Artigos

Apostando na regulamentação

Imagine arrecadar R$150 mil por um único movimento: derrubar seu adversário dentro da área no primeiro tempo do jogo. Essa foi a promessa que apostadores fizeram a três jogadores de três clubes da Série B do Campeonato Brasileiro. A proposta era simples, os jogadores deveriam cometer um pênalti no primeiro tempo de seus respectivos jogos, todos válidos pela última rodada da Série B do Brasileirão 2022. Se os jogadores cumprissem o combinado, cada um levaria para casa R$150 mil – R$10 mil pagos como sinal antes dos jogos e R$140 mil depois que a aposta [de que aconteceriam três pênaltis nesses três jogos] fosse vencedora. Já os apostadores esperavam faturar aproximadamente R$2 milhões com o “palpite”.

Apesar de toda a trama, o esquema não foi bem-sucedido. Duas marcações de pênalti chegaram a ocorrer no dia 5 de novembro: no jogo entre Sampaio Corrêa e Londrina, o lateral-direito Mateusinho, do Sampaio, sacramentou sua parte do combinado e derrubou um jogador do Londrina dentro da área aos 19 minutos do primeiro tempo; enquanto Joseph, zagueiro do Tombense, demorou um pouco mais, foi apenas aos 30 do primeiro tempo que o jogador empurrou Lohan e garantiu um pênalti para o Criciúma. Foi a partida entre Vila Nova e Sport, no dia 6 de novembro, que estragou o plano dos apostadores. Romário, volante do Vila Nova envolvido no esquema, sequer foi relacionado para o jogo e não houve qualquer penalidade máxima na partida.

Toda a trama foi descoberta justamente por ter dado errado. A denúncia ao Ministério Público de Goiás foi feita pelo presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, que foi avisado por pessoas de fora do clube sobre o envolvimento do volante Romário em apostas esportivas. O clube investigou o caso e conseguiu contato com um empresário de São Paulo, que seria o articulador de todo o esquema. O homem até mesmo pediu ao presidente para cobrar do jogador o sinal de R$10 mil dado antes da partida ocorrer. Os suspeitos podem ser enquadrados em três crimes diferentes: associação criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção em âmbito esportivo. Até o momento apenas o empresário suspeito de entrar em contato com os jogadores e articular o esquema foi preso preventivamente, os clubes foram isentos de qualquer participação no esquema.

O objetivo deste texto não é falar especificamente sobre esse caso, mas sim propor uma reflexão a respeito de algo que poderia evitar esse tipo de crime: a regulamentação das apostas esportivas. Desde 2018, quando, o então presidente da República, Michel Temer, sancionou a lei 13.756/18, a indústria de apostas esportivas online passou a ser legalizada no Brasil. Além de legalizar a prática, a referida lei determinava uma série de medidas: as casas só poderiam operar online (sem pontos de venda fixo), os sites deveriam estar hospedados fora do Brasil e uma regulamentação do setor deveria ser feita em até quatro anos. O prazo final para essa regulamentação estava previsto para dezembro de 2022, entretanto, o ex-presidente Jair Bolsonaro, por influência de bancadas conservadoras da Câmara, não assinou o decreto de regulamentação elaborado pela Casa Civil e Ministério da Economia. Agora, o processo fica a cargo do governo recém-eleito, que analisa a questão de maneira positiva e, de acordo com declarações dadas ao UOL Entrevista pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um projeto para o setor já está em andamento.

Fonte: Agência Brasil

Um dos maiores receios em relação às apostas esportivas online é a manipulação de resultados. Entretanto, esse tipo de esquema não é algo recente no futebol, vide um dos casos mais emblemáticos no Brasil, a Máfia do Apito[1], que ocorreu em 2005, quando os sites estavam longe de fazerem o sucesso de hoje – de acordo com o site Mktesportivo, o setor movimentou R$7 bilhões em 2020. Ao contrário do que muitos pensam, a regulamentação das atividades de casas de apostas pode oferecer meios para impedir fraudes esportivas. Isso porque, como afirma Andreas Bardun, CEO global do site de apostas KTO, as plataformas possuem uma extensa base de dados sobre seus clientes e seus hábitos de apostas. Sendo assim, o monitoramento de suas atividades financeiras por órgãos governamentais seria crucial para rastrear atividades suspeitas. As próprias casas trabalham com inteligência artificial para identificar possíveis fraudes, uma vez que elas são as maiores prejudicadas com manipulações, pois pagam altos valores em apostas com chances improváveis. 

É claro que os problemas não irão se resolver automaticamente apenas com esse monitoramento e troca de informações, uma vez que há a possibilidade de apostadores usarem laranjas para despistar as autoridades. Nesse caso, a fiscalização fica obviamente mais difícil, mas algumas medidas podem ser impostas, como a obrigatoriedade de que qualquer movimentação relativa à aposta seja feita em conta bancária vinculada ao apostador cadastrado. De acordo com Rafael Marcondes, diretor da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte, dessa forma, a Receita Federal conseguiria rastrear se essas movimentações são compatíveis ou não com a renda do apostador.

Outro ponto positivo é a alta arrecadação de impostos que essa indústria permite, o que vem sendo a principal motivação para o atual governo regulamentar as apostas esportivas. Hoje, as mais de 500 casas de apostas ativas no país operam com seus sites hospedados no exterior, o que dificulta até mesmo a estimativa de quanto dinheiro está envolvido nesse setor, os números podem estar entre R$8 bilhões e R$12 bilhões, quem sabe mais. Com a regulamentação, esses sites deverão operar 100% no Brasil, mantendo o dinheiro aqui, o que também deve gerar mais empregos. Empresas como a Esporte da Sorte acreditam que uma vez sediadas no país, as movimentações financeiras serão menos custosas e mais práticas, pois, mesmo operando em paraísos fiscais – países com baixa ou nenhuma taxação de imposto – a repatriação do lucro líquido fica cara.

Fonte: Vitor Silva/Botafogo / Em 2022, os patrocinadores master dos dois clubes eram as casas de apostas Blaze e Betano

O governo prevê uma arrecadação anual que beira a casa dos R$6 milhões oriunda da tributação dessas empresas. Nesse sentido, há uma preocupação com a incidência das cobranças. O modelo considerado ideal vem do Reino Unido, onde a taxação é feita em cima dos lucros dos operadores (as casas de apostas). Há a possibilidade de a taxação brasileira seguir o mesmo padrão da Loteria Federal, uma cobrança de 30% do valor do prêmio, nesse caso, a cobrança sairia do lucro do apostador. Para Andreas Bardun, da KTO, essa não é uma boa opção, uma vez que os apostadores poderiam recorrer ao mercado clandestino para conseguirem um ganho maior com seus palpites.

O marketing é um dos grandes trunfos dos sites de apostas esportivas. Atualmente, 11 marcas estampam as camisas de 19 dos 20 clubes da Séria A do Brasileirão 2023. Além disso, alguns sites chegam a patrocinar os campeonatos em si, como é o caso da Betnacional com o Campeonato Carioca, da Galera.bet com o Brasileirão e de outras quatro casas que patrocinam o Campeonato Paulista. Publicidades dessas casas estão presentes em todos os meios possíveis, desde outdoors nas ruas, passando por anúncios nas redes sociais e chegando aos comerciais de TV. Seus embaixadores são grandes estrelas do esporte mundial: Vinícius Júnior (Betnacional), Marcelo (Sportingbet), Denilson (Sportsbet.io), Zico (Pixbet), Edmundo (Pixbet), entre muitos outros; Aliás, essa questão é algo que gera muito debate, pois, de acordo com o regulamento da Fifa, atletas são proibidos de participarem de apostas, demonstrarem interesse em ações de casas de apostas esportivas ou se tornarem sócios de alguma plataforma. Em teoria, a legislação esportiva brasileira está sujeita às determinações da Fifa, mas sem a regulamentação algumas barreiras não são delimitadas.

Fonte: Gráfico produzido pela autora, tendo como base a matéria “Dos 20 times da Série A, 19 são patrocinados por casas de apostas”[2]. A Pixbet patrocina a maior quantidade de clubes: Flamengo, Vasco, Corinthians e Santos.

Apesar de ter um mercado gigantesco no Brasil, as empresas ainda precisam lidar com a insegurança que a falta de diretrizes legais traz. Sem a devida regulamentação, as operações em território nacional se tornam um tanto quanto perigosas, pois não é possível saber onde está a linha entre o lícito e o ilícito, nem há qualquer garantia para os investimentos tanto das empresas quanto dos próprios apostadores. A falta de legislação impede o crescimento do setor, uma vez que empresas ficam receosas de atuar no Brasil “às cegas”. A regulamentação, então, permitiria o fortalecimento das marcas e abriria caminho para uma relação mais transparente entre as casas e seus clientes, que teriam a quem recorrer quando um dos lados agir de má fé.

De todos os benefícios, talvez o combate à ludopatia (vício em apostas) seja o maior deles. Hoje é impossível que as entidades de saúde tenham acesso aos hábitos de apostas das pessoas cadastradas nos diversos sites atuantes no Brasil. Com a regulamentação, esses dados estariam à disposição das organizações governamentais e seria possível criar não apenas mecanismos de limite dessas apostas, como também políticas públicas eficazes para o controle da condição. A regulamentação, obviamente, não fará milagres nesse ou em qualquer outro sentido, mas é uma possibilidade a ser considerada como uma aliada para combater os vícios oriundos das apostas.

Por maiores que sejam as desconfianças com esse “novo” mercado e exista, com certeza, o medo de que as fraudes destruam o futebol, é preciso compreender que esses sites continuarão em expansão, pois, no Brasil especialmente, as apostas são tão antigas quanto o próprio esporte. Agora, para resguardar essa grande paixão do brasileiro, diretrizes rígidas e fiscalização constante se fazem necessárias. Tanto empresas quanto apostadores precisam estar dentro das quatros linhas da lei, só assim, o futebol continuará seguindo seu curso natural e encantando seus aficionados com suas loucuras e imprevisibilidades.


[1] A Máfia do Apito foi um esquema de manipulação de resultados do Campeonato Brasileiro de 2005 que beneficiava apostadores. No centro do caso estavam os árbitros Paulo José Danelon e Edilson Pereira de Carvalho, que chegaram a faturar R$10 mil por partidas fraudadas. 11 jogos apitados por Edilson foram anulados e disputados novamente, o que alterou a classificação e sagrou o Corinthians campeão.

[2] Disponível em: <https://www.metropoles.com/colunas/futebol_etc/dos-20-times-da-serie-a-19-sao-patrocinados-por-casas-de-apostas>.

Artigos

Raul do Rio Branco, embaixador dos esportes

Raul do Rio Branco é para muitos uma figura desconhecida. Seu sobrenome talvez desperte alguma familiaridade em alguns. A importância de Raul para a história do esporte é ainda menos reconhecida. Filho de José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Barão do Rio Branco, e Marie Philomène Stevens (1849-1898), uma atriz belga radicada no… Continuar lendo Raul do Rio Branco, embaixador dos esportes

Participações na mídia

Ludopédio entrevista coordenador do LEME (parte 1)*

Ronaldo Helal, coordenador do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (LEME/UERJ), foi entrevistado pelo site Ludopédio. Há muito tempo queríamos entrevistar o professor Ronaldo Helal. Foram muitos anos de desencontro até que conseguimos realizar a entrevista por ocasião de um evento no Rio de Janeiro. O professor Helal nos recebeu em sua residência e… Continuar lendo Ludopédio entrevista coordenador do LEME (parte 1)*

Eventos

LEME divulga “Brasil Futebol Expo”

O Laboratório de Estudos em Mídia e Esportes (LEME/UERJ) divulga a feira de futebol Brasil Futebol Expo. O evento acontecerá do dia 04 a 08 de setembro no PRO MAGNO Centro de Eventos (Avenida Professor Ida Kolb, 300 – Casa Verde – São Paulo/SP). A Brasil Futebol Expo é o lugar para quem quer vivenciar uma experiência única… Continuar lendo LEME divulga “Brasil Futebol Expo”

Artigos

22 mulheres em campo

22 mulheres em campo jogando bola em um estádio lotado que cantou a Marselhesa antes, durante a após a partida entre Brasil e França. Um belo cenário para as oitavas de final da Copa do mundo de 2019. Uma Copa que pode ser um divisor de águas para o futebol das mulheres, tamanho o bom… Continuar lendo 22 mulheres em campo

Artigos

“O empoderamento feminino motivou a Rede Globo a transmitir a Copa do Mundo Feminina esse ano”, comentam Cíntia Barlem e Emily Lima

Depois de oito edições do campeonato, a emissora tem como objetivo ser parceira na luta das mulheres por direitos iguais A Copa do Mundo Feminina de futebol será transmitida pela Rede Globo pela primeira vez na história. O campeonato mundial feminino existe desde 1991 e assim como o masculino, esse torneio acontece de quatro em quatro anos. Porém,… Continuar lendo “O empoderamento feminino motivou a Rede Globo a transmitir a Copa do Mundo Feminina esse ano”, comentam Cíntia Barlem e Emily Lima

Artigos

Pense duas vezes antes de comprar uma jersey

É notória a mudança em que vive a NBA. O tradicional all-star game que antes era disputado entre os melhores das conferências Leste e Oeste, agora é feito por uma seleção de capitães decididos pelos fãs da liga via internet. As restrições aos jogadores em quadra é maior se comparada com épocas passadas, quando as provocações e… Continuar lendo Pense duas vezes antes de comprar uma jersey

Artigos

80 anos do artigo Foot-Ball Mulato de Gilberto Freyre: a eficácia simbólica de um mito

No dia 17 de junho de 1938, Gilberto Freyre publicou no Diário de Pernambuco um artigo que se transformaria, algumas décadas depois, em objeto de estudo de cientistas sociais no Brasil. No artigo “Foot-ball Mulato”, Freyre diz que estava respondendo a um repórter que queria sua opinião sobre as “admiráveis performances brasileiras nos campos de… Continuar lendo 80 anos do artigo Foot-Ball Mulato de Gilberto Freyre: a eficácia simbólica de um mito

Artigos

A Copa e o encontro de mundos que escancara a mediocridade do Jornalismo técnico

França campeã! Não foi o time que encheu os olhos, apesar de grandes jogadores. Jogou “pro gasto”, o que os tecnocratas costumam chamar de eficiência. Para Croácia e Bélgica sobrou bola e vontade, mas faltou, como o técnico brasileiro Tite justificou a eliminação brasileira, o aleatório. Este “tal” aleatório está sempre presente no jogo e… Continuar lendo A Copa e o encontro de mundos que escancara a mediocridade do Jornalismo técnico

Artigos

Negros e árabes da Copa do Mundo: apontamentos sobre nacionalidade e migrações no futebol

Mais uma vez o debate sobre naturalizações e multiculturalismo atinge seleções participantes da Copa do Mundo. O futebol globalizado e midiatizado já anunciava há mais de duas décadas que as chamadas “escolas do futebol” estavam com os dias contados: grandes ligas europeias seriam tão concentradoras dos melhores pés-de-obra do mundo que a tendência era uma… Continuar lendo Negros e árabes da Copa do Mundo: apontamentos sobre nacionalidade e migrações no futebol