Artigos

 Apenas um lado parece ter voz

O Ministério Público da Paraíba (MPPB) anunciou no dia 30 de janeiro que está em vias de finalizar um novo sistema que, segundo a instituição, vai tornar mais ágil o processo de cadastramento e de identificação dos torcedores organizados paraibanos. A ideia, segundo o procurador Valbero Lira, do famigerado Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor (Nudetor) do MPPB, é fazer isso de forma digitalizada e, consequentemente, mais célere e integrada.

Em outras palavras, o objetivo é “fichar” torcedores pobres e periféricos (perfil majoritário dos torcedores organizados paraibanos) e colocá-los num sistema acessível em tempo real pelas forças de segurança pública. Tudo isso sob o argumento de dar mais segurança aos estádios locais e proteger de forma mais eficiente os ditos torcedores comuns.

Valberto tenta dar ar de legalidade às suas ações. Faz um esforço hercúleo para deixar claro que tudo está sendo feito na base de muito diálogo, e cita uma série de reuniões sistemáticas que foram feitas nos últimos tempos com a Polícia Militar da Paraíba e com o Corpo de Bombeiros Militar da Paraíba.

“Com o sistema, todo o cadastramento será online, o que vai facilitar tanto para as torcidas organizadas como para os órgãos públicos”, defende o procurador.

Depois, ele diz em tom triunfante que já em fevereiro deve realizar uma série de reuniões com os comandos regionais da Polícia Militar e com os clubes paraibanos para falar da nova ferramenta, de seu cronograma de instalação, das possíveis consequências que isso vai provocar ao futebol paraibano.

Mas e aí, amigo leitor… Sentiu falta de algo?

Pois é. 

Fonte: ge.globo.com

O MPPB e o procurador Valberto Lira excluem de qualquer debate e diálogo os próprios torcedores organizados, os principais sujeitos sociais envolvidos em toda essa operação.

É um processo de invisibilização e de silenciamento em curso na Paraíba – no Brasil inteiro, imagino, mas atenho-me aqui ao local de onde escrevo – e que tem inclusive a participação e a cumplicidade de boa parte da crônica esportiva.

É o mesmo processo que transforma recomendação do Ministério Público em “determinação”, que institui a tal “torcida única” nos estádios, que “autoriza” a Polícia Militar a tratar de forma diferente – e bem mais violenta – diferentes perfis de torcedores.

São as “estratégias de controle” alardeadas por Tsoukala (2014) e que vão ser usadas para “conter” torcedores organizados antes mesmo de eventuais ilicitudes. A partir de mecanismos que passam ao largo de qualquer ordenamento jurídico e de qualquer previsão legal.

Ainda citando Tsoukala (2014), ela fala de uma subjetiva definição de “torcedor de risco” que vai autorizar a banalização do controle do comportamento por parte das forças de segurança e que vai inverter a lógica jurídica da presunção de inocência.

O problema ainda maior é que, do outro lado, está a crônica esportiva. Não raro, a referendar acriticamente as ações do Ministério Público e a reforçar um estigma de “bandido” a todos os torcedores organizados do estado.

Aqui, cito Misse (2010), que vai discorrer sobre uma “sujeição criminal” que territorializa a categoria “bandido” e que vai levar ao campo das moralidades qualquer ideia existente sobre crime e sobre conduta desviante.

É quase uma relação automática – e perversa – entre “periferia” e “bandido” que acaba por justificar os evidentes excessos do Nudetor. E que dá ares de legalidade a ações que, a rigor, estão à revelia da lei.

Principalmente porque, ao tempo em que as falas do procurador são automaticamente reproduzidas pela imprensa, quase ninguém parece muito preocupado em ouvir o que os torcedores organizados têm a dizer.

Bem, era só sobre isso mesmo o que eu queria refletir.

Referências

MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido”. Lua Nova, São Paulo, 79, pp. 15-38, 2010.

TSOUKALA, Anastassia. “Administrar a Violência nos Estádios da Europa: quais racionalidades?”. In: B. Hollanda e H. Reis (orgs.), Hooliganismo e Copa de 2014. Rio de Janeiro: 7Letras. pp. 21-35, 2014.

Produção audiovisual

Já está no ar o vigésimo episódio do Passes & Impasses

Acesse o vigésimo episódio do podcast Passes e Impasses no Spotify*, Deezer*, Apple PodcastsPocketCastsOvercastGoogle PodcastRadioPublic e Anchor.

O tema do nosso vigésimo episódio é “História das Torcidas Organizadas no Brasil”. Com apresentação de Filipe Mostaro e Mattheus Reis, recebemos o professor adjunto da Escola de Ciências Sociais da FGV, Bernardo Buarque de Hollanda, e com o docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, da Universidade de Sorocaba, Felipe Lopes.

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O podcast Passes e Impasses é uma produção do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte em parceria com o Laboratório de Áudio da UERJ (Audiolab). O objetivo do podcast é trazer uma opinião reflexiva sobre o esporte em todos os episódios, com uma leitura aprofundada sobre diferentes assuntos em voga no cenário esportivo nacional e internacional. Para isso, contamos sempre com especialistas para debater conosco os tópicos de cada programa.

Você ama esporte e quer acessar um conteúdo exclusivo, feito por quem realmente pesquisa o esporte? Então não deixe de ouvir o vigésimo episódio do Passes & Impasses.

No quadro “Toca a Letra”, a música escolhida foi “Não quero dinheiro”, do saudoso Tim Maia.

Passes e Impasses é o podcast que traz para você que nos acompanha o esporte como você nunca ouviu.

ARTIGOS, LIVROS E OUTRAS PRODUÇÕES:

Equipe
Coordenação Geral: Ronaldo Helal
Direção: Fausto Amaro e Filipe Mostaro
Roteiro: Marina Mantuano e Carol Fontenelle
Produção: Marina Mantuano
Edição de áudio: Leonardo Pereira (Audiolab)
Apresentação: Filipe Mostaro e Mattheus Reis
Convidados: Bernardo Buarque de Hollanda e Felipe Lopes
Crédito da imagem da capa: Marina Mantuano

Artigos · Entrevistas

O futebol no mundo pós-pandemia

O futebol é uma paixão nacional e, nas últimas semanas, a discussão sobre um possível retorno de competições no país tem crescido de forma exponencial. Na Alemanha, o retorno já aconteceu, porém sem a presença do torcedor. Mas como será esse futebol no mundo pós-pandemia, que, pelo menos num primeiro momento, acontecerá sem a presença, ou com presença muito restrita, do torcedor? Ouvimos Nico Cabrera, doutor em Antropologia e pesquisador da Universidade Nacional de Córdoba. Autor de vários estudos sobre torcidas organizadas no Brasil e na América Latina. Ele nos fala sobre suas experiências junto a estas torcidas, como está a ação delas durante a pandemia e de como será o futebol pós-COVID-19 para esse grupo de torcedores já tão marginalizados no Brasil e no mundo.

Foto Nico Cabrera - Materia Torcidas organizadas
Nicolas Cabrera (imagem cedida pelo próprio para o blog)

LEME – Como você acredita que a pandemia provocada pelo novo coronavírus irá impactar o futebol e, especificamente, em relação a torcida e ao ato de torcer?

Nico Cabrera – Eu vejo um cenário de muitas incertezas. Acredito num agravamento de duas tendências. Uma diz respeito ao predomínio do futebol negócio, onde os torcedores serão pensados mais como consumidores. O futebol sendo, portanto, mais elitizado, protocolizado e espetacularizado. A segunda, seria o torcedor sendo visto mais como um espectador passivo do que ator protagonista. Um outro ponto importante diz respeito a um aumento de outras formas de se torcer. Não falaria de uma nova cultura do torcer. Mas de uma soma, de uma aglutinação de processos do torcer que já estavam em desenvolvimento mesmo antes da pandemia. Haverá, por exemplo, um deslocamento do “torcer” para a cultura digital e a valorização do “assistir jogos pela televisão”. Na volta do campeonato alemão, a Sky Sports bateu recorde de audiência com mais de 6 milhões de espectadores. 

LEME – E qual será o lugar das torcidas organizadas neste futebol elitizado e “arenizado”?

NC – Com a transformação dos estádios em Arenas, os torcedores já vinham sofrendo uma ofensiva para que eles fossem retirados dos estádios. Com a pandemia, a tendência é esta prática se intensificar. Mas eu vejo isso também como uma oportunidade para as torcidas se reinventarem. E esta reinvenção possui um sentido duplo. Ela pode vir como um movimento de resistência, com protestos, como tem acontecido na Europa. Pode também ser criativa, desenvolvendo novas formas de torcer. Os torcedores sempre dão um jeito de se tornarem protagonistas. No outro sentido, as torcidas organizadas, ou “barras”, como são conhecidas no resto do continente, podem aproveitar esse momento para mudar a sua imagem junto a sociedade, visto que são muito estigmatizadas como organizações violentas.

LEME – Como têm sido a ação das torcidas organizadas, ou “Barras”, durante a pandemia?

NC – Então, está havendo muito engajamento. Muitas torcidas organizadas, no Brasil e nas Américas, estão atuando em campanhas de ajuda e solidariedade durante o coronavírus. Posso citar o exemplo da “Gaviões da Fiel”, do Corinthians e de outras, como as torcidas organizadas do Bahia, do Náutico, Cruzeiro. Na transformação do estádio do Pacaembú, São Paulo, em hospital de campanha, houve a adesão de muitos voluntários de torcidas organizadas. Na colômbia, desenvolveram campanhas de ajuda humanitária as torcidas do Atlético Nacional de Medelín, do Colo-colo. As torcidas organizadas são formadas por pessoas com penetração em territórios pobres e periféricos. Por esta razão, elas podem contribuir bastante em campanhas de saúde pública. Esta é uma função que as torcidas organizadas exercem fora dos estádios, ninguém vê e são muito importantes.

LEME – Você fala num estigma das torcidas organizadas como causadoras de violência em estádios. A mídia constantemente remete à ausência do público, das “famílias”, nos estádios também as ações destas torcidas. Você acredita num futebol pós-pandemia sem a presenças das “barras”?

NC – O Futebol, sem as torcidas organizadas, perderia seu conteúdo popular, festivo, carnavalesco, colorido. Elas fizeram, do futebol, o esporte mais popular no Brasil e nas Américas. É errado pensar que, tirando as torcidas organizadas dos estádios, a violência irá desaparecer. Em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil, adotou-se um modelo de torcida única nos estádios, sem a presença da torcida do time “visitante”. Mas a violência não diminuiu. A violência não desaparece, ela se desloca. Com a torcida única, presenciamos briga fora dos estádios e mesmo dentro dos estádios, entre torcidas do mesmo time.  Outro ponto a ser destacado é o aspecto cultural. No Brasil, e nas Américas, o verdadeiro torcedor é, nas representações dos torcedores, aquele cara, ou aquela menina, que vai aos estádios, apoiando sua equipe nos momentos bons e, mais ainda, nos momentos difíceis. Na moral dos torcedores, a presença física é uma regra de ouro. Ele não pode ser alguém que fica em casa assistindo futebol na televisão. O verdadeiro torcedor é aquele vai, além de toda adversidade, ver seu time no estádio. Se ele tiver que quebrar regras, melhor ainda. Isso só acrescenta a sua reputação como torcedor. Torcer é um sentimento, uma paixão. Além disso, as narrativas do futebol sempre precisam de um território. A nação, o clube, o bairro, o estádio. Isso não vai desaparecer. Os torcedores sempre terão um território a conquistar. Então, no futebol pós-pandemia, haverá muitas mudanças, mas nem tudo vai mudar e vamos torcer para que o verdadeiro torcedor, sobreviva e continue indo aos estádios.

Entrevista cedida por Henrique Biscardi.

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Não existe “torcida única” no futebol

Na última sexta-feira, 3 de maio de 2019, defendi a minha dissertação de mestrado, dentro do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba. E, na oportunidade, analisei as torcidas que cercam o Botafogo da Paraíba para mostrar que grupos grandes não formam nunca uma unidade, uma homogeneidade, mas são acima de tudo… Continuar lendo Não existe “torcida única” no futebol

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As torcidas, as faixas, os territórios

Nada é mais importante para uma torcida organizada de futebol do que suas faixas. Grandes, coloridas, com seus nomes estampados e cuidadosamente desenhados. A bandeira, a camisa, o boné, as músicas têm sua importância simbólica, claro. Mas o caráter fixo da faixa, presa sempre no alambrado do estádio, posicionada para ficar o mais visível possível… Continuar lendo As torcidas, as faixas, os territórios

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Artigos · Produção audiovisual

A experiência de Bernardo Buarque de Hollanda com torcidas organizadas francesas

Além de ter pesquisado em seu doutorado as torcidas organizadas dos grandes clubes do Rio de Janeiro, o cientista social e professor da FGV-Rio Bernardo Buarque de Hollanda teve uma rica experiência com as torcidas francesas, em especial a do Bordeaux. Nesta parte de sua entrevista ao LEME, Bernardo Buarque conta as particularidades dessa cultura… Continuar lendo A experiência de Bernardo Buarque de Hollanda com torcidas organizadas francesas

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Artigos · Produção audiovisual

Um outro olhar sobre as torcidas organizadas apresentado por Bernardo Buarque de Hollanda

Você sabia que a fundação de torcidas organizadas cresceu em meio ao contexto autoritário da ditadura militar no Brasil, como forma de fiscalização da atuação dos dirigentes dos clubes? E que diante da repressão estatal à organizações e instituições opositoras aos governos militares, entre 1964 e 1985, essas torcidas compuseram um dos principais meios de… Continuar lendo Um outro olhar sobre as torcidas organizadas apresentado por Bernardo Buarque de Hollanda

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Artigos

“Polícia e Ladrão”: do mítico torcedor bandido ao eventual policial homicida

Esta semana, após 27 anos, foi proferida decisão que condena a polícia inglesa por homicídio culposo na famosa “Tragédia de Hillsborough”, que deixou 96 torcedores mortos durante a realização de uma partida pela semifinal da Copa da Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest. O importante sentimento de que a Justiça tarda, mas não falha, neste… Continuar lendo “Polícia e Ladrão”: do mítico torcedor bandido ao eventual policial homicida

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Onde está o torcedor?

Antes de começar, alerto que o texto a seguir contém altas doses de pessimismo. Tornou-se rotina ver grandes clubes brasileiros jogando para uma plateia inferior a dez mil pessoas. Salvo poucas exceções, a realidade do futebol nacional é conviver com estádios vazios. Mesmo tendo grandes torcidas, a maioria dos gigantes brasileiros só consegue vender todos… Continuar lendo Onde está o torcedor?

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Participações na mídia

Ronaldo Helal participou de telejornais na TV Brasil e no Sportv

Ronaldo Helal, membro do blog, concedeu entrevista à TV Brasil que foi ao ar nessa quinta (dia 22/11). O tema da entrevista foi o a prisão de membros da Torcida Jovem do Flamengo, envolvidos com atividades criminais. Confira o vídeo da entrevista aqui ou abaixo: No dia anterior (21/11), Helal já havia participado também do SportNews, falando… Continuar lendo Ronaldo Helal participou de telejornais na TV Brasil e no Sportv

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