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A era de ouro do rádio é agora

Nunca participei de uma roda de samba. Nunca tive o ouvido musical que gostaria. Nunca trabalhei em rádio. Mas o som, a música, sempre exerceram um poder de sedução sobre mim. Ouvir uma determinada canção pode me fazer chorar ou, como num toque de mágica, arrancar um sorriso do meu rosto e me remeter a um tempo que hoje só existe na memória.

Nesse momento de tantas incertezas e questionamentos sobre o que realmente importa, ganhei um rádio de presente. Não aquele pequeno aparelho transistorizado de comunicação ponto a ponto, mas um vovô-garoto, um rádio reconfigurado que, no auge do seu centenário, se apresenta expandido, capaz de transmitir em diferentes plataformas ondas de emoção jamais imaginadas. Estudar rádio com um time de especialistas  como Marcelo Kischinhevsky, Debora Cristina Lopez e Lena Benzecry fez com que, enfim, o som entrasse pra ficar na minha vida.

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Fonte: br.pinterest.com

Mas, como sou da área de comunicação e, durante um tempo trilhei um caminho na área esportiva, o estudo do rádio imediatamente me remeteu às noites passadas atrás do gol em que dividia espaço com os colegas de rádio. Eles acompanhavam as partidas sempre ávidos por um furo de reportagem e por levar ao ouvinte aquela notícia de última hora sobre o time do coração que todo apaixonado por futebol está louco pra saber.

Não posso dizer que foram noites fáceis pra mim. Como mãe de filhas na época pequenas e mulher numa seara ainda cultivada por um machismo estrutural, não podia dar bola fora, o que certamente me fazia gramar mais do que muitos dos meus colegas radialistas.

No entanto, agora, com olhar de fora e talvez mais isento, consigo observar que o jornalismo esportivo assim como todo o fazer radiofônico passou por uma metamorfose nos últimos anos. Mudaram os modos de fazer,  de circular e, também, de produzir conteúdos.

Talvez essas mudanças não sejam totalmente perceptíveis para a maior parte da audiência. Principalmente para aqueles que ouvem rádio de forma desatenta, apenas como uma trilha de som do cotidiano. No entanto, alguns ouvintes, entre eles, amantes de futebol, têm uma relação meio ritualística com o rádio. Chegam até mesmo a acompanhar a narração das partidas pelo rádio independentemente de estarem no estádio ou diante da televisão com um delay que torna impossível a sincronia perfeita entre o som do rádio e a imagem da tv. A sonoplastia, muito adotada pelo rádio, principalmente no geladão, quando os narradores transmitem a partida de seus estúdios, reforça o hábito e dá ao torcedor a sensação de não estar perdendo nenhum detalhe.

Arriscaria dizer que é mais do que isso. Trata-se de laços de afeto tecidos durante anos através de relatos e diálogos que misturam o real e a imaginação. E é exatamente aí, nesse terreno dos bens intangíveis, que futebol e rádio se encontram num casamento perfeito. Mas, como qualquer outro casamento,  também está sujeito a crises. E o pivô das últimas crises tem sido a distância.

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Fonte: Clip Gallery Word

O jornalista Whashington Rodrigues, há 18 anos líder de audiência na Rádio Tupi com o Show do Apolinho, lembra da coletiva comandada pela FLA TV após a conquista do último campeonato carioca pelo Flamengo. Assim como ele, milhões de torcedores de todo Brasil, queriam saber se Jorge Jesus permaneceria, ou não, no comando do Flamengo. O jogador convocado para coletiva foi o meia Arrascaeta e, a pergunta que não queria calar, não foi ouvida.

A exemplo do que já acontecia na Europa, os clubes brasileiros adotaram a onda da privacidade. Os treinamentos sem a presença da imprensa tem sido cada vez mais frequentes, assim como a suspensão do direito dos jornalistas de escolherem o jogador a ser entrevistado nas coletivas. A mudança não é nova mas continua gerando muita polêmica.

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Fonte: Foto enviada pelo comunicador.

“Repórter hoje é a internet. Você vai a Vargem Grande e fala de fora, não pode ver nada. Então, o repórter acaba ficando na emissora mesmo. Até 1980 repórter entrava no vestiário, ficava perto das suas fontes. Hoje não pode nem entrar em campo porque a televisão exige um produto limpo. Com isso, a cobertura está se deteriorando”, lamenta o radialista.

Mas apesar do saudosismo de alguns radialistas, definitivamente não  dá pra dizer que a era de ouro do rádio ficou lá atrás. Muito pelo contrário. A era de ouro do rádio, segundo Apolinho, é agora. Com uma penetração que em muitos mercados varia entre 75 e 90% da população acima de 12 anos, o rádio se vê diante do desafio de integrar-se rapidamente às novas tecnologias e a cultura da convergência. Isso, é claro, inclui o trabalho dos radialistas de todos os setores. Os radialistas esportivos precisam agora encontrar novas pautas para driblar as proibições dos clubes e dos detentores dos direitos de transmissão. E, mais do que isso, entender que é possível fazer jornalismo de qualidade com fontes confiáveis sem necessariamente estar in loco.

Como bem coloca Débora Cristina Lopez, é preciso repensar o rádio como um todo, compreender sua inserção nesse novo ambiente, assim como as relações estabelecidas com  o ouvinte, as fontes e as ferramentas de construção da informação.

Considerado um dos meios de comunicação mais inclusivos por ser democrático e também portátil, o rádio deve continuar acompanhando a vida dos ouvintes tanto nas cidades como nas zonas rurais, mesmo nas mais distantes. Essa tendência  pode ser potencializada com a adoção do rádio digital no Brasil. A internet, que já foi vista como uma ameaça pelas emissoras de rádio, entra em campo como uma aliada no fazer jornalístico. Ela possibilita, por exemplo, que o comunicador use as ferramentas digitais para interagir com o público e, ao mesmo tempo, fazer pesquisa de informações atualizadas. Em alguns casos, pode recorrer ao próprio banco de dados da emissora. A Rádio BandNews FM, por exemplo,  possui um banco de dados comum, que congrega o conteúdo produzido por todo o grupo Bandeirantes.

Com a disseminação das conexões em banda larga, a rádio online passou a ser uma extensão das emissoras com a vantagem do baixo custo de funcionamento. Ouvintes do Brasil e de outras partes do mundo passaram  a buscar na web rádio conteúdos variados, sonoros, ou não. O que aponta para a necessidade cada vez maior das emissoras fazerem uma escuta ativa do seu ouvinte. Afinal, a própria concorrência exige esse olhar diferenciado para a audiência.

As pesquisas de audiência se tornaram ferramentas importantes para identificar o perfil dos ouvintes e buscar saídas para lidar melhor com os atuais problemas ligados à concorrência  e ao envelhecimento da audiência. Se as emissoras de rádio e seus comunicadores souberem extrair o valor dessas pesquisas, que podem fornecer, entre outras informações relevantes, o perfil do ouvinte, o tempo que passa ouvindo determinada programação, além do lugar em que se encontra, certamente o futuro do rádio continuará promissor por mais um século e, qualquer conjectura sobre uma possível extinção motivada pelo determinismo tecnológico, terá que ser definitivamente descartada.

Referências Bibliográficas

LOPEZ, D. C. Radiojornalismo Hipermidiático: tendências e perspectivas do jornalismo de rádio all news brasileiro em um contexto de convergência tecnológica. Covilhã: Labcom Books, 2010.

KISCHINHEVSKY, M., DE MARCHI, Leonardo. Expanded radio. Rearrangements in Brazilian audio media markets. Radio, Sound & Society Journal, v. 1, n. 1, 75-89.

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Internet x imprensa: um jogo paralelo no Mundial de Clubes

Redes sociais recorrem ao jornalismo para criticar cobertura da imprensa. A final da Copa do Mundo da Fifa 2019, entre Liverpool x Flamengo, expôs uma curiosa, e interessante, disputa de narrativas entre o discurso, quase uníssono da imprensa, e o das mídias sociais. Embora marcado, também, pela (saudável) jocosidade das torcidas, as narrativas fora do… Continuar lendo Internet x imprensa: um jogo paralelo no Mundial de Clubes

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Entrevistas

Em entrevista com Pablo Alabarces, coordenador do LEME é citado

O canal uruguaiano Por decir algo (PDA) entrevistou o doutor em Sociologia Pablo Alabarces na Radiomundo 1170 AM. Ele fala sobre como a história do futebol sul-americano é contada sempre por estrangeiros, salvo raras exceções como Ronaldo Helal que pesquisou na Argentina e na França o que a imprensa estrangeira fala sobre o Brasil. Confira… Continuar lendo Em entrevista com Pablo Alabarces, coordenador do LEME é citado

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Não existe “torcida única” no futebol

Na última sexta-feira, 3 de maio de 2019, defendi a minha dissertação de mestrado, dentro do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba. E, na oportunidade, analisei as torcidas que cercam o Botafogo da Paraíba para mostrar que grupos grandes não formam nunca uma unidade, uma homogeneidade, mas são acima de tudo… Continuar lendo Não existe “torcida única” no futebol

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Mais sobre commodities…

Muito românticas as narrativas da imprensa esportiva brasileira, ao descrever a interrupção do sonho das crianças e a perda de esperança em dias melhores, almejados pelas famílias destas crianças. Muito oportuno e trabalhoso preparar minibiografias das vítimas, procurar o técnico e o clube onde iniciaram o esporte, depoimentos de vizinhos amigos e familiares, sempre com… Continuar lendo Mais sobre commodities…

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Vitória de Bolsonaro põe fim a 15 anos de desenvolvimento do esporte brasileiro

Presidente eleito pretende extinguir Ministério e incorporar esporte à pasta da Educação em seu governo Embora o Brasil seja o único pentacampeão mundial de futebol e o segundo maior medalhista da América Latina nos Jogos Olímpicos, o país não tinha até 2003 um ministério próprio para o esporte. Fazendo valer o artigo 217 da Constituição, o… Continuar lendo Vitória de Bolsonaro põe fim a 15 anos de desenvolvimento do esporte brasileiro

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As imagens descartáveis de Neymar

As muitas reações negativas, sobretudo por parte da imprensa esportiva, voltadas contra o comercial “Um homem novo todo dia”, protagonizado pelo camisa 10 da seleção brasileira e patrocinado por uma multinacional, mostram o quanto Neymar parece ser composto de camadas e camadas de imagens descartáveis de si mesmo. O mundo dos esportes dificilmente deixaria de… Continuar lendo As imagens descartáveis de Neymar

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Eventos

LEME na Casa Rui Barbosa

A Fundação Casa de Rui Barbosa está concatenada com a realização do maior evento esportivo do mundo, no Rio de Janeiro neste ano. Após promover a mostra “As Olimpíadas vão ao cinema: ciclo de filmes e debates”, acontecerá, na sede da Fundação, a palestra “Variedades de jogos olímpicos no Rio de Janeiro (1890-1919): uma abordagem a… Continuar lendo LEME na Casa Rui Barbosa

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Márcio Guerra e suas perspectivas para os Jogos Olímpicos

O jornalista e pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Márcio Guerra comenta nesta terceira parte da entrevista concedida ao Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte suas impressões acerca de como será a cobertura da imprensa brasileira dos Jogos Olímpicos antes, durante e após as competições. Para Márcio Guerra, há a possibilidade… Continuar lendo Márcio Guerra e suas perspectivas para os Jogos Olímpicos

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Messi: sociologia de um gênio

Recentemente fui abordado por um amigo que me perguntou como eu poderia explicar o futebol do Messi. Surpreendido com a pergunta, lhe respondi que genialidade não tem explicação. De qualquer forma, passei a refletir sobre a questão a partir do livro Mozart: sociologia de um gênio, do sociólogo alemão Norbert Elias. Nesta obra, Elias analisa… Continuar lendo Messi: sociologia de um gênio

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