Faça Copa, não faça guerra – Um Mundial e seus fantasmas

dani-alves-confederacoes-13Será a “Copa das Copas”, mas poderia ser a “Copa dos Fantasmas”. O Mundial que está batendo a porta traz consigo um clima diferente dos outros torneios. “Nunca na história desse país” ou de qualquer outra nação sede, se viu tanta importância social, política e econômica investida na disputa nos gramados.

O futebol – visto por alguns como “ópio do povo” por seu poder de alienação – é, ao longo da sua história, uma ferramenta de influência política e de unificação nacional. O livro de Gilberto Agostino, “Vencer ou morrer: Futebol, geopolítica e identidade nacional” nos mostra bem como isso aconteceu em todos os continentes. Aqui, no Brasil, não foi diferente. Muito do que entendemos por “ser brasileiro” vem da Seleção nas Copas do Mundo.

fantasmaAo atrair os olhares do mundo diante de uma das principais competições esportivas, o Brasil coloca em jogo nas ruas a luta por direitos, qualidade de serviços, honestidade política. Fantasmas que assombram bem mais a população do que o Maracanazzo uruguaio de 64 anos atrás. Uma questão de oportunismo. Não no sentido negativo da palavra. Mas acho que confunde um pouco as coisas.

2014 era pra apagar de vez 1950. Acabar com a sina de que não conseguimos vencer em casa. De escalar Jefferson no gol e vingar Barbosa e a baboseira da incapacidade do goleiro negro. De gritar no Maracanã até calar o “silêncio ensurdecedor” daquele 2×1. De mostrar ao estrangeiro o quanto o nosso Brasil é o país do futebol. Mas o Hexa na bola deu espaço para o “Hexa dos direitos”.

Na apresentação da Seleção Brasileira para a Copa, professores da rede municipal e estadual do Rio cercaram o ônibus da equipe e colaram adesivos relacionados à precariedade da educação pública e o “Não vai ter Copa!”. Foram até a concentração da Seleção protestar. Não sei o motivo, mas me lembrei de 1998 e o ônibus da França “abraçado” pelos franceses até o estádio na final. Não sei se é a melhor maneira de começar a torcida. De protestar.manifestacao_granjacomary_marcioiannacca

Estudei em escola pública. Já precisei do Sistema Único de Saúde. Ando de transporte coletivo. Sei que não é fácil. Mas acho que o direcionamento dos protestos deveria ser para os políticos e quem dá as condições de ganhar o “pão”, não para jogadores que fazem nosso “circo”. No estilo: aproveitem junho e julho, guardem energias para outubro. Talvez eu esteja errado. Talvez Sérgio Buarque de Hollanda estivesse errado. O brasileiro acordou, não é cordial, não vai tratar bem as “pessoas de fora”. Talvez não.

Não adianta comemorar se não há leitos, sem salários dignos, com ruas engarrafadas. Acho que a culpa não é da Copa. Nem minha, nem sua. Nessa “Geração Facebook” em que tudo se compartilha, vejo muito de ódio e desconforto entre os brasileiros. E, por questões políticas, curtimos e postamos muito do lado negativo das coisas. Mas uma parte ainda se empolga com o futebol em si.

início da copaAfinal, a Copa começa pra valer agora. Vamos respirar Granja Comary nos noticiários. Com um discurso da mídia ufanista, a favor do Mundial. E antes de reclamar de 2014, saiba que isso não é de agora. Em 1950, já tínhamos a ideia de que a Copa era importante para os brasileiros. “O Globo” de 24 de junho trouxe uma matéria com o título: “O povo e a Copa do Mundo”, onde fazia uma enquete com alguns cariocas. Segundo o texto, “apenas um humilde trapeiro alheio” não se importava com o torneio. “Todos os demais – gente das mais diversas categorias sociais e profissões – foram unânimes em comungar com o entusiasmo que empolga o carioca, num sentido mais popular que o próprio Carnaval” (O GLOBO, 24/06/1950). Sempre vivemos nas Copas nosso melhor Carnaval. Sentido de patriotismo sem igual. E agora aqui, na nossa pátria.

Ok, concordo que é digno questionar imposições “padrão Fifa”, tomadas de cidades sede, com áreas próximas aos estádios totalmente entregues à Federação. No incrível país da Fifa-Brazil, a inflação da cerveja e do churrasquinho é exorbitante, por exemplo. E ao ler a “A Copa como ela é”, de Jamil Chade, dá vontade de virar a cara para o Mundial. Revoltante mesmo.

Mas não consigo. Fui criado por Mundiais. Vivia os doces sonhos de criança de quatro em quatro anos. O futebol guiou minha vida profissional. Alguns fantasmas pessoais foram vencidos pelas lições que a bola nos dá. Agora, estamos diante de mais um aprendizado. Um mês que vai marcar nossa história como país.

O Brasil mudou. As relações sociais, a cobrança do povo, a maneira de olhar o futebol mudaram. A expectativa é se essa mudança sobrevive após o 13 de julho. Não ouso imaginar o pós-Copa.neymar

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