O Futebol Goiano no Campeonato Brasileiro: Três Grandes Desafios

O futebol goiano já fez história como um dos mais assíduos do campeonato brasileiro de futebol. De 1959 a 1999, foram realizadas 45 competições nacionais de primeira divisão (com diversas denominações: Taça Brasil, Torneio Roberto Gomes Pedrosa e Taça de Ouro, entre outros). Nas quatro disputas do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (1967-1970) foram admitidos apenas clubes convidados e as equipes de Goiás ficaram de fora. Mas nos outros 41 campeonatos nacionais, o futebol goiano esteve presente 31 vezes, o que o colocou acima da média quando se falava em número de participações.

Do ano 2000 em diante, a frequência continuou alta. Em 23 campeonatos nacionais de primeira divisão (2000-2022), o futebol goiano só esteve ausente duas vezes: em 2016 e 2018. Nas divisões inferiores, a assiduidade dos clubes de Goiás também é alta. Na Série B, por exemplo, houve clubes goianos em 20 dos últimos 22 campeonatos disputados (2001-2022). Assim pode-se dizer que a história do futebol goiano passa, em grande parte, pelos grandes feitos e pelos fracassos de seus clubes nas disputas nacionais.

Nesta longa e rica relação com o Campeonato Brasileiro, o futebol goiano deixou sua marca, tornou-se respeitado e se viu diante de situações desafiadoras. Hoje, há três desafios consolidados. Eles pairam sobre os dirigentes e torcedores e, para alguns, já se tornaram quase assombrações. 

PRIMEIRO DESAFIO: FAZER O INTERIOR ASCENDER ÀS DIVISÕES MAIS ALTAS

Os clubes do interior de Goiás costumavam ficar mal colocados nas competições nacionais de futebol das décadas de 1970 e 1980. Esta era a regra. Mas às vezes surpreendiam. A Anapolina, na primeira divisão de 1982, eliminou o Cruzeiro na segunda fase. Depois, na primeira partida das oitavas-de-final, venceu o São Paulo, chamado na época de “Máquina do Morumbi”. A vitória por 3 a 1 entrou para a história do clube e encheu de orgulho a sua torcida. Isso não mudou nem depois da derrota na partida da volta, pelo placar de 4 a 0. O Itumbiara Esporte Clube, na segunda divisão nacional de 1983, enfrentou em partida decisiva a Portuguesa, clube tradicional de São Paulo. Venceu por 3 a 2, desclassificou o adversário da competição e passou às oitavas-de-final. Foram exceções, mas deixaram boas memórias.

Quando a segunda divisão nacional passou a se transformar em Série B, ganhando normas mais estáveis ao longo da década de 1990, o interior goiano esteve presente na maioria das vezes (não teve representantes apenas em 1998 e 1999). No ano 2000, a Anapolina participou do módulo amarelo da Copa João Havelange (equivalente à Série B) e se manteve nessa divisão até 2005, quando foi rebaixada. Esse ano foi o último em que clubes do interior de Goiás participaram da Série B. Daí em diante, houve pouco a comemorar para cidades como Anápolis, Itumbiara e Catalão. 

O interior goiano, reduzido às Séries C e D, não conseguia mais subir de divisão. Em 2012, finalmente, um clube do interior ascendeu. O CRAC, vice-campeão da Série D, passou à Série C, onde ficou apenas dois anos. Em 2014, terminou a disputa entre os últimos colocados do campeonato e caiu de volta à última divisão do Campeonato Brasileiro. De 2015 a 2021, o futebol do interior de Goiás não teve clubes participantes sequer da Série C.

Era vexatório e para os dirigentes esse passou a ser o grande desafio: como voltar à Série C, depois à Série B e, enfim, sonhar com uma nova participação do interior goiano na Série A? A pergunta se tornava ainda mais incômoda quando clubes do interior de outros Estados conseguiam subir de divisão. Em 2013, o Luverdense, do interior de Mato Grosso, conseguiu subir à Série B. Se o futebol de Goiás era considerado tão superior ao de Mato Grosso, por que nenhum clube do interior goiano conseguia fazer o mesmo que o Luverdense? O Novorizontino, que é de uma cidade com apenas 38.000 habitantes, subiu em 2021 para a Série B. Anápolis, com quase 400.000 habitantes, não conseguia ter um clube nem na Série C. Pior ainda foi ver o Tombense, da cidade de Tombos (Minas Gerais), com menos de 10.000 habitantes, chegar à Série B naquele mesmo ano de 2021.

Contar com o apoio de uma cidade que seja grande em população e tenha economia vigorosa é muito importante para angariar recursos e montar uma boa equipe. Mas não basta. Os dirigentes dos clubes precisam ser hábeis para maximizar esse apoio e precisam também saber lidar com outros fatores que melhoram o desempenho do time. Muitos torcedores achavam que não havia dirigentes assim no interior de Goiás. 

Em outubro de 2021, enfim, um clube do interior de Goiás voltou a subir de divisão. Para ser mais exato, não é um clube do “interior”, mas sim da região metropolitana de Goiânia. Foi a Aparecidense (da cidade de Aparecida de Goiânia, vizinha da capital). A proximidade não pode ser ignorada, mas também há quem diga que se não é da capital, é do interior. 

A Aparecidense foi a campeã da Série D naquele ano de 2021. No ano seguinte, esteve perto de subir novamente. Caso vencesse sua última partida na Série C de 2022, contra o Mirassol, seria promovida. Perdeu por 2 a 1. E assim o interior de Goiás permanece diante do desafio de retornar, pelo menos, à Série B. Já faz 17 anos que a Anapolina disputou pela última vez essa divisão.

SEGUNDO DESAFIO: FAZER O VILA NOVA CHEGAR À SÉRIE A

A última partida do Vila Nova na primeira divisão nacional foi disputada em 21 de abril de 1985, feriado nacional de Tiradentes. O Vila Nova perdeu por 3 a 0 para o Joinville, no estádio Ernestão (Joinville-SC). Até hoje, tenta voltar à primeira divisão. É um anseio que, com o passar dos anos, tornou-se quase obsessão.

Em 1999, o Vila Nova quase conseguiu. O time tinha o famoso atacante Túlio no ataque e chegou ao quadrangular final, ao lado de Santa Cruz, Bahia e Goiás. Subiam dois para a Série A. Na penúltima rodada daquele quadrangular, aconteceu a partida decisiva. Justamente contra o Goiás, o arquirrival. Para frustração de sua torcida, o Vila Nova foi derrotado por 2 a 0 no Estádio Serra Dourada (diante de 35.000 torcedores) e ficou em péssima situação na tabela. O Goiás subiu. O Vila Nova, não. Em 2008, o Vila Nova chegou bem perto de novo, mas sofreu derrotas decisivas nas últimas rodadas e terminou em sexto lugar.

O Vila Nova se tornou, nitidamente, um clube de segunda divisão. Primeiro, porque não consegue chegar à Série A. Segundo, porque quando é rebaixado à Série C, rapidamente retorna à Série B, a “sua casa”. Aconteceu quatro vezes nesse século:

1. Em 2006, na disputa da Série B, o Vila Nova foi rebaixado para a Série C. Em 2007, ficou em terceiro lugar e garantiu o retorno rápido.

2. O Vila Nova foi novamente rebaixado para a Série C em 2011. Em 2012, ficou na 11ª colocação, mas em 2013 terminou em quarto lugar e voltou à Série B.

3. Em 2014, novo rebaixamento. O Vila Nova disputou a Série C em 2015, chegou à decisão, venceu o Londrina e voltou à Série B como campeão.

4. Em 2019, mais um rebaixamento para a Série C. E em 2020, o Vila Nova repetiu a façanha de 2015: chegou à decisão do campeonato, venceu o Clube do Remo e retornou à Série B festejando mais um título.  

Para agravar o sofrimento dos torcedores do Vila Nova, o Atlético Goianiense viveu uma fase de notável recuperação na década de 2000 e alcançou a primeira divisão nacional após uma longa ausência. Os atleticanos disputaram a Série A sete vezes nos últimos anos (2010, 2011, 2012, 2017, 2020, 2021 e 2022). Foi um desgosto terrível para os vilanovenses e aumentou ainda mais a ansiedade para chegar lá também.

Em 2020, o comentarista André Isac recebeu o seguinte questionamento de um internauta: por que o Vila Nova não consegue chegar à Série A? Ele respondeu em seu canal no YouTube. Falou em instabilidade política interna do clube, problemas de planejamento e falhas no investimento para melhorar a infraestrutura e reforçar as divisões de base. Quem não falha é a torcida vilanovense, respeitada e reconhecida por sua candente paixão ao clube. Uma torcida que, apesar dos protestos contra a diretoria, mantém vivo o sonho da Série A.

Na Série B deste ano, os torcedores estão agitados de novo. O time terminou o primeiro turno dentro do G-4 e os vilanovenses, entusiasmados, passaram a cantar e dançar o “bonde do tigrão” a cada partida em seu estádio, o Onésio Brasileiro Alvarenga. Alguns já falam abertamente em ir ao Maracanã ver o Vila Nova enfrentar o Flamengo na Série A de 2024, entre outras partidas deste quilate que fazem questão de assistir ao vivo. Começa a surgir a certeza de que 2023 é, finalmente, o ano de subir. A conferir.

Programa de TV sobre o “sonho da Série A” (2023). Entusiasmo vilanovense. (Imagem: Record TV Goiás – YouTube)
TERCEIRO DESAFIO: FAZER O GOIÁS E.C. CONQUISTAR UM TÍTULO NACIONAL

A revista Placar, em 2006, rasgou elogios ao Goiás Esporte Clube. Falou da boa estrutura, das boas contratações, dos bons resultados e o tratou como “a nova força do futebol brasileiro”. Mas advertiu: “falta ao Goiás consolidar essa nova condição — e isso só virá com um título nacional” (Placar, jun.2006, p. 107).

Dezessete anos depois daquela reportagem, o Goiás continua em busca do tal título nacional.

No ano de 1987, o Goiás foi alçado a uma situação diferenciada. Os clubes de maior expressão do país romperam com a CBF, fundaram uma associação chamada Clube dos Treze e decidiram organizar entre si um novo campeonato nacional. Seria, na prática, um campeonato apenas com grandes clubes. A CBF reagiu e uma crise política tomou conta do futebol brasileiro, mas o campeonato dos clubes grandes realmente aconteceu (com o nome de Copa União). Além dos fundadores do Clube dos Treze, outras três equipes foram admitidas. A do Goiás foi uma delas, o que deixou seus dirigentes e torcedores muito satisfeitos e orgulhosos, claro.

O Goiás não teve bom desempenho na Copa União, mas nos anos seguintes consolidou seu status de clube que merecia estar entre os grandes, ou seja, clube de primeira divisão. De 1988 a 1999, o Goiás disputou a segunda divisão apenas duas vezes (1994 e 1999). E mais: em 1996, chegou à semifinal do Campeonato Brasileiro.

No século 21, nenhuma mudança. O Goiás, de 2000 a 2022 (23 campeonatos), esteve 17 vezes na Série A. É um dos clubes mais assíduos da primeira divisão nacional. O que falta é conquistar o título. Chegou às oitavas-de-final na Copa João Havelange de 2000, ficou em sexto lugar na Série A de 2004, em terceiro no ano seguinte, em sexto no ano de 2013, mas nada além disso.

A terceira colocação na Série A de 2005 foi marcante, mas houve frustrações maiores: as derrotas nas finais da Copa do Brasil de 1990 e da Copa Sul-Americana de 2010. Ao contrário do Atlético Paranaense, que já foi campeão da Série A, da Copa do Brasil e duas vezes da Sul-Americana, o Goiás só chegou perto. E chegar perto, para a sua torcida, já não basta. O Atlético Paranaense já considera legítimo declarar-se um clube grande ou “novo-grande” do futebol brasileiro. O Goiás ainda não.

No campeonato de 1996, o Goiás jogou a primeira partida da semifinal no Estádio Serra Dourada e foi derrotado pelo Grêmio. Derrota decepcionante, óbvio. Armando Nogueira, no dia seguinte, disse que o time, “no frigir dos ovos, fraquejou” (Jornal do Brasil, 8.dez.1996, p. 46). Não fraquejar mais e vencer uma decisão importante ainda é o desafio maior do Goiás, 27 anos depois daquela semifinal do campeonato brasileiro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 8.dez.1996.

Placar. São Paulo: Ed. Abril, jun.2006.

SANTA CRUZ, Fábio. Futebol no Centro-Oeste: dos primórdios ao profissionalismo (1905-2018). Jundiaí: Paco Editorial, 2020.

www.bolanaarea.com  (consultado em 14.ago.2023)

www.futeboldegoyaz.com.br  (consultado em 14.ago.2023)

www.youtube.com/watch?v=ALuqxp3aCUk . Por que o Vila Nova não consegue subir para a Série A? (consultado em 14.ago.2023)

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