanã para esses racistas (nós não, eles…) … “Ganhar é bom, mas ganhar da Argentina é muito melhor”… Como seria bom ter, além do penta, cinco Prêmios Nobel e dois Oscar no cinema.Quiçá os óculos maximalistas da soberba não nos permitam perceber nada do acima exposto. Se despir dela, a soberba, seria no meu humilde entender, o primeiro passo para mudar o estado da arte. O simples fato de ter participado de todas as Copas, ou de ser a única pentacampeã são argumentos paupérrimos como único pilar de orgulho de qualquer Nação e sem relevância fora do eixo histórico.


[1] Os treinadores argentinos estão representados em todos os lugares. Na Copa do Mundo 2018 eles eram maioria, e comandaram cinco das 32 seleções. Na fase de grupos da Copa Libertadores 2020, conduziram 14 dos 32 participantes. Um estudo recente publicado pelo Centro Internacional de Estudos do Futebol, na Suíça, revelou que, de todo o mundo, o país que mais tem técnicos em atividade em outras ligas é justamente a Argentina. São 68 representantes em 22 países diferentes. O Brasil tem só 16.

[2] Em 1964, todos os países africanos boicotaram a FIFA devido à forma como as Eliminatórias de lá eram disputadas. Os africanos não tinham vaga garantida. O vencedor do continente deveria disputar ainda com os vencedores da Ásia e da Oceania o direito de disputar o Mundial. O protesto não funcionou para aquela Copa e as Eliminatórias continuaram a ser disputadas daquela maneira, sofrendo alterações apenas no Mundial seguinte, em 1970. Disponível em https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2022/09/17/quais-paises-ja-foram-barrados-da-copa-do-mundo.htm?

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O verde e amarelo volta à cena

Há alguns dias, pensando sobre qual seria o tema que abordaria nesse artigo, achei que gostaria de falar sobre um que tem me interessado particularmente nos últimos tempos: como os hábitos funcionam e, de que forma eles influenciam positivamente ou negativamente a vida das pessoas.

No entanto, há nove dias do início da Copa do Mundo Catar 2022, me senti compelida a abordar outro tema que tem movimentado bastante as redes nos últimos dias, aconvocação dos jogadores.

Com a internet os consumidores perderam a inibição e a cada dia se sentem mais à vontade para exercerem seu direito à liberdade de expressão nas plataformas digitais, inclusive o “jus sperniandi”, ou melhor, o direito de espernear.  Foi assim no último dia 7, depois do técnico Tite anunciar na sede da CBF a lista com os 26 jogadores que farão parte da seleção brasileira na Copa do Mundo. Como em convocações passadas, a lista sempre é motivo de polêmica. Dessa vez o alvo foi o lateral direito Daniel Alves, ex-jogador do Barcelona e atualmente no Pumas, do México, que ganha mais uma vez a oportunidade perdida em 2018 quando, por causa de uma lesão no joelho, não disputou a Copa do Mundo da Rússia.

No Twitter, a reação à convocação do jogador, que está treinando com o time B do Barcelona desde 12 de outubro pelo fato do Puma estar sem calendário de partidas, não demorou. Não faltaram discussões e memes, principalmente em alusão à idade do lateral-direito, que está com 39 anos. Em uma das imagens transmitidas, que viralizou na internet, um senhor pilotando uma scooter para idosos com a bandeira do Brasil parte pra cima de uma simpatizante petista. No texto que acompanha a imagem, “Daniel Alves dando carrinho no Mbappe em plena final da Copa do Mundo”, em alusão à suposta diferença de qualidade técnica em relação ao atacante Mbappé, um dos destaques da seleção francesa.

Outras imagens retiradas das manifestações políticas que geravam interações ininterruptas relacionadas a Lula e Bolsonaro no Twitter também foram aproveitadas nas postagens, que ultrapassaram a marca de um milhão de respostas. Numa delas, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, é convocado para impedir a ida de Daniel Alves para o Catar. 

Na imagem abaixo, o motivo do protesto do homem no caminhão que já tinha movimentado as redes, passa a ser a convocação de Daniel Alves que, em 2021, ajudou Brasil a conquistar o ouro olímpico participando de todos os jogos e com uma atuação importante como capitão e líder do grupo. Além disso, com 42 conquistas, é o maior campeão da história do futebol. O que remete aos limites tênues existentes entre heróis e vilões no futebol ressaltados pela pesquisadora Leda Maria da Costa.

“Tanto a derrota quanto a vitória podem filtrar nossa opinião acerca de uma determinada jogada e de um determinado jogador. E os vilões nascem em meio ao turbilhão provocado por uma derrota (COSTA, 2008, p.12)”.

A vitória de Lula nas urnas talvez tenha contribuído, em parte, para a revolta da opinião pública em relação à convocação de Daniel Alves, que chegou a declarar publicamente apoio à candidatura derrotada à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Polêmicas à parte, a convocação e a proximidade da estreia da seleção brasileira tirou momentaneamente o foco na divisão existente na sociedade. O atual  hábito de polarização que era comum entre os nossos antepassados, cuja sobrevivência dependia da lealdade e de tratar adversários como inimigos mortais, numa democracia, pelo menos teoricamente, deveria ter sido substituído  pelo diálogo e pelo convencimento através de propostas claras. No entanto, orientadas por algoritmos, as próprias redes sociais fomentam esse e outros tipos de violência.

A partir de Pariser (2011), recorre-se a terminologia de “filtros-bolha”, que permitem apenas que determinados conteúdos circulem criando uma percepção falsa de Espaço Público e opinião pública onde, teoricamente, “todos” falam e a “maioria concorda”. Nesse sentido, Tite demonstrou em resposta às perguntas feitas durante a coletiva em que anunciou os convocados, um certo desdém em relação a essa maioria que movimenta as redes sociais.

Em conformidade com esse pensamento, Byung-Chul Han defende em entrevista ao jornal El País de Barcelona que a comunicação global contemporânea só tolera os iguais:

 “Sem a presença do outro, a comunicação degenera em um intercâmbio de informação: as relações são substituídas pelas conexões, e assim só se conecta com o igual; a comunicação digital é somente visual, perdemos todos os sentidos; vivemos uma fase em que a comunicação está debilitada como nunca: a comunicação global e dos likes só tolera os mais iguais; o igual não dói!” (HAN, 2018, online).

Como disse o presidente eleito, talvez seja o momento, de diminuir a violência para com quem pensa diferente e substituir o hábito de vestir a camisa verde-amarela para fomentar disputas ou questionamentos em relação ao resultado das eleições, por outro mais saudável, o de torcer pelo hexa, pelo espírito de liderança de Daniel Alves e pela manutenção da democracia no país.

Referências

COSTA, Leda Maria da. A trajetória da queda: as narrativas da derrota e os principais vilões da seleção brasileira em Copas do Mundo.  Tese (doutorado), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Letras, 2008.

HAN, B-C. Byung-Chul Han: “Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”. [Entrevista concedida a] Carles Geli. Jornal El País, Barcelona, 7 de fevereiro de 2018.

PARISER, Eli. The filter bubble: what the internet is hiding from you, 2011. Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=-FWO0puw3nYC&oi=fnd&pg=PT3&dq=Parisier+2011&ots=g5MuBmtRW_&sig=te_T1BjCRl9wT4upZonKkyIVF0w#v=onepage&q=Parisier%202011&f=false

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Normal por Normal, Brilhante por Brilhante

Em ano de Copa do Mundo, uma coisa é certa: ÁLBUM DA COPA!!

Esse ano a atividade ficou sob judice para uma grande parte das pessoas, afinal, a inflação de 100% que acometeu os pacotinhos desde a última Copa não promovia uma decisão favorável para essa causa na qual o Juiz, ou a Juíza, era uma mãe, um pai, ou você mesma/o.

Olhar para os números dá vontade de chorar. Em 2006, os pacotinhos custavam R$ 0,50 (!!!). Na Copa de 2010, R$ 0,75. Quatro anos depois, aqui no Brasil, R$ 1,00. Na última Copa, R$ 2,00 e até que chegamos a esse ano, em que o papel parece ser um produto em escassez e a tinta colorida uma espécie em raridade, o que leva o torcedor a pagar suados 4 reais por pacotinho.

Nem tudo, porém, joga contra essa atividade. O suspense ao abrir cada pacotinho, o frisson da troca, a corrida por completar o álbum e a concentração na hora de colar são fortes argumentos a favor dos colecionadores. E ainda sobre o preço, um ponto a favor é que, em determinados lugares, você pode parcelar as figurinhas! Para que pagar hoje, se podemos deixar para o mês que vem?!

E vale destacar, além disso, que o colecionismo é uma atividade democrática. Tem gente, pingo de gente, gente que nem sabe que é gente, tem gente que tá no segundo álbum, no terceiro álbum, no de capa dura, no de capa norma, tem gente que tá colecionando para o filho ou para a filha (aham, sei), tem gente que tá colecionando para o namorado ou para a namorada (aham, sei), tem gente que só quer o time do Brasil, e gente que só quer o time da Islândia, e por aí vai…

Engana-se quem pensa, porém, que a troca de figurinhas é uma atividade simples. Talvez seja o momento mais sensível do processo. Não existem leis escritas, mas há algumas convenções. Em geral, normal por normal, brilhante por brilhante, ou três normais por uma brilhante. Mas é preciso ressaltar uma coisa. A troca de figurinhas pode revelar o lado mau do ser humano. Algumas pessoas usam o momento para passar a perna nos outros, ou fazer negócios nada justos. Tem quem venda por preços não compatíveis com a realidade, e quem faça a famosa chantagem emocional do tipo “eu te dou as que você precisa, se você me der todas as suas figurinhas”. Para alguns, uma máfia. Para outros, um negócio. Para a maioria, uma diversão.

Fonte: Agência Brasil

Ah, e tem uma outra coisa muito importante. Eu peço, imploro, ajoelho, clamo pelos deuses do futebol: botem as figurinhas em ordem!!!! Pode ser crescente, decrescente, organizar por grupo, por país, de cabeça para baixo, de cabeça para cima, mas que seja em ordem! Um bolinho em ordem intimida muitos bolinhos por aí, rende elogios e até simpatia na hora da troca. É daquelas leis não escritas. É uma espécie de dever moral ético do cidadão trocador!

Mas talvez, nessa atividade, a missão mais difícil seja explicar para as pessoas a importância do Álbum da Copa. Tenho uma humilde teoria de que nós, torcedores, formamos uma classe de incompreendidos por aqueles que não compartilham nossa paixão. Como não entender que devemos, a cada nova banca de jornal, comprar ao menos 5 pacotinhos? Como não entender que é necessário sair à noite, no frio do Rio de Janeiro, para tentar completar a seleção do País de Gales? E, por fim, como não entender que colar as figurinhas é uma atividade de altíssima precisão, e não pode ser feita por qualquer um?

Protejam seus álbuns e troquem figurinhas!! Aliás, estou com umas repetidas aqui… quem quiser trocar é só deixar nos comentários. As regras, vocês já sabem, normal por normal, brilhante por brilhante…

Produção audiovisual

Já está no ar o episódio 54 do Passes e Impasses

O tema do nosso quinquagésimo quarto episódio é a Copa do Mundo de 1958: o primeiro triunfo. Com apresentação de Filipe Mostaro e Abner Rey, gravamos com Diana Mendes, professora da Universidade Federal de São Paulo e doutora em História.

Acesse o mais novo episódio do podcast Passes e Impasses no SpotifyDeezerApple PodcastsPocketCastsOvercastGoogle PodcastRadioPublic e Anchor.

O podcast Passes e Impasses é uma produção do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte em parceria com o Laboratório de Áudio da UERJ (Audiolab). O objetivo do podcast é trazer uma opinião reflexiva sobre o esporte em todos os episódios, com uma leitura aprofundada sobre diferentes assuntos em voga no cenário esportivo nacional e internacional. Para isso, contamos sempre com especialistas para debater conosco os tópicos de cada programa.

Você ama esporte e quer acessar um conteúdo exclusivo, feito por quem realmente pesquisa o esporte? Então não deixe de ouvir o quinquagésimo quarto episódio do Passes & Impasses.

No quadro “Toca a Letra”, a música escolhida foi “A taça do Mundo é nossa”, de Wagner Maugeri, Lauro Müller, Maugeri Sobrinho e Victor Dagô.

Passes e Impasses é o podcast que traz para você que nos acompanha o esporte como você nunca ouviu.

Ondas do LEME (recomendações de artigos, livros e outras produções):

Equipe

Coordenação Geral: Ronaldo Helal
Direção: Fausto Amaro e Filipe Mostaro
Roteiro e produção: Abner Rey e Carol Fontenelle
Edição de áudio: Leonardo Pereira (Audiolab)
Apresentação: Filipe Mostaro e Abner Rey
Convidada: Diana Mendes

Produção audiovisual

Já está no ar o quadragésimo quarto episódio do Passes e Impasses

O tema do nosso quadragésimo quarto episódio é Futebol de mulheres: da pesquisa ao impacto nas exposições temporárias e de longa duração do Museu do Futebol. Com apresentação de Abner Rey e Raffaella Napoli, gravamos remotamente com Mariana Chaves e Ligia Dona. Mariana é coordenadora de exposições e programação cultural no Museu do Futebol, e Ligia é pesquisadora do Museu do Futebol e atual coordenadora do projeto de pesquisa e referenciamento “Diversidade em Campo: Futebol LGBT+”.

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O podcast Passes e Impasses é uma produção do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte em parceria com o Laboratório de Áudio da UERJ (Audiolab). O objetivo do podcast é trazer uma opinião reflexiva sobre o esporte em todos os episódios, com uma leitura aprofundada sobre diferentes assuntos em voga no cenário esportivo nacional e internacional. Para isso, contamos sempre com especialistas para debater conosco os tópicos de cada programa.

Você ama esporte e quer acessar um conteúdo exclusivo, feito por quem realmente pesquisa o esporte? Então não deixe de ouvir o quadragésimo quinto episódio do Passes & Impasses.

No quadro “Toca a Letra”, a música escolhida foi “Brasil chegou”, interpretada por Gabi Fernandes com participação de Charles Gavin.

Passes e Impasses é o podcast que traz para você que nos acompanha o esporte como você nunca ouviu.

Ondas do LEME (recomendações de artigos, livros e outras produções):

Futebol feminista: ensaios – Lu Castro e Darcio Rica [livro]

Mulheres impedidas: A proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo – Giovana Capucim e Silva [livro]

Football Feminino entre festas esportivas, circos e campos suburbanos: uma história social do futebol praticado por mulheres da introdução à proibição (1915-1941) – Aira Bonfim [dissertação de mestrado]

Equipe

Coordenação Geral: Ronaldo Helal
Direção: Fausto Amaro e Filipe Mostaro
Roteiro e produção: Raffaella Napoli e Carol Fontenelle
Edição de áudio: Leonardo Pereira (Audiolab)
Apresentação: Abner Rey e Raffaella Napoli
Convidadas: Mariana Chaves e Ligia Dona

Produção audiovisual

Já está no ar o trigésimo sétimo episódio do Passes e Impasses

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O tema do nosso trigésimo sétimo episódio é “Mané Garrincha”. Com apresentação de Fausto Amaro e Marina Mantuano, gravamos remotamente com Rafael Casé, pesquisador do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte e professor de Comunicação da UERJ, e Filipe Mostaro, doutor em Comunicação e também pesquisador do LEME.

O podcast Passes e Impasses é uma produção do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte em parceria com o Laboratório de Áudio da UERJ (Audiolab). O objetivo do podcast é trazer uma opinião reflexiva sobre o esporte em todos os episódios, com uma leitura aprofundada sobre diferentes assuntos em voga no cenário esportivo nacional e internacional. Para isso, contamos sempre com especialistas para debater conosco os tópicos de cada programa.

Você ama esporte e quer acessar um conteúdo exclusivo, feito por quem realmente pesquisa o esporte? Então não deixe de ouvir o trigésimo sétimo episódio do Passes & Impasses.

No quadro “Toca a Letra”, a música escolhida foi “Balada nº7”, canção composta por Alberto Luiz e interpretada por Moacyr Franco.

Passes e Impasses é o podcast que traz para você que nos acompanha o esporte como você nunca ouviu.

Ondas do LEME (recomendações de artigos, livros e outras produções):

Hoje é dia de Botafogo – Rafael Casé [livro]

Estrela Solitária – Um Brasileiro Chamado Garrincha – Ruy Castro [livro]

Garrincha x Pelé: futebol, cinema, literatura e a construção da identidade nacional – Victor Andrade de Melo [artigo]

Pra frente, Brasil! Do maracanazzo aos mitos de Pelé e Garrincha , a dialética da ordem e da desordem (1950-1983) – Denaldo Archone de Souza [livro]

Garrincha: A Flecha funiô – Mestiçagem, Futebol-Arte e Crônicas pioneiras – Mario Lima [livro]

Tomar ou não tomar o Chicabon?, eis a questão – Nelson Rodrigues [crônica]

Mané e o sonho – Carlos Drummond de Andrade [coluna]

Pelé Eterno [filme]

Garrincha, alegria do povo [filme]

Garrincha, estrela solitária [filme]

Garrincha, a Flecha fulniô das Alagoas – Mestiçagem, Futebol-Arte e Crônicas pioneiras- Mário Lima [livro]

Equipe

Coordenação Geral: Ronaldo Helal
Direção: Fausto Amaro
Roteiro e produção: Marina Mantuano, Fausto Amaro e Carol Fontenelle
Edição de áudio: Leonardo Pereira (Audiolab)
Apresentação: Fausto Amaro e Marina Mantuano
Convidados: Filipe Mostaro e Rafael Casé

Artigos

O melhor dos piores? O futebol e a falta do espírito esportivo

Quem gosta de perder? Acredito que ninguém. Em competições que valem o título, então, é notório a disputa em campo por cada bola, em cada lance, como se fosse o último. Entretanto, no fim, só um pode sagrar-se campeão. E todos estão cientes disso, jogadores, técnicos, dirigentes, torcida. A taça só é levantada por um time, enquanto o outro fica com o segundo lugar.

Qual é o valor da medalha de prata, então? Seria ela o símbolo do “melhor dos piores”? Ou uma representação de estar no extrato dos melhores, guardando, inclusive, um lugar no pódio? No futebol, parece que ganha a primeira opção. É sintomático ver, em duas finais seguidas, a mesma imagem. Jogadores de Brasil e Inglaterra, logo após receberem as medalhas de prata, retiraram-nas do pescoço.

Neymar com a medalha de prata fora do pescoço. Fonte: O Globo

A dor, a frustração, a tristeza e a raiva, mesmo que presentes, não podem ser justificativas para tal ação. Não faz muito tempo, a imagem de Guardiola beijando a medalha de prata depois de perder a final da Liga dos Campeões para o Chelsea viralizou. Estaria ele menos triste que os demais? Ou Guardiola, com esse gesto, valorizava a campanha de seu time? Existe uma linha muito tênue entre a insatisfação pela derrota e o desprezo pela competição. Retirar a medalha de prata do peito é negar a própria trajetória de seu time, e, pior de tudo, não reconhecer a vitória do seu adversário. É a síntese da falta de espírito esportivo.

Guardiola beija medalha de prata depois de ficar com o vice na Liga dos Campeões. Fonte: ge.globo.com

Quais são os valores do esporte? Disciplina, trabalho em equipe e respeito, são conceitos que, frequentemente, estão presentes nas respostas dessa pergunta. É por isso que há beleza no esporte. Porque ele nos mobiliza ao mesmo tempo que nos ensina. Em muitos aspectos, o esporte é sim formador.

Quando se trata do esporte profissional, porém, entra em caráter o aspecto econômico, e a vitória possui, também, um valor monetário. Os valores do esporte, muitas vezes, ficam de lado, e fica o questionamento sobre o quanto essa profissionalização naturaliza condutas antiéticas, justificadas por “isso é futebol”. No imaginário popular, existe uma ideia de que ética e futebol não andam juntos. E que, portanto, qualquer coisa vale para se alcançar a vitória, que é a única régua para medir uma atuação.

É justamente aí que reside o perigo. Quando medimos qualquer coisa olhando apenas para um aspecto, perdemos uma gama de outras questões que moldam, no caso do futebol, um time, uma partida, uma final, uma medalha de ouro ou de prata. E, então, caímos em reducionismos simplistas: ouro é bom, prata é ruim. Repetidamente falamos que, “nem sempre ganha o melhor”. Então por que parece que sempre perde o pior? Que mensagem é passada para muitos jovens que, um dia, sonham em estar no lugar dos seus ídolos? Que só os que saem vitoriosos devem ser valorizados. E, assim, gira fortificada a roda do culto à vitória no futebol.

Harry Kane com a medalha de prata na mão, logo após recebê-la. Fonte: Congo News

Talvez nesse momento muitos torcedores estejam um pouco irritados, questionando se eu ficaria feliz com meu time ganhando uma medalha de prata. Antes de mais nada, vejam, não estou pedindo para ninguém sorrir e sair serelepe depois de perder um jogo. Até podiam, afinal, a conquista de um vice-campeonato não deixa de ser uma conquista. Mas o texto não é sobre isso. Não é sobre se alegrar com a derrota, mas em reconhecer a vitória do outro. É claro que, quando meu time está em uma final, o que eu mais quero é gritar “é campeão!”. E, portanto, é óbvio que eu vou ficar triste se ele perder. Mas eu ficaria muito mais triste vendo meu time tirando essa medalha do peito, desrespeitando o adversário, o campeonato, a torcida e a instituição.

Aceitar a derrota não é romantizá-la, não é sinônimo de conformismo e muito menos de passividade. Aceitar a derrota é o primeiro passo para vencer o próximo jogo. Caso contrário, corre-se o risco de se cometer os mesmos erros e ter os mesmos resultados. E esse filme já é conhecido por muitos…

Eventos

LEME entra em campo para o Seminário Internacional Copa do Mundo de Futebol de Mulheres

Em 2021, comemoramos 30 anos da primeira edição oficial da Copa do Mundo de Futebol Feminina. Na competição, a seleção brasileira foi a única representante da América do Sul e, logo na estreia, venceu o Japão com gol de Elane. Para comemorar essa data e analisarmos alguns aspectos da trajetória do futebol de mulheres no Brasil e na América do Sul, o Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (LEME) realizará o Seminário Internacional Copa do Mundo de Futebol de Mulheres, nos dias 8 e 9 de novembro.

O evento contará com apresentação de trabalhos via Meet, divididos em dois GTs e ciclos de palestras com transmissão ao vivo pelo canal do LEME no Youtube (programação ainda a ser divulgada).

Regras e prazo para submissão de trabalhos

Recebimento de resumos expandidos em Português ou Espanhol: de 04 de junho a 15 de agosto de 2021.

Atenção especial a este item: o resumo expandido deve ter no mínimo 7.000 e no máximo 12.000 caracteres, com espaços, incluindo resumo e bibliografia e deve estar no template do evento, seguindo todas as suas regras de formatação.

Grupos de trabalho

GT 1: História, memórias e resistências

A participação das mulheres no futebol é fenômeno derivado de um processo que envolve fatores diversos relacionados tanto a aspectos esportivos quanto a um conjunto de reivindicações e lutas das mulheres pela equidade de direitos. Este GT pretende discutir as dimensões históricas e sociais da trajetória do futebol de mulheres no Brasil e em outros países, contemplando a prática esportiva e a dimensão torcedora.

Coordenação: Leda Costa

GT2: Futebol feminino nos rastros da profissionalização

A participação profissional das mulheres no futebol para além dos gramados tem sido objeto de importantes investigações. Este GT se propõe a discutir os obstáculos e horizontes futuros para as mulheres no exercício de algumas funções como, por exemplo, a arbitragem, a ocupação de cargos em Federações e clubes, no jornalismo esportivo assim como sua presença na pauta de políticas públicas voltadas ao esporte.

Coordenação: Carol Fontenelle

Envio de resumos expandidos

O template pode ser baixado aqui.

Devem ser enviados para o e-mail: seminariocopadomundodemulheres@gmail.com

No campo assunto deve ser colocado o nome do GT para qual o trabalho se destina.

O arquivo final deve ser salvo em .doc ou .docx e deve ter o nome+sobrenome do autor principal.

Ex.: Joaodasilva.docx

Quem pode enviar os resumos expandidos?

Graduandos, graduados, mestrandos, mestres, doutorandos e doutores, que vinculem seus textos aos GTs e às áreas de Ciências Sociais, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas, Educação Física, Linguística, Letras e Artes. Não é permitido o envio de mais de um trabalho de um mesmo autor para um mesmo GT. No caso de um autor desejar enviar um trabalho para cada GT, ele deve ser autor principal em um e coautor no outro.

Divulgação dos resumos expandidos aprovados: 6 de setembro

Pagamento de inscrições de trabalhos aprovados

A taxa de inscrição deverá ser realizada a título de doação para uma instituição (ainda a ser escolhida). Só haverá pagamento da referida taxa para os autores que tiverem seus trabalhos aprovados. Caso um mesmo resumo expandido seja escrito por mais de uma pessoa, todos os autores devem fazer o pagamento da inscrição, caso queiram receber certificado online. No momento da apresentação, é permitida a escolha de somente um autor para explanação, que será de 15 minutos, seguida de discussão entre os presentes na sala de reunião do Meet.

Estudantes de graduação: R$ 10.

Demais: R$20.

Prazo de pagamento: 6 a 30 de setembro (informações detalhadas serão comunicadas posteriormente).

Artigos

Ditadura, esporte e a aceitação do inaceitável

22 de junho de 1970, Jorge Curi descreve de forma magistral o último gol do
Brasil contra a Itália no estádio Jalisco que começa com os dribles de Clodoaldo e termina com o chute preciso do capitão Carlos Alberto. O gol metaforizava o que tornaria uma associação automática da seleção brasileira ao chamado futebol-arte. A Copa de 1970 também serviu para análises da exploração política do futebol pelo governo.

13 de outubro de 2020, André Marques narrava a partida das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2022. A vitória por 4 a 2 da seleção brasileira sobre o Peru teve uma repercussão menor frente a uma nota lida pelo locutor. A nota metaforizou a noção de que uma empresa estatal passa a ser confundida com uma empresa do governante.

Em 1970, antes do quarto gol, Curi destaca: “Quarenta e um minutos de luta. E vamos ter a palavra daqui a pouco de sua excelência, o presidente da república…bola entregue na direção de Clodoaldo, dribla um dribla dois…” A sutil menção ao então presidente, Emilio Garrastazu Médici, nem chega a citar seu nome. Com apenas cinco linhas de transmissão disponíveis para o país foi preciso fazer um pool entre as emissoras. O Grupo 1 ficou com Rádio Tupi, Rádio Clube de Pernambuco e Guarani de Belo Horizonte. O grupo 2 com a Continental, JB e Guaíba do Rio Grande do Sul. No grupo 3, a Rádio Globo, Nacional e Gaúcha revezaram seus locutores e comentaristas. No quarto grupo, as paulistas: Rádio Nacional, Band e Jovem Pan. No quinto grupo a Rádio Mauá e a Itatiaia de Belo Horizonte. Waldir Amaral e Jorge Curi dividiram a locução radiofônica onde cada um narrava um tempo. Interessante observar que a unificação das transmissões e sua abrangência nacional, produziram um discurso único na narrativa radiofônica e televisiva. A televisão se preparou para a transmissão como nunca havia feito. O Ministério das Comunicações negociou diretamente com a empresa
detentora dos direitos de transmissão e inicialmente o patrocinador seria único: a Caixa Econômica Federal. Com a instalação da estação via satélite de Itaboraí em 1969, os patrocinadores Esso, Gillete e Souza Cruz enxergaram o potencial da Copa do Mundo e pagaram o valor de 1 milhão de dólares (as três juntas) para “bancar” a transmissão televisiva. Assim, a Caixa repassou os direitos às três.

brasil.elpais.com

Usar de ferramentas do aparato estatal para enaltecer as figuras mandatárias é algo comum em ditaduras. Foi assim em 1970 e se repete em 2020. A confusão de governar para si e seus aliados, alimentando sua bolha cada vez mais raivosa e descolada da realidade, esquecendo-se dos demais brasileiros, resgata debates sobre os limites da ação de um governo para propaganda pessoal, o que é bem diferente da publicidade estatal.

No dia 13 de outubro de 2020, o secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, em conjunto com o presidente Jair Bolsonaro, amparados no artigo 84 da lei Pelé, que obriga que o jogo da seleção seja transmitido em televisão aberta, pressionaram a CBF para comprar o direito de transmissão e televisionar, agradando inclusive os empresários acusados de bancar disparos em massa de Fake News que auxiliam na sustentabilidade do seu governo, que tinham placas de publicidade no estádio onde o jogo aconteceu. A CBF comprou e repassou à TV Brasil as imagens.

O “abraço” ao presidente estava inserido em uma nota, no mínimo constrangedora: “em nome da secretaria especial de Comunicação Social da Empresa Brasil de Comunicação e do secretário Fabio Wajngarten, agradecemos a CBF nas pessoas do presidente Rogério Caboclo, do secretário geral Walter Feldman e do diretor de mídia Eduardo Zambini e um abraço especial também ao presidente Jair Bolsonaro que está assistindo ao jogo.” Além da intervenção e da clara tentativa de exaltação da imagem do presidente, notamos que, comparando com a transmissão de 1970, nem mesmo na ditadura militar nos seus piores momentos foi tão incisiva em usar uma transmissão esportiva para exaltar a figura que ocupava o cargo de presidente.

Longe da interpretação que o futebol seria ópio do povo, momento em que observa-se seu uso claramente político que teria como objetivo principal de “driblar” a consciência da população, vamos destacar a compreensão do futebol e do esporte como um espaço de conflitos. O esporte e toda a sua força simbólica se torna mais do que um locus de tentativa de dominação (ópio do povo) ele é um palco de disputas constantes. Nesse espaço de conflitos, procura-se também controlar as vozes legitimadas a falar
nessa esfera, amedrontando quem fala “contra” forças que controlam o esporte como a CBF e mais recentemente a CBV, por exemplo. Casos de atletas atacados em suas carreiras por disputar esse espaço são notórios, com destaque para Afonsinho que nos anos 1970 lutava pelo fim da lei do passe.

extra.globo.com

Recentemente Carol Solberg foi julgada por gritar: “Fora Bolsonaro”. Mas o que esse caso tem a ver com a bajulação de uma emissora estatal ao presidente? Tudo. Esses dois casos indicam como passamos a aceitar o inaceitável. O primeiro nível é parear jogadores que apoiaram o presidente a Carol, como se ambos fossem “manifestações democráticas”. Não, elas não estão na mesma árvore da democracia, que pode e deve ter diferentes galhos, mas a raiz deve se pautar em valores absolutamente necessários para operarmos a sociedade. Raízes como a defesa intransigente da dignidade humana, atacada constantemente pelos apoiadores do presidente com o slogan “bandido bom é bandido morto” e exaltação a torturadores. Raízes como a defesa das riquezas minerais e da terra como fonte de vida do mundo, que estão sendo destruídas e queimadas. Raízes como a defesa da vida que foi relativizada com a pandemia, afinal “todo mundo morre um dia”.

Não caberiam neste texto todos os exemplos de que a linha necessária para se manter a integridade humana vem sendo ultrapassada desde 17 de abril de 2016 com um voto em homenagem a um torturador e que se intensificou com o início do mandato do atual presidente. Uma vez ultrapassada, e ao banalizarmos esse rompimento, não conseguimos mais recolocar esse limite, mergulhando nossa sociedade no caos, no ódio, na mentira, nas mortes, nos ataques as minorias e no uso do bem público para fins privados. Rompeu-se o que não deveria ter sido rompido. Carol e seu grito tentam alertar que estamos indo para o precipício e foi culpada por isso. É falsa a questão de que todos devem se expressar livremente. Incitar violência não é liberdade de expressão. Ferir a dignidade humana não é liberdade de expressão. Apoiar esse governo não é um “ato democrático”, é um ato de destruição da democracia e de todas as raízes fundamentais para vivermos em sociedade. Devemos ser intolerantes com os intolerantes, como Karl Popper alertou.

Entretanto, o que fizemos foi normalizar este governo, assim como naturalizou-se regimes totalitários como o nazismo. Enquanto o atual governo entrega tudo ao mercado, os grandes jornais criam essas falsas questões, apoiam essas entregas e aceitam o inaceitável. Nesse consórcio, a TV Brasil foi mais clara e sincera na bajulação. Uma bajulação no nível de seus apoiadores que ao lerem este texto vão atacar em massa, mostrando o quanto são prejudiciais à sociedade. Enquanto para uns as instituições seguem funcionando e naturalizam a barbárie, o esporte se fortalece como este local de disputas. O local onde se combate. Como vimos nos EUA, país que é exaltado como régua moral deste governo, nas manifestações “Black Lives Matter” e em depoimentos como o do campeão da NBA Lebron James. Aqui Lebron e cia seriam punidos pelo STJD? Aqui as vozes que se levantam são censuradas. As que bajulam relativizadas. Aqui seguimos uma trágica evolução da mera menção do presidente em 1970 para um “abraço” em 2020. O que virá se continuarmos aceitando tudo? Que o esporte siga sendo nosso campo de batalha, que mais Carols tenham voz e que não aceitemos o inaceitável.

folha.uol.com.br