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Tipologia de clubes de futebol no século XXI

Nesse texto comentarei brevemente uma proposta de tipologia de clubes de futebol no século XXI, elaborada ao longo de pesquisa desenvolvida em nível de doutoramento. Para não estender em demasiado as discussões que motivam (ou decorrem) do esquema classificatório aqui apresentado, o texto será referenciado em artigos, capítulos de livros ou obras de minha autoria, listados nas referências ao final do texto. Caso interesse ao leitor aprofundar as discussões aqui propostas, essas produções servem como ponto de partida.

Com o avanço da Lei das Sociedades Anônimas do Futebol (PL 5516/2019), ou Lei das SAF, apresentada e aprovada no Senado Federal, o diagrama pode ser útil para compreender as transformações vindouras. Uma vez que o processo de conversão dos clubes para empresas no Brasil é facultativo, muitos formatos podem se apresentar ao longo dos próximos anos. O projeto de lei, apesar de criar um novo tipo de sociedade anônima – com regras específicas para os clubes de futebol – também não define um único modelo possível, ainda que futuramente seja esse o modelo mais atrativo, dados os benefícios que gerará aos clubes aderentes.

O modelo classificatório aqui elaborado consiste em um diagrama ilustrativo, cuja finalidade é apresentar os tipos de clubes de futebol a partir de três níveis: 1) formato jurídico; 2) estrutura societária; 3) modelo político. Esse esquema está mais detalhado em um artigo que ainda não foi publicado até a publicação desse texto, tendo aqui a sua apresentação antecipada de forma resumida.

Diferente do que se costumar observar em debates sobre o tema, que tendem a resumir os clubes da atualidade entre “associações civis sem fins lucrativos” ou “sociedades empresárias” (os ditos clubes-empresa), o fato é que clubes de futebol constituem um quadro muito diverso no que tange à sua organização, constituição histórica, processo decisório, modelo administrativo, etc. No livro “Clube Empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol”, os diferentes capítulos vão apresentando essas questões de forma mais apurada.

Como a pesquisa original se dedicava a investigar os movimentos de torcedores em clubes de diferentes países, foi necessária uma compreensão mais profunda das particularidades dos processos de formação dessas agremiações em cada localidade estudada.

Essas experiências coletivas de torcedores mobilizados por pautas referentes à defesa do clube e dos estádios em diversos sentidos, o que demandou à pesquisa a detecção dos espaços concretos ou parciais da participação dos torcedores. Por isso o modelo classificatório surge como produto indireto da investigação, que percebia esses movimentos como formados por sócios, onde ainda existia uma associação civil; ou por “acionistas de base”, onde o clube já não contava com uma associação originária.

De todo modo, o diagrama possui utilidade para estudos que partam de outros objetivos, já que ajuda o pesquisador a visualizar/identificar os clubes existentes na atualidade dentro de um quadro mais amplo.

Ao menos 10 tipos de clubes podem ser visualizados a partir da tipologia proposta, como o diagrama completo demonstra:

Classificação de tipos de clubes de futebol

Como dito, a apresentação mais detalhada do diagrama será publica em breve em artigo, contando com exemplos concretos para cada modelo. Aqui, convém ao menos ressaltar os três níveis de classificação, e como eles apresentam outras subclassificações.

Nível 1: Formato jurídico

São três os tipos possíveis quanto ao “formato jurídico”: A) Associação civil sem fins lucrativos; B) Sociedade empresária; C) Sociedade anônima com associação como acionista.

O mais importante a ser ressaltado aqui é que os formatos jurídicos de clubes não podem ser reduzidos a “empresas” ou “associações”. Em clubes onde a associação civil está presente como mais um dos acionistas de uma sociedade anônima (modelo comum na Alemanha, Portugal e Chile), o funcionamento da agremiação é completamente distinto de uma sociedade anônima formada apenas por acionistas privados. Afinal, ainda existe ali uma associação civil à qual vários indivíduos estão vinculados de forma voluntária e abnegada, sem objetivos de participação financeira nessa entidade.

Nível 2: Estrutura societária

O segundo nível de classificação só se aplica basicamente ao modelo do tipo C (sociedade anônima com associação como acionista), uma vez que essa associação pode ter maior ou menor participação na sociedade anônima que controla os ativos financeiros do clube. Isso quer dizer que há casos onde a associação exerce o controle dessa sociedade, outros casos onde a associação compõe um conselho/órgão de administração ao lado de outros investidores privados, ou onde a associação possui participação minoritária com pouco poder de participação.

Como há muitas possibilidades de configurações quanto ao poder de participação da associação em uma sociedade anônima, esse nível de classificação se resume a dois tipos gerais: 1) associação como maior acionista; 2) associação como acionista minoritário.

Por razões óbvias, esse nível de classificação não se aplica aos casos de tipo A (associações civis) ou tipo B (sociedade empresária), aqui apenas representados como modelos “puros”.

Nível 3: Modelo político

A classificação de “modelos políticos” convém principalmente para os objetivos da pesquisa original que elaborou tal tipologia (o espaço de participação dos torcedores nos clubes). Por isso é importante observar qual tipo de associação civil está sendo observada: se uma associação restrita ou popular. Esses dois tipos sintetizam características que podem variar consideravelmente entre clubes de um mesmo país, como ocorre no Brasil, onde cada clube apresenta critérios próprios de admissão de novos sócios (restrito/aberto), quanto aos custos para o acesso e manutenção dos direitos associativos/políticos (custoso/acessível), ou ao próprio processo eleitoral em si (direto/indireto).

Dessa forma, avaliar se uma associação é popular ou restrita tem aplicabilidade principalmente ao tipo A1 (associação civil pura), e ao tipo C1 (S.A com associação como maior acionista). O mesmo não se aplica aos casos do tipo C2 (S.A com associação acionista minoritária).

Por outro lado, a ideia de observar o “modelo político” também serve para compreender a “dinâmica política” presente em clubes que possuem uma sociedade anônima. Essa pode ser formada por um número grande de acionistas que controlam cotas equilibradas de ações – dentre elas, muitas vezes, está também a própria associação originária do clube. A isso se escolheu definir por “sociedades dispersas”, que contrastam como aquelas “sociedades concentradas”, onde um único acionista tem o controle de maioria ou ampla maioria das ações da sociedade.

A classificação de sociedade dispersa ou concentrada se aplica tanto ao tipo B1 (sociedade empresária pura), quanto aos tipos B2 (sociedade anônima com associação como acionista minoritário). Do tipo B2, caberá observa ainda se a associação civil é de caráter popular ou restrita – o que gera uma quarta classificação exclusiva para esse tipo.

Resumo dos tipos

Dessa forma, assim se apresentam os 10 tipos de clubes:

  1. A1a: associação civil pura de caráter popular
  • A1b: associação civil pura de caráter restrito
  • B1a: sociedade empresária pura e dispersa
  • B1b: sociedade empresária pura e concentrada
  • C1a: associação civil de caráter popular como maior acionista da sociedade anônima
  • C1b: associação civil de caráter restrito como maior acionista da sociedade anônima
  • C2a¹: sociedade anônima dispersa, com associação popular como acionista minoritário
  • C2a²: sociedade anônima dispersa, com associação restrita como acionista minoritário
  • C2b¹: sociedade anônima concentrada, com associação popular como acionista minoritário
  1. C2b²: sociedade anônima concentrada, com associação restrita como acionista minoritário

Como observado anteriormente, o esquema classificatório aqui proposta será detalhado em um artigo ainda não publicado. Para leituras mais detalhadas e aprofundadas sobre o tema em questão, convém apreciar as referências bibliográficas apresentadas abaixo.

Referências

SANTOS, Irlan Simões da Cruz; SANTOS, Anderson David Gomes dos. Democracia torcedora versus Vantagens consumistas: uma análise da associação clubística em tempos de futebol-negócio. Mosaico. Rio de Janeiro, v. 9, n. 14, p. 246-261, 2018.

SIMÕES SANTOS, Irlan Simões (Org.). Clube empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol. Rio de Janeiro: Corner, 2020.

SIMÕES SANTOS, Irlan. Associação, pertencimento e participação: sobre ações políticas de torcedores nos clubes de futebol. In. MATIAS, Wagner Barbosa; ATHAYDE, Pedro Fernando Avalone. (Orgs.). Nas entrelinhas do futebol: espetáculo, gênero e formação. Curitiba: CRV Editora, 2021a, pp.33-48.

SIMÕES SANTOS, Irlan. Futebol-negócio e ativismos torcedores: notas para um estudo da política em clubes da Europa e América do Sul. Recorde, v. 14, n. 1, 2021b, pp. 1-14.

SIMÕES SANTOS, Irlan. O novo processo de empresarização dos clubes de futebol no Brasil: elementos para uma análise crítica. Anais do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2021c.

SIMÕES SANTOS, Irlan. Futebol-negócio, pertencimento ao clube e afeto pelo estádio: uma análise de movimentos de torcedores de Os Belenenses (POR) e Sevilla (ESP). In. HELAL, R.; COSTA, L.; FONTENELLE, C. Esporte, Mídia, identidades locais e globais: uma produção do Seminário Copa América. 1ed. Rio de Janeiro: Autorale/FAPERJ, 2021d.

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Jornalismo esportivo precisa debater sobre a falta de negros em cargos de gestão

Novembro já bate na porta e com ele teremos um dos poucos momentos que o jornalismo volta seus olhares para as questões raciais com mais densidade de produção noticiosa e tempo e espaço para se dedicar ao tema. Influenciado pelo 20 de novembro, quando celebra-se o Dia da Consciência Negra, muito provavelmente veremos mais um ano onde os casos de racismo individuais e os relatos de profissionais que passaram por situações discriminatórias tomarão a mídia. No jornalismo esportivo, uma tendência comum é pautar o aumento de casos de suspeita de racismo no futebol – que graças ao trabalho formidável do Observatório da Discriminação Racial no Futebol fornece dados quantitativos objetivos sobre a situação no Brasil -. Isso por si só não é um problema, longe disso. Porém, esse não deve ser o único assunto a ser discutido. Os racismos enfrentados dentro de campo devem sim ser noticiados, com profundidade e responsabilidade, mas o racismo fora de campo, no setor administrativo e em cargos de liderança e comando não devem ser ignorados.

Racismo estrutural no futebol

O advogado, filósofo e professor Silvio Almeida enfatiza que o racismo estrutural pode atuar impedindo, dificultando ou excluindo pessoas negras de cargos de gerências nas estruturas organizacionais. No futebol, mesmo sendo um espaço comumente aceito e esperado para que uma pessoa no Brasil esteja inserido, assim como o samba, como destaca o historiador Joel Rufino dos Santos, existe uma barreira que impossibilita que os jogadores negros extrapolem a maioria existente dentro de campo para as posições de gestão e administração do esporte. Joel Rufino enfatiza que a sociedade branca naturalmente tem dificuldade de aceitar que pessoas negras possuam um intelecto suficiente para desempenhar funções de gerência e liderança, o que também influencia para que não exista representação negra nos cargos administrativos do futebol brasileiro.

Com a demissão de Roger Machado, do Bahia, agora entre os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, mais precisamente em outubro de 2020, não existe nenhum treinador negro que esteja a frente de uma equipe da elite do futebol brasileiro. Dentre eles, apenas Goiás e Grêmio mantêm departamentos de futebol comandados por pessoas negras. No time do centro-oeste, a diretoria está a cargo do ex-volante Túlio Lustosa. Já no time do sul, Deco Nascimento divide a posição com Alberto Guerra e Duda Kroeff. Em outros níveis administrativos, o Corinthians tem André Luiz de Oliveira, ex-vice-presidente, como diretor administrativo enquanto seu arquirrival Palmeiras conta com o ex-meia Zé Roberto como assessor técnico responsável pela integração entre categorias de base e profissional.

Na principal organização que rege o futebol brasileiro, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a representatividade negra em cargos eletivos é inexistente. Não há nenhum presidente negro à frente das 27 federações vinculadas à CBF.

É fundamental analisar esses dados e fazer um paralelo com a disparidade e desigualdade do Brasil, o futebol é um elemento que vai refletir essas realidades, ele não está descolado do pano de fundo social que fundamenta a sociedade brasileira.

Fonte: EC Bahia / Divulgação

Racismo e desigualdade social

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio domiciliar per capita de pretos e pardos era de R$ 934 em 2018. No mesmo ano, os brancos ganhavam, em média, R$ 1.846 – quase o dobro. Em 2018, 3,9% da população branca era analfabeta, percentual que se eleva para 9,1% entre negros, valor mais que o dobro em relação ao primeiro. O estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, também do IBGE, aponta que em 2018, no estrato dos 10% com maior rendimento per capita, os brancos representavam 70,6%, enquanto os negros eram 27,7%. Entre os 10% de menor rendimento, isso se inverte: 75,2% são negros, e 23,7%, brancos.

Muitos ex-jogadores negros confiam no empirismo de sua vivência de dentro de campo para assegura-lo em cargos de gestão e administração no futebol, entretanto na grande maioria das vezes isso não é suficiente para dar continuidade a sua trajetória no futebol. A necessidade de se profissionalizar e fazer cursos de capacitação em gestão acaba se tornando a única opção e esta está longe de ser uma alternativa barata. O curso de formação de treinadores da CBF, requisito para exercer a profissão, é caro. Para tirar todas licenças exigidas na elite, o investimento a ser feito é de aproximadamente R$ 50.000.00 e fazer eles não é uma garantia que o profissional negro conquistará posições de poder no futebol.

Por exemplo, o pentacampeão brasileiro Roque Júnior, que fez MBA em gestão e marketing esportivo, estágios na Europa e com Luiz Felipe Scolari, no Palmeiras e também obteve licenças do mais alto nível para poder comandar equipes brasileiras e europeias, até hoje não recebeu oportunidades de comandar cargos de gestão ou de treinador nos grandes clubes. O ex-jogador conseguiu apenas treinar o XV de Piracicaba e Ituano, clubes de menor expressão, onde existe uma maior dificuldade de ascensão. Outros exemplos, temos Lula Pereira, Andrade (campeão brasileiro com o Flamengo em 2009) e Cristóvão Borges que depois de trabalhos em clubes de elite, não conseguiram sequência e caíram no ostracismo.

A importância de trazer o debate à tona

Seja a expressão racista que diz que negros não possuem a competência para ocupar cargos de gestão e liderança no futebol, fato que é um reflexo de um país onde apenas 5% dos cargos executivos em grandes empresas são ocupados por negros, seja pelo fator social que coloca ex-jogadores e população negra como um todo vários degraus atrás quando o assunto é acúmulo de capital, necessários para a aquisição dos cursos e treinamentos da CBF, é fundamental que essa discussão ganhe força e preponderância.

O que mais vi nos últimos meses foi personagens midiáticos e colegas jornalistas apontando o dedo para os jogadores que não tinham se posicionado abertamente sobre o “Black Live Matters” ou sobre casos de racismo no futebol vivenciado por eles e por seus companheiros. Entretanto, uma das causas para a falta de tal postura ativista pode também ser um reflexo da falta de representatividade racial nos seus clubes. Qual garantia de respaldo esses atletas terão quando nem suas próprias instituições e muito menos a CBF possuem o desenvolvimento de práticas antirracistas e a abertura de espaço para a capacitação de grupos minoritários?

A branquitude ainda entende o problema como se fosse dos negros e recusa assumir quaisquer privilégios e vantagens sociais, econômicas, políticas, onde aqui surge o argumento pífio e desleal da meritocracia. Muniz Sodré reflete que a forma como a mídia e o jornalismo constrói identidades virtuais sobre o negro em suas narrativas condiciona esses grupos a estereótipos e as folclorizações. Será que ao não discutir a fundo a ausência de negros em cargos de gestão no esporte, não intencionalmente, o jornalismo esportivo não naturaliza tais questões?

O jornalismo esportivo precisa debater sobre a falta de negros em cargos de gestão e liderança no futebol.

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Hierarquia e impessoalidade no futebol brasileiro

Nunca deixo de me surpreender com a capacidade que o futebol tem de produzir textos culturais antagônicos. Praticamente ao mesmo tempo em que o Atlético/MG conquistava a Copa do Brasil e o Cruzeiro se sagrava bicampeão consecutivo do Brasileirão, Eurico Miranda era novamente eleito para três anos de mandato como presidente do Vasco. Se o… Continuar lendo Hierarquia e impessoalidade no futebol brasileiro

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Sesc Rio promove Fórum de Esportes sobre oportunidades na Copa e nas Olimpíadas

Evento foca na importância da gestão esportiva para os grandes eventos dos próximos anos O Brasil sediará a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016. O momento é mais que propício para o envolvimento dos profissionais de Educação Física e esportes em questões como gestão do esporte, do lazer e do entretenimento.… Continuar lendo Sesc Rio promove Fórum de Esportes sobre oportunidades na Copa e nas Olimpíadas

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