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A Fênix Alvinegra

Checando aqui no blog o último artigo publicado por Raffaela Napoli “Cheerleanding: é muito mais que torcer, é um esporte de força e resistência”, fiquei pensando nas diferenças que separam os torcedores daqui dos que estão lá, na outra parte do continente americano. Imediatamente me veio a cabeça as torcidas brasileiras, em especial, as organizadas e apaixonadas pelo futebol alvinegro como a Fúria e a Torcida Jovem do Botafogo. Elas depositaram todas as fichas no investidor norte-americano John Textor e na promessa dele de aportar R$ 400 milhões  em investimentos em troca de 90% do controle do futebol do glorioso. A possibilidade de ver o time de coração ressurgir das próprias cinzas como a fênix, lendário pássaro da mitologia grega, fez com que eles e outros apaixonados torcedores impulsionassem a venda da SAF (Sociedade Anónima do Futebol) e a transferência dos direitos esportivos do Botafogo para o bilionário investidor, presidente da Facebank Inc e especializado na distribuição de conteúdo digital para mídia.

Fonte: Lance!

Mas que interesses esse bilionário, acionista majoritário do time belga RDW Molenbeek e dono minoritário de 18% das ações do Crystal Palace, time da primeira divisão britânica, teria em investir em mais um time de futebol e ainda mais em um com um passivo declarado em 2020 de R$ 1 bilhão? Ao que tudo indica, o futebol e os megaeventos esportivos se tornaram uma espécie de maná de grandes empresários orientados sob os interesses da reciclagem do capital e do lucro. Através de uma série de estratégias de valorização da marca, os campeonatos de futebol europeu se transformaram em produtos de alto valor para o entretenimento das massas. E conglomerados como a Red Bull, o City Football Group, Sunning Group entre outras holdings de capital privado compraram participações em clubes de vários lugares do mundo. Eles passaram a ser peças importantes no marketing dessas empresas.

Por que, então, não replicar a fórmula de sucesso em países em que o dinheiro vale quatro, cinco, seis vezes menos? Como Portugal via no passado a colônia como um espaço que possibilitaria a realização de seus interesses comerciais, Textor enxergou no Brasil e, mais precisamente no clube alvinegro, potencial para aumentar os seus cifrões.

O empresário vinha mantendo negociações informais também para compra de 16% das ações do Benfica. Mas o clube de Lisboa não pagou pra ver. Ou melhor, não arriscou vender para saber o que iria acontecer. Textor declarou que enxerga muitas conexões entre Brasil e Portugal que vão além da língua em comum. Em entrevista para o seu site oficial e para o portal FogãoNet,  disse encarar as terras lusitanas como um excelente trampolim para os jogadores do Brasil chegarem à Europa. Seria uma maneira de minimizar os impactos da diferença entre Euro e Real nas negociações de jogadores, me pergunto?

Mas, antes de aterrissar na terra brasilis, o norte-americano foi seduzido pelo desejo. Para estimular o apetite de investidores em aportar o capital volátil, fruto da liberalização e desregulamentação de mercados e das atividades financeiras em todo o mundo,  o Botafogo contratou em março do ano passado como Diretor Executivo o economista Jorge Braga. Com experiência no universo corporativo e em outros mercados que sofreram grandes transformações como o das telecomunicações e do varejo, ele sabia que para encarar o desafio  de tornar o produto Botafogo atrativo e adequado  a nova dinâmica do futebol, precisaria reduzir custos. E foi o que fez: no futebol feminino, no remo, etc. Mas nada de diminuir a qualidade. Para gerar lucro através da produção o Botafogo precisaria, segundo o economista, deixar pra trás o tempo da paixão. O que significa mergulhar de cabeça na era da performance, adotar scouts como fazem a NBA e as universidades americanas e, principalmente, garantir o acesso a série A.

Deu certo. Depois de uma rodada de negociações e ajustes de cláusulas intermediadas do lado de Textor por advogados e consultores de uma empresa contratada pelo empresário para minimizar os seus riscos e a XP investimentos, que intermediou as negociações entre o Botafogo e o fundo Eagle Holdings, empresa de John, o negócio, previamente planejado para um final feliz, foi fechado. Os torcedores comemoraram. Primeiro, a vitória na negociação com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que concedeu um desconto de 59% reduzindo a dívida do Botafogo com os cofres públicos de R$ 466 milhões para R$ 190 milhões.

Depois vieram as outras cartas dadas por Textor para mostrar o seu estilo de gestão. Ainda que nem todas com o mesmo invólucro de uma administração moderna, como a prática comum a times brasileiros e estrangeiros de substituir técnicos. Nas últimas duas décadas o time alvinegro trocou três vezes mais de treinador do que o Barcelona, por exemplo.

O último técnico a ser demitido do Botafogo, já sob a nova gestão,  foi Enderson Moreira. Ele mesmo, o treinador que trouxe o time de volta à elite do futebol brasileiro. Em nota veio a explicação do clube: “em momento de transição para um novo modelo de gestão, mudanças são naturais e necessárias ao novo projeto”. O novo mandachuva do futebol disse que não conseguiu enxergar no comando do ex-treinador o estilo que quer ver no Botafogo e não usou meias palavras para deixar isso claro em entrevista para o site Globo Esporte.

“Eu acho que na Europa você vê sistemas em que os jogadores não são bons como são os do Brasil, principalmente quando você vai para o leste europeu, a Rússia… Esses sistemas acabam sendo muito eficientes ao trazer atletas modernos e torná-los máquinas.”

John Textor
Enderson Moreira pelo Botafogo (Foto: Rafael Arantes)

Mesmo sem acreditar que Enderson Moreira seria capaz de transformar o Botafogo no time competitivo que almeja, Textor não descartou a importância do treinador na história do alvinegro. O novo gestor também quis demonstrar ser uma  pessoa condescendente ao declarar ao site do Globo Esporte que vai honrar com as obrigações trabalhistas assumidas anteriormente.

“Eu tenho oportunidades com a nova lei de deixar para trás os velhos contratos.” “Não vamos abandonar o contrato dele.  Nós devemos a ele o respeito de pagar o que nós devíamos contratualmente e agradecer tudo o que ele fez. Mas…. eu não vi o tipo de futebol que eu queria”, disse durante a entrevista ao repórter Rodrigo Capelo.

Fonte: Globo Esporte

E afinal, qual seria esse futebol? Na mesma entrevista, o empresário norte-americano revelou que gosta de equipes fechadas na defesa e extremamente disciplinadas em relação à manutenção da posse de bola. E, enquanto manda seus recados pelas redes sociais, vai tratando de rejeitar acordos comerciais que não são “estratégicos com os objetivos do novo Botafogo SAF”.

Como a mais desconfiada de uma família de torcedores botafoguenses apaixonados, estarei acompanhando diariamente os próximos capítulos dessa saga para entender qual vai ser a nova cara do Botafogo. Mas, só para tranquilizar meu coração em meio a essa enxurrada de notícias, fui ouvir a opinião do colega botafoguense Rafael Casé, autor de nada mais nada menos que oito livros sobre a história do glorioso.

Arte: Izidro Santos

“Meu primeiro temor com essa história foi de que a vinda dele fosse para transformar o clube num criadouro. Ou seja, investir na formação de jogadores em um país com enorme potencial para jovens craques e vender depois. Negócio da China. Mas pelas pessoas que foram chamadas para fazer o trabalho, minha impressão começou a mudar. Conversei com alguns deles, botafoguenses e profissionais sérios, e senti que acreditam no projeto. Estou dando um voto de confiança.”

Rafael Casé

Confesso que a fala de Casé me acalmou. Acho que meu marido tem até um troço se a máxima “Há coisas que só acontecem no Botafogo” algum dia servir de manchete para ilustrar o insucesso dessa negociação. Fico na torcida para que venham mais alegrias do que surpresas e que torcer para o Botafogo não seja um exercício de força e resistência.

Referências:

Reconstruindo o Botafogo, CEO Jorge Braga traz ao Futebol um choque vital

SAF Botafogo: entenda os planos e como será o investimento de John Textor

Barcelona terá oitavo técnico em 17 anos. E os clubes brasileiros?

Globalização, futebol e os novos conglomerados esportivos

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Cheerleading: é muito mais que torcer, é um esporte de força e resistência

por Raffaella Napoli

Você já ouviu falar em cheerleading (em português, a tradução poderia ser “animação de torcida”)? Se esta é a primeira vez em que você lê o termo, saiba que iremos falar de um esporte que, na primeira impressão, mostra uma face, mas que é muito mais profundo e complexo do que podemos imaginar.

A animação de torcida é um esporte nativamente norte-americano – muito presente na cultura de filmes hollywoodianos –, mas que, aos poucos, vem conquistando espaço em território brasileiro e mundial. Ele consiste em um grupo de até vinte pessoas – segundo as regras do campeonato anual da Associação Nacional de Cheerleaders (NCA) –, as quais, além de torcer e incentivar times e plateias, executam acrobacias e movimentos de ginástica. Ela exige alto nível de força, resiliência e preparação física por parte dos atletas. As competições acirradas fazem com que eles precisem, também, de um bom preparo mental.

Por muito tempo, o esporte foi estereotipado e associado a mulheres brancas de classe alta. Parte desse preconceito se dá nos próprios filmes, nos quais as líderes de torcida são vistas como meninas mimadas e de alta renda, geralmente assumindo o papel de vilãs. Contudo, a realidade é bem diferente. O esporte é aberto e inclusivo, com pessoas de todos os gêneros, classes sociais e cor de pele nas equipes.

A série documental da Netflix, Cheer, mostra – sob a perspectiva da Universidade de Navarro, TX – o espaço de acolhimento com as minorias e pessoas de diferentes condições sociais, além de explicitar o dia a dia e a dura realidade que os atletas enfrentam com treinos, estudos, vidas sociais, problemas pessoais e o campeonato mais importante desse esporte. Também é debatido e denunciado temas como lesões, abusos, sexualidade, problemas com drogas e família.

A competição de maior relevância nos Estados Unidos desta modalidade é o “Campeonato Nacional de Cheerleading” que acontece todo ano em Daytona Beach, Flórida. Ele é produzido pela NCA e garante as melhores equipes do país, incluindo a divisão escolar e a universitária, sendo a última a mais competitiva e acirrada. São diversos subgrupos dentro das duas divisões. A subdivisão documentada na série da Netflix é a mais alta, depois do All-stars, intitulada como Advanced Large Coed Junior College Finals (a equipe universitária avançada com maior número de atletas juniores permitidos pelo regulamento).

Cheer nos mostra a divisão universitária, a qual possui dois dias de competição. É possível encontrar acrobacias de elevada dificuldade de execução. Podemos citar os stunts (acrobacia com uma base de duas ou três pessoas que levantam e fazem uma outra pessoa “voar”), tumblings (saltos de grau elevado com piruetas e outros movimentos no ar) e as dificílimas pirâmides (que as equipes executam em uma rotina de mais ou menos dois minutos e quinze segundos). São quase três minutos sem espaço para respirar, com pulos, gritos, giros, saltos e acrobacias que exigem que todos os músculos trabalhem. Quase três minutos para mostrar tudo o que se sabe e tudo o que se treinou durante todo o ano. Ao final da rotina, nos deparamos com respirações ofegantes que buscam desesperadamente um pouco de ar.

Esse esporte nos mostra como é difícil, exaustivo e exigente competir e que vai muito além da visão estereotipada, dos preconceitos criados pela sociedade. Ele mostra a resistência de pessoas apaixonadas, de diferentes classes sociais, etnias e gêneros. O cheerleading retratado pela série da Netflix é um esporte que abraça e aceita a todos, mostrando inclusão e diversidade. Ele quebra a ideologia do patriarcado, de uma sociedade machista e homofóbica. Ensina-nos verdadeiras lições de inclusão e quebra de estigmas, além de romper com a estrutura esportiva conhecida, de confederações, instituições e equipes constituídas majoritariamente por homens.

Que esta breve introdução possa quebrar os preconceitos instalados na sociedade e que abramos nossas mentes para esse esporte que tem muito a nos ensinar e incentivar. Cheerleading não é um esporte para fracos, não é um esporte “de menininha” – é o lugar para o atleta que quer disciplina e que quer levar seu corpo ao limite.

Referências

Associação Nacional de Cheerleaders (NCA)

Série Original Netflix Cheers


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Discutindo valores-notícia na cobertura de futebol

A discussão sobre noticiabilidade, valor-notícia e seleção noticiosa, amplamente abordada nos estudos de Comunicação, é bastante pertinente ao campo porque traz consigo possibilidades outras de se pensar tais variáveis para além da vertente convencional, que tende a tratar esses três conceitos como sinônimos no newsmaking (ou fazer-notícia). Alguns pesquisadores demarcam bem essa diferenciação, dando o devido peso a cada um desses fatores que interferem expressivamente no cotidiano de produção jornalística.

Na visão de Silva (2005), a noticiabilidade é como um grande guarda-chuva que abrigaria os outros dois conceitos, funcionando “como todo e qualquer fator potencialmente capaz de agir no processo da produção da notícia” (p. 52). Já os valores-notícia seriam os atributos que orientam a seleção primária dos fatos, isto é, que selecionam aqueles acontecimentos que, por determinado motivo/valor, importa noticiar. A seleção noticiosa, por sua vez, estaria relacionada à hierarquização desses fatos e ao tratamento que lhes será dado nas páginas dos jornais.

Partindo dessa perspectiva, proponho-me a discutir os modos como esses conceitos atuam no jornalismo esportivo, mais precisamente na cobertura de futebol, que, por seu teor subjetivo – envolvendo paixão, emoção, preferências etc. – considero dotada de certas particularidades editoriais. Um dos pontos que me interessa discutir é que os valores-notícia (VNs) clássicos do jornalismo como um todo – tragédia, proeminência, governo, conflito etc. – podem adquirir outras dimensões em se tratando da cobertura futebolística, de modo que, por exemplo, quando se fala no valor-notícia governo, a intenção é se referir à administração dos clubes; quando se fala no valor-notícia tragédia/drama, ele se refere ao contexto dramático de uma situação decisiva dentro campo; quando se fala no valor-notícia proeminência das pessoas envolvidas, ele se refere ao protagonismo dos personagens do jogo, e assim por diante.

É importante ressaltar que, ao mencionar os valores-notícia clássicos do jornalismo, estou me baseando na nomenclatura proposta pelos principais autores que abordaram o tema, como Sousa (2002), Traquina (2001) e Wolf (2003), os quais também embasam a diferenciação entre noticiabilidade, valor-notícia e seleção noticiosa proposta por Silva (2005) e descrita no início deste texto. Pensando mais especificamente na cobertura de futebol, me propus um breve exercício para tentar compreender quais atributos fazem determinado acontecimento virar notícia na editoria esportiva. Para tanto, desconsiderei alguns VNs tidos como óbvios para o fazer-notícia de um modo geral, como atualidade – visto que esse valor já é um pré-requisito do jornalismo – e importância – sobretudo considerando-se que a editoria em análise pressupõe que o tema esportivo por si só já é relevante para os consumidores do segmento.

Por consequência, esses conteúdos seriam também os mais contestados em termos de verdade, objetividade e credibilidade jornalísticas. Esse último quesito ganha destaque na ótica das pesquisadoras Lisboa e Benetti (2016), que o compreendem para além de um conceito acessório no jornalismo. Na visão das autoras, a credibilidade é algo imprescindível para que os sujeitos possam presumir que o discurso jornalístico diz a verdade – mesmo nesta editoria onde a subjetividade de jornalistas e espectadores tende a ser mais atuante tanto na produção quanto na interpretação dos conteúdos noticiosos, já que na maioria das vezes o jornalista que escreve sobre esportes está se reportando a um público tão apaixonado (e entendido do assunto) quanto ele.

Não à toa, os jornalistas esportivos tendem a ficar mais suscetíveis aos julgamentos de parcialidade. Isso faz com que permeie nos profissionais da área a necessidade de reforçarem que seu trabalho é realizado em conformidade com os fundamentos da profissão, como a constante busca pela verdade, objetividade e isenção no fazer-notícia. Uma perspectiva semelhante se dá nas editoras de política e de economia, áreas em que interesses vitais das empresas jornalísticas estão “em jogo” e nas quais o jornalista também precisa lidar com suas preferências rondando o seu cotidiano profissional.

Ao se ancorar nesses fundamentos básicos da profissão, a intenção do jornalista é balizar seu trabalho e proteger-se das eventuais críticas da audiência, isentando de culpa o profissional que, mesmo de maneira involuntária, acaba se envolvendo sentimentalmente com a cobertura, visto que o evento, por si só, já carrega um misto de paixão e emoção intrínseco ao universo dos esportes. Embora tais fundamentos por vezes sejam tratados como grandezas absolutas nos manuais de redação, caberia relativizá-los, apesar de não ser este o foco deste texto. Mas vale lembrar que, relativizar o caráter romântico dos fundamentos da profissão não significa negligenciar os rigorosos métodos e técnicas de produção noticiosa, mesmo que isso às vezes seja ainda mais desafiador para o jornalista esportivo.

É o que Heródoto e Rangel chamam de “desafio da paixão”, na obra Manual do Jornalismo Esportivo, onde afirmam que o jornalismo é para ser realizado com paixão.

“Porém não pode exceder aos limites éticos da profissão. Seres humanos não são exatos como relógios de quartzo, mas nada justifica que o entusiasmo e a alegria se transformem em manipulação e distorção.” (BARBEIRO & RANGEL, 2006, p. 122).

Ainda conforme Barbeiro e Rangel, é justamente pelo fato de o esporte ser visto como diversão e entretenimento para a maioria dos brasileiros, que é praticamente impossível relatá-lo com o nível de formalidade característico de outras editorias, até porque “a descontração, o bom humor, o sorriso não afrontam a credibilidade nem a seriedade do trabalho. É preciso ser isento, ético, exato, mas não carrancudo.” (2006, p. 77).

Inclusive, nas últimas décadas, essa vertente do jornalismo esportivo como entretenimento ganhou destaque no ambiente acadêmico, a exemplo do conceito de INFOtenimento, inicialmente debatido por Dejavite (2006). Relendo a sistematização de valores-notícia feita por Silva (2005), noto que a autora categoriza o tema esportivo como assunto de potencial noticioso enquanto “entretenimento/curiosidade”, categoria esta que, segundo a autora, engloba também temáticas voltadas para o divertimento, comemorações e aventuras, conforme aponta a tabela seguinte:

No entanto, embora Silva (2005) insira a temática esportiva dentro da categoria de entretenimento, o esporte visto sob outra ótica é um tema repleto de potencialidades noticiosas únicas que, em alto grau, justificam a existência de uma editoria específica para o gênero – editoria esta que perdura há quase um século desde sua consolidação na imprensa brasileira, no contexto de popularização e consequente profissionalização do futebol. Mas, se por um lado, o esporte estabeleceu-se como editoria permanente e de destaque nos principais veículos brasileiros, por outro, foi relegado a uma visão estigmatizada que, embora em menor escala, ainda perdura, caracterizando a atividade como uma área de menor prestígio quando comparada às demais coberturas, fato este que, mesmo passível de contestação, talvez tenha justificado a categorização proposta pela autora.

O que se pretende nesta discussão é tomar a temática esportiva como segmento dotado de potencialidades noticiosas próprias, sobre o qual os valores-notícia clássicos sistematizados por Silva atuariam de maneira análoga às editorias mais universais. Para ilustrar esse raciocínio, estabeleci a seguir uma correlação entre os doze VNs clássicos apontados na tabela da autora e alguns dos modos como, por exemplo, eles poderiam atestar a noticiabilidade dos acontecimentos em uma cobertura futebolística:

  • VN impacto: número de pagantes nos estádios e, sobretudo, número de torcedores que acompanham o dia a dia dos clubes;
  • VN proeminência: personagens do jogo;
  • VN conflito: rivalidades clubísticas;
  • VN entretenimento/curiosidade: bastidores da partida;
  • VN conhecimento/cultura: esporte como prática educativa e cidadã;
  • VN polêmica: escândalos dentro ou fora de campo;
  • VN raridade: situação inusitada dentro ou fora de campo;
  • VN proximidade: abrangência dos campeonatos (local, estadual, nacional etc.);
  • VN surpresa: placares inesperados;
  • VN governo: administração dos clubes;
  • VN tragédia/drama: situação dos clubes das últimas posições da tabela;
  • VN justiça: decisões contratuais envolvendo contratações de atletas.

Importante ressaltar que os valores-notícia aqui elencados não são independentes e, na maioria das vezes, devem ser compreendidos de forma conjunta, pois dizem respeito a uma série de inter-relações possíveis entre os acontecimentos do universo esportivo ou de qualquer outra editoria em questão. Em muitos casos, inclusive, é a complementaridade de tais fatores o que torna noticiáveis certos acontecimentos, além, é claro, dos critérios organizacionais que são parte intrínseca às rotinas produtivas.

Acredito que resida aí um dos maiores compromissos do jornalista, sobretudo o esportivo que, lidando com a subjetividade da editoria e ancorando-se aos fundamentos canônicos da profissão – como a constante busca pela verdade, equilíbrio e isenção no trato noticioso – sobrevive de apurar informações inéditas e condizentes com o interesse público, construindo histórias bem encadeadas e, por consequência, atraentes e credíveis. Mas que, acima de tudo, ofereçam subsídios para estimular o pensamento crítico, o debate e a reflexão, justificando porque é limitante enquadrar a temática esportiva como mero entretenimento ou curiosidade. Afinal, como bem assinala o jornalista esportivo Paulo Vinicius Coelho em seu livro clássico sobre essa editoria:

“a única maneira de mostrar que o esporte é viável é mostrar que o jornalismo esportivo não é feito apenas por esporte”. (COELHO, 2003, p. 115).

Referências

BARBEIRO, Heródoto; RANGEL, Patrícia. Manual do Jornalismo Esportivo. São Paulo: Contexto, 2006.

COELHO, Paulo Vinícius. Jornalismo esportivo. São Paulo: Editora Contexto, 2003.

DEJAVITE, Fábia Angélica. INFOtenimento: Informação + Entretenimento no Jornalismo. São Paulo: Ed. Paulinas, 2006.

LISBOA, Silvia e BENETTI, Marcia. O jornalismo como crença verdadeira justificada. Brazilian Journalism Research. v. 11, n. 2, p. 10-29, 2016.

SILVA, Gislene. Para pensar critérios de noticiabilidade. Estudos em Jornalismo e mídia, v.2, n.1. Florianópolis: Insular, 2005, p. 95-106.

SOUSA, Jorge  Pedro.  Teorias  da  Notícia  e  do Jornalismo. Chapecó, SC: Argos, 2002.

TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2001.

WOLF, Mauro. Teorias da comunicação de massa. São Paulo: Martins Fontes: 2003.

*Uma versão mais abrangente deste texto encontra-se publicada no vol. 8 (n. 2) da revista Âncora – Revista Latino-americana de Jornalismo, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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LEME divulga: Expo Memórias da Bola FC

O grupo Memórias da Bola FC, em parceria com o Maracanã Tour, anuncia uma nova exposição de camisetas de clubes e seleções que acontecerá nos dias 5 e 6 de fevereiro de 2022, no estádio do Maracanã. 

A exposição busca reviver memórias de momentos marcantes da história do futebol através das camisas, algumas de importantes jogadores na história do esporte, como Zico, Pelé e Messi. O evento busca, ainda, homenagear o Maracanã. Com isso, camisas de partidas marcantes disputadas no estádio também serão expostas.

Se você é apaixonado pelo esporte e quer relembrar momentos históricos, não perca a “Expo Memórias da Bola FC” e garanta a atração deste final de semana! 
Ingressos e mais informações disponíveis em: https://www.tourmaracana.com.br/

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A era das arenas esportivas no Brasil e o Maracanã-mercadoria

De acordo com Mascarenhas (2013) há um novo estádio que surge e que disputa o sentido do espaço urbano. Repaginado com terminologias como “modernização”, “adequação”, “higienização”, “renovação”, dentre outros, fato é que os novos estádios aplicam uma profunda mudança na economia não somente do futebol, mas da sociedade brasileira. Acomodando, sobretudo, um processo de espetacularização dentro dos espaços de sociabilidade, trocando o valor de uso pelo valor de troca. Neste sentido, o autor destaca que nas últimas décadas foram construídos estádios caros, muitas das vezes superdimensionados cuja justificativa não se coaduna com as características locais. Em suma, os novos estádios são bem distintos do passado, remodelam aspectos e dinâmicas sociais, orientam novos significados, públicos e racionalidades. Para exemplificar tal questão, Mascarenhas (2013) cita a Liga Portuguesa, em Portugal, quando, em 2004, foram construídos estádios em “cidades que não dispõem de mercado local para sustentar tais equipamentos” (MASCARENHAS, 2013, p.144). Esta leitura poderia ser feita facilmente em alguns estádios construídos no Brasil para a Copa do Mundo de 2014, como o Mané Garrincha, em Brasília; estádio das Dunas, em Natal; Arena Amazônia, em Manaus; Arena Pantanal, em Cuiabá. Neste sentido, cabe incluir o argumento do autor, utilizado para se referir à em Portugal.

Encontra abrigo no novo formato extravagante e monumental dos megaeventos esportivos, mas também diálogo plenamente com novas estratégias de gestão das cidades no sentido da valorização e da projeção competitiva de sua imagem global – o citymarketing-, bem como parece estar associada à hipotética “máquina urbana do crescimento” de que nos falam Logan e Molotch (1990). (MASCARENHAS, 2013, p.144).

Com isto, os estádios construídos ou reformados para a Copa do Mundo de 2014 deram um novo sentido às cidades. Diante desta perspectiva, é possível pensar que há necessidades e interesses para além da economia do futebol-espetáculo (MASCARENHAS, 2013). É possível se referir, portanto, há um movimento mais amplo, no qual se reorganiza uma nova lógica de cidade, conforme apontamos acima. Mascarenhas (2013) ainda destaca que, apesar de os estádios antigos também serem movidos por um sentido mercadológico, na medida em que é preciso comprar ingresso para acessá-los internamente, as novas arenas ampliam esta dinâmica e dão um novo contorno nas relações de sociabilidade. A experiência transacional do torcedor nas arenas perpassa a compra do ingresso, muitas vezes a partir do cartão de sócio-torcedor, fenômeno mercadológico ancorado na ideia de maximização das receitas dos clubes. 

No que tange o Maracanã, estádio também passou por reformulações de branding e design. Duas somente após 2013. Esta é mais uma camada para tornar o Maracanã uma plataforma comunicacional atrativa para consumidores e, sobretudo, marcas. Dito de outra forma, o processo de transformar um bem público em produto visa maximizar as receitas do estádio atraindo linhas de receita business to business (B2B) bem como business to consumer (B2C). Como aponta a Saravah Comunicação e Design em projeto submetido na 12º Bienal Brasileira de Design Gráfico, sobre a primeira construção da identidade visual do Maracanã após a reforma de 2013, um dos principais desafios foi atrelar o apego à experiência do passado com a percepção de que o estádio havia se tornado elitista.      

Ainda em seu texto, a empresa ressalta como positivo os resultados que o novo branding do Maracanã trouxe. Para citar alguns ela pontua o aumenta da média de público que nos demais estádios, o segundo ponto turístico da cidade do Rio, o recorde na captação de patrocinadores em 2015, além de inúmeros eventos corporativos realizados. Estes resultados elencados vão ao encontro do que entendemos ser um movimento, iniciado em 2013, e que se mostra bem-sucedido: de posicionar o Maracanã como uma plataforma de entretenimento. Nas figuras abaixo, é possível ver a primeira identidade visual do estádio após a reforma de 2013 e os produtos licenciados oriundos dela.

Figura 1: A nova logo do Maracanã após 2013
Figura 2: os produtos licenciados para serem comercializados no novo Maracanã
Figura 3: A ambientação da identidade visual dentro do estádio
Figura 4: A ambientação da identidade visual dentro e fora do estádio

É possível exemplificar a partir destas figuras todo processo direcionado para transformar o Maracanã em um produto da iniciativa privada.

A partir destas imagens, é possível compreendermos as mudanças estruturais com que o Maracanã passa a partir de dois processos nomeados por Jeudy (2005) como patrimonialização e estetização urbana cujas consequências se dão na espetacularização das cidades. Dinâmicas sob as quais, como vimos a partir dos exemplos do Maracanã, é indissociável das estratégias de marketing. Jeudy (2015) aponta para um modelo de gestão patrimonial que padroniza bens culturais a luz dos turistas internacionais e referências estrangeiras. Fato que é possível identificar nos estádios brasileiros. Fenômeno que pode resultar em um estádio opaco, um produto que pode ser facilmente replicável para outros lugares. A diferença, portanto, que pode ser utilizada como uma vantagem competitiva é justamente os torcedores que transformam o lugar, reorientam, tornam o estádio vivo e pulsante sendo ativos do espetáculo.

Referências bibliográficas:

MASCARENHAS, Gilmar. Um jogo decisivo, mas que não termina: a disputa pelo sentido da cidade nos estádios de futebol. Revista Cidades, v. 10, ed. 17. P.142-170, 2013.

JEUDY, Henri-Pierre. Espelhos da Cidade. Rio de Janeiro, 2005.

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O COI e a nova política de inclusão de atletas transgêneros

Por César R. Torres* y Francisco Javier López Frías**

Laurel Hubbard, a primeira atleta transgênero a competir nos Jogos Olímpicos

Em meados deste mês [novembro], o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou uma nova política sobre justiça, inclusão e não discriminação em relação à identidade de gênero e as variantes sexuais no esporte. Substitui e atualiza suas antigas políticas a esse respeito, incluída na Declaração de Consenso de 2015. Vale recordar que ela estabelecia que as atletas transgêneros podiam participar de competições femininas somente se seus níveis de testosterona fossem menores que 10nmol/L durante, pelo menos, 12 meses antes de sua primeira competição na categoria feminina e requeria que esse mesmo nível se conservasse durante o período em que desejassem ser admitidas para competir na mesma. Para alcançar esses objetivos, as atletas transgêneros se viam obrigadas a receber tratamentos médicos para sustentar seus níveis de testosterona dentro da classificação exigida. Além disso, essas atletas deviam manter sua identidade de gênero por no mínimo quatro anos. Ao menos, a Declaração de Consenso de 2015 havia eliminado a exigência da política de 2003 que forçava as atletas transgêneros a submeter-se a intervenções cirúrgicas para mudar seu sexo, admitindo que a exigência era desnecessária para proteger a justiça competitiva.

A nova política reconhece que a credibilidade do esporte depende da igualdade de oportunidades e de que nenhuma competidora conte com uma vantagem injusta e desproporcional sobre os demais. De todo modo, a nova política estabelece que é ilegal excluir uma atleta da categoria feminina com base em uma suposta vantagem, percebida ou não verificada, relacionada a sua variante sexual, aparência física ou condição de pessoa transgênero. De agora em diante, as restrições de elegibilidade devem ser justificadas por meio de investigações avaliadas por pares levando em conta as características do esporte e as especificidades do grupo demográfico em questão. Ademais, a nova política determina que argumentar que os atletas transgênero contam com uma vantagem injusta e desproporcional compete às instituições esportivas encarregadas por determinar os critérios de elegibilidade para participar nas competições sob sua jurisdição.

O esforço do COI poderia ser interpretado como uma estratégia para evitar lidar com uma questão problemática e incômoda, delegando-a a outras instituições esportivas. Não obstante, a nova política não evita a questão. O COI enfatiza a importância da inclusão como valor primordial (de fato, “inclusão” é o primeiro dos dez princípios que introduz para orientar o trabalho das diferentes instituições esportivas) e estabelece que os critérios de elegibilidade sejam desenvolvidos, interpretados e implementados respeitando os direitos humanos sancionados internacionalmente, considerando os aspectos éticos, sociais, culturais e legais dos diferentes contextos esportivos, e em consulta com os atletas. A ênfase e a inclusão nos direitos humanos têm como objetivo prevenir os danos físico e psicológico, assim como promover a saúde e o bem-estar dos atletas, abarcando a proteção do direito à privacidade. 

Para muitas pessoas pode parecer supérfluo que o COI ponha tanta ênfase na proteção e promoção de valores como a inclusão e os direitos humanos, que são considerados essenciais na sociedade atual. Porém, há muitas boas razões para tal ênfase. Primeiro, há quem afirme que importar certos valores sociais para o esporte desvirtua sua natureza. Por exemplo, para esse grupo, a ênfase na inclusão põe em perigo o equilíbrio e a justiça competitiva e, portanto, o objetivo central da competição esportiva: determinar quem é melhor na resolução de um determinado desafio físico estabelecido e regulado por regras (por exemplo, correr uma determinada distância ou jogar uma bola em um arco). Segundo, as políticas anteriores geraram consequências devastadoras para muitas atletas transgênero e intersexo. Terceiro, dada a discriminação que as pessoas transgênero ainda sofrem cotidianamente, sublinhar a noção de que o esporte deve alinhar-se com o que se pode entender como dignidade humana é não apenas apropriado, mas imprescindível. Isso é ainda mais decisivo para uma instituição que, com base nos fundamentos olímpicos, sua filosofia fundadora, propõe, por meio do esporte, “criar um estilo de vida baseado na alegria do esforço, no valor educativo do bom exemplo, na responsabilidade social e no respeito por todos os princípios éticos fundamentais universais”.

Parece que a nova política é condizente à promoção de um esporte que executa os ideais do Olimpismo. Apesar disso, as diretrizes deixam muitas questões sem resolução. A já mencionada dificuldade de combinar a promoção e a inclusão com a proteção do equilíbrio e justiça competitiva, cabe adicionar outras questões. Primeiro, embora o COI estabeleça que as instituições esportivas devem demonstrar se uma atleta transgênero possui alguma vantagem injusta e desproporcional, ele não especifica o que significa contar com uma vantagem justa – ou injusta –, tampouco fornece critérios claros para definir a proporcionalidade de uma vantagem. Segundo, as diretrizes fornecidas em relação ao esclarecimento da vantagem que supostamente algumas atletas transgênero teriam são controversas. Por um lado, o COI sugere que pesquisas revisadas por pares devem ser usadas. Embora, não seja claro qual tipo de evidência deve ser considerada. Nesses conflitos, as instituições esportivas têm baseado seu julgamento exclusivamente em variáveis biofisiológicas, como a testosterona, menosprezando a evidência das ciências sociais e das humanidades. Por outro lado, o COI incorpora a urgência de todas as partes envolvidas, especialmente das atletas transgênero, na concepção dos critérios de elegibilidade. Ainda assim, as diretrizes não esclarecem como tais processos deliberativos devem ser conduzidos. 

Com sua nova política, o COI tenta desmantelar a postura reducionista e restritiva que sustenta que as atletas transgêneros têm com uma vantagem injusta e desproporcional inerente “apenas” por causa de sua condição de pessoa transgênero, um motivo que tem sido usado rotineiramente para discriminá-las. Resta saber se a boa intenção do COI resultará em diálogos, práticas e instituições mais inclusivas e justas para que todas as atletas se sintam e sejam bem-vindas; em um novo humus desportivo [solo desportivo] que honre a diversidade da comunidade humana.

*Doutor em filosofia e história do esporte. Docente na Universidade do Estado de Nova Iorque (Brockport).

** Doutor em filosofia. Docente na Universidade do Estado da Pensilvânia (University Park).

Texto originalmente publicado pelo site Página 12 no dia 5 de novembro de 2021.

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A volta das torcidas e dos problemas: o assédio nos estádios de futebol

Reprodução: Internet

Com quem você vai ao estádio? Como você vai para o jogo? Como você volta para a casa? É seguro ir sozinha assistir a uma partida de futebol? O que deveria ser uma tarefa simples, ver o seu time jogar, pode se tornar extremamente complexa se você for mulher. As torcidas voltaram aos estádios e com elas, antigos problemas, como o assédio sexual.

Para esse retorno, as autoridades tiveram que formular o famoso “protocolo”: uso de máscara, distanciamento, vacinação e/ou teste de PCR negativo. Medidas muito bem elaboradas e pensadas durante semanas para, no caso das duas primeiras, serem escancaradamente desrespeitadas, surpreendendo um total de zero pessoas. O que também não é surpreendente é o fato de não terem pensado, durante a programação dessa volta, em medidas que evitassem ou minimizassem um velho problema do futebol: o assédio.

Colocar as torcidas de volta nos estádios também teve o seu lado político, afinal, quem ousaria ser o prefeito a ter prudência, esperar mais um pouco, e enfurecer milhares de pessoas? É mais fácil criar um protocolo – pessimamente fiscalizado, diga-se de passagem, vide imagens das torcidas aglomeradas e sem máscara – e fazer a alegria da galera e, é claro, de si próprio, pensando nas próximas eleições. Não existe almoço grátis. 

Isso não é novo na História. Leis pensadas apenas por um grupo de pessoas, atendem apenas a um grupo de pessoas. A falta de mulheres em espaços de comando dentro do futebol, e também nos governos, fazem com que questões que dizem respeito a nossa vivência não sejam levadas em conta. Mais uma vez, nada de novo sob o Sol, afinal, o futebol é um espaço para homens, não é mesmo (contém ironia)?!

No mês de novembro, durante três semanas seguidas o Mineirão registrou casos de assédio e importunação sexual. O primeiro caso foi denunciado dia 10, e só depois de mais dois registros, a Comissão de Mulheres da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) aprovou uma visita técnica para apurar a denúncia, verificar o treinamento dos funcionários para esses casos e pensar em um projeto de acolhimento às vítimas no local. O clube disse que solidarizava com as vítimas e prometeu “agir para acabar com essa situação de desrespeito”. Bom, eu não vi nenhuma ação do Atlético Mineiro em prol do combate à violência contra às mulheres até agora. Vamos fazer aquele combinado, quem encontrar primeiro, avisa para o outro! Eu prometo que volto aqui, com o maior prazer, para falar de ações efetivas e se vocês virem algo antes disso, por favor me avisem!

É bom ressaltar que o problema não é o Mineirão. No Estádio Nilton Santos a bandeirinha Katiuscia Mendonça foi vítima de uma série de ofensas machistas pela torcida botafoguense. O clube formalizou um pedido de desculpas, assinado pelo presidente Durcesio Mello. Além disso, de acordo com os portais de notícias, o clube planeja a criação de um setor exclusivo para a torcida feminina no Engenhão para 2022 – iniciativa do Botafogo. Vamos acompanhar para ver se o projeto vai sair do papel. E caso isso ocorra (torçamos para que sim!) será uma grande oportunidade para as torcedoras irem ao estádio um pouco mais tranquilas e poderem se preocupar, apenas, com desempenho do time em campo.

Quem faz parte desse planejamento é o Diretor de Negócios Lênin Franco, que já participou do Passes & Impasses quando era Diretor de Marketing do Bahia, clube conhecido por estar atento às causas sociais e fazer ações efetivas para combater quaisquer tipos de violências. Esse setor feminino já existia, antes da pandemia, na Arena Fonte Nova, assim como um botão de pânico no aplicativo do clube um site “Me deixe torcer”, que está ativo e tem um botão escrito “faça seu relato”, para torcedoras contarem casos de assédio de futebol. O site ainda diz que a pesquisa ajudará o clube a buscar soluções junto às autoridades para combater o crime de assédio (um projeto, aliás, que deveria ser mais buscado pelos veículos de comunicação, para saber se, de fato, ocorre).

Estamos diante de um problema real, urgente e que, no futebol, se resume a meia dúzia de ações no dia da mulher. É gritante a falta de interesse dos clubes, dos governos e da CBF, sabendo que o esporte é um fenômeno social gigantesco, e do potencial que ações efetivas de combate à violência contra as mulheres pode ter. Todos buscaram rapidamente desenvolver um protocolo para a COVID, que está (mais ou menos) em dia, mas poucos mexem um dedo para pensar em projetos que visem o combate à violência contra a mulher. A experiência de ir ao estádio pode ser maravilhosa para você, mas pode ser extremamente violenta para outras pessoas. E isso não é só problema delas.

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O futebol brasileiro não se resume ao Sudeste

Reprodução: internet

O Vasco da Gama estava em nono lugar do Campeonato Brasileiro da Série B, algumas rodadas atrás, quando o colunista de um portal de notícias dito nacional insistia em fazer contas sobre a possibilidade de acesso para a Série A.

Pior do que isso.

O Cruzeiro lutava contra o rebaixamento para a Série C, em certo momento da competição, mas ainda assim os debates também circulavam em torno das “chances remotas”, mas “ainda possíveis”, do clube engrenar uma sequência insana de vitórias para assim, quem sabe, a depender dos resultados de uma dezena de outros clubes, ascender para a primeira divisão nacional.

Como agora já se sabe, nenhum dos acessos se tornará realidade. Ambos os clubes não têm mais chances de subir de divisão. E, nas grandes redações que se dizem “nacionais”, o tom era quase de velório. De dor. Tragédia. Incompreensão. Uma letargia quase insuportável, mas solidária, diante de clubes “incaíveis” que tinham caído e que, pior de tudo, não tinham feito a jornada supostamente inevitável de retornar imediatamente à divisão de cima.

O debate tem suas nuances, eu bem sei.

Porque, acima de tudo, eu defendo o direito de veículos como o rádio ao localismo. A falar com o seu público e com mais ninguém.

A Rádio Itatiaia, por exemplo, fala com o público mineiro, sob a ótica dos clubes mineiros, defendendo as perspectivas dos clubes mineiros. Logo, a Rádio Itatiaia calcular rodada a rodada as chances de o Cruzeiro subir de divisão, ou do Atlético ser campeão de forma antecipada da Série A, ou mesmo comemorar a boa campanha do América, é um direito editorial que lhe cabe. 

O problema, penso, torna-se maior, ou ao menos mais difuso, em portais de notícias, emissoras de TV, alguns programas de rádio, que arvoram para si o título de “nacionais”.

Não é mera semântica. Não é mero argumento mercadológico, propaganda para se vender como grande.

É algo maior. É tentativa de se definir como autoridade. De ditar regras e tendências. É um processo que, de forma sonsa, escancara o preconceito, define um valor de notícia – e de importância clubística – que é antes de tudo geográfico.

A quem interessa convencer que o acesso de Vasco ou de Cruzeiro seria mais importante, indistintamente para toda a população brasileira, do que o de CSA, CRB ou Náutico (clubes que, esses sim, brigam pelo acesso)? Por que coberturas que se definem como nacionais, que se pretendem dialogar com todo o país, não se constrangem em fazer isso mesmo diante de alagoanos e pernambucanos?

Tentaram ao menos entender o momento histórico de Alagoas, em que dois rivais históricos lutam por uma possível vaga na Série A? Ou apenas o fato de ser Vasco e Cruzeiro já basta para dirimir qualquer dúvida?

E que fique claro. Eu não estou “roubando” o direito da CBN Rio ou da Tupi de torcer pelo Vasco, por exemplo. Mas que projeto político é esse que, repito, “coberturas nacionais” tentam dar valores diferentes a clubes do Sul e Sudeste em detrimento a todos os demais?

Não me venham falar em tradição, em torcida, em história.

Já é consenso na antropologia que nenhuma tradição é inata, existente em si mesma. Toda tradição é construída a partir de vivências e experiências que são contadas e recontadas ao longo dos tempos.

Estamos falando de cinco clubes centenários, com torcidas apaixonadas, histórias memoráveis. Esses argumentos, pois, não justificam a violência da cobertura esportiva “nacional” diante dos clubes nordestinos.

Pois, quando as ditas “redações nacionais” querem nos convencer de que o acesso do Vasco ou do Cruzeiro é mais importante do que o acesso de clubes do Nordeste, eles querem nos convencer que o nosso futebol, o futebol do Nordeste, é um futebol mais apequenado, de menor importância, sem tanto apelo popular.

E isso, (in)felizmente, não é possível de ser aceito de forma passiva e sem contestações.

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O regresso da tragédia futebolística

Reprodução: El Furgón

Há alguns dias, meu amigo José me disse que havia finalmente decidido voltar para o campo e presenciar uma partida do time de futebol pelo o qual era apaixonado. A pandemia da COVID-19 o afetou profundamente de diferentes maneiras e, para ele, havia postergado tal retorno por causa da possibilidade de contágio. Porém, vacinado e tomando todas as precauções, no final de outubro ele apareceu em campo com a carteira de sócio em dia. Sua equipe, que ganhava por dois gols, acabou perdendo. José me disse que, apesar de certa aflição por estar no meio de uma multidão, em alguns momentos exaltada, e da desgraça do futebol, durante a partida havia experimentado uma sensação que há tempos não havia sentido. 

Os antigos gregos ganham forças em suas tragédias, as massas contemporâneas tomam, em boa medida, do futebol – a ilusão, ou a tragédia, mais popular do planeta-. 

O comentário me remeteu a postura que Friedrich Nietzsche manteve durante sua vida, não sem altos e baixos, sobre a arte. Em seu primeiro livro, O nascimento da tragédia, o filósofo alemão argumenta que os antigos gregos haviam encontrado na arte trágica uma maneira de lidar com o espanto e horror do mundo, assim como o absurdo da existência. Segundo Nietzsche, a antiga cultura helênica floresceu porque a arte trágica permitia perceber as forças irracionais do mundo, mas, por serem cobertas com um véu de ilusão, sem sentir sua total brutalidade. Ou seja, a dinâmica dionisíaca do mundo, caótica e destrutiva, é temperada pela ilusão apolínea, protetora e energizante. Portanto, Nietzsche propõe que o “propósito artístico de Apólo” inclui a “todas aquelas inumeráveis ilusões da bela aparência que a cada instante são dignas de serem vividas a cada momento e no instante seguinte”.

Talvez a sensação que José experimentou em campo tenha sido a falsificação da verdade do mundo facilitada pela tragédia moderna que é o futebol. 

É possível alegar que o futebol é umas das ilusões apolíneas que nos possibilita vislumbrar o dionsíaco e ao mesmo tempo tolerar sem que nos ocorra de forma inelutável. No mais, como a bela aparência apolínea, o futebol se constitui em um impulso vital. Os antigos gregos ganharam força em suas tragédias, as massas contemporâneas ganham, em boa medida, no futebol – a ilusão, ou a tragédia, mais popular do planeta-. Parafraseando Nietzsche, as gerações que o sucederam têm sabido contemplar e reconhecer os abundantes efeitos da beleza futebolística. Assim, o futebol fornece uma ilusão que nos orienta como indivíduos e faz com que a vida seja (mais) vivível. A sensação apolínea da beleza futebolística é um tipo de falsidade que nos protege da aterrorizante verdade dionisíaca do mundo. 

Talvez a sensação que José experimentou em campo tenha sido a falsificação da verdade do mundo facilitada pela tragédia moderna que é o futebol. Depois de largos e obscuros meses pandêmicos, e ainda compelido por sua letargia, José, através do prazer estético da ilusão futebolística, percebeu uma certeza calmamente surpreendente. Do abismo dionisíaco surgiu o brilho da aparência que, ao menos temporariamente, dá sentido à vida. Este brilho jovial, encarnado no enorme esforço das jogadoras e o pulsar do público, nos engloba em um círculo “de tarefas solúveis, dentro do qual (decidimos) jovialmente a vida: ‘te quero: és digna de ser conhecida’”. José confiou nesse engano e se entregou sem dúvidas à sua harmonia e esclarecimento. 

Há quem considere que as reflexões de Nietzsche, que vão e voltam da arte, não se aplicam ao futebol. Não obstante, é preciso lembrar que em O nascimento da tragédia menciona-se os antigos Jogos Olímpicos como um festival dramático no qual se reunificam as artes gregas. Embora não esteja claro se Nietzsche inclui o esporte nestas artes, o livro celebra “o entretenimento das forças” físicas e seus papéis no trágico. O futebol pode não ser considerado uma arte, mas indiscutivelmente invoca a atitude e o julgamento estético a serem uma prática social com bens internos e padrões de excelência construtivos e definidores. Tanto uns como outros compõem seus atributos estéticos porque são intrínsecos e identificados como dignos de atenção sustentada pela comunidade de praticantes. O estético, central na postura nietzschiana do trágico, foi chave na sensação experimentada por José, para quem a vida e a existência, em seu retorno ao campo do time de que ama, tiveram uma brilhante justificativa. É motivo suficiente para voltar iludido ao campo, com as precauções necessárias que a pandemia impõe. Embora a beleza futebolística não elimine a impiedade dos campos e das outras esferas da vida, a experiência de José sugere que, apesar dele, oferece um horizonte, delicado e parvo, de sossego e equilíbrio. 

Texto originalmente publicado pelo site El Furgón no dia 5 de novembro de 2021.

* Doutor em filosofia e história do esporte. Docente na Universidade do Estado de Nova York (Brockport).

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O 5G e a revolução das transmissões esportivas no Brasil #SQN

Reprodução: Internet

Não é de hoje, é claro. Os avanços tecnológicos em telecomunicações sempre demoraram a chegar em terras tupiniquins. A Era do Rádio, nos Estados Unidos, por exemplo, começou na década de 1920, enquanto que por aqui a consolidação do meio como comunicação de massa só se deu praticamente 15 anos depois. Em relação à TV, embora o Brasil tenha sido o primeiro país da América Latina a ter uma emissora regular, em 1950, isso se deu duas décadas depois dos Estados Unidos e 15 anos após alguns países europeus. Mas esse gap tecnológico aos poucos foi diminuindo drasticamente. O uso do vídeo-tape começou a ser usado pela CBS, emissora americana, em 1956 e no ano seguinte já e era de uso corrente na TV Rio. A transmissão em cores e a utilização de transmissões por satélite também não demoraram a chegar nessas bandas do lado debaixo do Equador.

Em tempos digitais, por conta de interesses comerciais de grandes conglomerados globais, entramos no mesmo compasso do resto do planeta, afinal os gadgets cada vez mais complexos e completos necessitavam uma estrutura comunicacional que satisfizesse os desejos consumistas de seus usuários e garantisse os lucros tanto de fabricantes desses aparelhos, como dos grupos empresariais de Comunicação. Um fetiche tecnológico tão grande que parelhos de TV capazes de reproduzir transmissões em qualidade de 8K são comprados, mesmo que qualquer emissora no país gere qualquer conteúdo, ao menos, em 4K. Quer dizer, tudo seguia no ritmo desejado pela Nova Ordem Mundial, mas aí veio a tecnologia 5G.

O imbróglio do 5G

O 5G nada mais é do que um passo adiante na tecnologia de banda larga sem fio. Uma evolução, diga-se de passagem, bastante relevante. Se uma rede 4G, entrega uma velocidade de conexão de cerca de 33 Mbps, o 5G multiplica isso por 20, superando 1 Gbps. E não é apenas uma questão de velocidade ou estabilidade de sinal, a nova tecnologia permite uma quantidade muito maior de conexões simultâneas, entre 50 a 100 aparelhos a mais do que o panorama atual. A velocidade para download e upload também é um diferencial importante, proporcionando a facilidade de baixar arquivos mais pesados, fundamental para o consumo de vídeos de alta definição ou o uso da Realidade Virtual.

O problema é que não só o Brasil, mas todos os países latino-americanos, tem muito pouco espaço no espectro de frequências próprias para esse tipo de serviço e mesmo que algumas telefônicas já propaguem a oferta dessa tecnologia, há no país, no máximo, algo que poderia ser chamado de um 4G plus. Não bastasse isso, existe toda uma guerra entre EUA e China que envolve questões estratégicas, políticas e econômicas e o Brasil, ao invés de estar em busca das melhores opções tecnológicas, opta por um posicionamento ideológico, ao ponto do próprio presidente, em mais uma de suas bravatas, já ter afirmado que a decisão final seria tomada por ele.

Enquanto dezenas de países em todo o mundo já desfrutam da tecnologia 5G, só agora a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) anunciou a lista das empresas que se habilitaram para implantação do serviço em território nacional. As vencedoras desse leilão ficarão responsáveis pela compra e instalação de equipamentos e torres de transmissão para o sinal do 5G, com o direito de exploração do serviço durante 20 anos. A promessa é de que os brasileiros passem a acesso ao 5G no ano que vem. 

O que estamos perdendo?

Depois dessa longa contextualização, vamos ao que viemos. Ou seja, falemos de esporte, afinal este blog se destina a isso.

Dentre todas as “maravilhas” prometidas pela tecnologia 5G, algumas já estão impactando de forma inegável a transmissão de eventos esportivos, proporcionado aos espectadores experiências que antes só pareciam possíveis nas ficções futuristas ou em nossos mais imaginativos desvarios.

A Fórmula 1 é um exemplo. A possibilidade do uso de centenas de câmeras em uma mesma transmissão é mais do que real. A transmissão com sinal confiável de microcâmeras instaladas em pontos antes impensáveis dos carros permite que o espetáculo para quem assiste seja ainda mais rico de detalhes. No vídeo do link abaixo é possível ver um exemplo com a Mercedes pilotada pelo heptacampeão mundial Lewis Hamilton. Uma câmera pouco acima de sua viseira, por exemplo, dá a uma visão praticamente igual à do piloto.

Em uma palestra sobre a relação da F1 com a nova tecnologia, Guru Gowrappan, CEO da Verizon Media (um dos gigantes mundiais das telecomunicações) afirmou que nos dias atuais, a experiência do torcedor e o desempenho do atleta estão interligados, inexistindo uma barreira que separa os fãs do campo, da quadra ou da pista de corrida, reforçando que “este não é apenas o futuro do esporte, mas o futuro do conteúdo, conexão e da transação”. Uma parceria da empresa com a equipe Alpine Racing leva experiências de realidade aumentada e realidade virtual a fãs de todo o mundo (ou pelo para aqueles onde o 5G está disponível), tanto nas transmissões vistas em casa quanto nos eventos ao vivo. “Quando a tecnologia é casada com criatividade em grande escala, o mundo começa a se abrir de novas maneiras. A tecnologia alimenta a criatividade nos esportes e, claro, na vida. E, por sua vez, isso impulsiona o crescimento dos negócios e transforma a experiência do torcedor e do atleta e abre o caminho para uma inovação maior”, concluiu Gowrappan.

No Superbowl de 2020, maior evento esportivo norte-americano, a mesma empresa montou uma arena do lado de fora do estádio, onde, através da tecnologia 5g, espectadores puderam desfrutar de todas as possibilidades de interação com o evento através de smartphones. Aliás, os recursos disponíveis para o espectador são impressionantes; escolher por qual câmera quer acompanhar um lance, rever jogadas por diversos ângulos, acompanhar estatísticas e dados vitais de qualquer jogador são apenas alguns deles. Como fica até difícil descrever a experiência com palavras, o vídeo no link abaixo ajuda na compreensão.

Às vezes a tecnologia pode ser usada para efeitos puramente alegóricos, como o de um dragão sobrevoar, ao vivo, um estádio de beisebol na Coreia do Sul. Espetáculo que pôde ser acompanhado por quem assistia à transmissão em casa ou no local.

O céu, portanto, é o limite e a criatividade é a mola para a utilização dessa super ferramenta imersiva, independente de qual modalidade esportiva estiver sendo disputada. E é claro que o bom e velho esporte bretão não podia ficar de fora disso. Na partida decisiva do campeonato português de 2020, ainda sem público, devido à pandemia da Covid-19, a empresa de tecnologia NOS montou um enorme esquema de transmissão explorando recursos do 5G para permitir que a torcida tivesse o máximo de imersão no vazio estádio José Alvalade, em Lisboa. Para se ter uma ideia, microcâmeras foram acopladas até na base da taça entregue aos jogadores campeões do Sporting.

No Brasil, uma das poucas iniciativas de utilização do 5G nos esportes, mesmo com as limitações tecnológicas já citadas é a transmissão de imagens aéreas de provas de Stock Car através de um drone. A parceria envolve a Band, detentora dos direitos de transmissão e a Claro, com o apoio das empresas Huawei, Qualcomm e Motorola.      

Participação ou alienação?

Uma cena muito comum, hoje em dia, nos estádios é a de pessoas interagindo com seus smartphones durante a disputa esportiva. Os celulares parecem adversários mais duros de derrotar do que o oponente em campo. Entre uma selfie e um zap, a atenção do público fica dividida entre o real e o virtual. O que me faz levantar uma questão para a qual, já aviso, não tenho a resposta: esses novos recursos interativos oferecidos pela conexão 5G não vão acabar potencializando essa situação?

É difícil, para mim, estar presente em um jogo de futebol, por exemplo, e não ter as atenções totalmente voltadas para o que acontece dentro das quatro linhas, mas o problema talvez seja apenas geracional, afinal sou um ser humano muito mais analógico do que digital. Pode ser que para as novas gerações que tiveram gadgets praticamente em seus berços a experiência multissensorial seja fundamental para que o esporte continue gerando interesse.

Seja como for, esse parece ser um caminho sem volta. As múltiplas telas já fazem parte de nossas vidas e se trata apenas de uma questão de maior ou menor interação de nossa parte.

Aqui no Brasil, pelo jeito ainda teremos que esperar um pouco para sentirmos na pele os efeitos dessa “revolução” e só então poderemos avaliar, até por nossas próprias experiências, o quanto eles nos impactarão. 

Não há dúvidas de que a nova tecnologia pode enriquecer as transmissões esportivas ou a experiência de quem participa presencialmente de um desses eventos, só espero que ela nunca seja capaz de se sobrepor à emoção de um grito de gol.