O futebol e a educação antirracista

O que os dias 24/10/2021, 31/12/2022, 15/03/2022, 06/02/2023, 19/03/2023 e 30/03/2024 têm em comum? Em todas essas datas, em um espaço de 2 anos e meio, houve casos de racismo em La Liga, o Campeonato Espanhol. Tal situação não pode ser vista como coincidência, e sim como consequência não só da falta de punição da entidade espanhola responsável por administrar competição, mas também da falta de uma efetiva educação antirracista na Espanha, um país que historicamente no século XX passou boa parte de sua existência sob o Regime Franquista e fascista (1936 – 1975).

Das datas assinaladas acima, todas entre os anos de 2021 a 2023 envolvem o atacante brasileiro Vinícius Júnior, do Real Madrid. Craque que chama a atenção pelas jogadas de velocidade e habilidade, o atual camisa 7 merengue é frequentemente vítima de insultos racistas pelos adversários do maior campeão espanhol. As justificativas dos racistas para tais ações são variadas e passam pelo ato de culpar o próprio Vini pelos incidentes, negar as falas racistas, desviar o sentido do que foi feito alegando que houve ofensa racial e, quando se torna impossível negar o fato, argumentam que não é algo generalizado.

Fonte da imagem: REUTERS/Pablo Morano

No dia 30 de março de 2024, dois episódios no mesmo dia ocorreram para comprovar, mais uma vez, que a Espanha é um país que necessita de ações antirracistas. O jogador Acuña, do Sevilla, foi vítima de insultos raciais vindos da torcida do Getafe. No mesmo dia, o goleiro Sarr, do Rayo Majadahonda, sofreu insultos racistas de uma parte da torcida do El Sestao River, time da casa, e partiu para o confronto com esses torcedores em partida válida pela Terceira Divisão do Campeonato Espanhol. [1]

Ambos os jogadores sofreram com o racismo de torcedores espanhóis, em mais uma prova de que essa situação não pode ser vista como coincidência, e sim como consequência não só da falta de punição da entidade espanhola responsável por administrar competição, mas também da falta de uma efetiva educação antirracista na Espanha, um país que historicamente no século XX passou boa parte de sua existência sob o Regime Franquista e fascista (1936 – 1975) – a repetição no texto foi proposital.

Fonte da imagem: Getty images

A educação antirracista é importante para combater essa realidade e deve ser entendida como um processo de combate a qualquer expressão de racismo na sociedade humana. Evidentemente ela está ausente na Espanha. Não é aceitável que, em pleno século XXI, um país com histórico de exploração colonial e adesão ao fascismo siga difundindo ideias excludentes que são, do ponto de vista jurídico, consideradas como práticas criminosas. Mais do que punições por parte das autoridades, é necessário realizar ações efetivas de cunho antirracistas.

No Brasil, a criação da lei 10.638, de 09 de janeiro de 2003, teve por objetivo ser um importante instrumento no combate ao racismo. A partir disso, “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório [grifo nosso] o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”.[2] Tal medida tinha como objetivo superar uma lacuna na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, que afirmava que o “ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia” (Art. 26 § 4º).[3]

Uma consequência disso foi o combate efetivo ao racismo. Não se trata, necessariamente, em uma redução estatística das práticas racistas, mas sim em encarar o problema de frente e, no caso brasileiro, isso significou um aumento nas denúncias (entre 2021 e 2022, por exemplo, houve um aumento de 67% das denúncias – de 1464 para 2458 casos).[4] Em outras palavras, agora não temos mais a normalização do absurdo que é a discriminação racial, muito menos os casos deste tipo têm sido jogados para baixo do tapete, como outrora.

A Espanha precisa passar por um processo parecido. As denúncias estão ocorrendo, mas internamente parece haver poucas ações no sentido de combate a sua repetição. O dia 30 de março de 2024, com dois episódios do mesmo gênero em estádios de futebol distintos, é só mais um exemplo negativo da falta que faz uma efetiva educação antirracista.[5]

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2004.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Futebol da Espanha tem dois casos de racismo; goleiro parte pra cima de racistas – O Dia, 2024.

Futebol espanhol tem 3 casos de racismo neste sábado e Vini Jr cobra: ‘Devem ser expostos’ – Estadão, 2024


[1] Disponível em: https://odia.ig.com.br/esporte/2024/03/6818964-futebol-da-espanha-tem-dois-casos-de-racismo-goleiro-parte-para-cima-de-racistas.html

[2] BRASIL. Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2004

[3] BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

[4] Fórum Brasileiro de Segurança Pública

[5] Disponível em: https://www.estadao.com.br/esportes/futebol/futebol-espanhol-racismo-vini-jr-cobra-npres/

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