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Racismo contra Vini Jr.: quem são os ultras, as torcidas extremistas que protagonizam manifestações de ódio

Ataques racistas ao craque brasileiro não são fatos isolados causados por “rivalidade”, mas prática recorrente nos estádios espanhóis, há décadas contaminados por grupos neofascistas

O novo ataque racista contra Vinícius Jr. expôs mais uma vez a questão dos ultras, tipo de grupo organizado de torcedores mais comum na Europa, com raízes na Itália – politicamente identificado com correntes ideológicas ultranacionalistas, racistas e xenófobas. Mas como surgiram esses grupos? E por que é difícil combatê-los?

Embora o problema do racismo seja muito mais profundo e disseminado na sociedade espanhola do que apenas o futebol permite compreender – o que não nos permite resumir esses ataques racistas a esses segmentos organizados de torcedores –, é fundamental reforçar a existência desses elementos por dois motivos.

  • Primeiro, porque são grupos organizados, com pautas políticas claras (dentro e fora dos estádios) que não deixam de se reproduzir e de ocupar esses espaços. O protagonismo desses grupos nas arquibancadas se dá pela base da força física e muitas vezes contou no passado com a conivência ou vista grossa dos próprios clubes.
  • Segundo, porque são responsáveis há muito tempo pela naturalização de expressões discriminatórias e discursos de ódio dentro do ambiente do futebol. Sob a pretensa participação na desestabilização mental de adversários, esses grupos extremistas incitam torcedores comuns a também perderem o pudor e medo da justiça.

Já são nove casos de racismo contra o brasileiro Vinicius Jr. investigados por La Liga nessa temporada. Dos mais explícitos, graves e violentos, estavam os ataques nos estádios do Atlético de Madrid, do Real Betis, do Real Valladolid e, o mais recente do Valencia CF, ocorrido no domingo (21).

No estádio do Mestalla, Vini Jr. se dirigiu ao fundo de um dos gols e apontou para um torcedor do time local, que estava imitado um macaco para lhe agredir. Imagens publicadas de momentos antes e depois desse fato mostraram o uso repetitivo de ofensas racistas de todo o tipo partindo daquela mesma “grada”, dos ultras, muito comuns no futebol espanhol há um bom tempo. As quatro agremiações listadas estão em diferentes comunidades autônomas do país, o que já permite conceber a dimensão nacional do problema.

Embora a cultura de violência seja generalizada, registrando casos recorrentes de agressão, confronto e distúrbios, há alguns coletivos ultras mais identificados à esquerda e muitos outros que, no sentido contrário, reivindicam ser apenas “grupos de animação apolíticos”. Entretanto, o volume, presença e fatos protagonizados pelos ultras de extrema-direita são mais significativos e aparentam estar em processo de retomada.

‘Organizadas’ do ódio político

Antes de tudo, é preciso compreender e reconhecer que o futebol é apenas um dos variados espaços da vida cotidiana onde essas correntes políticas extremistas atuam para impor suas “ideias”, atiçar ignorantes, provocar sentimento de ódio em desalentados e capitalizar essa animosidade para fins eleitorais – enquanto colocam em risco a vida de inúmeros cidadãos.

No futebol, especialmente nos estádios, esse extremismo encontra um terreno fértil para a agitação política. Trata-se de um espaço privilegiado para se alcançar um público de homens jovens sedentos por emoção, rivalidade e violência e com a constante necessidade de afirmação da masculinidade. Uma porta aberta para a introjeção de uma ideologia baseada na intolerância.

Essa questão não é nem um pouco nova. Desde os anos 1970 a Europa testemunha a relação íntima entre grupos de torcedores violentos com movimentos e lideranças políticas ultra-nacionalistas, supremacistas e/ou abertamente fascistas. Apesar de observado em todo o continente, é em países como Itália e Espanha que esse fenômeno demonstra uma preocupante insistência (e consistência).

Há questões históricas que favorecem a reprodução dessas ideias, quando são países onde o próprio entendimento sobre o que é racismo é raso, onde o debate não atinge força midiática e onde o tema não ganha o devido suporte das principais organizações políticas. Contudo, o problema mais grave é a condescendência de quem poderia tomar atitudes mais enérgicas.

Atualmente se registram mais de uma dezena de “coletivos ultras” que declaram abertamente um alinhamento a ideologias de extrema-direita, ligados a clubes de todo o país. Formam um variado espectro: tradicionalistas, ultraconservadores, ultranacionalistas, franquistas/neofascistas, neonazistas, regionalistas, centralistas… Diferentes em alguns aspectos, mas todos centralmente conectados pelo ódio a imigrantes, pelo racismo explícito, pela islamofobia, pela xenofobia e pela paranóia “anti-modernidade”.

Ultras de extrema-direita na Espanha, em quadro exibido pelo Redação Sportv — Foto: Divulgação

No caso do Valencia, estamos falando do grupo “Yomus”, famoso por registros de manifestações neonazistas e por entoar cânticos franquistas (o regime fascista que dominou a Espanha entre 1936 e 1975). Características políticas parecidas vistas com “Frente Atlético”, “Supporters Gol Sur” (Betis) e no antigo “Ultras Violeta” (Valladolid), coletivos ultras dos outros casos mais graves de racismo contra o brasileiro, anteriormente mencionados.

A Yomus esteve enfraquecida nos últimos anos, como ocorreu a diversos grupos do tipo – após aumento da exposição, da criação de políticas públicas e quando alguns clubes resolveram tomar vergonha na cara e agir –, mas há alguns anos começaram a retomar o controle da “grada de animación” – o setor ao qual se dirigiu Vinicius Jr.

Por isso é importante observar que quando esses agrupamentos vão ao estádio e cantam músicas racistas, eles não agem (apenas) por rivalidade clubística. Mais do que agredir, eles buscam “exercer o direito” de ser racista e convencer os demais “espanhóis originais” – brancos, cristãos e conservadores – de que isso é normal, parte do modo de vida local e que essa é uma forma de “defender a Europa”.

Segundo Carles Viñas, historiador que é professor da Universidade de Barcelona e autor do livro “El Mundo Ultra: los radicales del fútbol español”, lançado em 2005, a relação atual desses grupos com partidos institucionalizados ainda é desconhecida ou de difícil comprovação, mas são incontáveis as ocasiões de manifestações públicas, protestos ou contraprotestos onde esses grupos de extremistas estiveram presentes, inclusive promovendo ataques violentos.

Nos anos 2000, dada a proporção e força que esses grupos ganharam nas “gradas de animación”, Barcelona e Real Madrid tomaram medidas mais agressivas de banimento contra as suas versões internas de extremistas de arquibancada (Boixos Nois e Ultras Sur, respectivamente).

É certo que esse processo também visava e se inseria na transformação dos estádios e a substituição do público dessa “grada”, para priorização de um público turista, mas também servem de exemplo de como os clubes podem atuar por conta própria, de modo a alterar a correlação de forças nas suas arquibancadas – considerando que são diversos e plurais os grupos que compartilham esses setores, dentre os quais podem conviver grupos alheios a essas correntes extremistas.

Aparentemente, os proprietários de alguns desses clubes temem atrair para si a responsabilidade e as consequências de identificar e combater esses agrupamentos extremistas. Razão pela qual é tão comum ver esses sujeitos desfilando suas bandeiras, símbolos, gestos e cânticos ofensivos, como locais ou visitantes, como mostram exemplos recentes da Ligallo (Zaragoza) em visita ao estádio do Osasuna; ou da Frente Atlético entoando canções franquistas no estádio do Rayo Vallecano.

A própria Yomus é famosa por fazer ataques xenófobos e racistas contra Peter Lim, o proprietário singapuriano do Valencia, quando comparecem aos recorrentes protestos da torcida exigindo a sua saída. Por conta disso, de modo a tentar se afastar desses elementos, os diversos outros grupos de torcedores realizam manifestações separadas, alterando as palavras de ordem, como, por exemplo, na troca do lema “Lim Go Home” por “Meriton Out”, nome da sua empresa.

Por outro lado, em que pesem as notas e medidas sempre anunciadas pela Real Federação Espanhola, por La Liga ou por distintos órgãos do poder público, há uma curiosa dificuldade em tratar o assunto com a seriedade que merece: não se trata de um punhado de moleques racistas irresponsáveis, mas de agrupamentos politicamente coesos, organizados, estimulados e por vezes financiados para atuar como milícias capazes de exercer a violência física, munidos de ideias muito claras sobre o que almejam por modelo de sociedade – e quais segmentos desejam ver excluídos dela.

Também é recorrente (e talvez conveniente) da parte desses órgãos a teimosa e contraproducente tentativa de estabelecer equivalências entre as ações desses grupos caracterizados pelo racismo e pela xenofobia, com o envolvimento de outros grupos em confrontos violentos sem objetiva motivação política.

Javier Tebas combate… a vítima

Uma parte dessa história não precisaria ser destacada, não fosse a lamentável postura de Javier Tebas, presidente de La Liga, em reagir aos acontecimentos no Mestalla atacando exatamente Vinicius Jr. De forma inconsequente, jogou gasolina na fogueira ao sugerir que o brasileiro exagera e que as medidas tomadas até aqui já bastam.

Artigo publicado originalmente no site do GE, em 22/05. O texto na íntegra pode ser acessado aqui.

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Da Idolatria ao racismo: como o preconceito se disfarça de decepção

Em seu artigo “Foot-ball mulato”, Gilberto Freyre destaca as qualidades individuais dos jogadores negros, propondo que eles seriam influenciados por uma dança dionisíaca, responsável por uma forma de jogo única, mais coreografada e improvisada, inspirada pela capoeira, um patrimônio que estava no cerne da negritude brasileira. Essas qualidades seriam responsáveis por destacar a figura do indivíduo negro no futebol e por dar a ele uma espécie de vantagem contra os adversários, que, sem essas características, estariam prejudicados. Pensando nessa observação, a questão é: até que ponto essas “características” integram o jogador negro enquanto cidadão na sociedade brasileira?

Bom, em 1950, no Brasil, era realizada a quarta edição da Copa do Mundo. A seleção brasileira, anfitriã do evento, era a favorita para ganhar o torneio da FIFA, devido ao seu grande elenco composto por Bigode, Ademir de Menezes, Juvenal, Nilton Santos e pelo goleiro Barbosa. Com bons resultados na competição, o time conseguiu chegar à final do torneio no Maracanã, disputada contra a seleção uruguaia de Ghiggia e Obdulio Varela.

O estádio estava lotado, com quase 180 mil telespectadores ansiosos para ver o Brasil ser campeão do mundo; contudo, para desagrado da torcida brasileira, Ghiggia fez um gol de desempate no segundo tempo, conquistando o título para o Uruguai com uma vitória de 2 a 1. Além de dar ao Brasil um inédito, ainda que melancólico, segundo lugar, essa competição também nos ofereceu uma análise muito interessante acerca da visão sobre a negritude no futebol brasileiro

Após a derrota, um jogador da seleção brasileira foi alvo principal de críticas e de acusações da torcida canarinho. Não existia mais um time, e sim um culpado, um carrasco, um homem responsável pela desgraça de toda uma nação: o goleiro Moacir Barbosa. Enquanto Barbosa fazia defesas mirabolantes e difíceis, a torcida demonstrava toda a sua devoção e admiração por ele. O goleiro era um ídolo do povo brasileiro: ninguém podia negar seu talento individual nem o seu lado dionisíaco.

Fonte: Terceiro Tempo (UOL)

No entanto, esse lado dionisíaco também traz um fardo muito grande: o jogador que detém habilidades individuais ajuda a todos e favorece o time, mas, quando esse mesmo jogador falha, ele falha e sofre sozinho. E, geralmente, o sujeito detentor dessas características e que é acusado sem pudor é o indivíduo negro, visto como uma espécie de animal exótico, do qual se pode esperar tudo, pois, ainda que admirável em alguns momentos, é incerto e não se pode confiar

Por isso, quando Barbosa leva o fatídico gol contra o Uruguai, mesmo já tendo feito outras inúmeras defesas brilhantes, a sua carreira e a sua integridade pessoal foram postas à prova; é como se ele tivesse até então assumido um comportamento de fachada e, a partir do momento em que errou, a partir do momento em que a bola de Ghiggia entrou na rede do Maracanã, o goleiro mostrou a sua verdadeira face e a máscara de bom jogador de Barbosa caiu. Essa ideia tem uma forte relação com a análise de Irving Goffman sobre o indivíduo desacreditado e o indivíduo desacreditável: enquanto o primeiro já é estigmatizado desde o primeiro contato com outrem, o segundo não possui um atributo estigmatizante aparente, mas que eventualmente pode ser “revelado”. No caso de Barbosa, ele se torna “desacreditável” quando a cor de sua pele passa a ser um elemento definidor de sua qualidade enquanto goleiro. 

Além de Barbosa, outros jogadores negros daquela equipe, como Juvenal e Bigode, também sofreram com atos racistas e acusatórios após a derrota. Era como se tivesse faltado aos jogadores negros espírito coletivo, característica essencialmente apolínia e que seria decisiva para a vitória. Com isso, além de sofrerem pela derrota dentro de campo, esses jogadores também sofriam fora dele, devido simplesmente a sua origem étnico-racial.

Mais recentemente, outro caso para pensarmos a negritude no futebol foi a final da Eurocopa de 2021, disputada entre Inglaterra e Itália, no estádio de Wembley. A final do campeonato chegou à disputa de pênaltis, terminando em 3 a 2 para a Itália, que se consagrou campeã.  Na seleção inglesa, foram escolhidos três jogadores negros para bater os pênaltis; entre eles, estavam Marcus Rashford, Bukayo Saka e Jadon Sancho. Infelizmente, nenhum dos três jogadores converteu a cobrança.

Como esperado, a reação da torcida inglesa foi hostil e extremamente injusta, atribuindo, sem pudor, a culpa aos três jogadores. Marcus Rashford foi responsável por realizar em um projeto contra a fome no Reino Unido em 2020, em meio à pandemia da COVID-19, ajudando inúmeras famílias e suprindo a negligência do governo nessa questão. Entretanto, isso não foi levado em consideração pela torcida na hora de avaliar o caráter do jogador, posto que, a partir do momento em que Rashford errou um pênalti, prejudicando a equipe, ele se tornou uma figura desprezível. Essa situação se assemelha muito ao tratamento desprezível e racista sofrido por Barbosa, Bigode e Juvenal, evidenciando que o racismo após a derrota já se tornou algo corriqueiro no mundo futebolístico.

Ao analisar essa questão, nota-se que, talvez, seja o momento de eliminar “Dionísios” e “Apolos” no futebol para que, no lugar deles, tenhamos times que joguem juntos e percam juntos e não indivíduos que sofram devido à sua origem étnica racial.

Referências:

FREYRE, Gilberto. Foot-ball mulato. Diário de Pernambuco, Recife, 17 jun. 1938, p. 4.

MUYLAERT, Roberto. Barbosa: Um gol silencia o Brasil. Editora SESI-SP; 1ª edição, 12 novembro 2018.


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O fardo de Ramírez

O jogador Ramírez. Reprodução: Internet

O racismo é uma atitude detestável.

E precisa ser combatido.

Dito isso (são as duas primeiras frases deste artigo), é importante dizer também que a luta contra o racismo não se faz com injustiças.

O atleta colombiano Juan Pablo Ramírez Velásquez (também conhecido como Índio Ramírez), do Esporte Clube Bahia, carrega um fardo de injustiça que já não devia mais estar em suas costas.

Foi acusado, em dezembro de 2020, de ter praticado racismo em uma partida contra o Flamengo pelo Campeonato Brasileiro. Teria ofendido com injúria racial o jogador Gerson. Ramírez negou.

O colombiano foi afastado do time pela direção do próprio Bahia. O clube, sem demora, contratou peritos para analisar o caso. Esses peritos não encontraram nenhuma prova de que houve injúria racial. O presidente do Bahia, diante disso, reintegrou o atleta ao time. “A gente se esforçou, esforçou e não conseguiu identificar uma outra prova ou circunstância além da palavra da vítima”.

Nem os peritos contratados pelo Bahia, nem qualquer outra investigação comprovou a prática de racismo por parte de Ramírez. O STJD, então, fez o óbvio: arquivou o caso por falta de provas.

Ramírez poderia respirar aliviado. Ou não?

O fardo continua. No último dia 9 de outubro, o GE (mais especificamente, o GE São Paulo) produziu uma matéria televisiva que foi veiculada nacionalmente. O assunto era um relatório sobre casos de racismo no esporte em 2020.

A matéria de 3 minutos e 16 segundos dedicou meio minuto à denúncia contra Ramirez.

Disse a reportagem:

  • na súmula da partida, o árbitro declara que não ouviu nenhuma ofensa
  • o atleta Gerson prestou queixa e foi registrado um boletim de ocorrência, mas o Ministério Público solicitou o arquivamento do inquérito (solicitação atendida por um juiz)

Evidência contra Ramírez, além da acusação de Gerson, nenhuma.

Eis a situação: para o árbitro da partida, para os peritos contratados pelo Bahia, para o STJD, para o Ministério Público e para a Justiça comum, não se pode dizer que Ramírez praticou racismo. Para o GE, a denúncia contra Ramírez pode ser chamada (como foi) de “caso de discriminação racial no futebol”, desprezando-se a palavra “denúncia” e sem qualquer ênfase para o fato dessa denúncia não ter sido comprovada.

Por quanto tempo mais a denúncia contra Ramírez (não comprovada e judicialmente arquivada) será exposta nacionalmente em matérias recheadas de casos de racismo (esses outros, sim, documentados e comprovados)?

Por quanto tempo mais Ramírez carregará esse fardo?

Guilherme Bellintani (Presidente do E. C. Bahia). Afastou Ramírez do time e o reintegrou três dias depois. Reprodução: Internet

Para completar, algumas palavras sobre o princípio da presunção de inocência.

O Esporte Clube Bahia, em nota oficial publicada horas depois da denúncia contra Ramírez, declarou que o seu atleta negava “veementemente” a acusação, mas seria afastado assim mesmo, pois “a voz da vítima” deveria ser preponderante nesses casos.

Passaram-se dez meses e ainda não se comprovou que houve um ofensor e, portanto, um ofendido (ou seja, uma “vítima”). Já o Bahia, muito apressado, chamou Gerson de “vítima” menos de seis horas depois de encerrada a partida contra o Flamengo e o fez em uma nota oficial divulgada pela internet.

Alguém poderia ter advertido o presidente do Bahia que, se Gerson já era considerado “vítima”, Ramírez já era considerado “culpado”. E poderia também, logo em seguida, lembrar-lhe que isso afrontava o princípio da presunção de inocência, consolidado ao longo de muitas décadas e à custa de muito esforço intelectual.

Talvez até alguém o tenha feito, já que o presidente decidiu reintegrar Ramírez quatro dias depois daquela famigerada partida contra o Flamengo.

Atualmente, Ramírez ainda é atleta do Bahia e disputa partidas normalmente.

Parte da imprensa (dita progressista e que adotou a bizarra tese do “a voz de quem denuncia é a voz da vítima e deve predominar desde o momento em que a denúncia é feita”) poderia seguir o exemplo do presidente do Bahia e retirar das costas de Ramírez esse fardo que não lhe cabe.

Talvez aconteça algum dia. O GE, por enquanto, ainda acha que não é o momento, apesar do que já decidiu o STJD e a Justiça comum.

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O protagonismo do jogador negro em casos de racismo no futebol

O futebol tangencia o que seria, para o oficialismo brasileiro, o Brasil ideal. Isto significa dizer que o esporte mais popular do país constitui, aos olhos do senso comum, a harmonia entre as raças sobre a qual se traduz na idolatria por jogadores negros. Com suas performances dentro de campo, estes jogadores trazem títulos para a seleção brasileira e clubes. O resultado desta dinâmica é a utilização destes atletas e a idolatria que a população brasileira possui por eles para impulsionar a proposta de democracia racial. Neste prisma, o racismo no Brasil não existe ou é mais ameno do que em outros países como os EUA. Afinal, argumentariam algumas pessoas, tendo o futebol como referência: “Temos ídolos negros no maior esporte do país. Eles jogam em nossos clubes do coração e torcemos muito por todos eles dentro de campo”.

A fim de entendermos como os jogadores negros foram e são utilizados como ferramentas para a manutenção do status quo, é preciso explorarmos a ideia de cordialidade racial, desenvolvida por Sales Jr (2006). Trata-se de refletir o modo como se acomodaram as relações raciais fruto de códigos de sociabilidades, onde tolera-se a presença de pessoas negras, calcados na ideia do clientelismo e do patrimonialismo (SALES JÚNIOR, 2006). Diante deste prisma há um ar de altruísmo em ajudar e estar com pessoas negras. A cordialidade racial, portanto, se torna uma consequência perversa da democracia racial. Segundo o autor, ela é uma superfície que tratou de escamotear os problemas raciais no Brasil, se materializando na ideia do “ela é quase da família”, corroborando com a hierarquia racial da sociedade brasileira.

Não obstante, o insulto racial, neste cenário, na visão de Sales Júnior (2006), tem o objetivo de legitimar esta hierarquia racial. “O insulto, assim, vem lembrar o lugar (identidade) do insultado e a distância social que o separa do agressor” (SALES JÚNIOR, 2006, p.237).

Neste aspecto, o insulto racial dentro dos estádios, seja proferido por outros jogadores, ou pela torcida, se constitui como uma ferramenta poderosa de subordinação dos jogadores negros. A única, ou um dos poucos ferramentais capazes de subordiná-los, justamente para lembrá-los de onde eles vêm e quem eles são. Tendo em vista que, na sociedade em que estamos inseridos, jogadores negros que alcançam a elite do futebol possuem dois pontos muito importantes: prestígio social e condições econômicas sólidas. No entanto, sua derme é preta. Realizar insultos racistas é uma das poucas alternativas que os racistas possuem para subordinar jogadores negros, haja vista que ter prestígio social e dinheiro não podem ser vistos como uma imunidade simbólica de acusações racistas.

Fonte: Factual900

Sendo assim, há uma cordialidade racial capaz de suportar jogadores negros nesta posição tendo em vista que são, inegavelmente os melhores, e que produzem benefícios ao oficialismo brasileiro. Porque, caso paire no ar alguma dúvida sobre seu desempenho, a alcunha de ídolo se recaí para dúvidas e incertezas, recorrendo à justificativas racialistas que são, em grande parte, estapafúrdias.

Neste caminho, Sales Jr (2006) destaca que pessoas negras não podem ousar desestabilizar esta hierarquia racial, pois estariam gerando conflitos raciais que, até então, são considerados inexistentes ou irrelevantes na sociedade brasileira. Este conceito de cordialidade racial é fundamental para entendermos a dinâmica que ocorre entre os jogadores negros e como eles são tratados por outros participantes da indústria do futebol. Isto é, jogadores negros foram fundamentais para que a ideia de democracia racial fosse instalada no Brasil, na medida em que torce e vibra-se com eles. E hoje, quando as questões raciais no Brasil estão latentes, dentro e fora do futebol, o protagonismo dos jogadores negros de forma ativa a estas questões é fundamental para que, de fato, haja o combate ao racismo e aos racistas, tendo em vista seu prestígio social.

O caso de Gerson e o debate do racismo

“Cala boca, negro!”. Esta foi a frase que, segundo Gerson, jogador do Flamengo, foi dita por Ramirez, meia-atacante do Bahia, em uma partida válida pela 26º rodada do Brasileirão. 

Com uma reação que chocou muitas pessoas, Gerson foi para cima com a intenção de tirar satisfação da frase ouvira (“Cala boca, negro!”), interrompendo a partida e mobilizando grande parte dos jogadores dentro de campo, além dos técnicos de ambas as equipes.

Ao final da partida, Gerson deu seu depoimento visivelmente abalado:

“Tenho vários jogos pelo profissional e nunca vim na imprensa falar nada porque nunca tinha sofrido preconceito, nem sido vítima nenhuma vez. O Ramirez, quando tomamos acho que o segundo gol, o Bruno fingiu que ia chutar a bola e ele reclamou com o Bruno. Eu fui falar com ele e ele falou bem assim para mim: ‘Cala a boca, negro’. Eu nunca falei nada disso, porque nunca sofri. Mas isso aí eu não aceito.”

Gerson, jogador do Flamengo

Houve um extenso debate nas redes sociais, nas mesas redondas dos canais esportivos e dentro dos bares. Em larga medida, a sociedade civil discutiu o “caso Gerson”. O técnico do Bahia, Mano Menezes, comparou o gesto de Gerson à malandragem e foi amplamente criticado, fato que culminou na demissão do técnico (apesar de o Bahia justificar a demissão também por motivos esportivos relacionados ao desempenho da equipe no campeonato). O Flamengo prometeu levar o caso para uma resolução final no campo jurídico.

O caso foi arquivado no início de abril pelo Ministério Público por “falta de provas”, mas do ponto de vista simbólico, o ato de Gerson dentro de campo, em uma transmissão da TV Globo, foi fundamental para fomentar o debate.  Além de reavivar a memória de jogadores negros que hoje estão aposentados. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o jogador Roque Júnior, vítima de racismo em um jogo de futebol em 2004, reforça que, se fosse nos dias atuais, não continuaria em campo como forma de protesto em relação àquele acontecimento.

Ao ouvir “Cala boca, negro”, Gerson mobilizou um intenso debate sobre o racismo no futebol brasileiro. Deixou visível a falta de conhecimento da população brasileira diante do tema, fruto de negligência por décadas a fio, apontando as fragilidades das instituições esportivas que não possuem medidas sérias e eficazes junto a organizações civis que lideram o tema, além da lentidão da justiça brasileira no que tange os crimes de cunho racial.

Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br

Por fim, como dito, do ponto de vista simbólico, Gerson ocupou o protagonismo: um dos principais atletas em um dos principais clubes do país reportando em rede nacional, o caso de racismo que o atingira. Não é fácil. Certamente mais pessoas desacreditaram do que acreditaram no atleta, tendo em vista a complexidade que o seu caso possui, em decorrência da falta de imagens, produzindo um lugar perigoso para pessoas negras (o da confiança e credibilidade), apesar do prestígio que o atleta possui. Afinal, assim como eu, Gerson também escutara desde pequeno: “é a sua palavra contra a minha, e agora?”

Ao falarmos de um cenário onde jogadores negros confrontam, dentro de campo, de forma direta, insultos raciais, advindos de outros jogadores ou da torcida, isto requer o entendimento macro da indústria esportiva, levando em consideração que eles também são produtos que se atrelam a marcas de relevância internacional muitas vezes com contratos relevantes do ponto de vista financeiro. Mas o primeiro passo foi dado. Não só por Gerson, mas também por muitos outros, como Neymar e Taison que, possivelmente, com casos anteriores ao do atleta do Flamengo, podem ter encorajado o jogador a não ficar calado.

Que seja um efeito dominó se as estruturas raciais, ainda engessadas no que tange a discussão do tema dentro do futebol, comecem a se abalar por aqueles que são os principais produtores do espetáculo: os jogadores, sobretudo os negros.  

Referências bibliográficas:

SALES Jr., Ronaldo. Democracia racial: o não-dito racista. Tempo Social: revista de sociologia da USP, v. 18, n. 2, nov. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a12v18n2. Acesso: 20/09/19.


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Qual a punição para racismo no futebol brasileiro?

Mais uma temporada do futebol brasileiro se iniciou. Mesmo com atraso ocasionado pelo aperto do calendário da temporada 2020, por conta da Covid-19, a bola já está rolando pelos campeonatos estaduais ao redor do país. Além das discussões táticas e técnicas do esporte, um tema que certamente será recorrente em mais um ano será o racismo. Pensando na gravidade dessa situação, resolvo escrever esse artigo abordando principalmente o que diz a legislação da Justiça Desportiva do Brasil no combate desse crime. É sempre importante salientar o caráter criminoso que o racismo tem no Brasil, descrito tanto na vara civil/criminal, quanto na desportiva.

Ao final, trarei alguns dados referentes a aplicação da lei referente ao ano de 2019, com base na pesquisa sistêmica produzida pelo Observatório da Discriminação Racial no futebol e publicada no “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol 2019”.

Justiça Desportiva

A Justiça Desportiva brasileira atua apenas na área administrativa e não pertence diretamente ao Poder Judiciário brasileiro. Ela tem o objetivo de fazer cumprir o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que é formado por um conjunto de instâncias autônomas e independentes das entidades de administração do esporte. A existência da Justiça Desportiva está prevista no artigo 217 da Constituição Federal e seu funcionamento é similar ao dos órgãos do judiciário brasileiro, que julga casos de acordo com denúncias realizadas por procuradores, por exemplo.

Diferentemente da legislação criminal brasileira, a Confederação Brasileira de Justiça Desportiva (CBJD), não faz a distinção dos crimes de injúria racial (art. 140, § 3º do Código Penal) e Racismo (Lei n. 7.716/1989). No Art. 243-G ele descreve “Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.

Desde 2009, a Justiça Desportiva passou a julgar os casos de racismo de acordo com o esse artigo. Isso revogou a previsão de infrações individuais físicas e morais, criando outras condutas puníveis, incluídos pela resolução CNE nº 29 de 2009. Os casos são encaminhados à Justiça Desportiva (TJD e STJD) através de denúncias dos Procuradores, geralmente são baseados nas súmulas das partidas.

A pena por praticar um ato discriminatório no futebol brasileiro, de acordo com o STJD é suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Caso um torcedor seja denunciado por prática racista no futebol, por exemplo, ele será julgado e poderá ser suspenso de 120 a 300 dias e poderá pagar uma multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). A Justiça Desportiva ainda prevê outras punições a depender das circunstâncias que a situação ocorra.

1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente.

2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada a entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.

3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170.

Das espécies de penalidades

V – perda de pontos;

VII – perda de mando de campo;

XI – exclusão de campeonato ou torneio.

Registros de punições em 2019

Segundo o Relatório Anual da Discriminação Racial do Futebol de 2014 e 2019 houve um aumento de 235% nos casos denunciados de suspeita de racismo no futebol. Dos 67 casos registrados como “suposto caso de racismo”, até o fechamento do relatório, 53 (cinquenta e três) casos aconteceram nos estádios de futebol e poderiam ser julgados pela Justiça Desportiva quando a competição tem realização da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que possui prazo de até sessenta dias para tomar uma decisão, se houver denúncia, e/ou pela Justiça Comum (Cível e/ou Criminal). Um mesmo caso pode ser julgado nas duas esferas da Justiça, sendo que na Justiça Penal, processo Cível e/ou Criminal, nos casos de injúria racial, a vítima deve entrar com representação.

Dos 53 casos registrados nos estádios e identificados pelo Observatório da Discriminação Racial, em 13 o relatório obteve informações de julgamento pela Justiça Desportiva. Em 10 casos os julgamentos levaram a punições que foram de multa de R$ 400,00 + atleta suspenso por três partidas – a mais branda – até seis jogos de suspensão para o atleta julgado. Os outros três casos foram julgados e absolvidos pelo TJD ou STJD.

O Relatório apontou que em 2019 foram identificados 10 casos os quais existem a informação de que os incidente racistas constam na súmula do jogo, mas não foram encontradas informações de julgamentos dos incidentes raciais. Houve outro caso que o Relatório não encontrou informação que o incidente constasse na súmula, porém foi encontrado a publicação de uma “Manifestação de Repúdio”, da Federação o que comprova que a mesma teve ciência do fato, contudo não se encontrou informação de julgamento pelo TJD.

Já em outros dois casos os incidentes não constam na súmula da partida, porém manifestações do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) foram encontradas ao qual dizia que iria abrir inquérito para analisar as denúncias. Em um caso a investigação foi aberta pela entidade, mas não foi encontrado o resultado do processo pelo Relatório.

Dos sete casos que ocorreram via internet, em um houve registro de Boletim de Ocorrência que foi registrada no artigo 140 do Código Penal, como injúria, e o processo está em andamento na justiça. Em um caso o agressor foi identificado e suspenso pelo conselho do clube, ainda não de forma definitiva, neste mesmo caso a polícia civil abriu inquérito para investigar a situação, mas o documento não encontrou informações do andamento do processo. Nas outras cinco ocorrências não foram encontradas informações de qualquer procedimento por parte das vítimas, clubes ou autoridades

Em relação aos sete casos que ocorreram fora dos estádios e da internet, em cinco não foram encontradas informações sobre registro de ocorrência e/ou alguma punição aos envolvidos. Em um caso o Ministério Público, de São Paulo, denunciou o agressor, mas o Observatório não encontrou informações sobre o andamento do processo. Em um caso o clube expulsou o agressor do seu quadro de associados.

Foto: Reprodução

Fonte:

CÓDIGO BRASILEIRO DE JUSTIÇA DESPORTIVA, 2009.

Relatório da Discriminação Anual do Futebol 2019: https://observatorioracialfutebol.com.br/Relatorios/2019/RELATORIO_DISCRIMINCACAO_RACIAL_2019.pdf, acesso em 07 de março.

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Jornalismo esportivo precisa debater sobre a falta de negros em cargos de gestão

Novembro já bate na porta e com ele teremos um dos poucos momentos que o jornalismo volta seus olhares para as questões raciais com mais densidade de produção noticiosa e tempo e espaço para se dedicar ao tema. Influenciado pelo 20 de novembro, quando celebra-se o Dia da Consciência Negra, muito provavelmente veremos mais um ano onde os casos de racismo individuais e os relatos de profissionais que passaram por situações discriminatórias tomarão a mídia. No jornalismo esportivo, uma tendência comum é pautar o aumento de casos de suspeita de racismo no futebol – que graças ao trabalho formidável do Observatório da Discriminação Racial no Futebol fornece dados quantitativos objetivos sobre a situação no Brasil -. Isso por si só não é um problema, longe disso. Porém, esse não deve ser o único assunto a ser discutido. Os racismos enfrentados dentro de campo devem sim ser noticiados, com profundidade e responsabilidade, mas o racismo fora de campo, no setor administrativo e em cargos de liderança e comando não devem ser ignorados.

Racismo estrutural no futebol

O advogado, filósofo e professor Silvio Almeida enfatiza que o racismo estrutural pode atuar impedindo, dificultando ou excluindo pessoas negras de cargos de gerências nas estruturas organizacionais. No futebol, mesmo sendo um espaço comumente aceito e esperado para que uma pessoa no Brasil esteja inserido, assim como o samba, como destaca o historiador Joel Rufino dos Santos, existe uma barreira que impossibilita que os jogadores negros extrapolem a maioria existente dentro de campo para as posições de gestão e administração do esporte. Joel Rufino enfatiza que a sociedade branca naturalmente tem dificuldade de aceitar que pessoas negras possuam um intelecto suficiente para desempenhar funções de gerência e liderança, o que também influencia para que não exista representação negra nos cargos administrativos do futebol brasileiro.

Com a demissão de Roger Machado, do Bahia, agora entre os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, mais precisamente em outubro de 2020, não existe nenhum treinador negro que esteja a frente de uma equipe da elite do futebol brasileiro. Dentre eles, apenas Goiás e Grêmio mantêm departamentos de futebol comandados por pessoas negras. No time do centro-oeste, a diretoria está a cargo do ex-volante Túlio Lustosa. Já no time do sul, Deco Nascimento divide a posição com Alberto Guerra e Duda Kroeff. Em outros níveis administrativos, o Corinthians tem André Luiz de Oliveira, ex-vice-presidente, como diretor administrativo enquanto seu arquirrival Palmeiras conta com o ex-meia Zé Roberto como assessor técnico responsável pela integração entre categorias de base e profissional.

Na principal organização que rege o futebol brasileiro, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a representatividade negra em cargos eletivos é inexistente. Não há nenhum presidente negro à frente das 27 federações vinculadas à CBF.

É fundamental analisar esses dados e fazer um paralelo com a disparidade e desigualdade do Brasil, o futebol é um elemento que vai refletir essas realidades, ele não está descolado do pano de fundo social que fundamenta a sociedade brasileira.

Fonte: EC Bahia / Divulgação

Racismo e desigualdade social

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio domiciliar per capita de pretos e pardos era de R$ 934 em 2018. No mesmo ano, os brancos ganhavam, em média, R$ 1.846 – quase o dobro. Em 2018, 3,9% da população branca era analfabeta, percentual que se eleva para 9,1% entre negros, valor mais que o dobro em relação ao primeiro. O estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, também do IBGE, aponta que em 2018, no estrato dos 10% com maior rendimento per capita, os brancos representavam 70,6%, enquanto os negros eram 27,7%. Entre os 10% de menor rendimento, isso se inverte: 75,2% são negros, e 23,7%, brancos.

Muitos ex-jogadores negros confiam no empirismo de sua vivência de dentro de campo para assegura-lo em cargos de gestão e administração no futebol, entretanto na grande maioria das vezes isso não é suficiente para dar continuidade a sua trajetória no futebol. A necessidade de se profissionalizar e fazer cursos de capacitação em gestão acaba se tornando a única opção e esta está longe de ser uma alternativa barata. O curso de formação de treinadores da CBF, requisito para exercer a profissão, é caro. Para tirar todas licenças exigidas na elite, o investimento a ser feito é de aproximadamente R$ 50.000.00 e fazer eles não é uma garantia que o profissional negro conquistará posições de poder no futebol.

Por exemplo, o pentacampeão brasileiro Roque Júnior, que fez MBA em gestão e marketing esportivo, estágios na Europa e com Luiz Felipe Scolari, no Palmeiras e também obteve licenças do mais alto nível para poder comandar equipes brasileiras e europeias, até hoje não recebeu oportunidades de comandar cargos de gestão ou de treinador nos grandes clubes. O ex-jogador conseguiu apenas treinar o XV de Piracicaba e Ituano, clubes de menor expressão, onde existe uma maior dificuldade de ascensão. Outros exemplos, temos Lula Pereira, Andrade (campeão brasileiro com o Flamengo em 2009) e Cristóvão Borges que depois de trabalhos em clubes de elite, não conseguiram sequência e caíram no ostracismo.

A importância de trazer o debate à tona

Seja a expressão racista que diz que negros não possuem a competência para ocupar cargos de gestão e liderança no futebol, fato que é um reflexo de um país onde apenas 5% dos cargos executivos em grandes empresas são ocupados por negros, seja pelo fator social que coloca ex-jogadores e população negra como um todo vários degraus atrás quando o assunto é acúmulo de capital, necessários para a aquisição dos cursos e treinamentos da CBF, é fundamental que essa discussão ganhe força e preponderância.

O que mais vi nos últimos meses foi personagens midiáticos e colegas jornalistas apontando o dedo para os jogadores que não tinham se posicionado abertamente sobre o “Black Live Matters” ou sobre casos de racismo no futebol vivenciado por eles e por seus companheiros. Entretanto, uma das causas para a falta de tal postura ativista pode também ser um reflexo da falta de representatividade racial nos seus clubes. Qual garantia de respaldo esses atletas terão quando nem suas próprias instituições e muito menos a CBF possuem o desenvolvimento de práticas antirracistas e a abertura de espaço para a capacitação de grupos minoritários?

A branquitude ainda entende o problema como se fosse dos negros e recusa assumir quaisquer privilégios e vantagens sociais, econômicas, políticas, onde aqui surge o argumento pífio e desleal da meritocracia. Muniz Sodré reflete que a forma como a mídia e o jornalismo constrói identidades virtuais sobre o negro em suas narrativas condiciona esses grupos a estereótipos e as folclorizações. Será que ao não discutir a fundo a ausência de negros em cargos de gestão no esporte, não intencionalmente, o jornalismo esportivo não naturaliza tais questões?

O jornalismo esportivo precisa debater sobre a falta de negros em cargos de gestão e liderança no futebol.

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A bola e a “bolha”

Um jogo totalmente diferente. Esse era o slogan da volta da NBA (a liga de basquete americana) após a interrupção da temporada 2019/2020 devido à pandemia provocada pelo novo Coronavírus. Esportivamente falando, o jogo até pode ter sido o mesmo, mas, sem sombra de dúvida, todas as adaptações que precisaram ser feitas para que o campeonato chegasse ao fim fizeram com que essa temporada fosse única, impossível de esquecer.

 A solução encontrada foi criar uma “bolha”, ou seja, um ambiente totalmente controlado, onde atletas e demais profissionais envolvidos pudessem ficar isolados e imunes a qualquer risco. O local escolhido foi o complexo esportivo gerenciado pela Disney, na cidade de Orlando, na Flórida, o ESPN Wide World of Sports Complex. O local parecia ser o mais adequado, por sua infraestrutura esportiva e hoteleira. Salões de convenções abrigaram 7 quadras para treinamentos e três ginásios ficaram disponíveis para os jogos. Além disso também havia toda uma estrutura de serviços para atender atletas e o staff da NBA. Cada equipe pôde levar até 37 pessoas para a “bolha”, incluindo atletas, técnicos, integrantes da comissão técnica, seguranças e outros funcionários.

A “bolha” do Reino Mágico da Disney (Ilustração: Getty Images)

O que a Liga não esperava era que no mesmo período da retomada da temporada, o número de casos de Covid-19 no estado da Flórida “explodisse”, batendo a marca de quase 15 mil por dia em meados de julho. Mais um motivo para os cuidados médicos serem extremamente rigorosos. Qualquer pessoa que chegava à “bolha” tinha que ficar 48 horas isolada em seu quarto e testar “negativo” em dois exames. Todos aqueles, inclusive alguns jogadores, que precisaram sair, foram obrigados a cumprir um período de quarentena na volta. O relato do armador do Philadelphia 76ers, o brasileiro Raulzinho, à revista Época mostra o quanto a rotina era desgastante:

No começo não foi fácil. Ficava fechado no quarto, sem contato, só saía para os treinos. Passava boa parte do dia vendo TV, sem ter o que fazer. Fizemos muitos testes de Covid-19. Testes diários, protocolos de higiene e segurança. Era necessário, mas o desgaste mental e emocional foi enorme.

Para diminuir a incidência de casos de depressão pelo isolamento, a entrada de parentes foi permitida depois da primeira rodada dos playoffs. Quem quis receber convidados teve que arcar com os custos. Mesmo assim, os visitantes tiveram que ficar em isolamento por uma semana, além de serem submetidos a dois testes em um período de três dias.  O cuidado era tanto que foi criado até um tipo de disque-denúncia para qualquer tipo de quebra dos protocolos de saúde. Além disso, pulseiras usadas por todos os habitantes da “bolha” não só controlavam as movimentações, como ainda registravam a temperatura de todos, 24 horas por dia.

Que comecem os jogos…

Foi preciso criar um critério para definir que times iriam para Orlando. Das 30 franquias, 22 foram selecionadas: as que já tinham definido vagas para a fase do mata-mata e aquelas que ainda tinham essa possibilidade, estando a quatro jogos ou menos do então oitavo colocado. Foram 9 equipes da Conferência Leste e 13 da Oeste. A retomada da temporada se deu em 30 de julho e os playoffs começaram em 17 de agosto.

Uma das grandes diferenças nesse novo normal era a inexistência do “fator casa”. Como as partidas eram disputadas em um ginásio neutro e sem torcida, tudo ficava mais equilibrado nesse sentido. A NBA tentou, de alguma forma, favorecer os times mandantes: um DJ se encarregava de fazer a sonorização da partida, com gritos de torcida e músicas usadas no ginásio  original, além disso foram instalados três grandes painéis de vídeo onde apareciam imagens ao vivo de torcedores pré-cadastrados pela Liga. Mas nem de longe o clima se parecia com o dos mega ginásios que comportam cerca de 20 mil pessoas. Mesmo assim, quem conseguiu participar, como a estudante de Jornalismo da Uerj, Clara Quintaneira, comemorou. Ela ganhou o direito de participar de um jogo entre Bucks e Magic. “Eles avisaram que uma hora antes do jogo eu já poderia entrar no link para participar. Entrei, precisei tirar uma foto do meu rosto e depois tirar foto do meu passaporte para conferirem. Após isso, fui autorizada e aceita na sala do Google Teams com um login e senha que eles davam para cada um”. Ela, que nunca teve a oportunidade de assistir a um jogo da Liga nos Estados Unidos, garante que foi uma sensação especial. “Representou muito pra mim. O momento que estamos vivendo é histórico. Toda essa questão de pandemia, quarentena e isolamento social vai ficar marcada no ano de 2020. Todos tivemos que nos adaptar a uma nova rotina e com a NBA não seria diferente. A ‘bolha’ nos permitiu viver uma experiência nova como plateia virtual”.

Na torcida, mesmo que de forma virtual. (Foto: Clara Quintaneira)

De acordo com alguns analistas a situação extraordinária fez com que algumas equipes se adaptassem melhor do que outras, foi o caso o Phoenix Suns que venceu todos os jogos que disputou na “bolha” e por muito pouco não chegou aos playoffs. Uma situação inversa pode ser ilustrada pelo Milwaukee Bucks, primeiro colocado geral da temporada. O time do MVP (jogador mais valioso), o grego Giannis Antetokounmpo, ganhou apenas três partidas antes do mata-mata. E nos playoffs também acabou decepcionando. Depois de bater o Orlando, foi eliminado pelo Miami, por 4×1, frustrando seus torcedores e todos aqueles que queriam ver um confronto entre Antetokounmpo e LeBron James na final. O melhor time do Leste, contra o melhor do Oeste.

Vidas negras importam

A retomada da NBA também teve um tom de engajamento político jamais visto. As mortes de Breonna Taylor, em Louisville, e de George Floyd, em Minnepolis, ambos negros e assassinados por policiais, gerou uma onda de manifestações nos Estados Unidos. Os jogadores da NBA, em acordo com a Liga, usaram os jogos como sua forma de protesto. O lema Black Lives Matter (vidas negras importam) estava estampado no piso das quadras. Além disso os jogadores também usaram palavras de ordem em seus uniformes como: “Say their names (diga o nome deles), “I can’t breathe” (eu não posso respirar – frase dita por Floyd enquanto era asfixiado pelo joelho de um policial) ou simplesmente “Equality” (igualdade). Durante a execução do hino americano, todos se ajoelhavam e ficavam de braços dados. Uma imagem potente contra o racismo.

Nos tênis de Jamal Murray, do Denver Nuggets, um tributo a Floyd e Breonna. Foto: Kevin C. Cox / Getty Images

Porém, mais um chocante caso de violência quase pôs tudo a perder. Jogadores do Milwaukee Bucks se recusaram a entrar em quadra após tomarem conhecimento de que Jacob Blake, um homem negro de 29 anos, tinha levado sete tiros pelas costas diante dos três filhos, em Kenosha, no estado de Wisconsin. Os disparos, mais uma vez, haviam sido feitos por policiais. O homem perdeu o movimento das pernas.  O time do Orlando não aceitou a vitória por W.O e também não compareceu.

O boicote, inédito, foi explicado por uma nota oficial dos atletas do Bucks:

Os últimos quatro meses lançaram luz sobre as injustiças raciais em curso que as comunidades afro-americanas enfrentam. Cidadãos de todo o país têm usado suas vozes e plataformas para se manifestar contra esses delitos. Apesar do apelo esmagador por mudança, não houve nenhuma ação. Nosso foco hoje não pode estar no basquete.

Logo outras equipes se posicionaram a favor da paralisação e os jogos tiveram que ser suspensos.

As jogadoras da WNBA (liga profissional de basquete feminino), que também disputavam seus playoffs em uma “bolha” em outra cidade da Flórida, fortaleceram o boicote. Elas usaram camisas brancas com alusão às marcas dos tiros contra Jacob Blake, se reuniram no centro da quadra e ficaram de joelhos. Em seguida, deram os braços e exibiram o nome da vítima. Lá, as partidas também foram suspensas.

Os protestos geraram imagens fortes (Foto: Stephen Gosling/ Getty Images)

LeBron James, o maior nome da Liga, tomou a frente do movimento e não mediu palavras para mostrar sua indignação. Em sua conta do Twitter, postou: “Fuck this, man. We demand changes. Sick of it”, pedindo mudanças e se dizendo cansado com tudo aquilo.  A primeira reunião entre atletas e dirigentes foi tensa, jogadores dos dois times de Los Angeles, o Lakers e o Clippers, ameaçaram deixar a “bolha”, capitaneados por LeBron e por Kawhi Leonard.  Só em um segundo encontro houve um acordo, graças, principalmente, à participação efetiva de Michael Jordan; além de uma lenda do basquete e negro, ele também é o dono do Charlote Hornets, time da Carolina do Norte na NBA. O argumento foi de que eles não deveriam abrir mão daquela plataforma de combate ao racismo, usando microfones e câmeras a favor da causa e do estímulo às pessoas a votarem na eleição presidencial americana para tentar gerar mudanças (nos EUA o voto não é obrigatório). Numa atitude inédita, as franquias também prometeram usar seus ginásios como locais de votação.

Mobilização pelo voto e pelas mudanças. (Foto: David Dow/ Getty Images)

O tributo a um rei

Com a bola quicando, Los Angeles Lakers e Miami Heat chegaram à grande final. Uma série bem equilibrada. O time da Califórnia chegou a abrir 2×0 e, depois, 3×1, mas o Miami, valente, comandado pelo talentoso Jimmy Butler, forçou um jogo 6. Esse sim, vencido com tranquilidade pelo Lakers.

A estrela maior, LeBron James, chegava a seu quarto título, conquistado em três diferentes franquias, o próprio Miami Heat (2012 e 2013), o Cleveland Cavaliers (2016) e o Los Angeles Lakers (2020). Um jogador de quase 36 anos de idade que soube adaptar seu jogo e que passou a alcançar marcas espetaculares em todos os fundamentos do jogo. “The King” (o rei), como é conhecido, coleciona recordes e garante: não pretende parar tão cedo.

O título conquistado este ano foi muito significativo. Era quase uma obsessão para LeBron, desde a morte trágica de Kobe Bryant, amigo de James e grande ídolo do Lakers. A taça de 2020 veio dez anos depois de Kobe ter levado o Lakers à sua última conquista. Não à toa, em várias partidas, incluindo o jogo 6 das finais, o time vestiu a “Black Mamba”, camiseta idealizada para homenagear Bryant, que gostava de usar esse apelido (Black Mamba ou Mamba-Negra é um tipo de cobra africana extremamente venenosa). “No fim das contas, nós só esperamos deixar ele e sua família orgulhosos. É disso que se trata. Desde Kobe a todos os outros que por alguma vez vestiram a camisa dos Lakers, jogamos para deixá-los orgulhosos. Isso que estamos tentando fazer”, afirmou James pouco antes da série final.

O “imparável” LeBron James. (Foto: NBA/Divulgação)

E como se não bastasse o desempenho excelente em quadra (foi eleito o MVP das finais), LeBron James mostrou que esporte e engajamento social podem e devem ser complementares: em 2018 criou sua própria fundação para crianças carentes; fez uma parceria com a Universidade de Akron para pagar bolsas de estudo para 2.300 jovens a partir do ano que vem; e lidera uma campanha de recrutamento de 10 mil voluntários que irão trabalhar nas eleições de 3 de novembro. Mais do que um craque, um líder.

Com o título de número 17, o Lakers se tornou a franquia com o maior número de conquistas, ao lado do Boston Celtics. Um fecho de ouro para uma temporada turbulenta como nenhuma outra da NBA.

Os resultados em termos de audiência podem até ter decepcionado. Os índices foram quase 50% menores do que no ano anterior. A concorrência com transmissões de outras ligas como as de Hóquei, Beisebol e de Futebol Americano, todas, excepcionalmente, ocorrendo de forma conjunta, seria uma das explicações. A eleição presidencial de 2020 também teria contribuído para o declínio na audiência. Redes a cabo como Fox News, MSNBC e CNN registraram altas em seus índices durante o horário nobre. Mas se pensarmos na eficiência da “bolha”, a temporada da NBA foi um enorme sucesso. Foram três meses de isolamento e nenhum caso de infecção por Coronavírus registrado. A Liga Americana de Basquete provou que é possível fazer competição esportiva segura em meio à pandemia, coisa que outros esportes e outros países não souberam ou não quiseram fazer.

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As estátuas e o esporte caem do pedestal

Represada por séculos, a onda antirracista conseguiu, finalmente em 2020, romper os diques que mantinham, sob conforto e segurança, os privilégios de uma sociedade discriminatória.

A derrubada e a retirada de monumentos de personalidades identificadas com o racismo têm sido rotineira nos recentes protestos de rua que vêm exigindo justiça racial. Uma por uma, essas estátuas caem dos seus pedestais e geram o debate em torno da reinterpretação da história. E o caso de uma delas, no estádio olímpico de Amsterdã, mostra que essa onda pode causar transformações sem precedentes no esporte.

Turistas desavisados que até pouco tempo atrás passavam pelo estádio na capital holandesa invariavelmente se sentiam constrangidos.

Isso porque, desde 1928, estava lá uma estátua de bronze em que um homem saudava a todos com o braço direito retilíneo e esticado para frente. Ela foi idealizada pela escultora holandesa Gerarda Rueb na reforma do estádio para os Jogos daquele ano e em homenagem ao Barão Van Tuyll van Serooskerken, fundador do Comitê Olímpico da Holanda.

A intenção do monumento era recordar e exaltar uma suposta saudação da Antiguidade Romana, um dos berços da formação cultural do Ocidente. No entanto, apesar de ter sido erguida 5 anos antes da ascensão de Hitler, a estátua passou a ser associada, ao longo do tempo, ao nazismo, que influencia até hoje grupos racistas, como a Ku Klux Klan nos Estados Unidos. 

Estátua com o braço esticado para frente na entrada do Estádio Olímpico de Amsterdam causou polêmica. Foto: Evert Elzinga/EFE.

 

Diante das cobranças para a estátua ser removida, a Fundação do Estádio Olímpico de Amsterdã consultou um grupo de historiadores e concluiu que a saudação aos romanos é um mito. Não há relatos da época que comprovem que ela, de fato, existiu. Além disso, a estátua com a saudação acabou se tornando uma coincidência acidental e – por que não – trágica: o mesmo gesto com o braço esticado para frente tinha sido introduzido pelo Barão de Coubertin, fundador do Comitê Olímpico Internacional, nos Jogos Olímpicos de 1924, como símbolo de desportividade e respeito entre os atletas (VAN DER VOOREN, 2018).

Anos depois, os nazistas incorporaram o gesto aos seus rituais culturais, e a história fez desaparecer a saudação em meio ao constrangimento coletivo perante o terror causado pelo regime. Mas restava a estátua, bem intencionada no início, porém anacrônica, e que, por isso, já foi removida para um museu dentro do estádio

O esporte pouco havia feito para combater o racismo nas últimas três décadas em que se tornou um espetáculo global, bilionário e, por isso, um produto com grande capacidade de mobilização coletiva. Políticas afirmativas para negros foram raríssimas em clubes e outras entidades esportivas. Em meio às incontáveis injúrias sofridas por atletas negros, o que havíamos visto, no máximo, foi uma faixa “Diga não ao racismo” em estádios ou a frase “Vidas negras importam” em uniformes. Mas nada disso adiantou. 

Portanto, boicotar jogos da NBA e remover estátuas já compõem um avanço sem precedentes, embora ainda tímido. O esporte, em troca de lucros bilionários, frequentemente traçou estratégias para evitar debates raciais e de outros temas de ordem política. Para não desagradar patrocinadores, atletas foram compelidos a manter um comportamento “manso” em meio aos pedidos por engajamento social. Mas a impressão agora é a de que o silêncio da falsa normalidade e que, um dia, taxou o esporte de “alienado” definitivamente acabou.

 

Referências:

VAN DE VOOREN, J. Amsterdam 1928: Het onbekende verhaal van de Nederlandse Olympische Spelen. Balans, Uitgeverij, 2018.

Saluting statue to be removed from Amsterdam Olympic Stadium. Associated Press, Amsterdam, 14 de agosto de 2020. Acesso em: 04 set. 2020.

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O “lugar” do negro no futebol brasileiro

Não deveria chamar atenção e ter uma repercussão grande dois treinadores negros, que foram destaque como jogadores, estarem se enfrentando na área técnica. Para mim isso é a prova que existe um preconceito, à medida que a gente tem 50% da população negra e a proporcionalidade que se representa não é igual. A gente tem… Continuar lendo O “lugar” do negro no futebol brasileiro

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Participações na mídia

Ludopédio entrevista coordenador do LEME (parte 2)*

Ronaldo Helal, coordenador do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (LEME/UERJ), foi entrevistado pelo site Ludopédio. Equipe Ludopédio Há muito tempo queríamos entrevistar o professor Ronaldo Helal. Foram muitos anos de desencontro até que conseguimos realizar a entrevista por ocasião de um evento no Rio de Janeiro. O professor Helal nos recebeu em sua… Continuar lendo Ludopédio entrevista coordenador do LEME (parte 2)*

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