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Anotações sobre a transmissão dos Jogos Paralímpicos Tóquio 2020

Os Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020 foram realizados de 24 de agosto a 5 de setembro de 2021. Em meio à melhor campanha brasileira, com mais ouros (22) e que igualou o total de medalhas (72) e a melhor classificação (7º), pretendo aqui trazer algumas observações da minha experiência enquanto espectador desta Paralimpíada de Verão.

Falha minha, apesar de lembrar de atletas paralímpicos de diferentes momentos, desde Adria Santos (atletismo) e Clodoaldo Silva (natação) a Daniel Dias (natação) e Petrúcio Ferreira (atletismo), além do histórico da multicampeã seleção do Futebol de 5, nunca tinha acompanhado os Jogos Paralímpicos com o mínimo de atenção que dou às Olimpíadas de Verão.

Neste ano mesmo, minha ideia era seguir acompanhando como em edições anteriores, ou seja, lendo e vendo notícias e reportagens audiovisuais. Até por estar na reta final da escrita da tese, após a imersão numa edição olímpica com competições do final da noite ao início da manhã, optei por sair das mídias sociais para focar no trabalho docente na universidade, em momento final de semestre letivo, e na pesquisa.

Mas bastou uma noite no terceiro ou quarto dia das Paralimpíadas para mudar de ideia. Ia assistir a um filme, mas acabei colocando no SporTV2 e estava passando as competições de atletismo, com comentários da Verônica Hipólito. Dali em diante, virei espectador quase tão assíduo quanto fui nos Jogos Olímpicos. Não avancei tanto nas madrugadas, com exceção dos jogos finais do Futebol de 5, mas também as opções de canais sobre isso não eram tão amplas.

Assim, com esse contexto, a escolha por “anotações” no título é para tratar aqui de coisas que me chamaram a atenção enquanto pesquisador, mas que, dado o fato de não ter sido meu objeto de estudo anterior, não seria honesto da minha parte usar referências e deixar reflexões formadas adequadamente.

Quem transmitiu?

Há um comentário em comum ao se avaliar a supremacia do futebol para o interesse popular e da cobertura esportiva no Brasil: o esporte do país é o futebol, o segundo é o que tiver brasileira ou brasileiro ganhando. Ainda que por pesquisas de torcida já dê para pensar até na primeira frase, o caso da Paralimpíada é interessante porque há muitas vitórias brasileiras, logo, era para haver muita vontade em transmitir.

Entretanto, entre o final do encerramento dos Jogos Olímpicos e a abertura dos Paralímpicos, havia uma dúvida sobre quem iria transmitir. Na semana de iniciar, confirmou-se que a TV Brasil (da Empresa Brasil de Comunicação, público-estatal) e o SporTV, normalmente no segundo canal, iriam exibir a competição. Além deles, o site internacional do evento também fazia a exibição com acesso gratuito.

A novidade da edição no Brasil, ao menos do que eu lembro das anteriores, foi um boletim noturno diário e a transmissão dos jogos eliminatórios do Futebol de 5 sendo transmitidos pela Rede Globo. Aposta, por sinal, tranquila: era futebol e que ganhou todas as edições paralímpicas sem perder um jogo sequer!

Fonte: Perfil da CPB no Twitter

Detalhes sobre a transmissão

Aproveitei a (cara) assinatura do pacote TV fechada + internet para assistir pelo SporTV 2. A opção do Grupo Globo foi por ter narradores mais novos, casos de Luiz Felipe Prota, Natália Lara e Sergio Arenillas. Nos comentários, atletas ou ex-atletas paralímpicos, com destaque (e afeto) para a dupla Verônica Hipólito (atletismo) e Clodoaldo Silva (natação).

Em todas as situações houve uma preocupação em seguir um jornalismo anticapacitista[1], que não seguissem, por um lado, o senso comum das histórias de superação, ainda que a “jornada de herói/heroína” façam parte da cobertura esportiva; e, por outro, de entender que o público contava com Pessoas com Deficiência (PcD), o que gerava momentos de audiodescrição e a preocupação em explicar bem quais os motivos de categorias para provas semelhantes, com correções quando necessário.

Confesso ainda que só tentei ver a TV Brasil no dia 4 de setembro, durante a final do Futebol de 5. Pareceu-me que a imagem tinha qualidade inferior do SporTV2, como se o sinal fosse reproduzido do site dos Jogos. Voltei ao canal horas depois, quando havia a exibição de outros eventos das Paralimpíadas, e a impressão foi a mesma.

Mas a transmissão do SporTV2 também teve suas limitações. Em alguns momentos, especialmente no atletismo, as provas de “campo” eram apresentadas como se fossem ao vivo, inclusive ficava o “ao vivo” na tela. Como eu estava acompanhando em paralelo no minuto a minuto do Ge.globo, sabia que determinado arremesso já havia sido realizado e, até, que a competição tinha terminado com certo resultado.

Nesse caso, o problema ainda é da geradora do sinal. O Comitê Paralímpico Internacional (CPI) não tem a mesma capacidade do seu referente olímpico para produzir e enviar ao vivo as imagens de todas as competições ao mesmo tempo. Mesmo no caso do atletismo, o sinal era apenas para uma prova por vez. Tendo competição na pista, prioridade, saia-se do campo.

Esse problema ficou ainda mais claro em competições em que só foram liberados posteriormente os vídeos, caso da canoagem, e trechos da bocha. Em alguns esportes, como o taekwondo, só havia foto ou vídeo do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) postados nos perfis das mídias sociais, que eram utilizados na transmissão do SporTV2 – e nas reportagens da Rede Globo.

Fonte: Site dos Jogos Paralímpicos

Na expectativa da 73ª medalha brasileira, entrei no site do CPI antes de dormir no dia 4 de setembro para saber o resultado da semifinal do badminton, com Vitor Tavares. Mas não havia transmissão, tive que acompanhar pelo minuto a minuto do Ge.globo, que também não tinha muita possibilidade de atualização, e então tive que esperar acabar o jogo para saber do resultado

Por curiosidade, fui ver o perfil do CPB no Twitter[2]. No dia 4, a programação de atuação de atletas brasileiras e brasileiros contava com a “transmissão”, mas sinalizando apenas Rede Globo e SporTV 2 ou espaços vagos. Voltando alguns dias no perfil, havia programação com indicações e dias que não havia.

Aguardemos que o aumento do interesse a cada edição dos Jogos Paralímpicos amplie as formas de transmissão daqui a três anos em Paris.


[1] Ainda que eu tenha prometido não colocar referências, Silva (2021) tratou disso num texto do Ludopédio, vale a leitura. Disponível em: https://ludopedio.org.br/arquibancada/paralimpiadas-de-toquio-e-a-caminhada-por-um-jornalismo-inclusivo/. Acesso em: 21 set. 2021.

[2] Disponível em: twitter.com/cpboficial. Acesso em: 21 set. 2021.

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Quando a pira se apagar em Tóquio, desafio do COI é manter a chama olímpica acesa

Dois anos atrás, nos arredores do templo budista Senso-ji, o mais antigo de Tóquio, máquinas faziam um ruído que afrontava a tranquilidade característica do local e da religião asiática. O mundo acreditava que os Jogos Olímpicos aconteceriam em julho de 2020, como era o previsto, então a obra não tinha tempo a perder.

O objetivo era recapear todos os 42 quilômetros de ruas por onde passariam os maratonistas durante os Jogos. Como os meses de julho e agosto são os mais quentes do ano na capital japonesa, havia o receio, por parte dos organizadores, de que o calor emitido pelo asfalto pudesse causar mal-estar nos atletas. Nos eventos-teste, vários corredores não se sentiram bem. O novo revestimento, portanto, dissiparia melhor o calor. Mutirões avançavam com o trabalho em todas as madrugadas, o único momento em que a frenética cidade permitia uma tarefa como essa.

No entanto, o esforço se tornaria inútil. Dois meses depois do início das obras, a maratona foi transferida para a cidade de Sapporo, no norte do Japão e de clima mais fresco. O novo asfalto virou uma cena incompleta e lamentável, símbolo do desperdício e síntese do dilema atual em torno dos Jogos Olímpicos: Tudo isso vale a pena? E para quem?

Paris e Los Angeles só vão sediar as edições de 2024 e 2028, respectivamente, porque o Comitê Olímpico Internacional (COI) chegou a um acordo com as cidades. Brisbane, na Austrália, só foi escolhida sede das Olimpíadas de 2032 por ter sido candidata única.

Quem chega para a festa só de quatro em quatro anos (ou em cinco por causa da covid-19) pode até não ter percebido antes, mas os dezoito dias de Jogos Pandêmicos de Tóquio trazem, como nunca antes, a inevitável pergunta: “Que diabos estamos fazendo aqui, no mais próximo do apocalipse que já vivemos?”. Nem mesmo os recordes e atuações de gala dos atletas podem calar essa pergunta.

Japonesa protesta contra modelo atual dos Jogos Olímpicos. Movimento “Nolympics” (“Não às Olimpíadas) ganhou força na última década. Foto: Hiro Komae / AP

Apenas 22% dos japoneses acham que os Jogos deveriam acontecer. A olimpíada que já seria a mais cara da história sem a pandemia deve ultrapassar R$ 90 bilhões com os gastos do adiamento por um ano e da adesão de protocolos sanitários. No Rio de Janeiro em 2016, foram R$ 41 bilhões.

O COI ganha muito e devolve pouquíssimo para levar sua “Família olímpica” em turnê a cada quatro anos. A cidade-sede, as autoridades locais e a população local, através de impostos, pagam pelas obras e estádios, enquanto o COI tem lucrado bilhões com a venda de direitos de transmissão para as TVs do mundo, ingressos e cotas para empresas patrocinarem o evento. Até os milhares de voluntários são uma forma de o COI não assumir tantas despesas.

Diante desse acordo tão desequilibrado entre as partes envolvidas, demorou até demais para políticos e cidadãos se movimentarem para evitar que suas cidades se candidatassem a receber os Jogos. A chama olímpica corre risco de se apagar, já que a honra de sediar os Jogos desapareceu, ainda mais com os recentes escândalos de compra de votos nos processos de escolha das olimpíadas no Rio de Janeiro e em Tóquio.

Resta de legítimo apenas o desejo de atletas de participarem do maior evento comercial do mundo camuflado de competição esportiva. Mas até que ponto a presença deles nos Jogos é para satisfazer esses interesses comerciais, em vez de um reconhecimento pelas inúmeras gotas de suor despejadas em treinamentos severos? As performances e os recordes são a força motriz da engrenagem que gera bilhões de dólares a patrocinadores e ao COI. Em troca, uma medalha. É muito pouco. Grande estrela dos Jogos de Tóquio, a ginasta Simone Biles, vivendo essa pressão desde criança, cansou, priorizou fazer apenas o que queria e deixou de lado algumas provas em que competiria. A prova de que o sistema está falido.

O objetivo não é acabar com os Jogos Olímpicos. O dia mais feliz da minha vida foi no Maracanã, em 5 de agosto de 2016, quando assisti à cerimônia de abertura no Rio de Janeiro. Mas da forma como são atualmente, as olimpíadas não despertam o melhor de nós.