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Roberto Dinamite e a explosão de emoções

Por Antonio Soares

Neste domingo, fui surpreendido com a morte de mais um personagem importante para minha formação no campo do esporte e da cultura. Já tínhamos recentemente perdido o Tremendão, a linda e afinadíssima Gal e outras pessoas ilustres, cujo desaparecimento torna o mundo menor. Pelé morreu e causou comoção mundial. Como diz meu amigo João, Pelé fez mais coisas dentro e fora de campo do que ele mesmo pudesse imaginar, apesar de suas caneladas na vida privada comum a qualquer mortal. Roberto nos deixou há pouco, depois de um jogo difícil travado contra um câncer de intestino. Ele morre aos 68 anos, deixando uma legião de fãs de minha geração, admirados com aquele futebol que temos na memória dos domingos de clássico no Maracanã ou em São Januário. 

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Fonte: Elencos

Carlos Roberto de Oliveira, conhecido como Roberto Dinamite, nasceu em 13 de abril de 1954, no município de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Foi exímio goleador e é o maior ídolo, em todos os tempos, da torcida vascaína. 

Como vascaíno de meia-tigela atualmente, não posso esquecer as alegrias que Roberto me deu durante minha infância, adolescência e início da vida adulta. Sou neto de portugueses de Trás-os-Montes, então não poderia deixar de ser Vasco, no Rio de Janeiro, e Porto, em Portugal. Cansei de assisti-lo marcar gols de falta ou nos minutos finais, assistindo aos jogos do Vasco a olho nu, sem replays ou VAR. Não me esqueço das partidas finais do Campeonato Brasileiro de 1974, lá estava eu nos dois jogos finais no Maracanã. O Vasco tinha a vantagem do empate na semifinal contra o Internacional, para enfrentar o Cruzeiro na decisão; Roberto marcou o primeiro gol e Zanata o segundo, mas o jogo termina 2 a 2. Na final contra o Cruzeiro, o Vasco ganhou de forma épica por 2 a 1, com gols de Ademir e Jorginho pelo Vasco, com Nelinho descontando com um golaço. Roberto foi o artilheiro do campeonato, com 16 gols. Ao final, houve a troca de camisa com Dirceu Lopes, movimento feito de acordo com o manual do fair play da época, tal como deve ser uma passagem de faixa presidencial. O jogo foi apitado pelo icônico Armando Marques.

Eu, um garoto, frequentava o Vasco e lá praticava judô. Observava, a cada tarde, Roberto treinando solitariamente a cobrança de faltas, com uma barreira de madeira, até escurecer. Por isso, embora existam gênios em qualquer área, os que conheço foram forjados com treino e esforço. Roberto, Zico e outros eram ídolos de seus clubes e sabiam cumprir bem o papel que suas comunidades imaginadas, suas “nações”, lhes conferiam.  Eles não recusavam autógrafos, fotografias e afagos aos seus torcedores.

Um dos mais belos gols de Roberto e da história do futebol mundial se deu num Botafogo e Vasco, em 1976. Roberto constrói a jogada, recebe a bola no alto num passe em inversão de Zanata, mata no peito, dá um chapéu em Osmar e de voleio arremata contra Wendell. Esse gol é inesquecível.

O golaço de Roberto Dinamite diante do Botafogo, em partida válida pelo Campeonato Carioca de 1976.

A última vez que tive contato com Roberto foi num conturbado voo entre Belo Horizonte e Rio. O Vasco tinha acabado de jogar contra o Atlético Mineiro e, para infelicidade do Dinamite, havia sido derrotado. Estava sentado quando vi Roberto, no alto dos seus 1,86 m, entrar no avião. Para minha surpresa, ele se sentou ao meu lado. O Vasco atravessava uma difícil campanha e ele era o presidente do clube. Além das amenidades que conversamos sobre minha memória vascaína, falamos sobre a política carioca, sobre a qual tínhamos algumas divergências que não podiam sobressair diante do meu ídolo de infância. Como o voo havia sido alterado, nosso pouso seria no Galeão, não mais no Santos Dumont, como previsto. Roberto reclamou que tinha seu carro no aeroporto da Zona Sul. Como minha mulher foi me buscar no Galeão, ofereci uma carona que ele prontamente aceitou. Assim, pude ainda desfrutar um pouco mais da companhia daquele que fez minha infância mais feliz. 

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O futebol brasileiro não se resume ao Sudeste

Reprodução: internet

O Vasco da Gama estava em nono lugar do Campeonato Brasileiro da Série B, algumas rodadas atrás, quando o colunista de um portal de notícias dito nacional insistia em fazer contas sobre a possibilidade de acesso para a Série A.

Pior do que isso.

O Cruzeiro lutava contra o rebaixamento para a Série C, em certo momento da competição, mas ainda assim os debates também circulavam em torno das “chances remotas”, mas “ainda possíveis”, do clube engrenar uma sequência insana de vitórias para assim, quem sabe, a depender dos resultados de uma dezena de outros clubes, ascender para a primeira divisão nacional.

Como agora já se sabe, nenhum dos acessos se tornará realidade. Ambos os clubes não têm mais chances de subir de divisão. E, nas grandes redações que se dizem “nacionais”, o tom era quase de velório. De dor. Tragédia. Incompreensão. Uma letargia quase insuportável, mas solidária, diante de clubes “incaíveis” que tinham caído e que, pior de tudo, não tinham feito a jornada supostamente inevitável de retornar imediatamente à divisão de cima.

O debate tem suas nuances, eu bem sei.

Porque, acima de tudo, eu defendo o direito de veículos como o rádio ao localismo. A falar com o seu público e com mais ninguém.

A Rádio Itatiaia, por exemplo, fala com o público mineiro, sob a ótica dos clubes mineiros, defendendo as perspectivas dos clubes mineiros. Logo, a Rádio Itatiaia calcular rodada a rodada as chances de o Cruzeiro subir de divisão, ou do Atlético ser campeão de forma antecipada da Série A, ou mesmo comemorar a boa campanha do América, é um direito editorial que lhe cabe. 

O problema, penso, torna-se maior, ou ao menos mais difuso, em portais de notícias, emissoras de TV, alguns programas de rádio, que arvoram para si o título de “nacionais”.

Não é mera semântica. Não é mero argumento mercadológico, propaganda para se vender como grande.

É algo maior. É tentativa de se definir como autoridade. De ditar regras e tendências. É um processo que, de forma sonsa, escancara o preconceito, define um valor de notícia – e de importância clubística – que é antes de tudo geográfico.

A quem interessa convencer que o acesso de Vasco ou de Cruzeiro seria mais importante, indistintamente para toda a população brasileira, do que o de CSA, CRB ou Náutico (clubes que, esses sim, brigam pelo acesso)? Por que coberturas que se definem como nacionais, que se pretendem dialogar com todo o país, não se constrangem em fazer isso mesmo diante de alagoanos e pernambucanos?

Tentaram ao menos entender o momento histórico de Alagoas, em que dois rivais históricos lutam por uma possível vaga na Série A? Ou apenas o fato de ser Vasco e Cruzeiro já basta para dirimir qualquer dúvida?

E que fique claro. Eu não estou “roubando” o direito da CBN Rio ou da Tupi de torcer pelo Vasco, por exemplo. Mas que projeto político é esse que, repito, “coberturas nacionais” tentam dar valores diferentes a clubes do Sul e Sudeste em detrimento a todos os demais?

Não me venham falar em tradição, em torcida, em história.

Já é consenso na antropologia que nenhuma tradição é inata, existente em si mesma. Toda tradição é construída a partir de vivências e experiências que são contadas e recontadas ao longo dos tempos.

Estamos falando de cinco clubes centenários, com torcidas apaixonadas, histórias memoráveis. Esses argumentos, pois, não justificam a violência da cobertura esportiva “nacional” diante dos clubes nordestinos.

Pois, quando as ditas “redações nacionais” querem nos convencer de que o acesso do Vasco ou do Cruzeiro é mais importante do que o acesso de clubes do Nordeste, eles querem nos convencer que o nosso futebol, o futebol do Nordeste, é um futebol mais apequenado, de menor importância, sem tanto apelo popular.

E isso, (in)felizmente, não é possível de ser aceito de forma passiva e sem contestações.

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“Aqui nasceu o Vasco!” Centro Cultural Cândido José de Araújo

Por GT de Pesquisa Histórica do Centro Cultural Cândido José de Araújo

Em meio a pandemia que afeta a todo o Planeta, afastando torcedores das arquibancadas, o vascaíno encontrou uma forma de atuar diretamente em prol de seu clube mesmo sem comparecer aos jogos. Em mais uma ação que ultrapassa a esfera esportiva, a torcida vascaína volta a escrever a história com suas próprias mãos e ainda presenteia a nossa cidade maravilhosa com mais um importante espaço de cultura.

Trata-se da revitalização do espaço da fundação do Club de Regatas Vasco da Gama, ocorrida no dia 21 de agosto de 1898, no imóvel localizado à época na Rua da Saúde nº 293 (atualmente Rua Sacadura Cabral nº 345). Por muito anos acreditou-se que a fundação teria ocorrido em outro local, mais exatamente na sede da Sociedade Dramática Particular Filhos de Talma, situada na Rua do Propósito, nº 12 (atual nº 20) onde, por duas vezes, o aniversário do clube foi lá celebrado, em que pese o equívoco histórico.

O primeiro passo para desfazer esse erro foi dado pelo pesquisador Henrique Hübner.  Ainda em 2013, ele pesquisou e revelou o verdadeiro local da fundação do clube através de uma série de consultas aos jornais, livros e plantas da época disponibilizados pela Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; registros do 1.º Registro de Imóveis;  croquis e plantas da Superintendência Municipal de Urbanismo; bem como o acervo fotográfico do Arquivo Público da Cidade do Rio de Janeiro.

Em 2015, o Vasco publica a sua Ata de Fundação com o verdadeiro endereço. Unindo-se perfeitamente a ata de fundação às pesquisas realizadas, foi colocado o ponto final ao mistério da fundação do Clube. A divulgação da pesquisa no site Memória Vascaína do citado pesquisador, foram de fundamental importância para que a informação passasse a circular entre os vascaínos.

Mas foi somente no ano de 2020 que um passo decisivo foi dado para a retomada desse espaço pela tradição vascaína. Ao verificar que o imóvel da Rua Sacadura Cabral número 345 estava disponível para locação, o grupo “Guardiões da Colina” entrou em ação para promover a recuperação do local, alugando o imóvel por 5 meses com opção de compra ao final de contrato. O início do trabalho de revitalização contou com a fundamental ajuda de outros torcedores, entre eles os membros do grupo “Raízes Vascaínas” e diversos empresários e lojistas do ramo da construção, que passaram a doar materiais e serviços diversos. Arquitetos e designers se prontificaram a desenvolver projetos para a “nova” sede que ali surgia. Somaram-se ao projeto historiadores, geógrafos, pesquisadores e estudiosos no geral para contribuírem com suas pesquisas e produzirem conteúdo sobre o local e seu entorno.

O Centro Cultural Cândido José de Araújo nascia assim, batizado através de votação popular realizada pelo twitter. Candinho, como era conhecido por sócios e adeptos do clube, foi eleito no ano de 1904 e reeleito em 1905, após ser recordista em indicações para novos sócios do clube em 1903. Além disso, foi o primeiro presidente negro de um clube do Rio de Janeiro e até onde se tem conhecimento, de qualquer instituição esportiva do país.

O simbolismo em ter o nome associado a um homem negro no local é imenso, uma vez que o imóvel está situado no local conhecido como a “Pequena África do Rio de Janeiro”, localidade onde centenas de milhares de escravizados trazidos do continente africano desembarcaram e se fixaram. Mesmo após a abolição da escravatura em 1888, a “Pequena África” seguiu como moradia de milhares de afro-brasileiros que, junto a imigrantes Portugueses pobres que também habitavam a região, encontravam o sustento através do trabalho em feiras livres ou como empregados do comércio voltado para o Porto do Rio.

Toda essa história aumenta a responsabilidade daqueles que pretendem construir o Centro Cultural. É importante dizer que, mesmo sendo uma casa vascaína com conteúdo focado num Vasco nascido do congraçamento entre brasileiros e portugueses, foi criado um espaço aberto para todos aqueles que se interessem pela história da cidade e do esporte carioca. E é isso que o Centro Cultural Cândido José de Araújo busca: Construir um espaço de visitação com exposições fixas e temporárias que vão recontar a gênese do clube, desde os fatos mais marcantes da vida vascaína, tais como a participação de seus grandes ídolos, ou relembrando as camisas históricas e símbolos que tanto apaixonam o torcedor, até diálogos do clube com a cidade e com trabalhos acadêmicos. Um espaço para todos que desejam aprender a mais nobre história de um clube voltado inicialmente para o remo, o futebol, o esporte, a cidade e sua memória social. Um espaço de vascaínos, para os vascaínos e para a cidade.

Sendo assim, convidamos os vascaínos e todos os amantes do futebol a conhecer o espaço a partir do dia 31 de Outubro, com limite de capacidade devido às medidas de combate ao COVID-19. Para aqueles que não podem ir até o local, faremos um tour virtual, com previsão de lançamento na semana seguinte a inauguração do Centro Cultural. Para mais informações, nos sigam no twitter e instagram @aquinasceuvasco!

Fonte: Acervo dos autores
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Acesse o sexto episódio do podcast Passes e Impasses no Spotify*, Deezer*, Apple Podcasts, PocketCasts, Overcast, Google Podcast, RadioPublic e Anchor. O tema do nosso sexto episódio é “Ativismo torcedor”. Com apresentação de Filipe Mostaro, recebemos no nosso programa Irlan Simões, mestre em comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pesquisador do LEME e… Continuar lendo Já está no ar o sexto episódio do Passes e Impasses

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Hoje é a vez do Paulo Pires, em entrevista na íntegra para documentário “Segunda Pele Futebol Clube” contar todos os detalhes sobre sua coleção, que não se resume às camisas. Têm faixas, bolas e réplicas de troféus de momentos históricos do Vasco. Clica aí e confira! Aproveite e se inscreva no canal do LEME no Youtube e fique atualizado sobre nossas produções!

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