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Mário Filho: um ministro sem pasta do futebol brasileiro

A frase que intitula esta crônica foi dita por Ruy Castro em referência a Mário Filho. No primeiro semestre deste ano, colocou-se em pauta na ALERJ (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) um projeto de lei para alterar o nome do Maracanã. Retirar o nome de Estádio Jornalista Mário Filho e colocar Estádio Rei Pelé em homenagem ao atleta Edson Arantes do Nascimento. Na ocasião, o projeto foi aprovado pelos deputados e só precisava da sanção do governador. No entanto, a forte reação por vários setores da sociedade civil fez com que os autores recuassem e retirassem o projeto de pauta. Em virtude deste acontecimento, cabe a nós refletirmos e recordarmos a importância de Mário Filho para a crônica esportiva, que culminou em se tornar o nome oficial do Maracanã, um dos principais estádios do país.

Nascido em uma família de jornalista, logo começou a carreira em uma redação de jornal. Conforme destaca Antunes (2004), Filho inicia sua trajetória como gerente no jornal de seu pai, em 1926. Dois anos depois, assume a seção dos esportes, considerada, naquele período, a seção menos importante. “A época, o espaço que os jornais destinavam às notícias do esporte era reduzido, limitando-se o repórter a informar o resultado de jogos ou divulgar eventos que iriam ocorrer” (ANTUNES, 2004, p.124).

A primeira mudança, de acordo com Antunes (2004), foi a entrevista que Mário Filho fizera com o então goleiro do Fluminense Marcos Mendonça, em que este anunciava a volta aos gramados. O impacto da matéria, que ocupou meia página, com uma linguagem simples, que conversava com o público, “dava indícios de que a época dos acadêmicos estava chegando ao fim” (ANTUNES, 2004, p. 124). Isto é, iniciava-se ali uma maneira de escrita simples e de fácil conexão com público, “lembrando a língua falada nas ruas e nas arquibancadas dos estádios de futebol” (ANTUNES, 2004, p.1 24).

Com o crescimento da popularidade do esporte no país, as novidades que Mário Filho trouxe para a cobertura esportiva jornalística começam a ser copiadas por outros jornais. Neste sentido, Antunes (2004) destaca as inúmeras inovações que Filho fizera dentro do jornalismo esportivo, como, por exemplo, as fotos que “mostravam jogadores em ação durante as partidas e não mais perfilados e engravatados como costumavam aparecer até então. As manchetes atraíam a curiosidade do leitor” (ANTUNES, 2004, p. 126). 

Em 1931, Roberto Marinho, herdeiro do jornal O Globo, convida o jornalista para dirigir o setor esportivo do jornal. Nesta época, a discussão em voga era sobre a profissionalização do futebol no país. Mário Filho se envolveu no debate e foi a favor da profissionalização. “Acreditava que os jogadores deveriam ser pagos para jogar […] sabia que o jornalismo seria beneficiado com o desenvolvimento do futebol profissional e com o aumento do público interessado (ANTUNES, 2004, p.128). Logo, já em 1933, o futebol se profissionaliza e muda de patamar com a criação, no Rio de Janeiro, da Liga Carioca de Futebol. Dessa maneira, na medida em o futebol se desenvolvia, Mário Filho dava suas contribuições jornalísticas para potencializar a visibilidade do esporte como um espetáculo de massas. Nesse caminho, em 1936, o jornalista compra o Jornal dos Sports, que se torna um dos mais importantes jornais de seu segmento no país.

Fonte: Jornal O Globo

Com o passar dos anos, Mário Filho se tornou junto à opinião pública uma das referências no meio esportivo. Seus escritos reunidos são publicados em forma de livro, em 1947, com o título O negro no futebol brasileiro, contando com prefácio escrito pelo sociólogo Gilberto Freyre. Ter Freyre escrevendo o prefácio é algo simbólico, dada a contribuição literária que Freyre realizou para o entendimento da cultura brasileira. Tudo isso a partir de uma narrativa, conforme destaca Antunes (2004), que misturaria os fatos históricos calcados em documentos oficiais, jornais e revistas, mas também a oralidade, das entrevistas e conversas informais que obteve na época. É essa mesma postura, combinando fatos históricos com a oralidade e as narrativas da rua, que Filho também adotava na redação de suas colunas.

Na visão da autora, Filho sempre buscou uma identidade nacional mirando no futebol. Suas investigações perpassavam disposições psicológicas da alma brasileira (ANTUNES, 2004), que, segundo o próprio Mário Filho, conforme destaca Antunes (2004), era carente de autoconhecimento. Neste caminho, “o cronista vê o caráter brasileiro oscilar entre a valentia exibida na Copa de 1938 e a covardia da final de 1950” (ANTUNES, 2004, p. 201).

Em 1966, após falecer de um ataque cardíaco, aos 58 anos, o então Estádio Municipal passa a ser chamado de Estádio Jornalista Mário Filho. Para Antunes (2004), Filho foi um dos grandes expoentes da crônica de futebol da época. Cronista, ao lado de seu irmão Nelson Rodrigues, os dois reformaram a literatura acerca do assunto e, como consequência, a forma como o brasileiro se relaciona com o futebol. Mário Filho, portanto, tem um papel fundamental tanto para a propagação do esporte enquanto notícia como também para a cultura brasileira. Fato que se mostrou determinante, no campo simbólico, para a construção do Maracanã e a relação que possuímos com o estádio.

Referências Bibliográficas:

ANTUNES, Fatima Martin R. Ferreira. “Com brasileiro, não há quem possa!”: Futebol e identidade nacional em José Lins do Rego, Mário Filho e Nelson Rodrigues. 1. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2004. 304 p. v. 1.

Eventos

Mais uma edição dos Encontros LEME 2018

Na quarta edição dos Encontros LEME 2018, o Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte contou com a participação da Leda Costa para debater o texto “O negro no futebol brasileiro”, escrito por Mario Filho

O encontro contou com a participação de professores da FCS, alunos de graduação e pós-graduação. A próxima reunião ocorrerá no dia 07/05, quando será debatido o texto Futebol e identidade nacional, escrito por Simoni Guedes.

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Eventos

4º Encontro LEME 2018

Encontros LEME é uma proposta do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte que visa a partir da leitura de textos e análise de produções fílmicas realizar debates com professores, pesquisadores, graduandos e convidados interessados em estudar as interseções da Comunicação com o Esporte. Os encontros têm ocorrido semanalmente e pretendem oferecer um espaço de… Continuar lendo 4º Encontro LEME 2018

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Entrevistas · Produção audiovisual

Documentário sobre os 70 anos do livro O Negro no Futebol Brasileiro conta com entrevista de coordenador do LEME

O livro O Negro no Futebol Brasileiro completou setenta anos em 2017. A obra de Mário Filho, lançada em 1947, nos faz refletir sobre o racismo na sociedade brasileira, principalmente no futebol. Homenageando esse livro, o documentário 70 anos de “O Negro no Futebol Brasileiro”: o racismo no futebol nacional nos dias de hoje, dirigido… Continuar lendo Documentário sobre os 70 anos do livro O Negro no Futebol Brasileiro conta com entrevista de coordenador do LEME

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Artigos

As narrativas da imprensa francesa sobre o futebol brasileiro na Copa de 1958

O futebol tem sido um bom instrumento para se entender a relação entre as culturas. Nos anos 2005 e 2006, realizei uma pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Buenos Aires que tratava de investigar as narrativas da imprensa argentina sobre o futebol brasileiro nas Copas do Mundo de 1970 a 2002. Uma das conclusões da… Continuar lendo As narrativas da imprensa francesa sobre o futebol brasileiro na Copa de 1958

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Artigos

Sobre estilo de futebol

Frequentemente lemos na imprensa e em crônicas de articulistas esportivos que o futebol brasileiro teria um estilo único, inigualável, denominado “futebol-arte”. Alguns ainda alegam que este estilo estaria correlacionado a outras manifestações culturais do país como samba e capoeira e lamentam que atualmente estaríamos nos distanciando daquilo que seria “nossa raiz cultural”. Suspeitamos que a… Continuar lendo Sobre estilo de futebol

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SOMOS TODOS MACACOS? NÃO, NÃO SOMOS: “eu já fui preto e sei o que é isso”

O acontecido com o jogador Daniel Alves pode parecer um tema já desgastado. Entretanto não me parecer correto pensar assim, pois essa atitude nada mais seria do que a repetição de uma típica postura de parte do Brasil em relação ao tema do racismo. O Brasil às vezes nos passa a impressão de que é… Continuar lendo SOMOS TODOS MACACOS? NÃO, NÃO SOMOS: “eu já fui preto e sei o que é isso”

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Participações na mídia

Ronaldo Helal participa de programa na Rádio FM Cultura (RS)

Ronaldo Helal, professor de Comunicação Social da Uerj e membro do blog, concedeu entrevista nesta quarta-feira (12/06) ao  programa Cultura na Mesa da Rádio FM Cultura de Porto Alegre. Confira abaixo na íntegra o que ele disse.

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Sobre literatura e futebol: Mário Filho

Há tantos assuntos sendo comentados no momento: a faixa da torcida do Náutico que foi proibida pelo árbitro, o caso Adriano, as porcentagens dos matemáticos em relação aos times que podem ser campeões e os que podem ser rebaixados, as polêmicas a respeito da convocação de Kaká para a seleção e as dúvidas acerca do… Continuar lendo Sobre literatura e futebol: Mário Filho

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Futebol, Penteados e Preconceitos

O cabelo dos futebolistas é um objeto que incita a atenção dos comentadores esportivos. Um exemplo recente é a quantidade de comentários e piadas realizadas sobre o penteado de Cristiano Ronaldo na Eurocopa; até Maradona se juntou ao coro dos comentadores. A constituição deste objeto de atração do jornalismo esportivo é fantástica e qualquer leitor… Continuar lendo Futebol, Penteados e Preconceitos

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