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Parem o futebol!

A Copa do Brasil de 2021 começou na terça-feira (9) com dois jogos, mas até esta próxima quinta-feira terão sido realizadas outras 39 partidas pela competição nacional. Espalhadas por 24 estados diferentes.

A partida que abriu a competição foi realizada entre o Águia Negra, do Mato Grosso do Sul, contra o Vitória.

O time baiano viajou mais de 2 mil quilômetros até o município de Rio Brilhante, no interior do Mato Grosso do Sul, para jogar contra o time da casa num estádio com capacidade para 8 mil torcedores.

Essa costuma ser a regra na primeira fase da competição, a propósito. Viagens longas, municípios e estádios menores, estruturas limitadas.

Não há problema nisso, diga-se. A beleza da Copa do Brasil é justamente a sua diversidade. Não fosse o “detalhe” de que, em meio a esta edição específica, o Brasil vive o seu pior momento na pandemia de Covid-19.

Na semana passada, o país registrou 10 mil mortes. É a primeira vez desde que a Covid-19 chegou ao país que isso aconteceu. Nunca se morreu tanto em tão pouco tempo por causa da doença. E, a despeito de tudo isso, a competição foi iniciada.

A Confederação Brasileira de Futebol, as federações estaduais, os clubes, todos mentem ao dizer que tudo será feito de forma segura e respeitando rígidos controles sanitários.

Sim, sem meias palavras. Isso é mentira!

E só mostra que os dirigentes da CBF não conhecem – ou fingem não conhecer – o futebol que administram tão mal. Não entendem de Brasil. Não deixam a luxuosa sede do Rio de Janeiro para rodar pelas cidades mais longínquas desse país com dimensões continentais.

Não importa se os jogos acontecem sem torcidas. As aglomerações, os fluxos de pessoas, as viagens, e a consequente infecção em massa, serão inevitáveis no curso do campeonato.

Ainda na terça-feira, por exemplo, Campinense e Bahia jogaram no Estádio Amigão, em Campina Grande. O Tricolor deu uma saraivada na equipe paraibana, metendo um simbólico 7 a 1. Lembrei imediatamente do famoso bordão “gol da Alemanha” que nos atormenta desde 2014, e não só necessariamente no contexto futebolístico.

Pois, ele volta a nos atormentar.

A partida aconteceu em território paraibano. Num estado que está à beira de um colapso em seu sistema de saúde, com UTIs com taxa de ocupação superior aos 90% e com recorde de morte diárias sendo batidas a cada dia.

Na quarta-feira (10), dia seguinte ao jogo, a Paraíba registrou 50 mortes num único boletim epidemiológico e superou a marca de 30 de junho de 2020, que até então detinha o recorde para um único dia. No âmbito nacional, outro recorde: 2.349 mortes em 24 horas.

A situação caótica se repete, por exemplo, em Manaus, cidade que já entrou em colapso e que receberá jogo na semana que vem.

Em meio à tanta insanidade, parece que a única voz lúcida é a de um técnico que, ironia das ironias, recebe o apelido de “doido”. Pois foi o chamado Lisca Doido, atualmente no América Mineiro, o único nome público do futebol nacional a se posicionar contrário ao futebol no momento atual.

Foi criticado por muitos de seus pares, diga-se, mas ele não falou mais do que obviedades. No Brasil governado por genocidas, o óbvio parece ser revolucionário.

Mas, enfim, fato é que não tem sentido manter o futebol e permanecer indiferente à quantidade de mortes diárias.

Levantamento recente do Esporte Espetacular, da TV Globo, mostra que foram 320 os jogadores da Série A do Brasileirão que se infectaram com a Covid-19 ao longo da competição. Já reportagem do El País enumera o “rastro de morte” deixada pela pandemia no futebol nacional.

São dados emblemáticos. Porque, se os clubes mais bem estruturados do país demonstram não ter ideia de como controlar a pandemia, os casos, as mortes, o que dirá da grande maioria dos clubes brasileiros, participantes da Copa do Brasil, que, não raro, viajam e jogam sem nem mesmo a presença de um médico?

Vai ser uma carnificina. E a CBF, para variar, vai ser cúmplice de toda essa mortandade.

Fonte: Guarulhos Hoje
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A bola e a “bolha”

Um jogo totalmente diferente. Esse era o slogan da volta da NBA (a liga de basquete americana) após a interrupção da temporada 2019/2020 devido à pandemia provocada pelo novo Coronavírus. Esportivamente falando, o jogo até pode ter sido o mesmo, mas, sem sombra de dúvida, todas as adaptações que precisaram ser feitas para que o campeonato chegasse ao fim fizeram com que essa temporada fosse única, impossível de esquecer.

 A solução encontrada foi criar uma “bolha”, ou seja, um ambiente totalmente controlado, onde atletas e demais profissionais envolvidos pudessem ficar isolados e imunes a qualquer risco. O local escolhido foi o complexo esportivo gerenciado pela Disney, na cidade de Orlando, na Flórida, o ESPN Wide World of Sports Complex. O local parecia ser o mais adequado, por sua infraestrutura esportiva e hoteleira. Salões de convenções abrigaram 7 quadras para treinamentos e três ginásios ficaram disponíveis para os jogos. Além disso também havia toda uma estrutura de serviços para atender atletas e o staff da NBA. Cada equipe pôde levar até 37 pessoas para a “bolha”, incluindo atletas, técnicos, integrantes da comissão técnica, seguranças e outros funcionários.

A “bolha” do Reino Mágico da Disney (Ilustração: Getty Images)

O que a Liga não esperava era que no mesmo período da retomada da temporada, o número de casos de Covid-19 no estado da Flórida “explodisse”, batendo a marca de quase 15 mil por dia em meados de julho. Mais um motivo para os cuidados médicos serem extremamente rigorosos. Qualquer pessoa que chegava à “bolha” tinha que ficar 48 horas isolada em seu quarto e testar “negativo” em dois exames. Todos aqueles, inclusive alguns jogadores, que precisaram sair, foram obrigados a cumprir um período de quarentena na volta. O relato do armador do Philadelphia 76ers, o brasileiro Raulzinho, à revista Época mostra o quanto a rotina era desgastante:

No começo não foi fácil. Ficava fechado no quarto, sem contato, só saía para os treinos. Passava boa parte do dia vendo TV, sem ter o que fazer. Fizemos muitos testes de Covid-19. Testes diários, protocolos de higiene e segurança. Era necessário, mas o desgaste mental e emocional foi enorme.

Para diminuir a incidência de casos de depressão pelo isolamento, a entrada de parentes foi permitida depois da primeira rodada dos playoffs. Quem quis receber convidados teve que arcar com os custos. Mesmo assim, os visitantes tiveram que ficar em isolamento por uma semana, além de serem submetidos a dois testes em um período de três dias.  O cuidado era tanto que foi criado até um tipo de disque-denúncia para qualquer tipo de quebra dos protocolos de saúde. Além disso, pulseiras usadas por todos os habitantes da “bolha” não só controlavam as movimentações, como ainda registravam a temperatura de todos, 24 horas por dia.

Que comecem os jogos…

Foi preciso criar um critério para definir que times iriam para Orlando. Das 30 franquias, 22 foram selecionadas: as que já tinham definido vagas para a fase do mata-mata e aquelas que ainda tinham essa possibilidade, estando a quatro jogos ou menos do então oitavo colocado. Foram 9 equipes da Conferência Leste e 13 da Oeste. A retomada da temporada se deu em 30 de julho e os playoffs começaram em 17 de agosto.

Uma das grandes diferenças nesse novo normal era a inexistência do “fator casa”. Como as partidas eram disputadas em um ginásio neutro e sem torcida, tudo ficava mais equilibrado nesse sentido. A NBA tentou, de alguma forma, favorecer os times mandantes: um DJ se encarregava de fazer a sonorização da partida, com gritos de torcida e músicas usadas no ginásio  original, além disso foram instalados três grandes painéis de vídeo onde apareciam imagens ao vivo de torcedores pré-cadastrados pela Liga. Mas nem de longe o clima se parecia com o dos mega ginásios que comportam cerca de 20 mil pessoas. Mesmo assim, quem conseguiu participar, como a estudante de Jornalismo da Uerj, Clara Quintaneira, comemorou. Ela ganhou o direito de participar de um jogo entre Bucks e Magic. “Eles avisaram que uma hora antes do jogo eu já poderia entrar no link para participar. Entrei, precisei tirar uma foto do meu rosto e depois tirar foto do meu passaporte para conferirem. Após isso, fui autorizada e aceita na sala do Google Teams com um login e senha que eles davam para cada um”. Ela, que nunca teve a oportunidade de assistir a um jogo da Liga nos Estados Unidos, garante que foi uma sensação especial. “Representou muito pra mim. O momento que estamos vivendo é histórico. Toda essa questão de pandemia, quarentena e isolamento social vai ficar marcada no ano de 2020. Todos tivemos que nos adaptar a uma nova rotina e com a NBA não seria diferente. A ‘bolha’ nos permitiu viver uma experiência nova como plateia virtual”.

Na torcida, mesmo que de forma virtual. (Foto: Clara Quintaneira)

De acordo com alguns analistas a situação extraordinária fez com que algumas equipes se adaptassem melhor do que outras, foi o caso o Phoenix Suns que venceu todos os jogos que disputou na “bolha” e por muito pouco não chegou aos playoffs. Uma situação inversa pode ser ilustrada pelo Milwaukee Bucks, primeiro colocado geral da temporada. O time do MVP (jogador mais valioso), o grego Giannis Antetokounmpo, ganhou apenas três partidas antes do mata-mata. E nos playoffs também acabou decepcionando. Depois de bater o Orlando, foi eliminado pelo Miami, por 4×1, frustrando seus torcedores e todos aqueles que queriam ver um confronto entre Antetokounmpo e LeBron James na final. O melhor time do Leste, contra o melhor do Oeste.

Vidas negras importam

A retomada da NBA também teve um tom de engajamento político jamais visto. As mortes de Breonna Taylor, em Louisville, e de George Floyd, em Minnepolis, ambos negros e assassinados por policiais, gerou uma onda de manifestações nos Estados Unidos. Os jogadores da NBA, em acordo com a Liga, usaram os jogos como sua forma de protesto. O lema Black Lives Matter (vidas negras importam) estava estampado no piso das quadras. Além disso os jogadores também usaram palavras de ordem em seus uniformes como: “Say their names (diga o nome deles), “I can’t breathe” (eu não posso respirar – frase dita por Floyd enquanto era asfixiado pelo joelho de um policial) ou simplesmente “Equality” (igualdade). Durante a execução do hino americano, todos se ajoelhavam e ficavam de braços dados. Uma imagem potente contra o racismo.

Nos tênis de Jamal Murray, do Denver Nuggets, um tributo a Floyd e Breonna. Foto: Kevin C. Cox / Getty Images

Porém, mais um chocante caso de violência quase pôs tudo a perder. Jogadores do Milwaukee Bucks se recusaram a entrar em quadra após tomarem conhecimento de que Jacob Blake, um homem negro de 29 anos, tinha levado sete tiros pelas costas diante dos três filhos, em Kenosha, no estado de Wisconsin. Os disparos, mais uma vez, haviam sido feitos por policiais. O homem perdeu o movimento das pernas.  O time do Orlando não aceitou a vitória por W.O e também não compareceu.

O boicote, inédito, foi explicado por uma nota oficial dos atletas do Bucks:

Os últimos quatro meses lançaram luz sobre as injustiças raciais em curso que as comunidades afro-americanas enfrentam. Cidadãos de todo o país têm usado suas vozes e plataformas para se manifestar contra esses delitos. Apesar do apelo esmagador por mudança, não houve nenhuma ação. Nosso foco hoje não pode estar no basquete.

Logo outras equipes se posicionaram a favor da paralisação e os jogos tiveram que ser suspensos.

As jogadoras da WNBA (liga profissional de basquete feminino), que também disputavam seus playoffs em uma “bolha” em outra cidade da Flórida, fortaleceram o boicote. Elas usaram camisas brancas com alusão às marcas dos tiros contra Jacob Blake, se reuniram no centro da quadra e ficaram de joelhos. Em seguida, deram os braços e exibiram o nome da vítima. Lá, as partidas também foram suspensas.

Os protestos geraram imagens fortes (Foto: Stephen Gosling/ Getty Images)

LeBron James, o maior nome da Liga, tomou a frente do movimento e não mediu palavras para mostrar sua indignação. Em sua conta do Twitter, postou: “Fuck this, man. We demand changes. Sick of it”, pedindo mudanças e se dizendo cansado com tudo aquilo.  A primeira reunião entre atletas e dirigentes foi tensa, jogadores dos dois times de Los Angeles, o Lakers e o Clippers, ameaçaram deixar a “bolha”, capitaneados por LeBron e por Kawhi Leonard.  Só em um segundo encontro houve um acordo, graças, principalmente, à participação efetiva de Michael Jordan; além de uma lenda do basquete e negro, ele também é o dono do Charlote Hornets, time da Carolina do Norte na NBA. O argumento foi de que eles não deveriam abrir mão daquela plataforma de combate ao racismo, usando microfones e câmeras a favor da causa e do estímulo às pessoas a votarem na eleição presidencial americana para tentar gerar mudanças (nos EUA o voto não é obrigatório). Numa atitude inédita, as franquias também prometeram usar seus ginásios como locais de votação.

Mobilização pelo voto e pelas mudanças. (Foto: David Dow/ Getty Images)

O tributo a um rei

Com a bola quicando, Los Angeles Lakers e Miami Heat chegaram à grande final. Uma série bem equilibrada. O time da Califórnia chegou a abrir 2×0 e, depois, 3×1, mas o Miami, valente, comandado pelo talentoso Jimmy Butler, forçou um jogo 6. Esse sim, vencido com tranquilidade pelo Lakers.

A estrela maior, LeBron James, chegava a seu quarto título, conquistado em três diferentes franquias, o próprio Miami Heat (2012 e 2013), o Cleveland Cavaliers (2016) e o Los Angeles Lakers (2020). Um jogador de quase 36 anos de idade que soube adaptar seu jogo e que passou a alcançar marcas espetaculares em todos os fundamentos do jogo. “The King” (o rei), como é conhecido, coleciona recordes e garante: não pretende parar tão cedo.

O título conquistado este ano foi muito significativo. Era quase uma obsessão para LeBron, desde a morte trágica de Kobe Bryant, amigo de James e grande ídolo do Lakers. A taça de 2020 veio dez anos depois de Kobe ter levado o Lakers à sua última conquista. Não à toa, em várias partidas, incluindo o jogo 6 das finais, o time vestiu a “Black Mamba”, camiseta idealizada para homenagear Bryant, que gostava de usar esse apelido (Black Mamba ou Mamba-Negra é um tipo de cobra africana extremamente venenosa). “No fim das contas, nós só esperamos deixar ele e sua família orgulhosos. É disso que se trata. Desde Kobe a todos os outros que por alguma vez vestiram a camisa dos Lakers, jogamos para deixá-los orgulhosos. Isso que estamos tentando fazer”, afirmou James pouco antes da série final.

O “imparável” LeBron James. (Foto: NBA/Divulgação)

E como se não bastasse o desempenho excelente em quadra (foi eleito o MVP das finais), LeBron James mostrou que esporte e engajamento social podem e devem ser complementares: em 2018 criou sua própria fundação para crianças carentes; fez uma parceria com a Universidade de Akron para pagar bolsas de estudo para 2.300 jovens a partir do ano que vem; e lidera uma campanha de recrutamento de 10 mil voluntários que irão trabalhar nas eleições de 3 de novembro. Mais do que um craque, um líder.

Com o título de número 17, o Lakers se tornou a franquia com o maior número de conquistas, ao lado do Boston Celtics. Um fecho de ouro para uma temporada turbulenta como nenhuma outra da NBA.

Os resultados em termos de audiência podem até ter decepcionado. Os índices foram quase 50% menores do que no ano anterior. A concorrência com transmissões de outras ligas como as de Hóquei, Beisebol e de Futebol Americano, todas, excepcionalmente, ocorrendo de forma conjunta, seria uma das explicações. A eleição presidencial de 2020 também teria contribuído para o declínio na audiência. Redes a cabo como Fox News, MSNBC e CNN registraram altas em seus índices durante o horário nobre. Mas se pensarmos na eficiência da “bolha”, a temporada da NBA foi um enorme sucesso. Foram três meses de isolamento e nenhum caso de infecção por Coronavírus registrado. A Liga Americana de Basquete provou que é possível fazer competição esportiva segura em meio à pandemia, coisa que outros esportes e outros países não souberam ou não quiseram fazer.

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O esporte profissional norte-americano: entre a pandemia, o negócio e a cultura política

Por David M. K. Sheinin* y César R. Torres**

Em março de 2020, quando a pandemia do COVID-19 interrompeu repentinamente as temporadas de duas das grandes ligas desportivas profissionais norte-americanas (a National Basketball Association [NBA] e a National Hockey League [NHL]), ambas começaram a planejar seus retornos. Seus dirigentes traçavam possíveis cenários enquanto os prognósticos epidemiológicos, políticos e econômicos mudavam diariamente. Em contrapartida, os dirigentes da Major League Baseball (MLB) e da National Football League (NFL) não sentiam a mesma urgência da NHL ou da NBA, já que, por sorte, no ponto de vista deles, esses esportes estavam fora de temporada.

Ao final de julho, a MLB começou uma temporada mais curta que o habitual, de apenas sessenta partidas por equipe. Em agosto, a NBA e a NHL lançaram uma liga modificada para finalizar a temporada interrompida em março e a NFL abriu seus campos de treino para a temporada que começa em setembro. Ao mesmo tempo em que cada liga desportiva anunciava precauções para evitar a transmissão do vírus, os planos de retorno de cada uma e seus resultados eram mistos. A NBA e a NHL têm registrado muitos poucos casos de COVID-19 entre suas centenas de jogadores, treinadores, árbitros e outros integrantes. Por outro lado, a MLB e a NFL não têm tido tanto êxito. Cada dia há novos contágios e casos de comportamentos perigosos e irresponsáveis de parte dos jogadores.

A consequência tem sido partidas canceladas na MLB, jogadores que decidiram não jogar este ano para não colocar em risco sua saúde e muita incerteza. À primeira vista, a diferença entre sucesso e fracasso no controle do vírus se estabelece na estratégia da NHL e da NBA de colocar todas as equipes e suas comitivas (sem familiares) em uma bolha, sem contato com o exterior, e a falta dessa estratégia na MLB e na NFL. Entretanto, as estratégias das ligas desportivas e suas repercussões refletem políticas nacionais, culturas organizacionais e aproximações com o negócio do esporte com diferenças notáveis, anteriores à aparição do COVID-19. Representam também resultados, até certo ponto, previsíveis. Tudo isso é particularmente relevante em um ano-chave de eleições nos Estados Unidos.

NHL suspends play over coronavirus
NBC News

A urgência do negócio

Há quatro décadas o negócio das ligas desportivas nos Estados Unidos e Canadá excede a venda de bilhetes. Os lucros provêm da venda de mercadorias, patrocínios de empresas a venda de direitos de transmissão e, na última década, as apostas online. Este tipo de apostas tem sido especialmente importante para a MLB e a NFL. Nos pequenos mercados como Cincinnati ou Baltimore, onde as equipes pouco jogam, empresas como DraftKings e FanDuel mudaram o negócio do esporte profissional. Antes da chegada dessas empresas, as partidas dos times de cidades com pouco apelo comercial contavam com baixa audiência, tanto online como na televisão. Porém, com a legalização das apostas online nos Estados Unidos, milhares de pessoas começaram a acompanhar as partidas, não por sua qualidade, mas pelo interesse monetário no resultado. Uma década atrás teria sido impensável uma relação entre as ligas desportivas e as empresas de apostas. Entretanto, na atualidade, a DraftKings é sócia oficial das quatro grandes ligas esportivas com sua logomarca colocada nas plataformas digitais de cada uma delas.

Apesar das queixas midiáticas pelas mudanças na cultura desportiva por conta da pandemia, com estádios sem público (ou com público de papelão), a ausência de espectadores ao vivo representa cifras relativamente menores para as empresas multimilionárias donas das equipes. Em 2020, a demanda tem sido voltar a jogar o mais rápido possível – com o público fora do estádio, protegido em suas casas, vendo os jogos pela televisão e, em milhares de casos, apostando online.

Canadá vs. Estados Unidos

Em julho, a cidade de Toronto e a província de Ontario aprovaram o pedido da única equipe canadense da MLB, os Toronto Blue Jays, para jogarem suas partidas como mandantes em Toronto. Porém, de última hora, o governo canadense anulou essa determinação. A MLB havia decidido não restringir o deslocamento dos times. O problema era que o Canadá não permitia que as equipes cruzassem a fronteira, já que em junho a curva da pandemia estava achatando e nos Estados Unidos o vírus continuava avançando rapidamente. Assim, os Blue Jays tiveram que utilizar um estádio inferior em Búfalo para seus jogos em casa.

A decisão canadense ressaltou as diferenças na maneira com a qual os dois países enfrentaram a pandemia desde março. Nos Estados Unidos, o governo nacional não tomou uma posição de liderança durante a crise. Não apensas ignorou os conselhos de seus especialistas em saúde pública, como também o presidente Donald Trump desarmou, ameaçou e marginalizou as entidades científicas governamentais. Enquanto isso, no Canadá, o governo nacional coordenou uma resposta centralizada, confiou na comunidade científica e deixou de lado as diferenças políticas com os governos provinciais e municipais para adotar uma estratégia comum e coordenada contra o COVID-19.

Em março, com exceção do tráfego comercial, o Canadá fechou a fronteira com os Estados Unidos. O exílio dos Blue Jays representa a posição da maior parte da população canadense: a fronteira deve permanecer fechada e o funcionamento da MLB é arriscado – um risco generalizado nos Estados Unidos, apoiado (ou tolerado) por seu governo nacional.

Coronavirus: MLB pushes back start of the season to mid-May - Los Angeles  Times
LA Times

Esporte e cultura política

A NFL e a MLB são ligas desportivas que dependem muito mais da cultura política encarnada por Trump do que a NHL e NBA, especialmente no que se refere à questão racial, que cada vez define mais as crescentes diferenças entre o Partido Democrata e o Partido Republicano. Existem cada vez menos jogadores brancos em ambas as ligas, com um aumento notável nos últimos vinte anos de jogadores latinos na MLB e negros na NFL. De todo modo, em um país no qual a porcentagem de pessoas brancas segue diminuindo, o público da MLB e da NFL, tanto nos estádios, como na televisão, é cada vez menor, e, por sua vez, mais branco e mais velho. Faz pouco tempo que os Atlanta Braves abandonaram seu estádio no centro da cidade, colocando em perigo dezenas de pequenos negócios que dependiam da atividade comercial ao seu redor. Mudaram-se para um estádio novo fora da cidade. Para a segregação racial que segue definindo muitas cidades estadunidenses, essa mudança marcou o abandono de um lugar povoado por pessoas negras para uma área percebida como mais “tranquila” pelo público branco que assiste às partidas. O beisebol como negócio que confirma a segregação racial pode ser visível em muitas cidades. Em Detroit, os estádios de futebol e beisebol ficam a poucos metros de uma estrada que permite a um público quase completamente branco chegar a municípios suburbanos de carro, estacionar em vagas de estacionamento localizadas ao lado dos estádios, assistir à partida e voltar para os subúrbios sem entrar na cidade “perigosa” e com uma população majoritariamente negra.

Em 2016, Colin Kaepernick, o quarterback do San Francisco, se ajoelhou durante o hino nacional antes das partidas, em protesto pela brutalidade policial contra a comunidade negra. Os dirigentes da NFL, perplexos, não sabiam o que fazer. Trump os criticou pela indecisão, assim como por não terem punido Kaepernick e sua suposta falta de respeito com a bandeira e o hino nacional. Como no caso da MLB, o futebol acabou cedendo às demandas de um público cada vez mais branco e mais velho, um grupo demográfico do qual Trump depende eleitoralmente: a liga e as equipes conspiraram para negar um contrato a Kaepernick e, desde aquela temporada, ele nunca mais voltou a jogar.

A decisão da MLB e da NFL de não embarcar em um modelo de isolamento em bolhas para organizar suas temporadas acaba manifestando a cultura política de seu público, que tende a apoiar Trump. Esse apoio inclui hesitações sobre o perigo do COVID-19, ressentimento racial com as pessoas negras e latinas nas cidades que supostamente são fontes do vírus e a ideia de que a retomada das economias local e nacional está parada pelos controles “desnecessários” (distanciamento social, máscaras, quarentenas, lojas fechadas) impostos por governos locais e nacionais.

Essa política pode ser notada também nas temporadas de futebol universitário, outro negócio multimilionário, e suas duas ligas mais importantes. A Big 10 inclui universidades públicas dos estados de meio-oeste do país (Illinois, Indiana Michigan e Wisconsin, entre outros), que, em geral, conseguiram controlar a pandemia com uma política de distanciamento social, máscaras, quarentenas, lojas fechadas. A Big 10 cancelou sua temporada 2020. A Southeastern Conference (SEC) inclui universidades públicas de estados que não conseguiram controlar a pandemia (Alabama, Florida, Luisiana y Texas, entre outros) e nos quais se resiste ao uso de máscaras, muitos negócios permanecem abertos e prevalece uma suspeita generalizada sobre as autoridades de saúde pública. A SEC ainda segue com a ideia de organizar a temporada 2020.

O efeito David Stern

Por que a NBA e a NHL optaram pelo modelo da bolha? Ainda que esteja em Nova York, a NHL conta com capitais e fortes influência culturais canadenses. A metade dos jogadores, assim como sete das trinta equipes da liga são oriundas do Canadá. O Canadá também conta com um público numeroso, leal e fervoroso. Por outro lado, a política canadense frente à pandemia (incluindo os êxitos) também influenciou a rápida decisão da NHL de basear suas duas bolhas nas cidades de Toronto e Edmonton.

No entanto, existe um fator mais importante. Nem as políticas, nem os negócios das duas ligas desportivas são ligadas ao Partido Republicano nos Estados Unidos, o que abriu a possibilidade de uma estratégia contra o vírus livre da visão de Trump. Em parte, isso representa o legado de David Stern, o ex-dirigente da NBA que fez crescer o negócio de sua liga a nível nacional e internacional de 1990 a 2014, enquanto que a MLB e a NFL estavam em declínio. A sua postura no esporte levava em conta – e fomentava – as mudanças culturais nos Estados Unidos e o fato de que o público de basquete estava cada vez mais diversificado, com ampla representação da comunidade negra. Os dirigentes atuais da NBA (Adam Silver) e da NHL (Gary Bettman) começaram suas carreiras sob a liderança de Stern na NBA e se formaram com seu modelo de gestão – mais distante das influência de um ou outro partido político e mais ágeis para adaptarem-se a um cenário cultural, político e econômico que muda constantemente.

Como no caso da NFL, há uma história importante de discriminação racial na NBA. Mas, diferentemente da indecisão da NFL frente aos protestos de Kaepernick e de sua reação conspiratória, em 2015 quando o dono do Los Angeles Clippers, Donald Sterling, deu uma declaração racista, Silver o expulsou da liga e Sterling teve que vender as ações da equipe. Como discípulos de Stern, Silver e Bettman entendem como enfrentar as circunstâncias variáveis melhor que os dirigentes e que os donos das equipes de beisebol e de futebol americano. Assim, quando chegou a pandemia, ao contrário da MLB e da NFL, e com mais liberdade para agir, ponderaram as alternativas e elegeram a opção mais segura e mais rentável.

Uma bolha comprometida

Desenvolver sua atividade em uma bolha não implica abdicar da realidade política e social. Após o reinicio da temporada, e depois do assassinato do cidadão negro George Floyd pelas mãos da polícia no final de maio, muitos dos jogadores da NBA decidiram substituir seus nomes nas camisas por mensagens que remetessem à luta contra o racismo e a brutalidade policial, entre outras causas políticas e sociais. Os jogadores, muitos dos quais têm uma larga história de ativismo político e social, contaram com a anuência da NBA. Ao final de agosto, Jacob Blake, outro cidadão negro, foi baleado pela polícia. Indignados com o episódio, os jogadores boicotaram várias partidas, interrompendo a temporada. O grande protesto se propagou rapidamente para outros esportes, incluindo a NHL, a MLB e a NFL. Há poucos dias a NBA decidiu, junto com as outras ligas e com os donos das equipes, retomar a temporada, comprometendo-se com uma série de medidas “para abordar uma ampla gama de temas, incluindo o aumento do acesso ao voto, a promoção do compromisso cívico e a defesa da reforma policial e da justiça penal”. Silver declarou que aprova o “compromisso (dos jogadores) de lançar luz sobre temas importantes de justiça social” e continuou dizendo que “embora não caminhe nos mesmos sapatos que os homens e mulheres negros, posso ver o trauma e o medo que causa a violência racial e como continua o doloroso legado da desigualdade racial que persiste no nosso país”. Enquanto isso, Trump, incomodado pelo ativismo dos jogadores e o apoio da NBA, manifestou que a associação dirigida por Silver “se converteu em uma organização política” e que não pensa que “isso seja algo bom para o esporte ou para o país”. LeBron James, estrela da NBA e articulador dos protestos declarou: “Estamos fartos. Exigimos uma mudança”. Resta ver se a mudança que prevalecerá, não apenas no esporte, mas nas esferas culturais, políticas, sociais e econômicas mais amplas, é a impulsionada pelos jogadores e dirigentes da NBA ou a que promove Trump. As eleições de novembro indicarão, em parte, o rumo da mudança.

Texto originalmente publicado no site Marcha no dia 01 de agosto de 2020.

Doutor em História. Professor na Universidade de Trent.

** Doutor em Filosofia e História do Esporte. Professor na Universidade do Estado de Nova York (Brockport).

Tradução: Leticia Quadros e Fausto Amaro

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Atletas paralímpicos: os invisíveis durante a quarentena

Muito tem se falado sobre a preparação dos atletas olímpicos e dos jogadores de futebol em meio a quarentena. Entre os assuntos mais comentados dos últimos meses estão: como treinam, como ficam o condicionamento físico, a estabilidade emocional e a rotina alimentar. Resolvi fazer uma pesquisa no Google[1] com a seguinte frase: “atleta olímpico quarentena”, obtive 1.310.000 resultados. Posteriormente, pesquisei nova frase: “atleta paralímpico quarentena”. Número de resultados: dois!

O pior de tudo: esta busca levou a notícia do fim do departamento paralímpico do Vasco da Gama. Em reportagem do GloboEsporte.com, de 13 de maio, o departamento paralímpico emitiu nota com o seguinte questionamento: “por que apenas os deficientes precisam deixar o clube?”. Ao todo 128 alunos e atletas deixaram as instalações do Vasco. Ainda segundo a matéria, a principal reclamação destes é em relação a baixa folha salarial da modalidade: R$ 17.800.  Será que esta economia pode ajudar sobremaneira ao Vasco em meio ao coronavírus? Será que outros clubes também encerraram suas atividades paralímpicas? Busquei esta informação e não tive respostas, nem das confederações, nem de colegas que trabalham na mídia e tampouco na internet. Será que por não existirem mais fechamentos de unidades ou por que o assunto não interessa?

Em meio as minhas pesquisas, descobri também que, enquanto “a bola ainda não rolava”, o Brasil ganhou uma medalha de bronze pela Copa do Mundo de Halterofilismo Paralímpico. A modalidade aconteceu online e Mariana D’Andrea foi nossa medalhista. O Portal UOL e o site Globoesporte.com fizeram reportagens sobre a participação do Brasil na competição. Fora estes dois sites, aparente, silenciamento dos veículos de grande alcance.

Como diria meu amigo Márcio Felipe, especialista em Tecnologia da Informação e, por um acaso da vida, cego: “nós somos invisíveis”. Talvez seja por isso que pouco se fala sobre a modalidade paralímpica até nos noticiários esportivos; afinal, não seria a Comunicação um fragmento da sociedade?

Segundo Cardoso (et al, 2018), o papel da mídia é fundamental para que o esporte paralímpico ganhe espaço e seja divulgado de forma que destaque os feitos esportivos dos atletas, mostre suas capacidades atléticas e desmistifique alguns estigmas relacionados a eles, como de incapazes, frágeis e passivos. Desta forma, ainda segundo os autores, a mídia poderia contribuir com a formação de ídolos paralímpicos e, consequentemente, com o aumento do interesse pela prática esportiva, incentivando uma nova geração de atletas medalhistas.

Recorrendo ao site da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV), tive a informação que o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) lançou, este mês, a plataforma Movimente-se. Direcionada para a atividade física, Movimente-se tem aulas gratuitas exclusivamente voltadas aos deficientes visuais e físicos (cadeirantes, paralisados cerebrais e amputados), que nunca praticaram atividade física ou não possuem orientação profissional. Com cinco vídeos semanais, diferenciados por tipo de deficiência, atletas paralímpicos e técnicos do CPB ministram as aulas. No caso dos deficientes visuais, dois vídeos estarão disponíveis, um para baixa visão e outro com o serviço de audiodescrição, ambos com o mesmo conteúdo de exercícios.

Fonte: flickr

Ainda realizando pesquisa em relação ao interesse da mídia em divulgar ações referentes aos atletas paralímpicos, fiz nova pesquisa no Google, utilizando o nome da plataforma “Movimente-se”. O único veículo de grande circulação que realizou reportagem foi o Estadão, sendo que é exclusiva para assinantes. O site O tempo, conhecido em Minas Gerais, também apresentou matéria.

Também recorri ao site do CPB em busca de notícias. Lá, matéria de extrema importância: a criação do curso Movimento Paralímpico: fundamentos básicos do esporte. Direcionado para professores de Educação Física, a plataforma online capacita professores a discutirem e ensinarem esportes para pessoas com deficiência. Com carga horária de 40 horas, divididas em quatro módulos, os alunos estudam gratuitamente sobre: história dos esportes Paralímpicos, as principais regras de cada modalidade e ainda têm acesso a entrevistas com atletas brasileiros.

Ao realizar pesquisa no Google, não encontrei a veiculação desta iniciativa em nenhum site de grande circulação e gostaria de pedir licença aos leitores para abordar algumas questões pessoais: desde quando conheci Marcio Felipe, há pouco mais de dois anos, meu senso de coletividade mudou. Logo no começo de nossa amizade, ele e sua esposa Verônica Mattoso, professora da UFRJ e uma das principais pesquisadoras de comunicação/tecnologia da informação e acessibilidade que temos neste país, me fizeram (vejam que irônico) enxergar o mundo do Márcio. Tive jantares às cegas (sim, eles colocaram uma venda em mim para que eu aprendesse a comer sem ver), assisti partida de futebol vendada (esse o exercício mais difícil), fiz caminhadas nas quais  Márcio me guiou. Eu fico imaginando (sou professora da rede Estadual do Rio), o quão rico seria para a formação de nossos jovens se, por meio das aulas de Educação Física, eles tivessem a possibilidade de conhecer mais sobre os jogos paralímpicos, os atletas e, quem sabe, realizar partidas de futebol, basquete e handebol adaptadas, nos quais eles estivessem vendados ou simulando alguma deficiência. Como afirmam os pesquisadores de Sergipe, Zoboli, Quaranta e Mazzaroba:

Seja no ambiente de trabalho, na educação, no transporte público, no direito ao lazer, nas políticas de acessibilidade, nos esportes, todas estas dimensões sociais passam por momentos de aculturação na medida em que algumas leis se colocam “forçosamente” em prática; também, na medida em que várias práxis que norteiam o âmbito social, no que tange às pessoas deficientes, vão sensibilizando as pessoas a perceberem novos mundos, novas metáforas para o existir humano onde caiba o diferente (ZOBOLI, QUARANTA, MEZZAROBA, 2013, p.265).

Desta forma, como a informação sobre o curso voltado para professores de Educação Física poderia nos ajudar a construir o tão sonhado “mundo melhor”? Como apontou minha amiga Verônica Mattoso, em sua dissertação apresentada, em 2012, no IBICT, em um mundo organizado por e para quem vê, alguns questionamentos passam ao largo.

Fonte: Flickr

Notas de Rodapé

[1] O levantamento foi realizado no dia 22 jun. 2020,  através de uma simples busca no Google. Na primeira tentativa, apareceram 1.310.000 matérias para os atletas olímpicos e duas para os atletas paralímpicos. Na medida em que eu fui refinando minha busca, a última pesquisa revelou 1.270.000 matérias para os atletas olímpicos e 132.000 para os paralímpicos. Entendo que há, devo sublinhar, a forte influência dos algoritmos dos sistemas de busca que, como bem argumentou Eli Pariser (2012), direcionam os resultados de acordo com um processo de aprendizado de máquina.

Referências bibliográficas

CARDOSO, Vinícius; HAIACHI, Marcelo; POFFO, Bianca; VELASCO, Amanda; GAYA, Adroaldo. A construção da mídia na construção dos ídolos paralímpicos brasileiros. Brazilian Journal of Education, Technology and Society (BRAJETS) – Especial Section, “Disability, Education, Technology and Sport” 2018, Vol. 11, No. 01, jan-mar.

COMUNICAÇÃO CBDV. Comitê lança programa on-line de exercícios a pessoas com deficiência. Disponível em: http://cbdv.org.br/fases-de-treinamento/comite-lanca-programa-on-line-de-atividade-fisica-a-pessoas-com-deficiencia. Acesso em 23 jun.2020.

CPB. Curso EAD Movimento Paralímpico. Disponível em: https://impulsiona.org.br/esporte-paralimpico/. Acesso em 23 jun.2020.

GOOGLE. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em 22 jun.2020.

GLOBOESPORTE.COM. Esporte paralímpico do Vasco encerra atividades e alfineta gestão do clube: “Luta desleal”. Disponível em: https://globoesporte.globo.com/paralimpiadas/noticia/esporte-paralimpico-do-vasco-encerra-atividades-e-alfineta-gestao-do-clube-luta-desleal.ghtml. Acesso em 22 jun.2020.

MATTOSO, Verônica. Ora, direis, ouvir imagens? Um olhar sobre o potencial informativo da áudio-descrição aplicada a obras de artes visuais bidimensionais como representação sonora da informação em arte para pessoas com deficiência visual. Dissertação. Programa de pós-graduação em Ciência da Informação IBICT/ UFRJ, Rio de Janeiro, 2012.

PARISER, Eli. O filtro invisível – O que a internet está escondendo de você. Editora Zahar, 2012.

ZOBOLI, Fabio; QUARANTA, André Marsiglia; MEZZAROBA, Cristiano. Oscar Pistórius, um deficiente eficiente? Considerações sobre a segregação / inclusão no paradesporto: um olhar a partir da mídia.  ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO – PPGE/ME, v. 8, n. 1, p. 259-286, jan./abr., 2013.

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Jogos de resiliência e força

Há pouco li uma entrevista do sociólogo francês Michel Maffesoli, publicada  no boletim criado pela Faculdade de Comunicação da Uerj para pensar a pandemia e parei para refletir sobre a afirmação dele de que o risco zero não existe e que a morte é parte integrante da condição humana. Imediatamente me dei conta de que essa consciência sobre a fragilidade humana, que para alguns veio de forma mais exacerbada durante a pandemia do coronavírus, faz parte da realidade da vida de muitas pessoas desde que nasceram. Viver é um desafio constante com riscos visíveis e invisíveis além de mudanças repentinas na rotina. Esse desafio é ainda maior para a maioria dos atletas paralímpicos.

Com o cancelamento das competições em todo mundo e o adiamento dos Jogos Paralímpicos, terceiro maior evento esportivo do mundo, os atletas tiveram que lidar com novas mudanças que trouxeram obstáculos que precisam ser superados, assim como os outros que enfrentaram para chegar à elite do esporte.

O principal desafio do momento, além, é claro, de evitar o contágio do vírus, é se manterem ativos. Mas como fazer isso sem uma competição-alvo? Hoje, assim como o esporte de uma maneira geral,  o esporte paralímpico está sem um calendário definido. Todas as seletivas e competições nacionais e internacionais foram canceladas. A única data prevista é a dos Jogos de Tóquio, que foram marcados a princípio para o período de  24 de agosto a 05 de setembro de 2021.

Com isso, todo o treinamento que costuma ser feito de acordo com essas datas ficou inconsistente. É preciso lembrar que o planejamento de treinamentos e competições no quadriênio paralímpico é minuciosamente calculado para que os atletas atinjam o máximo desempenho. Afinal, a superação de resultados, seja em recordes ou em número de medalhas é o sonho da vida de todos eles. Sem datas definidas, os preparadores dos atletas não conseguem fazer a periodização necessária para a preparação física. Com isso,  a maioria dos atletas está fazendo apenas um treinamento de manutenção. Com clubes fechados e sem disporem dos equipamentos necessários para um treinamento mais intenso, todo o trabalho de performance, seja de força ou velocidade,  ficou comprometido.

Fonte: wikipedia

Algumas associações paralímpicas mais estruturadas como a Associação Paraolímpica de Campinas (APC) começaram a desenvolver um atendimento on-line com os atletas. Com equipes multidisciplinares, a associação está tentando dar um suporte através do programa de atendimento residencial denominado APC Home Training, cujo plano de trabalho inclui acompanhamento virtual de treinadores, preparador físico, psicólogo e nutricionista. É preciso lembrar que as deficiências dos paraatletas são as mais variadas,  desde de a falta de um ou mais membros à dificuldades visuais, intelectuais  ou mesmo de coordenação motora. O que significa que esse tipo de iniciativa tão importante  nesse momento em que estamos vivendo muitas vezes requer uma forma de comunicação ou suporte especializado para que todos os atletas possam se beneficiar de forma  isonômica  do recurso audiovisual disponibilizado. Trata-se de uma logística muito mais complicada do que, por exemplo, a adaptação de cursos de ensino presenciais para modalidade à distância.

Segundo dados do IBGE relativos ao censo de 2010, 23,9%  da população brasileira (45,6 milhões de pessoas) tem algum tipo deficiência.  Dependendo da gravidade da lesão da pessoa com deficiência (PcD), isso implica necessariamente em ter um cuidador. E, ser cuidado em tempos de Covid-19, representa risco duplicado já que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS), classifica pessoas com limitações na locomoção ou outras dificuldades que impeçam de seguir à risca as orientações da organização em relação à proteção individual como as mais expostas à contaminação pelo vírus.

Lembro, agora, de um post de uma colega jornalista que perdeu o pai recentemente e, sem poder ter contato com ele nos últimos tempos por causa do isolamento social, acompanhava  a cuidadora da janela, com um misto de gratidão e inveja pela proximidade. Assim como para muitos idosos, para boa parte das PcDs, a presença do fisioterapeuta e cuidador significa vida. A cartilha do governo com orientações sobre a pandemia,  no entanto,  não considerou todas as pessoas com deficiência como pertencentes ao grupo de risco mais suscetível à contaminação pelo vírus. Mas que essa fragilidade não seja traduzida como fraqueza, já que o próprio movimento paralímpico nasceu de um outro maior, de luta por direitos dos deficientes. De 1988 pra cá, o movimento vem solidificando conquistas para promoção de uma sociedade mais inclusiva, em que todas as pessoas com deficiência tenham direito à igualdade, cidadania e acesso universal à educação, transporte público, reabilitação e emprego.

Sem  dúvidas, os atletas de alto nível são reabilitados e têm um preparo físico infinitamente superior ao dos deficientes que não tem hábito de praticar esportes ou fazer exercícios de maior intensidade. No entanto, assim como as demais pessoas, precisam seguir à risca as orientações de isolamento. O que também os transforma em vítimas de alguns dos efeitos psicológicos negativos da quarentena, como a solidão, o medo e a ansiedade.

Ansiedade que também pode ser justificada pelo impacto que o cancelamento das competições teve no processo de qualificação. O atleta da Associação Niteroiense dos Deficientes Físicos (Andef), Fábio Borgignon, revelação dos Jogos Paralímpicos de 2016 com duas medalhas de prata no atletismo 100 e 200m T35, é um dos que estavam bem próximos de conseguir o índice para Tóquio.  Apenas três centésimos separavam o atleta da vaga que ele esperava garantir no Open Loterias Caixa de Atletismo e Natação. A competição internacional seria disputada entre 21 e 28 de março no Centro  de Treinamento Paralímpico Brasileiro, em São Paulo, que conta com instalações esportivas de excelência para treinamento e competições de 15 modalidades paralímpicas. O cancelamento não só dessa como de outras competições seguido do adiamento dos jogos, na opinião de Fábio, vai beneficiar atletas que não estavam suficientemente preparados para brigar pela vaga, o que promete tornar a disputa ainda mais acirrada já que agora muitos poderão tirar proveito desse ano de vantagem para preparação. E é exatamente nesse quesito, a preparação, que bate nele e em outros atletas o medo de perder o condicionamento.

“O vírus me fez perceber que a maior parte do consumo que temos em nossas vidas não é necessário para sobrevivência. Sabemos que juntos podemos fazer muito pela humanidade e pelo nosso planeta, que os profissionais de saúde têm que valer mais do que os jogadores de futebol. As prevenções salvam mais vidas do que atitudes de última hora. Que não temos o controle de tudo. Que as redes sociais aproximam a sociedade mas também distanciam  gerando o caos. Que dinheiro não resolve tudo. Que somos um mal para o planeta, pois ele se regenera mais rápido sem a gente. Por fim, a empatia (levada ao pé da letra) é a chave para qualquer nação sair de uma crise. Isso, porque, ao reconhecer o valor do outro, prioriza o bem-estar de todos.” @atletafabioborgignon7

Fonte: foto enviada pelo atleta Fábio Bordignon

 

Atualmente, assim como outras áreas, o esporte está cercado de incertezas. Exatamente por essa razão uma das prioridades da força-tarefa criada pelo Comitê Paralímpico  Internacional foi estabelecer a data para realização dos jogos de Tóquio em 2021. Foi o primeiro resultado concreto de um trabalho de reação rápida e de força que os envolvidos na realização dos jogos terão que fazer. Afinal,  existem muitas coisas em jogo, inclusive a questão econômica que obrigará todos a apertarem o cinto. Milhares de contratos já estavam assinados. A Vila dos Atletas pronta, 41 instalações esportivas disponibilizadas, passagens compradas, 40 mil quartos de hotéis reservados, 2 mil ônibus, direitos de transmissão e verbas de patrocinadores adiantadas. Apenas uma amostragem do que vai ser a reconstrução dos jogos. Um grande quebra-cabeça.

Numa live da qual participou recentemente, o presidente do Comitê Paralímpico Internacional (IPC), Andrew Parsons, falou sobre algumas decisões que tomou em meio à pandemia.  Uma delas foi a de que ele, como dirigente, iria focar apenas no que pode ser feito e não no que não pode. Uma lição aprendida nos anos de contato com os paraatletas e reforçada nesses tempos difíceis. Os atletas com deficiências diariamente maximizam o que podem fazer.  E, mais do que isso, mostram a importância de ter jogo de cintura nos momentos de crise. Haja vista as mensagens de incentivo que atletas de todo o mundo enviaram no Dia Mundial da Saúde.

Exemplos de resiliência não faltam no movimento paralímpico. E eles vem de toda parte. Na Noruega a atleta paralimpica de hóquei no gelo, Lena Schroeder, recentemente formada em medicina, foi para linha de frente ao combate do covid-19 no seu pais. Em Santiago de Compostela, na Espanha, a triatleta Susana Rodriguez Gacio também não teve dúvidas em trocar as roupas de treino para os Jogos de Tóquio pelo jaleco de médica.  Pelo telefone, ela participa do programa de saúde do governo espanhol que seleciona pessoas com indicação para o teste de coronavírus. Mesmo apaixonada pelo esporte paralímpico, quando viu o número de casos aumentar na Espanha, não titubeou ao optar pela saúde, confirmando o que para ela já era uma verdade, que por trás do esporte vem sempre a humanidade. Por isso, tanto Susana quanto outros atletas  e dirigentes acreditam que mesmo com todos os desafios impostos pela pandemia, as Paralímpiadas de 2021 em Tóquio serão, sim, jogos de transformação e, também, de  celebração da vida num ambiente em que a saúde, a liberdade e a paz estarão acima de tudo e de todos.

Fonte: Facebook da atleta

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Momento delicado

Em tempos de pandemia, sabemos que, em várias áreas , as dificuldades econômicas estão redobradas ao redor do mundo. Por parte dos clubes de futebol e agremiações esportivas, isso não é diferente. No Rio de Janeiro, o próprio Flamengo, mesmo com todo o sucesso de bilheteria e títulos da temporada passada, já demitiu funcionários. Vasco e Botafogo seguiram pelo mesmo caminho, enquanto o Fluminense, apesar de toda a crise, descartou rescisões e demissões, mas permanece na corda bamba financeira.

Se os chamados “times grandes” estão enfrentando sérios problemas, o que falar dos considerados “pequenos”?

No Campeonato Paulista, até a chegada da Covid-19, você se recorda quem liderava a competição? Não era o elenco recheado do Palmeiras, nem o estrelado time do São Paulo. Também não era o Santos, atual vice-campeão brasileiro, e o Corinthians muito menos. Antes da paralisação do certame, o Santo André estava a ocupar a ponta da tabela.

Fonte: globoesporte

Com investimentos muito menores que os feitos pelos clubes da capital, o Santo André voltou a atrair os holofotes da imprensa depois de um longo tempo. O campeão da Copa do Brasil de 2004 fazia uma belíssima campanha no Estadual, que é considerado o mais disputado do país, porém nem tudo são flores.

Com a pausa da competição, o clube passa por um desafio enorme no que diz respeito ao contrato dos jogadores. No fim de abril, o vínculo de 21 dos 26 jogadores inscritos pelo time do ABC Paulista se encerrou. Desta forma, o líder do Paulistão só tem cinco jogadores com contratos ativos até o momento. A diretoria negocia com representantes dos jogadores para extensões, porém a imprevisibilidade quanto ao retorno das partidas atrapalha bastante.

A realidade vivida pelo clube é dura, mas não é exclusiva. Entre os 12 “pequenos” que disputam o Campeonato Paulista, 333 jogadores foram inscritos e 114 possuíam vínculo até o fim de abril. Fica evidente, portanto, que só nos resta esperar todo esse momento delicado passar e torcer por um bom desempenho dos dirigentes, para que a saúde financeira dos clubes não fique mais abalada do que já está.

Com a instabilidade que paira sobre os clubes brasileiros quanto à data de retorno das atividades futebolísticas no país, o planejamento financeiro também se torna algo imprevisível. Os dirigentes em todo o Brasil tentam achar saídas para que os clubes não quebrem em meio à crise. Algumas equipes adotaram o treinamento à distância de seus atletas, outras deram férias adiantadas, e também têm aqueles que tentam respaldo nas instituições que administram o futebol brasileiro.

Tratando-se dos campeonatos internacionais, diversas decisões estão sendo tomadas na tentativa de evitar um prejuízo que pode alcançar R$20 bilhões aos cofres europeus. O Campeonato Francês encerrou a competição e declarou seu líder, o PSG, campeão da temporada. Será que poderíamos adotar algo parecido com os estaduais, para não atrasar ainda mais o calendário?

Fonte: romanews

Segundo o site Marca, entre os clubes espanhóis, ao contrário do que acontece no Brasil, os times considerados pequenos serão os menos afetados e teremos Barcelona e Real Madrid com os principais prejuízos no país. Isso ocorre porque os times de menor expressões tem sua fonte de renda advinda, principalmente, da televisão. Já os maiores, de seus sucessos de bilheteria.

Com medidas especiais sendo tomadas, os clubes alemães se preparam para retomar o principal campeonato do país em meio à pandemia. Os jogos serão transmitidos somente pela TV com os portões fechados, mas as autoridades estão otimistas que em breve estarão com seus estádios cheios novamente.

A situação no Brasil está longe de ter uma solução ideal, mas as entidades futebolísticas deveriam estar buscando alternativas com mais afinco. Uma comunicação entre CBF, as federações estaduais e os clubes poderia ser uma saída que beneficiaria o futebol brasileiro. No país do futebol, hoje, temos de deixar o esporte em segundo plano. }
Esse também é o entendimento da maioria dos torcedores – segundo pesquisa feita pelo site UOL apenas 33% dos torcedores apoiam a volta dos campeonatos.

Em um momento completamente diferente dos países europeus, em que o futebol, assim como o país, respiram por aparelhos, é extremamente necessário que providências sejam tomadas e que a indecisão não seja a regra.

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Coronavírus, esportes e videogames esportivos

Por Francisco Javier López Frías* e César R. Torres**, especial para o El País.

A virada recente que as instituições deram a esse tipo de entretenimento tecnológico parece ser contraproducente ou até contraditória.

O coronavírus prejudicou a maioria das atividades que eram consideradas centrais em nossas vidas. Também para o esporte. Entre as poucas atividades que se beneficiaram com o confinamento obrigatório predominante em grande parte do planeta, estão os videogames. Seu download e seu emprego cresceram exponencialmente. Embora os esforços para unir o esporte e videogames esportivos não sejam novidade, as instituições esportivas – proibidas de comercializar seus produtos tradicionais – concentram sua atenção na promoção de jogos de videogames esportivos como FIFA 20 e NBA2K para manter sua visibilidade e atrair o seu público habitual. Nesse sentido, por exemplo, foram desenvolvidas iniciativas como a espanhola La Liga Challenge, um torneio de final de semana, narrado por famosos comentaristas esportivos, em que jogadores profissionais de futebol se enfrentaram através do FIFA 20.

Fonte: elpais

Diante da desaceleração do setor esportivo, os videogames esportivos tornaram-se a única alternativa de consumo de esportes ao vivo. As instituições esportivas se aproveitaram disso e, como expressou o jornalista Marcelo Gantman, “os videogames esportivos assumiram o entretenimento das pessoas nestes dias de isolamento social”. Deixando de lado o debate sobre se o videogame deve ser chamado ou não de esporte, os renovados esforços para associar os esportes e os videogames esportivos convidam a uma reflexão crítica sobre ambas práticas e sua relação.

Apesar de certas semelhanças, os esportes e os videogames esportivos possuem características diferentes, principalmente quanto à natureza da atividade física necessária. Grande parte dos esportes, especialmente os mais populares e comerciais, exige um nível de intensidade de atividade física muito superior às exigidas pelos videogames de esportes. Em parte, isso ocorre porque, como defende o filósofo Bernard Suits, o esporte é um tipo de jogo que requer desenvolvimento e o exercício de habilidades físicas para atingir seu objetivo. Assim, o basquete impõe a posse de habilidades especializadas relacionadas a correr, pular, lançar e manusear a bola, e entrosamento com seus colegas de equipe para alcançar a meta de marcar mais vezes do que a equipe adversária. Ainda que os videogames esportivos também exijam desenvolvimento e o exercício de habilidade física – como coordenar botões pressionando e manipulando alavancas em um controle – para atingir seu objetivo, o nível e a intensidade da atividade física necessária são significativamente menores. A tal ponto que os videogames podem ser considerados atividades sedentárias.

A diferença de nível e da intensidade das atividades físicas exigida pela maioria dos esportes e videogames esportivos tem resultados relevantes para a relação entre saúde e esporte. Um dos objetivos da promoção e uso do esporte na sociedade é manter as pessoas fisicamente ativas para melhorar sua saúde. Assim, especialistas recomendam 150 minutos de atividade física de intensidade moderada por semana para população adulta. Por esse motivo, segundo seu novo diretor de medicina, a FIFA “vê o futebol como uma atividade que traz importantes benefícios à saúde” e que “pode contribuir para melhorar a saúde mundial”. Além disso, a atividade física é uma das principais ferramentas contra a obesidade, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “alcançou proporções epidêmicas a nível mundial”, e tem como uma de suas causas o sedentarismo. A OMS enfatiza que “pelo menos, 2.8 milhões de pessoas morrem a cada ano por obesidade ou excesso de peso”.

Se a prática esportiva é crucial para conter a epidemia de obesidade, a recente mudança que as instituições esportivas fizeram em relação aos videogames esportivos parece ser contraproducente ou até contraditória. Videogames promovidos pelas autoridades do futebol – para seguir com esse esporte – parecem ser uma boa ferramenta para manter seu público conectado ao esporte, mas não geram um dos seus benefícios subjacentes: a saúde. Pelo contrário, estimulam comportamentos sedentários. Notasse que, de acordo com a OMS, “pelo menos, 60% da população mundial não realiza a atividade física necessária para obter benefícios à saúde”. O escritor Santiago Roncagliolo relatou que, como milhões de pessoas durante o confinamento obrigatório, “para evitar passar o dia conectado a mundos irreais, em casa incorporamos um programa de exercícios”. No lugar de ajudar a manter uma vida fisicamente ativa, os videogames esportivos nos incentivam a permanecer conectados aos mundos virtuais, em que a atividade física é mínima. É verdade que muitas instituições esportivas, assim como muitos atletas, promoveram atividade física. Por exemplo, a espanhola “La Liga” lançou o programa “QuédateEnCasa” (FicaEmCasa), que inclui treinamento físico com embaixadores do clube e treinadores físicos. No entanto, é necessário ir fundo no site desta instituição para encontrar esse programa. A promoção da atividade física empalidece com a dos videogames de futebol. A promoção da atividade física se enfraquece com a dos videogames futebolísticos

O emparelhamento de instituições esportivas com videogames esportivos é o resultado direto da busca de interesses econômicos pela indústria do esporte. A prioridade dada aos videogames esportivos mostra como a lógica do mercado continua a colonizar a prática futebolística até descartando muitos dos elementos valiosos que ela traz para a sociedade. O problema não está em jogar uma partida de FIFA 20 ou NBA2K, e sim nos efeitos perniciosos da lógica do mercado. No momento em que se especula como as sociedades vão mudar, ou deveriam mudar, depois do coronavírus, é importante nos perguntarmos se queremos seguir permitindo que o efeito colonizador do interesse econômico siga prevalecendo sobre os benefícios valiosos que nos oferecem as atividades que nos ocupam e nos preocupam.

Texto originalmente publicado em El País no dia 17 de abril de 2020.

*Francisco Javier López Frías es Doctor en filosofía. Docente en la Universidad del Estado de Pensilvania (University Park).

**César R. torres es Doctor en filosofía e historia del deporte. Docente en la Universidad del Estado de Nueva York (Brockport).