“Expor e debater a pesquisa com outros estudiosos da área é uma das grandes oportunidades de quem vivencia atividades científicas participando de congressos acadêmicos. Com isso, a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, juntamente com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tem a honra de marcar o retorno das atividades presenciais com o seu XVII Congresso.
O evento ocorrerá entre os dias 10 e 12 de maio de 2023, no Campus Maracanã da UERJ, na cidade do Rio de Janeiro. Ciente também de sua responsabilidade com a democratização da ciência, o evento trará um conjunto de mesas redondas que serão transmitidas pela Internet, enquanto seus Grupos de Trabalho e Espaço Graduação serão realizados de maneira presencial, visando fortalecer as trocas e diálogos entre pesquisadores. Os grupos são:
Também como forma de reafirmar seu compromisso com a democratização da ciência e com o desenvolvimento do campo de pesquisa de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, o XVII terá inscrições GRATUITAS para todos os associados Abrapcorp com anuidade 2023 paga. Da mesma forma, manterá uma Política de Ações Afirmativas para estudantes, garantindo inscrições gratuitas para todos estudantes de graduação contemplados com bolsas sociais por suas instituições de ensino ou agências governamentais.
Fonte: Abrapcorp
Tema do Evento
O tema do XVII Congresso Abrapcorp será “Comunicação, ativismo e organizações”, e visa estimular um relevante e transformador debate sobre o papel da comunicação (sobretudo na perspectiva organizacional) na luta por realidades mais igualitárias, assumindo o compromisso da construção de diálogos orientados pela busca do desenvolvimento social e pela minimização das disparidades que marcam a sociedade brasileira. Nessa perspectiva, a ideia de ativismo tem se tornando um tema de interesse de diversas empresas, seja na proposição de novas práticas comunicacionais no âmbito das organizações ou no relacionamento com o seu público.
Submissões
O site do evento já está online, e o período de submissões irá até 25 de fevereiro de 2023. Convidamos todos os pesquisadores a submeterem artigos para os Grupos de Trabalho e estudantes de graduação para participarem do Espaço Graduação. Convidamos também doutores, mestres e estudantes recém graduados a participarem dos Prêmios Abrapcorp de Teses, Dissertações e Monografias, inscrevendo gratuitamente trabalhos que foram defendidos entre 01 de março de 2022 e 28 de fevereiro de 2023.
Uma informação importante é a isenção do valor de inscrição para estudantes “que usufruam de qualquer auxílio estudantil ou bolsa social/de estudos concedidos por suas universidades, faculdades ou agências de apoio”. (fonte: https://abrapcorp.org.br/xviii-congresso-abrapcorp/)
Chamamos atenção para o Espaço de Graduação do Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp) que é coordenado pelo professor adjunto da FCS e membro do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte, Fausto Amaro. O espaço receberá trabalhos de alunos, posteriormente divididos em sessões temáticas (de acordo com o teor dos artigos recebidos). Tendo em vista a importância da participação de graduandos na ABRAPCORP, o coordenador reforça o pedido para que professores divulguem esta oportunidade e estimulem a participação de seus alunos.
Em tempos nos quais os ventos da democracia voltam a soprar forte sobre as terras tupiniquins (mesmo ainda com tantos insanos insistindo em lutar contra o vento), nada mais apropriado do que falarmos sobre a Copa São Paulo de Juniores, carinhosamente tratada por Copinha, o mais democrático de todos os campeonatos de futebol disputados no Brasil.
O torneio vem sendo realizado desde 1969 e chega, em 2023, à sua edição de número 53. Só não foi disputado em 1987, por conta da não liberação de verbas do então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, e em 2021, devido à pandemia da Covid. Este ano, 128 clubes participam da competição: representantes de 25 estados e do Distrito Federal. Infelizmente a equipe do Amapá, o Santana Esporte Clube, não conseguiu arrecadar dinheiro suficiente para enviar seus jogadores para a disputa e acabou sendo substituído por um time do interior do estado de São Paulo.
A competição já contou, em algumas de suas edições com clubes estrangeiros e não apenas “vizinhos” latino-americanos como Argentina, Uruguai, Paraguai, México ou Haiti. Teve gente que veio de bem mais longe, como clubes da Arábia Saudita, Alemanha, China e Japão (com quatro times diferentes).
Democracia e futebol, em nosso país, nunca se deram muito bem em campo. Cartolas e jogadores na maioria das vezes se encontram em lados opostos, numa tacanha e tradicional relação entre patrões e empregados: uns mandam e outros obedecem, ou, pelo menos, fingem que obedecem. E quando acontece, esporadicamente algum tipo de “bola dividida”, geralmente os dirigentes levam a melhor.
No Brasil, as poucas manifestações conjuntas de jogadores só acontecem quando o “bolso pesa”, ou seja, em situações de não pagamento de salários ou direitos de imagem. Não há, em mais de um século do esporte no país, registros de qualquer manifestação coletiva relevante em defesa da classe profissional.
Uma pesquisa divulgada, em 2021, com dados da CBF, Statista e Ernst & Young mostrou que mais da metade dos jogadores profissionais (cerca de 55%) ganham apenas um salário mínimo por mês, mas isso não mobiliza atletas que poderiam usar sua visibilidade e sua voz para questionar tal discrepância.
No fim da carreira, quando atuava pelo Corinthians, o “fenômeno” Ronaldo Nazário chegou a dar algumas entrevistas reivindicando direitos trabalhistas e aposentadoria especial para jogadores de futebol. Não deu em nada, claro, mas fica a pergunta: hoje, como proprietário de clubes no Brasil e na Espanha, será que ele ainda pensa da mesma forma.
Se na questão trabalhista a união dos jogadores já é escassa, imagine quando o tema de possíveis mobilizações transcende as quatro linhas. O exemplo mais representativo do qual tenho notícias, até hoje, foi a chamada Democracia Corinthiana, movimento surgido no início dos anos 1980, nos estertores da Ditadura Militar.
Tendo à frente jogadores como Sócrates, Casagrande e Wladimir, o elenco do alvinegro paulista não apenas reivindicava direitos para a classe, como se manifestava politicamente pela volta da democracia no país. Andorinhas que não conseguiram fazer verão.
A democracia em campo com os jogadores do Corinthians. Fonte: Jornal de Uberaba.
Protestos contra o racismo, a homofobia e até mesmo contra a realização de partidas ainda durante um período mais crítico da Pandemia não devem ser vistos, no meu entender, como uma manifestação conjunta da classe, até porque, quase todos tiveram a anuência dos clubes. Eram demandas autorizadas pelos patrões.
Bola democrática
Mas coloquemos a bola no centro do gramado para analisarmos o poder democrático da Copinha. Mais de 3 mil atletas dos quatro cantos do país têm, durante a competição, a chance de realizar alguns de seus sonhos, dos mais modestos aos mais ambiciosos.
Para muitos desses meninos só a oportunidade de viajarem para outro estado já é uma grande realização, mas, é claro que a maioria tem aspirações maiores: serem vistos, terem seu talento reconhecido, chamarem a atenção de outros clubes ou, ao menos, de algum “olheiro”. Se a partida for contra um “time grande”, ainda melhor, porque a chance de ser transmitida para todo país deixa a “vitrine” bem mais ampla. Uma bela jogada ou, por desígnios do destino, um gol, podem ser a senha para alcançar (desculpem o termo “modinha”) um outro patamar.
Em um país com tanta desigualdade social como o nosso, jogar bola e bem, sempre é visto como possibilidade, ainda que remota, de ascensão social. Exemplos não faltam. Muitos dos multimilionários jogadores brasileiros espalhados pelas maiores ligas de todo o mundo têm histórias semelhantes à de Vinícius Júnior, atacante do Real Madrid e da Seleção, que começou jogando em uma escolinha em São Gonçalo, município humilde do Grande Rio e que alcançou o estrelato, sendo, hoje o jogador brasileiro mais valorizado do planeta.
A ambição, justificada, dessas famílias impõe uma pressão danada sobre esses jovens. Chega a ser recorrente a resposta que quase todos meninos dão quando questionados sobre suas ambições profissionais. Invariavelmente a primeira resposta é comprar uma casa para a família ou proporcionar uma vida mais tranquila para os pais. Dependendo do contrato, essas preocupações chegam a ser tão singelas como a resposta daquele sujeito que, certa vez, em uma reportagem sobre um prêmio acumulado da Megasena, disse que consertaria a bicicleta caso acertasse as seis dezenas.
Imaginem, por exemplo, os valores (não divulgados) do acerto entre Palmeiras e Real Madrid pela venda do passe do menino Endrick, de apenas 16 anos. O garoto, que começou a jogar pelo alviverde aos 10 anos de idade, fez 165 gols em 169 jogos disputados pelas categorias de base. Na Copinha de 2022 foram 5 gols em cinco jogos; o mesmo aproveitamento de 100% se repetiu na Seleção sub-17. Resultado: com apenas 7 partidas disputadas pelo time principal, já está negociado, embora só vá para a Espanha em 2024, quando completar 18 anos.
Endrick o novo espelho de cada menino bom de bola. Fonte: Globo Esporte.
Nem todos serão Endricks. Melhor dizendo, nem todos conseguirão oportunidades e, muito provavelmente, daqui a alguns anos o mundo da bola será algum uma lembrança distante, presente apenas em fotografias. Aqueles que conseguirem seguir na profissão terão um longo caminho pela frente seja na terra natal, em outros estados ou até mesmo em país sobre o qual jamais ouviram falar, com uma língua estranha e muito longe da família.
Para esses jovens que entram em campo nos jogos da Copinha, o futuro é uma incógnita e todo o labirinto que existe entre eles e uma carreira nem passa pela cabeça de quem deixou de ser criança há pouco e vê, sobre seus ombros, o peso de ser a tábua de salvação para uma família inteira. O sonho pode ser Munique ou Manchester, a realidade, contudo, pode não passar de Arapiraca ou Marabá.
Que os tais ventos democráticos façam com que o país volte a um rumo onde a educação pública de qualidade seja uma realidade, ainda que a médio ou longo prazo. Só assim rapazes como esses que disputam a Copinha não tenham no futebol sua única possibilidade de vingar na vida de forma digna.
O que tinha Pelé para ser chamado de Rei do Futebol? Perfeição. Essa é a palavra que melhor o define. Pelé era completo em todos os fundamentos. Seu jeito apolíneo de jogar futebol impressionou o mundo em 1958, quando ele tinha 17 anos. E o corou definitivamente como o melhor de todos os tempos, após o milésimo gol em 1969, e na conquista do tricampeonato, em 1970, com 29 anos de idade.
Fonte: Lance!
Durante muito tempo sua “realeza’ era inquestionável, uma unanimidade. Mesmo na Argentina. Muitos não sabem, mas Pelé foi colunista do Jornal Clarín nas Copas de 1978, 1982, 1986 e 1990. Sendo que nessa última, ele foi anunciado, em uma foto cumprimentando Maradona, como o maior da história na apaixonante atividade de se jogar futebol.
Nas Copas de 1982 e 1986, os jornais brasileiros e argentinos debatiam sobre Zico e Maradona, para saber quem era o melhor. Pelé estava fora dessa discussão. A partir dos anos 2000, por conta de uma votação na internet promovida pela FIFA, criou-se o debate entre Pelé e Maradona sobre o maior da história.
Uma heresia comparar jogadores de épocas distintas. Mas isso faz parte do esporte. Ainda assim, jornais do mundo inteiro, como franceses e alemães, por exemplo, noticiaram a morte do Rei como o melhor da história.
Quais os atributos perfeitos de Pelé para ser o Rei? Todos. Ou melhor, todos aqueles que imaginamos ser possíveis na atividade futebolística. Cabeceio, passes, dribles, gols, arrancadas, tiro livre etc. Em tudo, parecia que a figura de Apolo, o Deus da perfeição, estava presente.
Idolatrado mundialmente, Pelé criou um repertório de jogadas e gols que levaram a conquistas memoráveis. E surpreendentemente até de gols antológicos que, infelizmente, não aconteceram, mas que, ainda assim e talvez por isso mesmo, se tornaram célebres, inesquecíveis, como o contra o Uruguai, na Copa de 1970.
Pelé, um homem preto, atleta extraordinário, tema de artigos acadêmicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Simplesmente o Rei do futebol. E isso em um país e em uma época em que casos de racismo eram frequentes e que, ainda hoje, se tornam evidentes.
Pelé passou um tempo de sua vida tendo que se explicar e se justificar de acusações de que ele poderia ter feito mais para o movimento negro, por exemplo. Alguns o criticaram por isso. Inclusive, se tornou famosa a frase de que Pelé calado seria um poeta. Mas Pelé em campo era pura poesia.
O fato é que sua simples presença em lugares onde pretos não costumam frequentar e que são barrados na entrada, era de uma importância ímpar e orgulho de muitos. E mesmo sendo alvo de críticas dentro de seu país, sua comparação com qualquer outro atleta de futebol era considerada uma blasfêmia para a maioria dos brasileiros. Pelé, atleta, era sagrado. E, portanto, intocável, incomparável.
Eu tive o privilégio de ver Pelé jogar quando eu era criança. Foi o único atleta a marcar gol contra o meu amado Flamengo e a torcida aplaudir (eu inclusive). Pelé estava além e acima das rivalidades. Ídolo mundial, herói do Santos, se tornou ídolo e herói de todos os brasileiros. Eternamente.
Neste domingo, fui surpreendido com a morte de mais um personagem importante para minha formação no campo do esporte e da cultura. Já tínhamos recentemente perdido o Tremendão, a linda e afinadíssima Gal e outras pessoas ilustres, cujo desaparecimento torna o mundo menor. Pelé morreu e causou comoção mundial. Como diz meu amigo João, Pelé fez mais coisas dentro e fora de campo do que ele mesmo pudesse imaginar, apesar de suas caneladas na vida privada comum a qualquer mortal. Roberto nos deixou há pouco, depois de um jogo difícil travado contra um câncer de intestino. Ele morre aos 68 anos, deixando uma legião de fãs de minha geração, admirados com aquele futebol que temos na memória dos domingos de clássico no Maracanã ou em São Januário.
Fonte: Elencos
Carlos Roberto de Oliveira, conhecido como Roberto Dinamite, nasceu em 13 de abril de 1954, no município de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Foi exímio goleador e é o maior ídolo, em todos os tempos, da torcida vascaína.
Como vascaíno de meia-tigela atualmente, não posso esquecer as alegrias que Roberto me deu durante minha infância, adolescência e início da vida adulta. Sou neto de portugueses de Trás-os-Montes, então não poderia deixar de ser Vasco, no Rio de Janeiro, e Porto, em Portugal. Cansei de assisti-lo marcar gols de falta ou nos minutos finais, assistindo aos jogos do Vasco a olho nu, sem replays ou VAR. Não me esqueço das partidas finais do Campeonato Brasileiro de 1974, lá estava eu nos dois jogos finais no Maracanã. O Vasco tinha a vantagem do empate na semifinal contra o Internacional, para enfrentar o Cruzeiro na decisão; Roberto marcou o primeiro gol e Zanata o segundo, mas o jogo termina 2 a 2. Na final contra o Cruzeiro, o Vasco ganhou de forma épica por 2 a 1, com gols de Ademir e Jorginho pelo Vasco, com Nelinho descontando com um golaço. Roberto foi o artilheiro do campeonato, com 16 gols. Ao final, houve a troca de camisa com Dirceu Lopes, movimento feito de acordo com o manual do fair play da época, tal como deve ser uma passagem de faixa presidencial. O jogo foi apitado pelo icônico Armando Marques.
Eu, um garoto, frequentava o Vasco e lá praticava judô. Observava, a cada tarde, Roberto treinando solitariamente a cobrança de faltas, com uma barreira de madeira, até escurecer. Por isso, embora existam gênios em qualquer área, os que conheço foram forjados com treino e esforço. Roberto, Zico e outros eram ídolos de seus clubes e sabiam cumprir bem o papel que suas comunidades imaginadas, suas “nações”, lhes conferiam. Eles não recusavam autógrafos, fotografias e afagos aos seus torcedores.
Um dos mais belos gols de Roberto e da história do futebol mundial se deu num Botafogo e Vasco, em 1976. Roberto constrói a jogada, recebe a bola no alto num passe em inversão de Zanata, mata no peito, dá um chapéu em Osmar e de voleio arremata contra Wendell. Esse gol é inesquecível.
O golaço de Roberto Dinamite diante do Botafogo, em partida válida pelo Campeonato Carioca de 1976.
A última vez que tive contato com Roberto foi num conturbado voo entre Belo Horizonte e Rio. O Vasco tinha acabado de jogar contra o Atlético Mineiro e, para infelicidade do Dinamite, havia sido derrotado. Estava sentado quando vi Roberto, no alto dos seus 1,86 m, entrar no avião. Para minha surpresa, ele se sentou ao meu lado. O Vasco atravessava uma difícil campanha e ele era o presidente do clube. Além das amenidades que conversamos sobre minha memória vascaína, falamos sobre a política carioca, sobre a qual tínhamos algumas divergências que não podiam sobressair diante do meu ídolo de infância. Como o voo havia sido alterado, nosso pouso seria no Galeão, não mais no Santos Dumont, como previsto. Roberto reclamou que tinha seu carro no aeroporto da Zona Sul. Como minha mulher foi me buscar no Galeão, ofereci uma carona que ele prontamente aceitou. Assim, pude ainda desfrutar um pouco mais da companhia daquele que fez minha infância mais feliz.
O estilo maximalista adotado por grande parte dos 26 “foras de série” que representaram nosso país na Copa do Mundo 2022, promovida pela FIFA, foi usado para “contar a narrativa do hexa”. Título prometido ao “Mito” que, junto a sua vitória nas urnas, dariam, sim, um novo valor simbólico à camisa canarinho (e a Bandeira Nacional).
Este estilo, construído de fora para dentro, com cabelos criados por “personal hair style”, headphones exclusivos banhados a ouro ou inseridos em óculos de design avançado (por acaso estilo dos anos 1980) junto às coreografias dignas dos musicais da Broadway, fizeram parte deste “mais é mais” promovido por esta casta de privilegiados que esqueceram de fazer o principal (os Gols), com o intuito de maximizar as experiências do consumidor (torcedor em outras épocas), mascarar a realidade do futebol brasileiro atualmente em cartaz e o clima político vivido no momento.
Todos esses elementos, em conjunto com a soberba dos mitos socialmente construídos, não permitem avaliar com precisão a força à disposição, como também os leva a desconsiderar de forma arrogante a força dos oponentes, sempre sob a tutela da mídia e sua fome de audiência. Nunca perdemos porque os outros demonstraram superioridade e sim porque por algum motivo nós permitimos.
Está na hora de esquecer esses mitos de origem, campeonatos morais e glórias históricas que não entram em campo e revisitar conceitos, ou então mudar o método pedagógico formativo, se é que existe algum método nesse campo.
Já se vão cinco Copas do Mundo onde os protagonistas em campo, dirigentes, “cartolas” e a imprensa esportiva especializada (em entretenimento) prometem aprender com a derrota e voltar mais fortes na próxima (?). No atual contexto, fica evidente que não se aprende com a derrota, se aprende corrigindo os erros. E a primeira atitude a ser tomada para ter êxito é identificá-los e reconhecê-los. Simplesmente admitir a derrota torna-se ineficaz, ela é óbvia, normalmente testemunhada ao vivo por alguns bilhões de espectadores ao redor do planeta.
Fonte: Esportes R7
O reconhecimento desses erros revela invariavelmente os CPFs da autoria, deixando a descoberto indivíduos ineptos ou incompetentes e exigem principalmente um “minha culpa” público. Nobre atitude que nunca tiveram, têm ou terão, enquanto uma casta desprovida de ética. Que ao invés de buscar o sportswashing, procurem superar as dificuldades, transpor os obstáculos com vistas à construção de um espaço de ordem onde curriculum, tradição, história e peso de uma camisa tenham seu devido lugar: no imaginário da torcida e da imprensa (e não no campo de jogo).
Num esporte coletivo, a identificação de um “vilão” para o fracasso não exime os “pecados”, pelo contrário, relativiza a análise da derrota, jogando uma máscara na realidade. A falta de críticas construtivas nas vitórias (onde não haveria nada a melhorar) colaboram para permanência da atual conjuntura.
Partindo de algumas hipóteses vou tentar contestar algumas “verdades” travestidas de tradição que regem este imaginário popular:
Somos o país do futebol… Será?
Em primeiro lugar, se fôssemos, estaríamos para o futebol, como os Estados Unidos estão para o basquete – mesmo que eles não se autodenominem o “país do basquete” ou como os africanos estão para as maratonas.
Segundo, deveríamos ter políticas públicas oriundas da CBF, que no lugar de organizar campeonatos regionais e/ou nacionais, limitasse sua atuação às Seleções Nacionais e seus compromissos esportivos. Brindasse apoio material, técnico e de infraestrutura aos Estados e Municípios para normatizar, desenvolver e fiscalizar o futebol infantil, que hoje está na mão de “experts” travestidos de pseudoeducadores nas “Escolinhas de Futebol” com a “marca” de craques do passado que nem conhecem o espaço físico onde estas ficam localizadas.
Terceiro, sendo o “país do futebol” dono dos jogadores mais habilidosos e técnicos do universo e única seleção pentacampeã Mundial, deveríamos ter mais protagonismo global. Pelo contrário, utilizamos o futebol como mais uma commodity: exportamos “pé de obra” (DAMO) e importamos o espetáculo pronto, repatriamos craques aposentados e retransmitimos ao vivo as Ligas mais poderosas do mundo, pagando royalties para assistir alguns outrora meninos nossos da periferia.
Não é por acaso ou por abuso infantil que os meninos brasileiros são recrutados cada vez mais cedo. E então levados para centros de excelência para serem formados ética, moral e esportivamente.
A exportação da maioria de nossos jogadores tem como destino as ligas menores. São poucos aqueles que atuam nas ligas Inglesa, Alemã, Espanhola, Italiana ou Francesa e o mais sintomático: nossos Técnicos não frequentam (nem frequentaram) as ligas da elite mundial.
O acaso não é responsável de que a Licença de Treinador da CBF na Europa, valha o mesmo que minha carteira de motorista… a UEFA não reconhece e não autoriza seu portador a exercer função remunerada no continente.
A título de curiosidade, podemos olhar para as 10 últimas Copas do Mundo e contar quantos técnicos brasileiros estão ou estiveram a frente de seleções europeias, ou para ir geograficamente mais perto, olhar nas últimas cinco edições da Copa América e fazer o mesmo levantamento[1].
Também caberia fazer essa pesquisa em nível de Clubes nas cinco maiores Ligas do velho continente, sem atribuir isso à barreira idiomática… Portugal não deixa.
Os argentinos, por exemplo, também teriam essa barreira, e mesmo assim têm simultaneamente quatro ou cinco técnicos nas maiores ligas europeias, sendo também maioria nas Seleções sul-americanas.
O reconhecimento desse fato fica evidenciado quando após a saída do “Mister” Tite, (aquele mesmo, que abandonou os guerreiros caídos no final da batalha após a derrota) a CBF busca um não-nativo para comandar o próximo “ciclo” mundial à frente da Seleção Nacional. Deve ser reflexo de que nos últimos 5 anos no Brasil, os técnicos que brilharam por estas terras eram estrangeiros, entre eles Jorge Jesus e Abel Ferreira.
Somos os únicos pentacampeões … E daí?
O título de pentacampeão, por si só, não confere nenhuma vantagem ou meritocracia ao portador. O histórico não alinha em campo nem converte gols.
Se fizermos uma leve reflexão, perceberíamos que nos últimos 52 anos (meio século) não existe hegemonia de seleção alguma no planeta. Tanto Brasil quanto Argentina e Alemanha, ganharam três edições da Copa do Mundo cada uma.
Somos a única seleção a participar de todas as Copas… Mérito próprio?
Verdade, somos a única a participar de todas as Copas e não temos que nos orgulhar disso. A geopolítica (e não a classificação na bola, via eliminatórias) nunca atuou contra a Seleção Brasileira, nunca barrou a sua participação por motivos burocráticos ou políticos, como fez com algumas nações. Portanto somos os únicos que participamos de todas as edições do evento sim, sem contestação, de novo… qual o mérito, por quais motivos?
Na Copa do Mundo da França, em 1938, a FIFA deixou de fora a Espanha porque em 1937 o país atravessava um conflito armado por conta da guerra civil e não permitiu que disputasse as eliminatórias.
No Brasil, em 1950, a ONU (Organização das Nações Unidas) solicitou à FIFA que excluísse Alemanha e Japão por conta de sanções impostas pela entidade em 1945, após o término da Segunda Guerra Mundial.
Na Copa de 1954 na Suíça, as representações de Bolívia, Costa Rica, Cuba, Índia, Islândia e Vietnã não cumpriram o prazo de inscrição e perderam as Eliminatórias.
Em 1958, na Suécia, onde o Brasil se sagrou Campeão pela primeira vez, a FIFA limitou o número de participantes deixando de fora os africanos, que à época tinham acabado de formar sua Confederação e disputavam as eliminatórias junto aos asiáticos, e enviaram por último a documentação (Rígida a FIFA, né?). A África do Sul ficou de fora devido ao regime do Apartheid, e Turquia, Indonésia e Sudão se retiraram das disputas por se recusarem a enfrentar a seleção de Israel.
Em 1966, na Inglaterra, a África do Sul permaneceu de fora pelo Apartheid e os demais países africanos não compareceram por achar injusta a forma de disputa[2]. As Filipinas que não efetuaram o pagamento das taxas de inscrição, além de Congo e Guatemala, que perderam o prazo de inscrição, também foram excluídas.
Em 1970,noMéxico, quatro seleções tiveram os pedidos rejeitados pela FIFA, mas as razões são desconhecidas. Albânia, Cuba, Guiné e Zaire foram as barradas da vez.
Nas edições de 74 e 78 não houve interferência alguma da FIFA. Somente em 1982, na Espanha, a República-Centro-Africana ficou de fora por não efetuar o pagamento das taxas.
Na Copa do México, em 1986, vencida pela Argentina, mais uma vez um conflito armado decide a participação ou não de uma nação. Irã e Iraque foram os protagonistas do confronto, e somente o primeiro ficou de fora. O Iraque foi autorizado a participar das eliminatórias e se classificou para a disputa.
Ao tentar fraudar a FIFA, inscrevendo jogadores acima da idade permitida (vulgo gatos) para o Mundial Sub-20 de 1989, o México foi punido, sendo proibido de disputar a Copa do Mundo de 1990, na Itália. As representações de Belize, Ilhas Maurício e Moçambique não disputaram as Eliminatórias por dívidas com a entidade máxima do futebol.
Um fato ocorrido no Maracanã em 1989, na última rodada das Eliminatórias para 1990, protagonizada por um sinalizador e o goleiro chileno Rojas, suspendeu o Chile da Copa dos Estados Unidos de 1994 por simulação e fraude. Rojas foi banido do futebol e vários jogadores foram suspensos. A ONU pediu também a suspensão da Iugoslávia e da Líbia, devido ao conflito dos Balcãs e a atentados terroristas, respectivamente.
Nas Copas de 2014 e 2018, a tentativa de interferência de Governos nas respectivas federações, tirou da Copa o Brunei e a Indonésia, respectivamente.
Por último, na Copa de 2022,noQatar, a FIFA desfiliou a Rússia pela invasão (em curso) da Ucrânia, deixando-a de fora da disputa da repescagem e por consequência, da Copa do Mundo. Como podemos perceber, o mérito de o Brasil ter participado de todas as edições do maior evento do planeta é exógeno.
Dito isto, acho que está na hora de deixar de pensar o futebol brasileiro como um museu (que vive do passado) ou como um ser acadêmico (que vive de curriculum). Deixar de pensar que as derrotas são fruto de conspirações e, principalmente, que gostamos de futebol, gostamos mesmo é de ganhar. Se gostássemos de futebol, não vibraríamos com a eliminação de uma seleção ou estaríamos torcendo para outra ser eliminada, só pelo fato de serem concorrentes, nem escolheríamos (quando possível) qual time preferíamos enfrentar na seguinte fase.
Outro sentimento que (convenientemente) não temos muito claro, por exemplo, é referente aos nossos vizinhos de continente: “Com Argentina e com Uruguai temos rivalidade”, por isso torcemos contra.
Não, contra eles temos alteridade…Como gostaríamos deter ganho a Copa de 1950,já seríamos hexa… Também não ter perdido a Copa América 2021 no Maracanã para esses racistas (nós não, eles…) … “Ganhar é bom, mas ganhar da Argentina é muito melhor”… Como seria bom ter, além do penta, cinco Prêmios Nobel e dois Oscar no cinema.Quiçá os óculos maximalistas da soberbanão nos permitam perceber nada do acima exposto. Se despir dela, a soberba, seria no meu humilde entender, o primeiro passo para mudar o estado da arte. O simples fato de ter participado de todas as Copas, ou de ser a única pentacampeã são argumentos paupérrimos como único pilar de orgulho de qualquer Nação e sem relevância fora do eixo histórico.
[1] Os treinadores argentinos estão representados em todos os lugares. Na Copa do Mundo 2018 eles eram maioria, e comandaram cinco das 32 seleções. Na fase de grupos da Copa Libertadores 2020, conduziram 14 dos 32 participantes. Um estudo recente publicado pelo Centro Internacional de Estudos do Futebol, na Suíça, revelou que, de todo o mundo, o país que mais tem técnicos em atividade em outras ligas é justamente a Argentina. São 68 representantes em 22 países diferentes. O Brasil tem só 16.
[2] Em 1964, todos os países africanos boicotaram a FIFA devido à forma como as Eliminatórias de lá eram disputadas. Os africanos não tinham vaga garantida. O vencedor do continente deveria disputar ainda com os vencedores da Ásia e da Oceania o direito de disputar o Mundial. O protesto não funcionou para aquela Copa e as Eliminatórias continuaram a ser disputadas daquela maneira, sofrendo alterações apenas no Mundial seguinte, em 1970. Disponível em https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2022/09/17/quais-paises-ja-foram-barrados-da-copa-do-mundo.htm?
Pelé foi embora. O jogador mais completo que vi em meus 64 anos e quase quatro meses.
Em um futebol mais lento? Sim.
Sempre com interlocutores qualificados? Também.
Mas o mais completo.
Maravilha atlética, dois perfis, drible, assistência, cabeceio, contundência, habilidade, malandragem, elegância, cérebro forte e uma presença imaculada nas provas mais difíceis.
Pelé: um 10 com tudo no seu lugar, com voracidade de 9, dinâmica de 8 e malícia de 5.
Sideral, Pelé.
Tanto que ele foi quem foi e será quem será, a salvo de alguns mais bem argumentados.
Sem a generosa distribuição de Di Stefano.
Sem a fina inteligência de Cruyff.
Sem a beleza celestial de Maradona.
Sem a assombrosa validade de Messi.
Um bom Rei, ó Rei, depois de tanto. Depois de tudo.
Um rei que, como todo rei justo, honrou seus predecessores, superou-os e depois autorizou e abençoou os reis que chegavam.
Adeus, Pelé.
Beijo a tua imagem numa figurinha de cartão que guardo desde criança, ergo o copo e pergunto-me, decido perguntar-me, se nunca te encontrarei num canto ali: o chão misterioso onde todas as bandeiras tremulam, ou nenhuma.
Criado em 1991, pela Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), o prêmio Fifa Best Player of the Year[1] , excepcionalmente, na edição 2021/2022 será entregue apenas ano que vem. O adiamento foi para que a eleição pudesse levar em consideração, também, a performance dos jogadores na Copa do Catar. Com isso, a entidade evita – ou ao menos pode fugir – de escolhas constrangedoras como, em 2002, quando “o melhor da Copa” não foi “o melhor do ano”. A entidade elegeu o goleiro alemão Oliver Kahn o melhor jogador daquele Mundial, apesar de ter falhado na final, no lance que resultou no primeiro gol do Brasil, ao rebater um chute de Rivaldo nos pés de Ronaldo.
Fonte: Diario do Litoral
O próprio alemão reconheceu a falha, com um argumento algo curioso e desabonador para os que o escolheram: “Esse foi o único erro que eu cometi em sete jogos, e, infelizmente, eu fui brutalmente punido por Ronaldo.” Mais constrangedor do que premiar o goleiro que falhara “apenas” no jogo decisivo, vencido pelo Brasil por 2 x 0, na conquista do seu quinto título mundial, foi, pouco tempo depois, eleger Ronaldo, que, na eleição da Copa ficara em segundo lugar, como o Fifa Best Player of the Year, tendo, agora, Khan como segundo colocado.
A inversão nas colocações, longe de representar uma retificação da escolha da Fifa, expôs fragilidades nos critérios da premiação. É que Ronaldo, que rompera o tendão patelar do joelho direito, em abril de 2000, apenas seis minutos após entrar em campo para defender a Internazionale, de Milão, contra o Lazio, pelo primeiro jogo da final do Campeonato Italiano, praticamente, não entrou em campo até a Copa que seria realizada cerca de dois anos depois. Então, se, de acordo com a Fifa, não foi o melhor do Mundial de Japão e Coreia do Sul, do qual foi artilheiro com oito gols, em que outra competição, daquele ano, teria justificado, para a mesma entidade, o direito de ser eleito o melhor de 2002?
Essa, no entanto, está longe de ser a única contradição dos critérios da premiação e a renomeação da eleição pelo jornalismo esportivo brasileiro para “O melhor do Mundo” torna, ainda, de mais difícil compreensão o objetivo real da eleição. Afinal, a adoção daquela tradução, pela imprensa daqui, tem significado bem mais profundo. Isso implicaria contrariar o que a experiência empírica nos ensina: que os melhores – ou os piores – são mais identificados ou identificáveis do que precisam ser eleitos. Se é preciso haver uma eleição se está diante da necessidade de se estabelecer uma hierarquia que não seria reconhecida e/ou natural para todos ou, ao menos, para a grande maioria.
Nos tempos dos bancos escolares, por exemplo, é desnecessário eleger “a garota ou o garoto mais bonito(a) da sala”, “o mais nerd” ou o “mais mala”. Sempre que tal crivo faz-se necessário é justamente quando “o eleito” não está naturalmente estabelecido e/ou não é, claramente, reconhecível pela grande maioria. Assim, embora o prêmio, na gramática da Fifa, refira-se ao “melhor jogador do ano”, ao menos, no Brasil, ele é tratado como destinado “ao melhor jogador do mundo”, sem sequer uma delimitação de temporada para avalizar o escolhido. Com isso, podemos ter “o melhor do mundo em 1995”, o liberiano George Weah, que, naquele ano, atuara por Milan e Paris Saint-German, simplesmente, deixar de ser “o melhor do mundo” nos anos seguintes. Uma superioridade restrita a uma única temporada?
Ou, ainda, em 1997, quando o atacante Edmundo, após uma temporada de alta excelência pelo Vasco, sequer ser indicado ao prêmio da Fifa, colocar em evidência que, mesmo num momento em que os clubes brasileiros rivalizavam com os europeus, a eleição, na verdade, limita-se ao melhor jogador daquela temporada europeia, seja qual for a nacionalidade do escolhido.
Aqui, talvez, seja interessante observar que, muito longe de replicar em nível mundial uma polêmica de mesa de bar entre conhecidos, a escolha da Fifa tem implicações bem mais poderosas, como aumentos generosos de salários, previstos em cláusulas prévias, e alta exponencial dos cachês em ações de marketing e propaganda, não raro com direito à participação dos clubes dos premiados em parcela desse salto na carreira – e na conta bancária – dos jogadores. Isso sem falar na concessão de um palanque global ou amplificação desse palanque para os eleitos. Em poucas palavras: a escolha, pelo visto, parece ponderar outros fatores bem além da performance em campo.
[1] Entre 2010 e 2016, a premiação foi feita em conjunto com a revista francesa France Footbal, que, desde 1956, concedia o prêmio O Balão de Ouro, apenas para o melhor jogador europeu. Em 1994, a publicação ampliou a escolha para jogadores de qualquer nacionalidade que jogassem em clubes da Europa e, a partir de 2006, incluiu atletas de todos continentes. Após o rompimento do acordo com a Fifa, a revista voltou a oferecer, a partir de 2017, o seu próprio prêmio.
A Seleção Francesa Masculina de Futebol é muito conhecida por suas atuações dentro de campo, porém sua popularidade alcança questões extracampo. A Seleção, para além de suas vitórias e histórico, é muito conhecida também pelas contradições no tratamento a seus jogadores e o que eles representam, muitas vezes conflitando com os posicionamentos da população e dos governantes do país. Posteriormente à não classificação nas edições de 1990 e 1994, a equipe transformou-se em um reflexo da questão migratória vivida há séculos pela por essa nação europeia, modificando também seu desempenho, disputado desde então três finais do campeonato e triunfado por duas vezes, em 1998 e 2018.
No entanto, o que tais vitórias representam para a sociedade e para a política do país é uma longa discussão, para a qual o presente artigo busca contribuir por meio da problematização do caso do atacante Karim Benzema, atual vencedor da Bola de Ouro (como melhor jogador da temporada) e emblemático das questões contemporâneas de imigração e identidade nacional francesa.
Fonte: Placar
Sem uma definição consensual jurídica no âmbito internacional, migração, segundo a Organização Internacional para as Migrações das Nações Unidas, pode ser entendida pela designação de qualquer pessoa que deixa seu lugar de residência habitual a fim de se estabelecer temporária ou definitivamente em outra localidade, atravessando fronteiras internacionais ou não e por razões diversas.
A França possui cerca de 68 milhões de habitantes, sendo por volta de 8,5 milhões migrantes internacionais (Migration Data Portal, 2020). Ao analisar as ondas migratórias ocorridas no país, é possível elencar a pobreza e as disparidades econômicas entre os Estados europeus, a descolonização e a globalização, a partir dos anos 80, como as principais causas para a migração.
O fluxo de imigrantes possui origem em diversos países, principalmente europeus e africanos, construindo, assim, a população multinacional existente atualmente na França. Contudo, o que se observa não é uma exaltação dessa multiculturalidade, visto que não há grande identificaçãoentre os franceses com os valores e costumes que passaram a compor significativamente a população, como, por exemplo, elementos muçulmanos. Outro aspecto observado refere-se ao tratamento de indivíduos nascidos em território francês como estrangeiros pelo fato de serem descendentes de imigrantes, complexificando ainda mais esta questão.
No tocante à relação entre a migração e o esporte, existe o esportista imigrante que representa a imagem de sucesso, como o ex-jogador de futebol e técnico Zinedine Zidane, e o imigrante que representa esportistas nas associações da classe trabalhadora da França, que compreende grupos de refugiados e imigrantes de ex-colônias francesas. A migração argelina é um exemplo que confere um melhor entendimento para o recorte aqui pretendido, já iniciada enquanto o país ainda era colônia francesa quando os trabalhadores nacionais eram empregados na metrópole.
Com o passar das décadas, se tornou um dos principais fluxos migratórios em direção à França, mantendo preservados seus hábitos e costumes identitários. Entretanto, apesar de serem vistos como fonte de mão de obra, ao ajudarem o país no restabelecimento pós-Segunda Guerra Mundial, os imigrantes passaram a ser enxergados, de forma negativa, como uma comunidade numerosa de estrangeiros. A partir da década de 1970, a lei francesa para imigração torna-se mais restrita e as relações com o Estado argelino oscilam, aproximando ou distanciando-os, de acordo com variantes como o terrorismo e crises econômicas. Em resumo, os argelinos e outros grupos estrangeiros que vivem na França hoje ocupam lugar à margem na sociedade francesa.
Assim, a imigração argelina representa uma parte da história francesa e uma parcela importante da sociedade, não somente em termos econômicos, mas políticos e culturais. Entretanto, a questão migratória ainda resulta em condições discriminatórias para muitas dessas populações, mesmo que elas representem um componente essencial para o desenvolvimento do Estado francês.
Importante citar que o esporte, em sua vertente profissional, é afetado pelo movimento migratório, uma vez que diversos clubes, principalmente aqueles sediados na Europa, atuam de modo análogo à divisão mundial do trabalho na medida em que jogadores são descobertos em países africanos e latinoamericanos como “jovens talentos” e são levados a esses times europeus. Cabe salientar, em torno dessa problemática, a relevância que os estrangeiros possuem para o esporte francês, principalmente para a Seleção Masculina de Futebol, mas que, ainda assim, estão sujeitos a uma discriminação política e social.
De acordo com o sociólogo Zygmunt Bauman, a identidade se caracteriza pelo seu processo fluído de construção, portanto não é fixa nem imutável, sendo passível de transformações ao longo do tempo. Dessa forma, tanto identidade quanto pertencimento são conceitos revogáveis uma vez que estão ligados aos indivíduos e suas trajetórias. Importante frisar também que, ao longo da história, esses conceitos também foram motivo de disputa ao serem percebidos como “ameaçados” por um inimigo construído. A partir do surgimento do Estado-Nação e do conceito de soberania, surge a ideia de identidade nacional, em que a identidade individual passa a ser influenciada e sobreposta por uma ideia de identidade coletiva coesa, que se define como uma resposta à instabilidade do pertencimento. A ideia de uma identidade nacional não é algo natural ao indivíduo, mas sim desenvolvido pelo aparato moderno do Estado como uma tarefa que estimula seus membros a agir pela manutenção dessa identidade coletiva. Dessa forma, a identidade nacional é um fenômeno de contínua renovação, por meio do qual o indivíduo escolhe ativa e diariamente ser parte de um grupo nacional.
Stuart Hall (2006) entende que a cultura nacional é um modo de construir uma narrativa que influencia e organiza as ações e a concepção sobre o próprio indivíduo, atuando sobre a sociedade como um foco de identificação e um sistema de representações culturais. Dessa forma, o sentimento de pertencimento e identificação pela nação ocorre a partir da transmissão desse discurso para novas gerações e como essas novas gerações atribuem sentido a ele. Entretanto, a ideia de unificação da identidade cultural através da cultura nacional está sujeita a questionamentos, sobretudo pelo fato de que a maioria das nações têm culturas diferentes oriundas dos fluxos migratórios e da troca cultural entre povos.
A despeito de unificada politicamente, uma sociedade pode ser composta por diferentes grupos étnicos, e, portanto, a cultura dita como nacional não consegue atingir a todos. Além disso, o fenômeno da globalização tem como consequência a geração de um conflito entre a permanência das identidades nacionais e a absorção de novos hábitos, valores e elementos culturais devido à diminuição das fronteiras físicas e temporais que aumentam exponencialmente o nível de influência entre diferentes culturas. Portanto, é possível observar um declínio das identidades nacionais em novas identidades híbridas.
O futebol facilmente pode ser observado como um fenômeno afetado pela globalização, descrito como o esporte mais popular do mundo e que mobiliza diversos sentimentos, inclusive o de pertencimento. No âmbito internacional, o sentimento de pertencer pode ser observado, principalmente, pelas seleções nacionais como o mais alto grau de representação patriótica dentro do esporte. A disputa por campeonatos internacionais como a Copa do Mundo ilustra o poder de coesão do futebol quando une diferentes pessoas a torcer, unicamente, pelo seu país no torneio. Como grande fenômeno social que é, o esporte está sujeito aos impactos das transformações que sociedades ao redor do globo enfrentam, como dito anteriormente, tais como os movimentos migratórios ocorridos no decorrer da história da humanidade.
O papel outrora interpretado pela França de potência imperialista a torna uma comunidade de destino preferencial para milhões de migrantes, seja por vínculos históricos ou linguísticos. Os impactos das imigrações vivenciadas pela França em sua seleção nacional se confundem com o próprio começo da jornada desse país na Copa do Mundo, tendo em vista a crescente presença de jogadores de ascendência, em sua maioria, árabe e africana. “Black, blanc, beur” (Negros, Brancos e Árabes) é a definição dada à geração de campeões do mundo de 1998 e é um dos reflexos da forte miscigenação presente na sociedade francesa, sendo possível entender a Seleção como um retrato da nação.
Esse fato resulta em uma discussão dentro do país a respeito do impacto migratório na ideia de identidade nacional. A França é um dos países do mundo com maior porcentagem de população imigrante e descendente, o que faz com que a identidade francesa, ao longo dos anos, passe a contemplar diferentes origens, cores, etnias e religiões para além das originárias céltica e romana.
Fonte: Trivela
A fim de entender as mudanças no futebol francês vale mais uma vez destacar a ligação entre as ex-colônias francesas e sua antiga metrópole, uma vez que essa troca resultou em modificações sobre o que tradicionalmente se associa ao “ser francês” . O ponto central dessa discussão gira em torno do conceito de identidade nacional e da nacionalidade, pois o futebol, bem como o esporte em geral, pode ser considerado um elemento chave para compreender o sentimento de pertencimento nacional dos imigrantes e seus descendentes na França e no mundo.
Embora o esporte desempenhe uma função de coesão social e pertencimento, vale destacar que também é um reflexo das contradições existentes em uma sociedade. No caso do futebol francês, a Seleção é frequentemente alvo de ataques de cunho racista e xenofóbico, falas essas que podem ser representadas, por exemplo, pelo discurso do político da extrema-direita francesa, Jean-Marie Le Pen, que afirmou que a seleção campeã de 1998 era “artificial” e que não refletia a “verdadeira” identidade nacional francesa. Entende-se, assim, que a fala do político não consta como uma opinião aleatória e descolada da realidade francesa, mas, sim, como uma dificuldade presente em tal sociedade de assimilar, como parte da identidade nacional, as variadas culturas, etnias, histórias e religiões presentes na França como parte de uma identidade nacional.
O autor Stuart Hall (2006) compreende que a identidade nacional é, muitas vezes, baseada na concepção de um povo originário, conferindo uma ideia de imutabilidade e homogeneidade ao desenvolvimento nacional, contudo essa ideia é, para o autor, um mito fundacional.
A chegada constante de imigrantes ao país traz consigo novos elementos culturais, étnicos e históricos a serem adicionados à realidade francesa, inclusive no seu futebol, expresso na sua Seleção que conta com uma face multicultural devido ao seu grupo miscigenado. Em 2018, muitos jogadores possuíam origens em antigas colônias francesas; no entanto, nota-se uma certa resistência de parte da população em aceitar uma identidade multicultural francesa, não apenas no futebol como também em outros âmbitos. Um grande exemplo disso é o relacionamento com o islamismo que, apesar de ser a segunda religião mais praticada em solo francês, não possui o status de um elemento cultural “tipicamente francês”.
Fonte: Extra
Desse modo, nota-se que, devido aos embates existentes nas questões culturais e étnicas e ao seu respectivo relacionamento complexo com a sociedade, a própria seleção francesa se constitui em um objeto político. Quando detentora de campanhas vitoriosas, é instrumentalizada como o exemplo de sucesso de um país culturalmente diverso e integrado, mas, quando seus resultados em campo são negativos, é apontada como uma falha na representação de sua comunidade nacional, atribuindo seus erros à presença da diversidade.
Como dito anteriormente, a opinião pública a respeito da seleção pode ser entendida como um ciclo de “vaivéns”, que transitam entre a identificação nacional com os bleus e o incômodo com o seu caráter multiétnico e multicultural. Um dos exemplos desses atritos é evidenciado, sobretudo, na exclusão de Karim Benzema da equipe nacional. Descendente de argelinos e comumente envolvido em polêmicas, o jogador sugere, em uma entrevista concedida ao jornal espanhol Marca, que sua exclusão ocorreu devido a existência de um lobby racista, embora a alegação oficial da Federação Francesa de Futebol seja o seu suposto envolvimento em um esquema de chantagem e extorsão.
Karim Mostafa Benzema é nascido e criado em Terraillon, na comuna de Bron, subúrbio de Lyon. Fez sua estreia como profissional em 2005 no time de sua cidade natal, onde permaneceu por cinco anos. Desde o início teve ótimas performances na Liga dos Campeões da Europa e nos jogos da primeira divisão do futebol francês, tornando-se rapidamente artilheiro e um dos jogadores mais bem pagos do país. Em 2009, Benzema foi vendido ao Real Madrid e virou coadjuvante no clube espanhol, apesar da boa relação com os companheiros.
A partir de sua ida para o time espanhol, o jogador passou a se envolver em polêmicas extracampo. Uma delas envolve a questão de que Benzema não canta a Marselhesa, hino nacional francês, em protesto à xenofobia presente em alguns de seus versos, postura essa que incomoda profundamente o país.
Além de não cantar o hino, o jogador causou fúria na extrema direita francesa ao realizar um gesto ambíguo durante um clássico entre Real Madrid e Barcelona. Antes do jogo, que estava sendo realizado dias depois do atentado terrorista em Paris no ano de 2015, o hino francês tocou no estádio e o atacante foi visto cuspindo no chão após a execução. Esse gesto foi interpretado por alguns como uma forma de desprezo pelo país.
Outra polêmica envolve a sua exclusão da seleção francesa mencionada anteriormente. Benzema justificou sua ausência na Eurocopa de 2016 como decorrência das “pressões” que o técnico Didier Deschamps teria sofrido de uma “parte racista da França”. O comentário foi muito malvisto, uma vez que o afastamento ocorreu devido ao seu envolvimento no caso de seu ex-companheiro Mathieu Valbuena. Na ocasião, Benzema foi acusado de extorsão e chantagem para não divulgar um vídeo com conteúdo erótico do meia, e a investigação fez com que ele ficasse suspenso até o encerramento do caso. O atacante regressaria à seleção no ano de 2020, mas, mesmo com pedidos de seu retorno vindo de figuras importantes como Zidane e Larqué, sua relação com a sociedade francesa é complexa.
Karim Benzema é produto de muitas histórias. Nunca foi um queridinho do país, uma vez que jamais se submeteu ao “comportamento francês”: é muçulmano praticante, não bebe álcool, observa obedientemente o Ramadã. Além disso, é introvertido, não costuma dar entrevistas e sempre viveu muito afastado do grande público francês. O jogador crescido na periferia de Lyon é o retrato de como a França ainda não sabe como lidar com sua população composta por imigrantes e seus descendentes que redesenham a identidade cultural do país.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt.Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi.Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2005.
DE ANDRADE, Rodrigo C. Non seulement les bleus: a seleção francesa de futebol, o conceito de identidade nacional e seus impactos na política sobre imigração de Emmanuel Macron.Portal de Trabalhos Acadêmicos, v. 5, n.2, 2018.
GIULIANOTTI, Richard. O Esporte do século XX: futebol, classe e nação. In: Sociologia do Futebol.Nova Alexandria, 2002. Cap 2.
HALL, Stuart. As culturas nacionais como comunidades imaginadas. A Identidade Cultural na pós-modernidade, v.3, 2006.
OLIVA, Anderson Ribeiro. Identidades em campo: discursos sobre a atuação de jogadores interculturais de origem africana e antilhana na seleção francesa de futebol. Revista de História (São Paulo), p. 395-425, 2015.
Neste mês de novembro retornei aos eventos acadêmicos presenciais. Passei três dias em Belo Horizonte, no IV Simpósio Internacional Futebol, linguagem, artes, cultura e lazer e do III Futebol nas gerais. Foi a primeira vez desde outubro de 2019 que participei de um evento presencialmente. Uma curiosidade desimportante, naquele outubro, de 2019, mais precisamente no dia 24, fiz uma fala presencial no Leme, ali na UERJ, ao lado do Maracanã, onde estive um dia antes quando o meu Grêmio tomou um sonoro 5 a 0 do Flamengo.
Procurem as fotos do encontro nos canais do Leme e vejam como eu estava vestido. Voltando ao assunto verdadeiro do texto, entre o evento da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), na UFF, em Niterói, e o evento organizado pelo Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT), na UFMG, por culpa da Covid-19 (ampliada pela estupidez negacionista que nos cerca) “estive” em congressos no Rio de Janeiro, em São Paulo, Florianópolis e até em Montevidéu, todos eles sentando na mesma cadeira em meu escritório. Neste intervalo, porém, o que efetivamente revolucionou minha vida foi a chegada do meu filho Martin, na metade de 2021.
Fonte: Acervo pessoal.
Desde sua chegada, os três dias em BH foram os primeiros que fiquei inteiros longe dele. Pode parecer excessivamente romântico ou piegas, mas a alegria de reencontrar grandes amigas e amigos contrastou com um sentimento de falta que não conhecia até então.
Para a sequência deste texto, em alguma medida, quero falar sobre isso. Sobre diferentes paternidades que circulam no dispositivo pedagógico do futebol e que constituem conteúdos do currículo de masculinidade dos torcedores de futebol. Narrarei mais três episódios envolvendo homens e suas masculinidades e paternidades. Durante o Simpósio, em Belo Horizonte, um participante/torcedor, integrante de torcida organizada, afirmou que suas filhas torciam para o rival e odiavam o seu clube. Ele relatou, ao ser questionado pela filha, sem titubeio, que amava mais o time do que a própria filha.
Não satisfeito ainda ampliou seu relato informando que foi conhecer a filha somente em seu quarto dia de vida já que ela nasceu em dia de jogo e ele ainda ficou preso por três dias por ter se envolvido em uma briga de sua torcida. Além da naturalidade com que o relato foi feito chamou minha atenção como ele foi acompanhado de risos, não de deboche, mas de aprovação, por parte significativa da plateia.
Saindo do simpósio e acompanhando as notícias da Copa do Catar, esse fatídico evento que me obrigou a terminar o ano futebolístico que realmente importa – o do Grêmio – no início de novembro, duas delas me chamaram a atenção. Quatro dias antes da estreia, o menino Benício, de quatro anos, gritou pelo pai, Lucas Paquetá. Distantes desde a concentração da seleção brasileira, na Itália, o menino chorou pelo pai que subiu as arquibancadas para acudir o menino.
Ao mesmo tempo que a chamada do Instagram no GE falava do “momento fofura”, o comentarista esportivo João Paulo Cappellanes, da Rádio Bandeirantes, criticou o episódio no Twitter: “Cara, não quero ser chato, mas será que os jogadores não conseguem ficar 30 dias totalmente focados e longe da família?! 30 dias não vai [sic] tirar pedaço de ninguém, né?! Porra?”… Pedaço talvez não tire, mas se eu tive dificuldades em três dias, me parece que em trinta me atrapalharia bastante.
Mas acho que a pergunta mais pertinente deveria ser: precisa? É necessário ficar trinta dias longe da família? Um jogador de futebol não pode ser pai? A paternidade dificulta o desempenho esportivo do jogador? É isso que pode nos tirar o hexa? O eterno ídolo, estátua e dublê de treinador do Grêmio, Renato Portaluppi já havia justificado a antecipação de uma concentração dizendo que os jogadores tinham filhos pequenos que acordam durante a noite e atrapalham o sono dos atletas. A fala não sofreu questionamentos durante a coletiva de imprensa ou em repercussões no meio da imprensa esportiva.
Me parece bastante curioso como é fácil entender que a demanda de um filho, e que compete a qualquer adulto funcional, atrapalha um jogador. Sim, filho demanda, sim, filho atrapalha[1], sim, filho é responsabilidade dos adultos responsáveis por seus cuidados. Em 2018, seis dos onze titulares da seleção brasileira na Copa do Mundo da Rússia cresceram distantes do pai biológico[2]. Será que não é isso que atrapalha? Em agosto deste ano já tínhamos mais de cem mil crianças nascidas em 2022 no Brasil registradas sem o nome do pai[3]. Será que não é isso que atrapalha?
O último episódio escolhido para este texto envolve o principal destaque do jogo de estreia da Copa do Catar, entre a seleção local e o Equador. Em 2016, Enner Valencia, atacante que marcou os dois gols da equipe sul-americana, fingiu lesão para sair do estádio e não ser preso pela falta de pagamento de pensão para sua filha. A polícia não conseguiu prender o jogador por ele ter saído de ambulância direto para o hospital. Neste intervalo, seus advogados conseguiram reverter a ordem de prisão e o jogador permaneceu em liberdade. Existe uma troca de acusações dele com a mãe da criança, mas me pareceu bastante curioso o tom anedótico apresentado nas reportagens sobre o episódio. Não consegui perceber um esforço jornalístico para buscar verificar se se tratava de caso isolado ou se a relação de atletas com filhos de relacionamentos anteriores e o pagamento de pensão pode ser entendido como um problema com alguma regularidade.
Nos três episódios narrados consigo perceber uma naturalização da desresponsabilização paterna pelo cuidado de suas filhas ou de seus filhos. O riso de meus colegas de simpósio, o questionamento sobre a necessidade de acudir o filho associado ao conceito de que filho atrapalha, mais a “malandragem” para fugir da cobrança do pagamento de pensão são atravessados pelas disputas de gênero que tenho encontrado ao longo dos anos nas pedagogias do futebol e do torcer. Olhando em movimento podemos ver tímidos passos em busca de uma diminuição da desigualdade entre os gêneros nesse espaço, mas quando olhamos o cenário congelado, como uma fotografia, ele ainda é muito marcado por comportamentos que reforçam as diferenças e ampliam as desigualdades de gênero.
Infelizmente, os conteúdos que compõem essa pedagogia seguem sendo muito difundidos em nossa cultura. O futebol não produz uma cultura exclusiva. Quando se naturaliza a ausência paterna no futebol, também se naturaliza essa ausência em outros espaços. É preciso que nós, homens, saibamos que não somos cúmplices somente quando rimos de um desses episódios, mas que esses episódios nos beneficiam a todos. Eu posso ser considerado um bom pai apenas por ter sentido saudades do meu filho.
Lucas Paquetá, além de criticado, foi exaltado por ter abraçado seu filho. Se não enfrentarmos essas desigualdades ampliaremos nossos privilégios de gênero. Não me parece a melhor escolha se pensarmos em uma sociedade democrática e que valoriza os direitos humanos. Talvez criticar a falta de direitos humanos no Catar seja mais fácil do que reconhecer como as mulheres sempre, sempre (incluindo a mãe do meu filho) são mais responsabilizadas pelos cuidados da prole. A mim não parece possível aceitar essa naturalização. Sigamos questionando as construções de nossas subjetividades que nos trouxeram até aqui!
Em meados de maio de 1924, poucos dias antes de viajar a Paris para participar dos Jogos Olímpicos daquele ano – que constituía a estreia argentina nesse evento – a equipe de esgrima foi homenageada no Jockey Clube.
Após várias lutas de exibição, Román López, o presidente da Federação Argentina de Esgrima, tomou a palavra para se despedir dos esgrimistas. Manifestou-lhes a esperança de que respondessem “como bons, com a vontade e a firmeza que vos caracteriza, à confiança que em vós depositamos”.
Fonte: turismo.buenosaires
Também lhes disse que teriam a missão de demonstrar “a fidalguia e vigor de nossa raça, dessa raça de valentes e abnegados que nos deu a pátria, o grito de liberdade e independência, lançado em 25 de maio de 1810”.
Agregou seu desejo de que “conquista[ssem] louros, para depositá-los ao seu regresso, ao pé do glorioso pavilhão azul e branco, símbolo sagrado da nacionalidade argentina”. Esse, manifestou antes de concluir seu discurso, seria “o melhor presente que podeis oferecer à pátria no 108º aniversário do juramento de sua independência”.
No mês passado, quase cem anos depois, a Associação de Futebol Argentino (AFA) agradeceu, por meio de um vídeo e “em nome de todo o povo argentino”, que Lothar Mattthäus doara a camisa que Diego Armando Maradona vestiu na final da Copa do Mundo de 1986. Matthäus e Maradona, capitães das seleções da Alemanha e da Argentina, respectivamente, haviam trocado suas camisas ao fim da partida.
Em um momento, a voz em off do vídeo diz: “Ouçam amigos o grito sagrado. Porque junto da bandeira que hasteou Belgrano, o sabre curvo com o qual cruzou San Martín, chegou a solo pátrio a armadura com a qual lutou até a morte Diego Armando Maradona”.
Estas frases acompanham imagens de homens jovens com a camisa nacional, dos jogadores argentinos festejando durante a final, de um menino balançando a bandeira argentina em uma aldeia supostamente cordilheirana, do sabre, da camisa de Maradona em uma vitrine e deste se benzendo e celebrando, vestindo-a.
É notório como os dois acontecimentos abertamente enlaçam o esporte com a luta independentista, com suas figuras culminantes e com a bandeira nacional, e como expõem aos esportistas como representantes do húmus autóctone.
Assim, ao início tanto do século XX como do século XXI, a nação argentina é, em boa medida, imaginada através do esporte, que, como postulou o antropólogo Eduardo Archetti, é uma das “zonas livres de uma cultura”, propensa à criatividade nacionalista. Embora na década de vinte do século passado o futebol permitisse uma módica presença de outros esportes na narrativa da identidade nacional; na atualidade, a sobrerrepresentação futebolística obtura essa possibilidade.
A narrativa que enlaça esporte e nação, proposta pela AFA e pelas forças do mercado, converge principalmente no futebol. Por outro lado, essa narrativa resgata e gira em torno de Maradona, mesmo em sua morte, convertido há décadas em um herói nacional – “valente e abnegado” na fórmula de López, e cruzado por alegrias e tristezas, paradas e recomeços, acertos e erros – junto a Belgrano e a San Martín. Depois de tudo, sua camisa é presenteada como uma armadura simbolicamente equivalente à bandeira criada por aquele e ao sabre utilizado por este.
Fonte: Globo Esporte.
Também é notório como os dois acontecimentos reforçam que a narrativa esportiva da nação tem sido eminentemente masculina. Não só não houve mulheres na equipe de esgrima que viajou a Paris para participar dos Jogos Olímpicos de 1924, nem em toda a delegação argentina no evento, pois López em seu discurso de despedida aos esgrimistas apontou que no agasalho “não falta a nota de distinção, elegância e beleza da dama argentina, hoje como ontem e como sempre, entusiasta e palpitante a todas as manifestações da vida nacional”. Entusiasta e palpitante, mas não participante.
Por sua vez, no vídeo da AFA as mulheres estão praticamente ausentes. Apesar de sua crescente, embora marcadamente modesta, visibilidade, o esporte feminino segue negligenciado. Nas palavras do sociólogo Pablo Alabarces, como a maioria das narrativas nacionalistas, a relação esporte e nação tem sido “produzida, reproduzida, protagonizada e administrada por homens”, em um exercício de poder que sustenta uma ordem heteropatriarcal.
Lamentavelmente, as desportistas não se permitem sonhar em converter-se em heroínas da nação.
Em uma estupenda nota publicada recentemente, o jornalista Ariel Scher indaga sobre as diversas posturas que os/as torcedores assumiram no desenlace do último campeonato masculino de futebol. Recorrendo a diversos/as especialistas em ciências sociais, enfatiza que os modos de ser torcedor têm variado durante a história do futebol argentino e que estes, com suas avaliações, têm sido naturalizados.
Além disso, ressalta que o posicionamento frente aos variados modos de ser torcedor envolve concepções sobre questões fundamentais como “a ideologia, as visões sobre a condição humana ou a interpretação de que é o que está em jogo neste jogo”. A nota convida a pensar a construção de sentido através do futebol e, de forma mais ampla, do esporte.
Nesse espírito, o velho discurso de López e a nova encenação da AFA manifestam, em conjunto, a estreita relação que os dirigentes esportivos têm articulado entre esporte e nação. Estes acontecimentos sugerem que a articulação dessa relação tem sido contínua, pelo menos, ao longo dos últimos cem anos. Parafraseando a Scher, a maneira que se desenvolveu o nacionalismo esportivo revela um aspecto proeminente do que tem estado em jogo no jogo.
Se as variações históricas dos modos de ser torcedor aludem a fraturas no ethos futebolístico, os dois acontecimentos demonstram uma continuidade na articulação da relação entre esporte e nação. Essa continuidade, com sua história e com suas peculiaridades, é uma construção de sentido, que, como insistiria Scher, deve ser interrogada e desnaturalizada.
Porque a narrativa do nacionalismo esportivo imperante, que supostamente amalgama, não é a única imaginável. No entanto, para imaginar alternativas, simbólicas e materiais, é preciso compreendê-la ou, como propõem os/as especialistas em ciências sociais, interpretá-la. Caso contrário, o status quo continuará a ser aceito e reproduzido como uma manifestação infalivelmente “natural”. E no âmbito social, o “natural” é uma aceitação acrítica do estabelecido como habitual.
Publicado originalmente publicado em relatores.com no dia 02 de novembro de 2022.