“Um de nós”: o esporte em cena

Faz mais ou menos um mês que assisti à peça “Um de nós”, em cartaz no teatro SESI (Freguesia) para apresentação única. Estava claro que não podia desperdiçar a chance.

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É importante explicar como essa peça chegou ao meu conhecimento. Foi bem simples, na verdade. Minha namorada conhecia a produtora, que a convidou para estar presente na apresentação. Junto com o convite, veio uma sinopse da peça. O slogan já havia me conquistado: “uma peça livremente inspirada na história de um judoca iraniano”.

Antes de contar minhas breves impressões sobre a apresentação, deixo registrado os nomes de alguns dos responsáveis por torná-la possível. Roteiro: Pedro Monteiro, Marcus Galiña e Joana Lebreiro; Atores: Gabriela Estevão, Lucas Oradovischi, Jorge Neves e José Wendell; Montagem: Joana Lebreiro.

A sinopse da peça adiantava muitos dos seus eixos dramáticos em torno do protagonista: os problemas com a família, a relação com seu país (Irã), a guerra, os infortúnios, o desejo de ser um campeão do judô. Eis o que estava escrito:

Numa madrugada, um homem assiste a uma entrevista pela TV.

Um judoca iraniano, no Pan Americano de 2007, competindo pela seleção da Guatemala.  (Estranho, não?!)

A luta, que o classificaria para os Jogos Olímpicos de Pequim, não havia acontecido.

O atleta dá uma entrevista, contando a sua trajetória – as tentativas de realizar o seu sonho de ir aos Jogos Olímpicos e as reviravoltas de sua vida e da história do Irã, que o impediram.

Aos 8 anos, um menino iraniano cansou de apanhar do pai, por ser agitado, demais.  Ele, então, fez uma promessa a si: tornar-se um grande lutador e judô, de preferência o maior do seu país.

No auge dos treinos, no entanto, a guerra, em 1980, o obrigaria a lutar por seu país, não nos Jogos Olímpicos de Moscou, mas nas fileiras do exército iraniano.

A partir daí, o homem que assistia à TV não consegue parar de pensar nesse inusitado personagem e começa a imaginar como teria sido essa história.

Logo no início da peça, percebi que o judô não estava na sinopse por acaso. O vestuário de todos os atores era o kimono branco e o palco reproduzia um tatame. A história percorria diferentes lugares, mas o cenário do palco mudava muito pouco. Poucas também foram as mudanças nas roupas dos atores: o kimono serviu até como hiyab. Cada ator interpretava mais de um personagem ao longo da peça, o que demandava um olhar atento dos espectadores para perceber as nuances de interpretação. Acredito que esse jogo de cena acabou tornando-se tão desafiador para a plateia quanto para os atores no palco.

Outro ponto que despertou minha atenção foi o cuidado dos atores com o treinamento para reproduzir fielmente os movimentos do judô. Não conheço a fundo esse esporte/luta, porém os movimentos dos atores se assemelhavam muito ao dos atletas que assisto pela TV nas partidas de judô. Não sei se algum deles já era um judoca antes da peça, mas, ainda que o fosse, esse cuidado com a caracterização merece ser elogiado. Disso resulta que a emoção dos atores nas lutas encenadas transmitia grande verossimilhança e, pelo menos para mim, foi um dos pontos altos da peça.

O protagonista da narrativa é o judoca iraniano Arash Koabi (nome fictício para um personagem da vida real). Coube a Pedro Monteiro interpretá-lo, ao mesmo tempo em que sua voz de roteirista se fez presente em inúmeros momentos da trama – como que em um monólogo, Pedro revelava à plateia o que deve ter sido seu processo criativo para elaboração do roteiro. Na minha opinião, uma boa sacada, que ajudou a dar dinamismo a peça.

A saga do herói clássico já é quase um lugar comum, de tanto que foi difundida pela indústria cinematográfica norte-americana. O herói é aquele que aceita o chamado para a aventura, muitas vezes ainda na infância, e que, com muito esforço, a despeito das dificuldades que possa encontrar pelo caminho, alcança o sucesso esperado. Bem, Arash começou a treinar judô ainda criança e sua vida foi marcada por contratempos. Até aí, ele cumpriu certinho o que se espera de um herói. Entretanto, a conquista da medalha olímpica, que representaria o ápice de sua carreira, nunca chegou.

Trata-se então de uma história improvável de heroísmo, pois seu status heroico é alcançado pelo seu esforço abnegado, porém não recompensado. A história do protagonista parece ser de fato, a saga de cada “de um nós”, anônimos das cidades, que buscamos nossa simbólica medalha de ouro (inalcançável para a grande maioria), isto é, a realização de nosso(s) sonho(s).

Após este breve relato, gostaria de parabenizar a todos os envolvidos na peça, ainda que muito provavelmente eles não me leiam. Desejo que, inspirados pelos Jogos do Rio – 2016, mais roteiristas e diretores teatrais se inspirem em sagas olímpicas para tecer suas tramas. O casamento esporte e teatro me parece ter um caminho profícuo a trilhar.

Outras informações sobre a peça podem ser encontradas nos seguintes endereços:

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