Crônica de uma noite entre estrelas cadentes e decadentes uruguaias

No período de recesso do futebol sul-americano, é comum a propagação de partidas de final de ano com verdadeiras “peladas” entre veteranos, ex-atletas em atividade, e alguns profissionais que não conseguem ficar longe da bola nem no seu período de descanso.

No Brasil, a movimentação é intensa, ocorrendo desde a famosa peleja organizada por Zico que se tornou evento do calendário de festas entre o Natal e o Ano Novo, algumas outras de bom padrão técnico como amigos do Ronaldo contra Zidane, até pífias celebrações como o jogo dos amigos do goleiro Juca Baleia ou do prefeito de Pindamonhangaba, e mesmo o encontro de amigos na praia jogando ébrios em Ipanema, vestidos de mulher nas últimas horas do ano.

Dentre os eventos pseudo-oficiais, que também acontecem nos outros países do continente, já tive a oportunidade de presenciar em 2008 na Bombonera uma partida com ex-jogadores, jornalistas e a presença do maior ídolo argentino, Diego Armando Maradona que infelizmente estava rolando em campo. Desta vez passei o final de ano com a minha esposa e família no balneário de Punta del Este e pude assistir a 5ª. Edición del Partido de Estrellas realizada no Estádio Municipal de Maldonado.

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Punta del Este no verão é uma cidade cheia de vida e glamour. Sol, praias, uma noite agitada, bons restaurantes e pubs. Cassinos, bicicletas laranja de um banco tupiniquim por toda parte, boas opções culturais como a Casa Pueblo de Carlos Paez Vilaró e o Museu Rally, turistas brasileiros e argentinos passeando pelas lojas do “centrinho”, especialmente a Rua Gorlero, e diversas camisas de futebol das equipes do Mercosul entre os transeuntes na sua orla.

O centro de Maldonado, onde foi realizada a partida no sábado dia 05 de janeiro, é a antítese de Punta. Tranquilidade, famílias se dirigindo calmamente para os portões do estádio, alguns uruguaios tomando sua erva-mate e poucos torcedores do Peñarol de uma facção da vizinha Piriapólis fazendo alguma algazarra.

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Cheguei no Campus Maldonado que se localiza próximo a sede da prefeitura por volta das 20:30, quando estava marcado o início da partida e o sol ainda estava no céu. Fiquei impressionado com a calmaria e o número pequeno de torcedores que se encontravam no entorno da arena, ainda mais pelo fato de que o preço da melhor tribuna custava 70 pesos, cerca de apenas 7 reais.

Parei em um bar, pedi uma cerveja Patrícia e comecei a conversar com alguns uruguaios sobre futebol, política e as expectativas da partida. Quando vi alguns “jogadores”, decidi entrar.

Havia iniciado uma partida e eu não reconhecia ninguém, sendo que muitos jogadores anunciados eram veteranos conhecidos, e alguns em atividade, dentre eles o atacante Loco Abreu, ídolo da torcida do Nacional e dos uruguaios pelo pênalti da Copa de 2010. Segundo um motorista de táxi, “el Loco” que tem um apartamento de verão em Maldonado foi um redentor com “el taquito”, “Que friedad?

Puxei assunto com um uruguaio, Alejandro, que me explicou que antes tinha a partida dos políticos, jornalistas, humoristas, ou seja, algo pavoroso onde até eu poderia tentar jogar. Disse também que alguns jogadores como Forlán não participam pois não tem vínculo com a rede Tienfield de comunicações. Apesar do apelo beneficente da partida, Alejandro afirmou que muitos interesses econômicos estão por trás dela. Não consegui apurar nada plausível sobre essa questão.

Tinha comprado o ingresso em uma loja “Rincón del Hincha” e apesar dos simpáticos atendentes, não fui avisado da fatídica preliminar. Decidi dar uma volta, pois não sou muito fã de churros, e os “panchos” do estádio pareciam menos suculentos que do lado de fora como acontece também aqui no Brasil com nossos cachorros-quentes, vulgos “podrões”. Felizmente o espectador podia entrar e sair quantas vezes quisesse.

Mais uma volta pela calma redondeza, uma parada no bar para umas Patrícias e boa prosa: Mujica, crise econômica argentina, polêmica sobre a “marijuana” no Uruguai e obviamente a Copa de 2014.

Preocupado com o horário, pois teria que retornar para o hotel, encontrar minha esposa e jantarmos, decidir retornar ao estádio, depois de quase desistir. A preliminar tinha se encerrado, porém estava acontecendo um desfile de moda, cuja principal estrela era “la hermana” de Loco Abreu. Continuei conversando com Alejandro e torcendo para o evento principal começar logo. O estádio estava mais cheio em um ambiente muito familiar. Obviamente o brasileiro que vos escreve foi um dos poucos a chegar no horário da fanfarronice entre políticos e periodistas.

Por volta das 22h30, começou o espetáculo. Independentemente do jogo que alternava momentos de grande técnica com jogadas esdrúxulas devido à falta de preparo físico de alguns veteranos, valeu muito a pena esperar. Tive o prazer de rever alguns ídolos do futebol uruguaio dos anos 80 e 90: Enzo Francescoli com sua elegância imortal, Rubem Paz e Rubem Sosa com toques e passes desconcertantes e o meia Ségio Martinez com um belo gol. Meus antigos jogadores de botão ainda estavam em atividade.

Rubem Sosa concedendo entrevista antes da partida

Além disso, a alegria e entusiasmo com que as famílias uruguaias acompanhavam a partida me emocionaram verdadeiramente. Meu novo camarada Alejandro e Leonardo, funcionário do hotel onde estava hospedado que encontrei na hora do jogo, me ajudavam a acionar a memória e lembrar de outros jogadores que estavam em campo e fatos futebolísticos pretéritos do imaginário uruguaio. O goleiro do título do Nacional nos pênaltis contra o PSV Eindhovem de Romário em 1988 estava em campo, quatro dos cinco cobradores da final da Copa América de 1995 contra o Brasil campeão do Mundo também, fato constantemente divulgado pelos alto-falantes.

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Eu, Leonardo e seu filho

O primeiro tempo terminou 2×1 para qualquer um dos times. Loco Abreu se destacara com um belo gol, uma assistência e algumas chances desperdiçadas. Francescoli desfilara com mais altivez que todas as modelos juntas, o goleiro do Nacional, outrora cabeludo, agora careca, fechava o gol. Rubem Sosa ensaiara seus belos dribles da época da celeste e da Lazio; Rubem Paz cobrou uma bonita falta. Alguns nomes anunciados não apareceram ou entraram depois: Hugo De Leon, Palermo, Dario Silva, que sofreu acidente automobilístico, Guiñazu e D´Álessandro e até mesmo o mito do “Maracanazo” Ghiggia estavam no cartaz da partida.

Era quase meia-noite. Não pude ficar para a segunda etapa. Não tinha levado telefone e nem conseguido cartão para avisar no hotel, apesar da partida ser patrocinada também pela empresa ANTEL de telecomunicações. Era nossa última noite na cidade antes de regressar para o Rio de Janeiro.

Saí do estádio, olhei para o céu estrelado e pensei na vida. Assistindo 45 minutos de um futebol de ex-craques, jogadores cadentes e decadentes, fiz uma breve retrospectiva de alguns momentos vividos e da minha paixão por esse esporte.

Jogadores de botão na infância, fitas Tdk gravando gols do fantástico e partidas importantes do futebol mundial como Nacional e PSV em 1988, o título de 1994 e a derrota nos pênaltis para o Uruguai em uma televisão de um sítio em Itatiaia com amigos em 1995 com vinte e um anos. A primeira viagem a este agradável país em 2000 quando entrevistei o arqueiro de 1950 Roque Gatón Máspoli. O trabalho sobre a imprensa uruguaia no Mestrado entre 2008 e 2010 com importantes visitas a Biblioteca Nacional de Montevidéu, “la mano” de Suarez e “taquito” de Loco Abreu a favor da celeste e esta noite entre estrelas.

Felizmente ainda deu tempo de chegar no hotel, ir no centrinho, comer uma pizza no tradicional pub Moby Dick com minha esposa e Bolinha, e refletir mais uma vez como o mundo para um apaixonado pelo futebol e a vida é realmente redondo e luminoso apesar dos pesares e do inexorável tempo.

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