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Paternidades ensinadas através do futebol

Neste mês de novembro retornei aos eventos acadêmicos presenciais. Passei três dias em Belo Horizonte, no IV Simpósio Internacional Futebol, linguagem, artes, cultura e lazer e do III Futebol nas gerais. Foi a primeira vez desde outubro de 2019 que participei de um evento presencialmente. Uma curiosidade desimportante, naquele outubro, de 2019, mais precisamente no dia 24, fiz uma fala presencial no Leme, ali na UERJ, ao lado do Maracanã, onde estive um dia antes quando o meu Grêmio tomou um sonoro 5 a 0 do Flamengo.

Procurem as fotos do encontro nos canais do Leme e vejam como eu estava vestido. Voltando ao assunto verdadeiro do texto, entre o evento da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), na UFF, em Niterói, e o evento organizado pelo Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT), na UFMG, por culpa da Covid-19 (ampliada pela estupidez negacionista que nos cerca) “estive” em congressos no Rio de Janeiro, em São Paulo, Florianópolis e até em Montevidéu, todos eles sentando na mesma cadeira em meu escritório. Neste intervalo, porém, o que efetivamente revolucionou minha vida foi a chegada do meu filho Martin, na metade de 2021.

Fonte: Acervo pessoal.

Desde sua chegada, os três dias em BH foram os primeiros que fiquei inteiros longe dele. Pode parecer excessivamente romântico ou piegas, mas a alegria de reencontrar grandes amigas e amigos contrastou com um sentimento de falta que não conhecia até então.

Para a sequência deste texto, em alguma medida, quero falar sobre isso. Sobre diferentes paternidades que circulam no dispositivo pedagógico do futebol e que constituem conteúdos do currículo de masculinidade dos torcedores de futebol. Narrarei mais três episódios envolvendo homens e suas masculinidades e paternidades. Durante o Simpósio, em Belo Horizonte, um participante/torcedor, integrante de torcida organizada, afirmou que suas filhas torciam para o rival e odiavam o seu clube. Ele relatou, ao ser questionado pela filha, sem titubeio, que amava mais o time do que a própria filha.

Não satisfeito ainda ampliou seu relato informando que foi conhecer a filha somente em seu quarto dia de vida já que ela nasceu em dia de jogo e ele ainda ficou preso por três dias por ter se envolvido em uma briga de sua torcida. Além da naturalidade com que o relato foi feito chamou minha atenção como ele foi acompanhado de risos, não de deboche, mas de aprovação, por parte significativa da plateia.

            Saindo do simpósio e acompanhando as notícias da Copa do Catar, esse fatídico evento que me obrigou a terminar o ano futebolístico que realmente importa – o do Grêmio – no início de novembro, duas delas me chamaram a atenção. Quatro dias antes da estreia, o menino Benício, de quatro anos, gritou pelo pai, Lucas Paquetá. Distantes desde a concentração da seleção brasileira, na Itália, o menino chorou pelo pai que subiu as arquibancadas para acudir o menino.

Ao mesmo tempo que a chamada do Instagram no GE falava do “momento fofura”, o comentarista esportivo João Paulo Cappellanes, da Rádio Bandeirantes, criticou o episódio no Twitter: “Cara, não quero ser chato, mas será que os jogadores não conseguem ficar 30 dias totalmente focados e longe da família?! 30 dias não vai [sic] tirar pedaço de ninguém, né?! Porra?”… Pedaço talvez não tire, mas se eu tive dificuldades em três dias, me parece que em trinta me atrapalharia bastante.

Mas acho que a pergunta mais pertinente deveria ser: precisa? É necessário ficar trinta dias longe da família? Um jogador de futebol não pode ser pai? A paternidade dificulta o desempenho esportivo do jogador? É isso que pode nos tirar o hexa? O eterno ídolo, estátua e dublê de treinador do Grêmio, Renato Portaluppi já havia justificado a antecipação de uma concentração dizendo que os jogadores tinham filhos pequenos que acordam durante a noite e atrapalham o sono dos atletas. A fala não sofreu questionamentos durante a coletiva de imprensa ou em repercussões no meio da imprensa esportiva.

Me parece bastante curioso como é fácil entender que a demanda de um filho, e que compete a qualquer adulto funcional, atrapalha um jogador. Sim, filho demanda, sim, filho atrapalha[1], sim, filho é responsabilidade dos adultos responsáveis por seus cuidados. Em 2018, seis dos onze titulares da seleção brasileira na Copa do Mundo da Rússia cresceram distantes do pai biológico[2]. Será que não é isso que atrapalha? Em agosto deste ano já tínhamos mais de cem mil crianças nascidas em 2022 no Brasil registradas sem o nome do pai[3]. Será que não é isso que atrapalha?

            O último episódio escolhido para este texto envolve o principal destaque do jogo de estreia da Copa do Catar, entre a seleção local e o Equador. Em 2016, Enner Valencia, atacante que marcou os dois gols da equipe sul-americana, fingiu lesão para sair do estádio e não ser preso pela falta de pagamento de pensão para sua filha. A polícia não conseguiu prender o jogador por ele ter saído de ambulância direto para o hospital. Neste intervalo, seus advogados conseguiram reverter a ordem de prisão e o jogador permaneceu em liberdade. Existe uma troca de acusações dele com a mãe da criança, mas me pareceu bastante curioso o tom anedótico apresentado nas reportagens sobre o episódio. Não consegui perceber um esforço jornalístico para buscar verificar se se tratava de caso isolado ou se a relação de atletas com filhos de relacionamentos anteriores e o pagamento de pensão pode ser entendido como um problema com alguma regularidade.

            Nos três episódios narrados consigo perceber uma naturalização da desresponsabilização paterna pelo cuidado de suas filhas ou de seus filhos. O riso de meus colegas de simpósio, o questionamento sobre a necessidade de acudir o filho associado ao conceito de que filho atrapalha, mais a “malandragem” para fugir da cobrança do pagamento de pensão são atravessados pelas disputas de gênero que tenho encontrado ao longo dos anos nas pedagogias do futebol e do torcer. Olhando em movimento podemos ver tímidos passos em busca de uma diminuição da desigualdade entre os gêneros nesse espaço, mas quando olhamos o cenário congelado, como uma fotografia, ele ainda é muito marcado por comportamentos que reforçam as diferenças e ampliam as desigualdades de gênero.

Infelizmente, os conteúdos que compõem essa pedagogia seguem sendo muito difundidos em nossa cultura. O futebol não produz uma cultura exclusiva. Quando se naturaliza a ausência paterna no futebol, também se naturaliza essa ausência em outros espaços. É preciso que nós, homens, saibamos que não somos cúmplices somente quando rimos de um desses episódios, mas que esses episódios nos beneficiam a todos. Eu posso ser considerado um bom pai apenas por ter sentido saudades do meu filho.

Lucas Paquetá, além de criticado, foi exaltado por ter abraçado seu filho. Se não enfrentarmos essas desigualdades ampliaremos nossos privilégios de gênero. Não me parece a melhor escolha se pensarmos em uma sociedade democrática e que valoriza os direitos humanos. Talvez criticar a falta de direitos humanos no Catar seja mais fácil do que reconhecer como as mulheres sempre, sempre (incluindo a mãe do meu filho) são mais responsabilizadas pelos cuidados da prole. A mim não parece possível aceitar essa naturalização. Sigamos questionando as construções de nossas subjetividades que nos trouxeram até aqui!


[1] Sugiro a análise da colunista do UOL, Luiza Sahd. Disponível em: https://tab.uol.com.br/colunas/luiza-sahd/2022/11/22/afinal-a-quem-o-filho-do-jogador-paqueta-atrapalhou-nessa-copa-do-mundo.htm

[2] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/21/deportes/1529536206_588160.html

[3] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-08/mais-de-100-mil-criancas-nao-receberam-o-nome-do-pai-este-ano

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O verde e amarelo volta à cena

Há alguns dias, pensando sobre qual seria o tema que abordaria nesse artigo, achei que gostaria de falar sobre um que tem me interessado particularmente nos últimos tempos: como os hábitos funcionam e, de que forma eles influenciam positivamente ou negativamente a vida das pessoas.

No entanto, há nove dias do início da Copa do Mundo Catar 2022, me senti compelida a abordar outro tema que tem movimentado bastante as redes nos últimos dias, aconvocação dos jogadores.

Com a internet os consumidores perderam a inibição e a cada dia se sentem mais à vontade para exercerem seu direito à liberdade de expressão nas plataformas digitais, inclusive o “jus sperniandi”, ou melhor, o direito de espernear.  Foi assim no último dia 7, depois do técnico Tite anunciar na sede da CBF a lista com os 26 jogadores que farão parte da seleção brasileira na Copa do Mundo. Como em convocações passadas, a lista sempre é motivo de polêmica. Dessa vez o alvo foi o lateral direito Daniel Alves, ex-jogador do Barcelona e atualmente no Pumas, do México, que ganha mais uma vez a oportunidade perdida em 2018 quando, por causa de uma lesão no joelho, não disputou a Copa do Mundo da Rússia.

No Twitter, a reação à convocação do jogador, que está treinando com o time B do Barcelona desde 12 de outubro pelo fato do Puma estar sem calendário de partidas, não demorou. Não faltaram discussões e memes, principalmente em alusão à idade do lateral-direito, que está com 39 anos. Em uma das imagens transmitidas, que viralizou na internet, um senhor pilotando uma scooter para idosos com a bandeira do Brasil parte pra cima de uma simpatizante petista. No texto que acompanha a imagem, “Daniel Alves dando carrinho no Mbappe em plena final da Copa do Mundo”, em alusão à suposta diferença de qualidade técnica em relação ao atacante Mbappé, um dos destaques da seleção francesa.

Outras imagens retiradas das manifestações políticas que geravam interações ininterruptas relacionadas a Lula e Bolsonaro no Twitter também foram aproveitadas nas postagens, que ultrapassaram a marca de um milhão de respostas. Numa delas, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, é convocado para impedir a ida de Daniel Alves para o Catar. 

Na imagem abaixo, o motivo do protesto do homem no caminhão que já tinha movimentado as redes, passa a ser a convocação de Daniel Alves que, em 2021, ajudou Brasil a conquistar o ouro olímpico participando de todos os jogos e com uma atuação importante como capitão e líder do grupo. Além disso, com 42 conquistas, é o maior campeão da história do futebol. O que remete aos limites tênues existentes entre heróis e vilões no futebol ressaltados pela pesquisadora Leda Maria da Costa.

“Tanto a derrota quanto a vitória podem filtrar nossa opinião acerca de uma determinada jogada e de um determinado jogador. E os vilões nascem em meio ao turbilhão provocado por uma derrota (COSTA, 2008, p.12)”.

A vitória de Lula nas urnas talvez tenha contribuído, em parte, para a revolta da opinião pública em relação à convocação de Daniel Alves, que chegou a declarar publicamente apoio à candidatura derrotada à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Polêmicas à parte, a convocação e a proximidade da estreia da seleção brasileira tirou momentaneamente o foco na divisão existente na sociedade. O atual  hábito de polarização que era comum entre os nossos antepassados, cuja sobrevivência dependia da lealdade e de tratar adversários como inimigos mortais, numa democracia, pelo menos teoricamente, deveria ter sido substituído  pelo diálogo e pelo convencimento através de propostas claras. No entanto, orientadas por algoritmos, as próprias redes sociais fomentam esse e outros tipos de violência.

A partir de Pariser (2011), recorre-se a terminologia de “filtros-bolha”, que permitem apenas que determinados conteúdos circulem criando uma percepção falsa de Espaço Público e opinião pública onde, teoricamente, “todos” falam e a “maioria concorda”. Nesse sentido, Tite demonstrou em resposta às perguntas feitas durante a coletiva em que anunciou os convocados, um certo desdém em relação a essa maioria que movimenta as redes sociais.

Em conformidade com esse pensamento, Byung-Chul Han defende em entrevista ao jornal El País de Barcelona que a comunicação global contemporânea só tolera os iguais:

 “Sem a presença do outro, a comunicação degenera em um intercâmbio de informação: as relações são substituídas pelas conexões, e assim só se conecta com o igual; a comunicação digital é somente visual, perdemos todos os sentidos; vivemos uma fase em que a comunicação está debilitada como nunca: a comunicação global e dos likes só tolera os mais iguais; o igual não dói!” (HAN, 2018, online).

Como disse o presidente eleito, talvez seja o momento, de diminuir a violência para com quem pensa diferente e substituir o hábito de vestir a camisa verde-amarela para fomentar disputas ou questionamentos em relação ao resultado das eleições, por outro mais saudável, o de torcer pelo hexa, pelo espírito de liderança de Daniel Alves e pela manutenção da democracia no país.

Referências

COSTA, Leda Maria da. A trajetória da queda: as narrativas da derrota e os principais vilões da seleção brasileira em Copas do Mundo.  Tese (doutorado), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Letras, 2008.

HAN, B-C. Byung-Chul Han: “Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”. [Entrevista concedida a] Carles Geli. Jornal El País, Barcelona, 7 de fevereiro de 2018.

PARISER, Eli. The filter bubble: what the internet is hiding from you, 2011. Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=-FWO0puw3nYC&oi=fnd&pg=PT3&dq=Parisier+2011&ots=g5MuBmtRW_&sig=te_T1BjCRl9wT4upZonKkyIVF0w#v=onepage&q=Parisier%202011&f=false

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Um convite para a leitura do artigo “Esporte, comunicação e sociologia: uma leitura da trajetória acadêmica e da produção intelectual de Ronaldo Helal”

Não são muitos os autores e pesquisadores que têm sua trajetória acadêmica transformada em objeto de análise e homenagem. Pelo menos na tradição acadêmica brasileira, não é comum esse tipo de registro e quando ocorre, sua motivação, além da excelência da pesquisa, se dá por ocasião de aposentadoria ou mesmo falecimento.

Ocorre que Ronaldo Helal está vivíssimo, intelectualmente atuante e atento à pátria que tem calçado chuteiras cada vez menores.[1] Ronaldo segue em sala de aula formando novas gerações pensantes. E segue devotando ao Flamengo, o amor de um torcedor empedernido.

Uma das principais forças de uma obra ou de um conjunto de obras reside na sua originalidade e na sua capacidade de inspirar outros trabalhos construídos a partir do diálogo de ideias, da admiração e da gratidão intelectual.

Não é grande a lista de autores que consegue desempenhar esse papel em determinado campo do conhecimento.

Ronaldo Helal é um deles.

Fonte: Pinterest.

Sua produtividade acadêmica está longe de acabar e sua trajetória, até o momento, é bastante rica significativa. No campo dos estudos sobre esporte e sua relação com os meios de comunicação de massa, algumas de suas obras assumem um papel, eu diria vanguardista.

Suas análises, tendo como centro o papel dos meios de comunicação de massa, deram um novo fôlego aos estudos das relações entre identidade nacional e futebol, em especial, sobre seleção brasileira e as Copas do Mundo. Não somente. O trabalho de Ronaldo também possibilitou que o campo da Comunicação pudesse se renovar ao encontrar nos esportes novas possibilidades de pesquisas centradas em um dos mais importantes fenômenos culturais do Brasil.

São, portanto, sólidos os motivos que levaram o historiador Bernardo Buarque de Hollanda a compor o artigo “Esporte, comunicação e sociologia: uma leitura da trajetória acadêmica e da produção intelectual de Ronaldo Helal” publicado na revista Alceu[2].

Nesse artigo, a vida acadêmica de Ronaldo é compreendida a partir da perspectiva da “viagem como vocação”[3] o que sinaliza para o fato de que sua produção faz do deslocamento geográfico, para além das fronteiras nacionais, um meio de olhar o “país de fora para dentro” como já o fizera importantes intérpretes do Brasil.

É certo que não necessariamente uma viagem para fora do país resulta em uma renovação de perspectiva a respeito daquilo que nos rodeia. É possível ter esse tipo de perspectiva sem sequer sair de nosso próprio quarto ao estilo de Xavier de Maistre, romancista que inspirou fortemente Machado de Assis, autor que literariamente interpretou de modo profundo o Brasil sem nunca dele ter saído.

O olhar de fora para dentro implica não somente o deslocamento físico, mas é fundamental a sua conjugação com um movimento intelectual de tornar estranho aquilo que nos é familiar e de transformar em familiar aquilo que nos era estranho. Esse movimento marca o itinerário da produção de Ronaldo Helal e sua própria visão pessoal de mundo, inquieta, problematizadora, mas fundamentalmente generosa em reconhecer que o conhecimento é feito de processos marcados pela dinâmica da contradição e da necessária renovação do pensamento crítico.

A formação acadêmica de Ronaldo foi construída na frequência a instituições de pesquisa internacionais nas quais teve contato com um importante contexto de produção de estudos acerca do fenômeno esportivo. Somado a esse material, é de se destacar o diálogo permanente com instigantes interlocutores alguns dos quais construiu uma longa história de amizade.   

A produção de Ronaldo é derivada de sua vocação para fazer da viagem uma fonte de formação intelectual e humana. Vocação que pode ser colocada em prática graças ao apoio institucional da UERJ, universidade na qual leciona há 35 anos, e às agências públicas de fomento FAPERJ, CAPES e CNPq.

Termino aqui convidando você a ler o artigo Esporte, comunicação e sociologia: uma leitura da trajetória acadêmica e da produção intelectual de Ronaldo Helal publicado na revista Alceu.


[1] Faço referência a uma a uma frase dita por Hugo Lovisolo em entrevista para o jornal O Globo em 2001.

[2] Link para o artigo: http://revistaalceu.com.puc-rio.br/index.php/alceu/article/download/267/309

[3] Termo criado por pela antropóloga Fernanda Peixoto e utilizada por Bernardo Buarque de Hollanda no artigo em questão

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“Futebol na sala de aula”, de Lívia Gonçalves Magalhães e Rosana da Câmara Teixeira

Dos jogos de várzea ao espetáculo televisivo, é difícil caminharmos pelas ruas do Brasil sem
notar a presença do futebol. É muito importante que essa força comunicativa do futebol seja, também, levada às salas de aula. Essa é a proposta que fundamenta a coletânea de artigos reunidos no livro Futebol na sala de aula, organizado pelas pesquisadoras Lívia Gonçalves Magalhães e Rosana da Câmara Teixeira, duas referências nos estudos sobre futebol no Brasil.

Movidas por paixões clubísticas opostas (quais seriam?), Lívia Magalhães e Rosana da Câmara Teixeira assinam a organização de um livro que eu chamaria de generoso, a começar pela sua proposta inclusiva de democratização de acesso à produção de conhecimento do campo acadêmico.

Fonte: Eduff

A obra é generosa na sua composição, pois reúne autores e autoras de áreas diversas que se
debruçaram sobre a tentativa de fazer do fenômeno futebolístico uma fonte de diálogo e
inspiração para a abordagem, em sala de aula, de assuntos que percorrem o cotidiano de
alunos e alunas do país inteiro.

A sua generosidade é dedicada à memória da antropóloga Simoni Guedes e do geógrafo Gilmar Mascarenhas, de quem fomos alunos nas salas de aula da vida e que nos deixaram valiosos legados no campo acadêmico. Além dessa homenagem, o livro traz textos desses autores que chegaram a acompanhar parte do processo de elaboração da obra.

O prefácio de Futebol na sala de aula é de José Sérgio Leite Lopes e a orelha de Luiz Antônio Simas. Ambos nos dão as boas-vindas a um livro escrito durante a pandemia de Covid-19, e que nos chega em um momento no qual é imperativo construirmos uma sociedade movida pela educação. Educação pensada e praticada como um processo amplo, complexo e cujo sentido nunca será definitivo, pois está em constante construção.

Segue abaixo uma prévia do livro:

PRELIMINAR
Cidadania e legado em debate – Gilmar Mascarenhas

Perseguindo um sonho: a profissionalização de jogadores e jogadoras no futebol – Simoni Lahud Guedes

PRIMEIRO TEMPO

Futebol e Relações Internacionais: o “rude esporte bretão” em tempos de paz e de guerra – Adriano de Freixo

Futebol e literatura no Brasil: um caso crônico – Bernardo Buarque de Hollanda e Marcelino Rodrigues da Silva

Futebol e ensino: ditaduras e autoritarismo no Brasil e na Argentina (1970-1978) – Lívia Gonçalves Magalhães

O futebol no Rio de Janeiro e os projetos de modernização no Brasil Republicano (1902-1945) – Renato Soares Coutinho

História oral e futebol – Sérgio Settani Giglio e Marcel Diego Tonini

SEGUNDO TEMPO

No campo das torcidas organizadas de futebol: interações sociais e aprendizagens – Felipe Tavares Paes Lopes e Rosana da Câmara Teixeira

Violência verbal e a performatividade de gênero no currículo de masculinidade dos torcedores de estádio de futebol em questão – Gustavo Andrada Bandeira e Fernando Seffner

Futebol e gênero: o som do machismo e da homofobia que vem das arquibancadas – Leda Maria da Costa

Ditadura civil-militar e homossexualidades transgressoras: o caso da torcida Coligay – Luiza Aguiar dos Anjos

Do Kanjire ao futebol: dinâmica dos “jogos de guerra” no tempo entre os Kaingang – José Ronaldo Mendonça Fassheber

O futebol como espelho da sociedade brasileira: o que as quatro linhas podem nos ensinar sobre relações raciais no Brasil – Rolf Malungo de Souza

O futebol nas aulas de educação física para além da bola rolando – Silvio Ricardo da Silva, Luiz Gustavo Nicácio e Priscila Augusta Ferreira Campos

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Quem venceu as invencíveis do Esporte Clube Radar?

Estamos em época de decisão do Campeonato Brasileiro de futebol feminino (Corinthians e Internacional se enfrentam na final) e, mais uma vez, haverá bons debates sobre o desenvolvimento profissional dessa prática esportiva no país. Quanto o futebol feminino brasileiro já avançou? Em que velocidade pode, realmente, continuar avançando? O quanto a CBF deve ajudar?

Nesses debates, inevitavelmente fala-se no que já foi feito, ou seja, comentam-se os êxitos do passado. E logo surge a lembrança do Esporte Clube Radar, o time que foi um fenômeno do futebol feminino brasileiro na década de 1980.

Mas já se falou muito sobre a hegemonia quase absoluta do Radar naquela época. Vamos variar um pouco, então. Falemos daqueles que desafiaram aquela hegemonia e ousaram vencer o time que foi hexacampeão brasileiro de 1983 a 1988.

O Radar nunca foi derrotado?

“O Radar jamais perdeu uma partida”. Essa é a lenda que consagra a imagem do time imbatível. No filme-documentário sobre a equipe (“Radar! Um time! Uma Nação!”, direção de Douglas Lima e Jefferson Rodrigues), é dita uma frase com esse tom de invencibilidade: “Que eu me lembre, no Radar, nós nunca perdemos um jogo”.

Mas está registrado: o Radar foi derrotado, sim. Poucas vezes, mas foi.

O Radar foi derrotado duas vezes?

Na internet, é comum ler que o Radar foi derrotado apenas duas vezes. Alguns sites, porém, corrigem essa informação: foram duas derrotas nas 71 partidas internacionais, não no total de partidas disputadas pela equipe.

As duas derrotas internacionais foram sofridas diante de equipes dos Estados Unidos. A primeira foi no ano de 1985, em um “Mundialito” disputado na cidade de Cabo Frio (Rio de Janeiro). O Radar, representando o Brasil, foi derrotado por uma equipe chamada Ajax Soccer Club (da Califórnia), que representava os Estados Unidos. O resultado foi 1 a 0.

A segunda derrota, em 1986, aconteceu em outro “Mundialito”, disputado na Itália. Dessa vez, não houve uma equipe representando os Estados Unidos. A própria seleção norte-americana disputou o torneio e venceu o Radar (que novamente representava o Brasil) pelo placar de 2 a 1.

Atletas do Ajax Soccer Clube, que venceu o Radar no Mundialito de 1985, em Cabo Frio (Revista Placar, 22/02/1985)

O Radar foi derrotado quatro vezes? Ou cinco?

Em 1996 (sete anos depois do Radar encerrar suas atividades), uma reportagem da revista Placar informou que a equipe havia sofrido, ao todo, “apenas quatro derrotas em trezentas partidas disputadas” (edição 1119). Então, seriam as duas derrotas internacionais já citadas e outras duas contra equipes brasileiras. A própria revista Placar, em outra edição (n. 767), já havia informado quais eram essas equipes: o Bangu e a seleção do Pará.

Acontece que a mesma revista Placar também já citou cinco derrotas do Radar, não quatro. Essa informação está na edição 848, de agosto de 1986. Pode ter sido um equívoco da revista. Ou há uma quinta derrota desconhecida do Radar em sua vitoriosa história?

Problema grave para quem quer pesquisar esse assunto é a falta de fontes. Os feitos do Radar foram muito mal registrados. O clube foi hexacampeão brasileiro, mas sua história não está assentada nos arquivos da Federação de Futebol do Rio de Janeiro, da CBF e de várias outras instituições. Não se sabe com exatidão se o Radar foi derrotado quatro, cinco ou quantas vezes mais. É nesse ambiente nublado pela inexatidão que surge a versão lendária do “time que nunca perdeu” ou que perdeu apenas duas vezes. Versão repetida várias vezes e, naturalmente, absorvida por parte da imprensa e pela internet, mesmo que as escassas fontes existentes a contrariem.

Sobre a derrota do Radar diante da seleção do Pará, quase nada se sabe. Poderia (ou deveria) ser louvada pelos futebolistas paraenses como uma das vitórias mais gloriosas do futebol de seu Estado, mas o feito, lamentavelmente, caiu em esquecimento.

Já a derrota diante do Bangu foi muito melhor registrada. 

Bangu x Radar em 1983

Em 1983, o futebol feminino foi regulamentado pelo Conselho Nacional de Desportos (CND). Antes, era uma prática formalmente ilegal. Depois da regulamentação, surgiu uma onda de interesse e entusiasmo. No mesmo ano, foi realizada a primeira Taça Brasil de futebol feminino e, em seguida, o primeiro campeonato carioca. A imprensa, animada, noticiou bastante.

Na Taça Brasil, o Radar foi campeão com certa facilidade. Disputou apenas duas partidas e não levou nenhum gol. Na decisão, venceu por 5 a 0 a equipe do Ponto Frio, de Goiás (uma partida que terminou em pancadaria e expulsão de todas as jogadoras da equipe goiana). No campeonato carioca, foi diferente: o bicheiro Castor de Andrade, patrono do Bangu Atlético Clube, decidiu montar um time capaz de se impor perante o Radar. A competição, com duas equipes fortes, tornou-se interessante.

O Radar, invicto, foi o campeão do primeiro turno. Continuou invicto no segundo turno, mas empatou com seus adversários em quatro partidas e o campeão foi o Bangu, que venceu mais e somou mais pontos.

Assim seria a decisão: o campeão do primeiro turno contra o campeão do segundo, em melhor-de-três. Na primeira das três partidas decisivas, o Bangu venceu por 1 a 0. Segundo o Jornal dos Sports, aquela foi a primeira derrota sofrida pelo Radar desde a sua fundação. Castor de Andrade, certamente, se orgulhou muito pela vitória do seu clube. Mas o título de campeão carioca feminino ficou com o Radar, que venceu a segunda partida por 1 a 0 e a terceira por 3 a 0. 

Para piorar, a disputa entre Bangu e Radar que se tornou mais conhecida em 1983 não foi nenhuma das três partidas decisivas do campeonato carioca. Foi a que decidiu o primeiro turno, semanas antes. Terminou com uma invasão de campo e perseguição feroz ao árbitro Ricardo Durans. Os perseguidores eram todos ligados ao Bangu. Até Castor de Andrade correu atrás de Durans, que foi agredido e quase terminou linchado. No dia seguinte, o acontecimento foi comentado nos jornais, rádios e TVs de todo o país. O Bangu não foi campeão e ainda ficou mal falado.

Ficou mal falado, mas entrou na galeria heroica dos poucos times femininos que conseguiram vencer o Radar.

Se o Radar ostentava com orgulho a imagem de time imbatível, imagine o quanto podem se orgulhar aqueles que, desafiando a lógica, venceram o time invencível.

Perseguição ao árbitro Ricardo Durans (Jornal dos Sports, 13/10/1983)
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Normal por Normal, Brilhante por Brilhante

Em ano de Copa do Mundo, uma coisa é certa: ÁLBUM DA COPA!!

Esse ano a atividade ficou sob judice para uma grande parte das pessoas, afinal, a inflação de 100% que acometeu os pacotinhos desde a última Copa não promovia uma decisão favorável para essa causa na qual o Juiz, ou a Juíza, era uma mãe, um pai, ou você mesma/o.

Olhar para os números dá vontade de chorar. Em 2006, os pacotinhos custavam R$ 0,50 (!!!). Na Copa de 2010, R$ 0,75. Quatro anos depois, aqui no Brasil, R$ 1,00. Na última Copa, R$ 2,00 e até que chegamos a esse ano, em que o papel parece ser um produto em escassez e a tinta colorida uma espécie em raridade, o que leva o torcedor a pagar suados 4 reais por pacotinho.

Nem tudo, porém, joga contra essa atividade. O suspense ao abrir cada pacotinho, o frisson da troca, a corrida por completar o álbum e a concentração na hora de colar são fortes argumentos a favor dos colecionadores. E ainda sobre o preço, um ponto a favor é que, em determinados lugares, você pode parcelar as figurinhas! Para que pagar hoje, se podemos deixar para o mês que vem?!

E vale destacar, além disso, que o colecionismo é uma atividade democrática. Tem gente, pingo de gente, gente que nem sabe que é gente, tem gente que tá no segundo álbum, no terceiro álbum, no de capa dura, no de capa norma, tem gente que tá colecionando para o filho ou para a filha (aham, sei), tem gente que tá colecionando para o namorado ou para a namorada (aham, sei), tem gente que só quer o time do Brasil, e gente que só quer o time da Islândia, e por aí vai…

Engana-se quem pensa, porém, que a troca de figurinhas é uma atividade simples. Talvez seja o momento mais sensível do processo. Não existem leis escritas, mas há algumas convenções. Em geral, normal por normal, brilhante por brilhante, ou três normais por uma brilhante. Mas é preciso ressaltar uma coisa. A troca de figurinhas pode revelar o lado mau do ser humano. Algumas pessoas usam o momento para passar a perna nos outros, ou fazer negócios nada justos. Tem quem venda por preços não compatíveis com a realidade, e quem faça a famosa chantagem emocional do tipo “eu te dou as que você precisa, se você me der todas as suas figurinhas”. Para alguns, uma máfia. Para outros, um negócio. Para a maioria, uma diversão.

Fonte: Agência Brasil

Ah, e tem uma outra coisa muito importante. Eu peço, imploro, ajoelho, clamo pelos deuses do futebol: botem as figurinhas em ordem!!!! Pode ser crescente, decrescente, organizar por grupo, por país, de cabeça para baixo, de cabeça para cima, mas que seja em ordem! Um bolinho em ordem intimida muitos bolinhos por aí, rende elogios e até simpatia na hora da troca. É daquelas leis não escritas. É uma espécie de dever moral ético do cidadão trocador!

Mas talvez, nessa atividade, a missão mais difícil seja explicar para as pessoas a importância do Álbum da Copa. Tenho uma humilde teoria de que nós, torcedores, formamos uma classe de incompreendidos por aqueles que não compartilham nossa paixão. Como não entender que devemos, a cada nova banca de jornal, comprar ao menos 5 pacotinhos? Como não entender que é necessário sair à noite, no frio do Rio de Janeiro, para tentar completar a seleção do País de Gales? E, por fim, como não entender que colar as figurinhas é uma atividade de altíssima precisão, e não pode ser feita por qualquer um?

Protejam seus álbuns e troquem figurinhas!! Aliás, estou com umas repetidas aqui… quem quiser trocar é só deixar nos comentários. As regras, vocês já sabem, normal por normal, brilhante por brilhante…

Produção audiovisual

Já está no ar o episódio 56 do Passes e Impasses

O tema do nosso quinquagésimo sexto episódio é o Futebol feminino no Brasil. Com apresentação de Filipe Mostaro e Alice Lichotti, gravamos com Aira Bonfim, Mestre em História, Política e Bens Culturais pela FGV-RJ, Especialista em Estudos Brasileiros pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e Linguagens das Artes pelo Centro Universitário Maria Antônia – USP.

Acesse o mais novo episódio do podcast Passes e Impasses no SpotifyDeezerApple PodcastsPocketCastsOvercastGoogle PodcastRadioPublic e Anchor.

O podcast Passes e Impasses é uma produção do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte em parceria com o Laboratório de Áudio da UERJ (Audiolab). O objetivo do podcast é trazer uma opinião reflexiva sobre o esporte em todos os episódios, com uma leitura aprofundada sobre diferentes assuntos em voga no cenário esportivo nacional e internacional. Para isso, contamos sempre com especialistas para debater conosco os tópicos de cada programa.

Você ama esporte e quer acessar um conteúdo exclusivo, feito por quem realmente pesquisa o esporte? Então não deixe de ouvir o quinquagésimo sexto episódio do Passes & Impasses.

No quadro “Toca a Letra”, a música escolhida foi “Vem jogar”, de Olívia, Carine Luup e Janine Mathias.

Passes e Impasses é o podcast que traz para você que nos acompanha o esporte como você nunca ouviu.

Ondas do LEME (recomendações de artigos, livros e outras produções):

Equipe

Coordenação Geral: Ronaldo Helal
Direção: Fausto Amaro e Filipe Mostaro
Roteiro e produção: Alice Lichotti e Carol Fontenelle
Edição de áudio: Leonardo Pereira (Audiolab)
Apresentação: Filipe Mostaro e Alice Lichotti
Convidada: Aira Bonfim

Artigos

Piscinas de ondas: mídia, consumo e novas territorialidades do surfe

Frame do comercial do condomínio Praia da Grama. Agência Ginga.

Esportes considerados de aventura, como o surfe, são esportes que tendem a expandir o espaço esportivo, pois usualmente não são praticados em ambientes fechados ou artificiais, como as quatro linhas de um campo de futebol (MASCARENHAS, 2003). Por exemplo, a descoberta de novas ondas em novos picos[1] é um fato gerador de motivação para os surfistas ao apresentar novos desafios e até novos perigos, e essa busca contínua está arraigada à cultura do surfe que foi eternizada no filme de 1964 chamado The Endless Summer, assim como em uma das campanhas publicitárias mais emblemáticas do esporte, a The Search, da empresa de surfwear Rip Curl.

Em ambos, e em boa parte da comunicação relacionada ao esporte, a narrativa, o cenário e a estética são similares: surfistas aventureiros viajando o mundo atrás de ondas perfeitas, nunca surfadas, sem crowd[2], em paraísos distantes e isolados. Esse sonho faz parte do imaginário de gerações de surfistas, mas pode ser que comece a mudar com a proliferação de piscinas de ondas como a projetada pelo onze vezes campeão mundial Kelly Slater, localizada no Surf Ranch, no interior da Califórnia, ou como as que estão desembarcando no Brasil, a Praia da Grama, inaugurada em julho de 2021, situada em um condomínio de luxo no interior de São Paulo[3], mais duas que estão em fase de construção: a Surfland, que fica em Garopaba, Santa Catarina, outra, também no interior de São Paulo, dentro do condomínio Boa Vista Village, e mais uma que está planejada para começar a ser construída em 2023 na capital de São Paulo, no São Paulo Surf Club.

Estas piscinas são capazes de gerar ondas de até dois metros de altura desenhadas com o auxílio de supercomputadores para que tenham características específicas que se adaptem ao nível de experiência dos surfistas, sejam eles iniciantes, intermediários ou profissionais. Dessa forma, podem ser menores e mais lentas para facilitar o aprendizado, tubulares para proporcionar um tubo limpo e profundo, triangulares e com junções para a execução de aéreos altos e manobras de alta performance. Na Praia da Grama, por exemplo, a tecnologia pode produzir mais de trinta tipos de ondas, com características completamente diferentes entre elas.[4]

Enquanto isso, na natureza a capacidade de gerar ondas perfeitas é reduzida e um dia de mar clássico[5] é raro, pois é necessário um alinhamento de uma série de condições como ondulação, vento, maré e perfil do fundo para que a mágica aconteça[6]. Ou seja, ter ondas semelhantes ou até melhores que as encontradas na natureza a um simples apertar de botões sugere que a busca pela onda perfeita talvez tenha chegado ao fim. Com a novas piscinas de ondas desaparece a incerteza de quando será possível surfar o próximo mar inesquecível, assim como alguns valores historicamente incorporados no imaginário dos surfistas também saem de cena, como a conexão com a natureza e aventura de encontrar mais uma onda espetacular e “selvagem”. Portanto, essas piscinas podem começar a ressignificar a cultura do surfe de uma maneira geral, mas os seus desdobramentos e possibilidades não param por aí.

Em relação aos aspectos do espetáculo esportivo e midiático, o surfe sempre foi um esporte problemático devido a escassez de infraestrutura tecnológica em lugares remotos para realização das transmissões, o caráter impreciso das condições climáticas (qualidade das ondas, que podem impedir a realização da etapa; neblina, que pode dificultar que os juízes enxerguem e julguem os atletas), a imprevisibilidade de incidentes, como casos envolvendo tubarões[7], o julgamento subjetivo e a dificuldade de entendimento pelos fãs. Dirk Ziff, dono da World Surf League, a WSL[8], relatou as dificuldades em um discurso, em 2018:

Esperar que o oceano nos traga as condições ideais tem sido uma questão. Tal como a cultura do acesso gratuito. Os fãs de outros esportes sabem que a transmissão inicia às 3h de sábado à tarde, e não em algum momento dos próximos 12 dias quando o comissário faz a chamada. E os eventos ocorrem em arenas e estádios lotados. Se todos os horários de início da competição fossem completamente incertos e a participação fosse gratuita, gostaria de saber quantos esportes seriam bem-sucedidos hoje? A capacidade miraculosa de se tornar nosso próprio distribuidor de difusão, enviando notificações e transmitindo ao vivo para dispositivos móveis e de desktop em todo mundo, foi essencial para a nossa missão (…). Os eventos ainda são mais longos do que a maioria dos bons swells, e vários dias de lay day podem ser um matador para a empolgação da audiência. Imagine um jogo de basquete que faz uma pausa no intervalo e será retomado em algum ponto desconhecido nos próximos dias. Quantos fãs permaneceriam envolvidos?[9]

Com o novo ambiente estável e previsível das piscinas um leque de possibilidades se abriu para o mercado, como a realização de competições com data e hora marcada, que reduz os custos de produção do evento e viagem dos atletas e suas equipes, que podem fazer reservas com mais precisão[10], possibilidade de cobrança de ingressos, venda de comidas e bebidas, venda de publicidade e direitos de transmissão (CAVALCANTI, 2018). Não é à toa que desde 2016 a WSL se tornou sócia majoritária do Surf Ranch[11]e desde então já realizou três etapas do circuito mundial no local. Segundo a ex-CEO da entidade, Sophie Goldschmidt, a piscina de ondas é uma importante aposta para tornar a primeira liga do surfe mundial lucrativa[12]. Mas a despeito do suposto sucesso operacional, alguns atletas e espectadores se queixaram da monotonia tanto em surfar quanto em assistir uma competição de surfe em uma piscina. O surfista profissional sul-africano Jordy Smith disparou: “não é tão emocionante para os telespectadores depois de assistir o décimo surfista voltar para o tubo por mais dez segundos. É o evento mais desinteressante da turnê.”[13]    

Na perspectiva nacional, essas piscinas estão surgindo atreladas a empreendimentos de luxo, como condomínios e resorts, e são vendidas como equipamentos âncoras que se destacam na publicidade desses locais entre esportes voltados paras as classes mais altas, como golfe, tênis e hipismo, o que nos leva a crer que há um deslocamento simbólico em curso, que está transformando a prática esportiva do surfe em objeto de desejo a ser consumido pela elite como um novo estilo de vida. É certo que hoje, no contexto mundial, o surfe brasileiro vive um dos seus melhores momentos: o país é uma das três grandes potências no esporte e já garantiu cinco títulos mundiais, três com Gabriel Medina, em 2014, 2018 e 2021, mais um com Adriano de Souza, o Mineirinho, em 2015, e outro com Ítalo Ferreira, em 2019[14].

Praia da grama. Fonte: Waves.

Após a estreia do surfe nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 e a vitória histórica de Ítalo Ferreira, a quantidade de fãs de surfe no Brasil saltou de 14 milhões de indivíduos, em 2013, para 45 milhões em 2021.[15] Mas esses não parecem ser os únicos motivos para atrair investimentos da ordem de centenas de milhões de reais[16] de incorporadoras como a KSM[17], de Oscar Segall, para a criação cópias hipe-reais da natureza (ECO, 1984). Há uma fetichização da praia ideal, hipermoderna, hiperespetacular (LIPOVETSKY; SERROY, 2015), segura, onde os muros deixam tudo que não é desejado na natureza estetizada do lado de fora: os perigos do mar, a poluição, os ambulantes.

Neste sentido, mais do que ser uma solução para uma demanda crescente por um recurso escasso e valorizado pelos surfistas, as ondas perfeitas, as novas piscinas de ondas são bens que quando consumidos assumem usos, valores e papeis distintos na nossa sociedade, e portanto, aprofundar as investigações sobre esse fenômeno que está em curso pode ser útil para ampliar os estudos em comunicação e antropologia do consumo.


Referências

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.

ECO, Umberto. Viagem na irrealidade cotidiana / Umberto Eco; tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade – Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1984.

LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A estetização do mundo. Viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

MASCARENHAS, G. . A leviana territorialidade dos esportes de aventura: um desafio à gestão do ecoturismo. In: BRHUNS, H.; MARINHO, A. (Org.). Turismo, lazer e natureza. Campinas: Manole, 2002, v. 1, p. 75-99.

PISCINA dos sonhos. Direção: Rosaldo Cavalcanti. Brasil: 2018


[1] A definição de pico utilizada por Alves Neto (2011) demonstra como as territorialidades no surfe podem ser flexíveis: “Defino como uma territorialidade móvel, fluida e flexível, que surge a partir das condições oceânicas e é delimitado pelas relações de sociabilidade entre os surfistas. O pico pode ser pensado como um território do vazio (CORBIN, 1988) que é criado e recriado por e pelas ondas e por e pelas relações sociais (ALVES NETO, 2011, p. 121).

[2] Aglomeração de surfistas em um mesmo pico, motivo de disputas acirradas por ondas.

[3] Itupeva, cidade próxima de Campinas.

[4] Disponível em: <https://www.praiadagrama.com.br/tecnologia/&gt;. Acesso em: 22 maio 2022

[5] Dia com boas ondas.

[6] Segundo o historiador Matt Warshaw: “As diferenças de onda para onda são quase infinitas, mas os princípios básicos da formação e deslocamento das ondas são constantes: ventos de tempestade sopram pela superfície do oceano e criam uma transferência de energia para a água; a energia é parcelada, armazenada, organizada e transmitida ritmicamente nos oceanos e mares circundantes até atingir águas rasas (geralmente um litoral, muitas vezes a milhares de quilômetros de distância da fonte da tempestade) e liberar a energia como ondas quebrando” (WARSHAW, 2005, p. 684). 

[7] “Após ataque de tubarão, WSL anuncia que feminino mudará de local no Havaí; Pipe é uma opção.” Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/radicais/surfe/mundial-de-surfe/noticia/apos-ataque-de-tubarao-wsl-anuncia-que-feminino-mudara-de-local-no-havai-pipe-e-uma-opcao.ghtml&gt;. Acesso em: 14 jan. 2021

[8] Entidade que representa a divisão de elite do surfe.

[9] Disponível em: https://www.waves.com.br/variedades/novidade/dirk-ziff-dono-da-wsl-abre-o-jogo/&gt;. Acesso em: 22 maio 2022

[10] Atualmente os campeonatos utilizam uma janela de duas semanas para que as disputas sejam realizadas nas melhores condições do mar.

[11] Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/surfe/ultimas-noticias/2018/09/06/de-olho-em-olimpiada-piscinao-de-kelly-slater-inicia-nova-era-do-surfe.htm&gt;. Acesso em: 14 jan. 2021

[12] A Association of Surfing Professionals (ASP) foi comprada em 2014 pelo bilionário americano Dirk Ziff. um dos herdeiros do magnata da mídia William Ziff Jr. Desde então, a WSL vem tendo dificuldades de encontrar formatos atrativos que possam torná-la lucrativa. Disponível em: <https://www.waves.com.br/variedades/novidade/dirk-ziff-dono-da-wsl-abre-o-jogo/&gt;. Acesso em: 22 maio 2022

[13] Disponível em: <https://beachgrit.com/2021/06/why-did-surf-ranch-fail-as-wave-pool-tech-and-as-a-contest-so-spectacularly-a-dull-ache-of-unrealised-desire-at-the-deathless-sight-of-that-impossibly-perfect-wave/>. Acesso em: 7 ago. 2021

[14] Disponível em:<https://ge.globo.com/radicais/surfe/mundial-de-surfe/noticia/confira-a-lista-dos-campeoes-do-circuito-mundial-de-surfe.ghtml&gt; Acesso em: 8 maio 2022 

[15] Disponível em: <https://www.waves.com.br/variedades/novidade/pesquisa-do-ibope-recorde-de-fas-do-brasil/&gt;. Acesso em: 11 ago. 2022

[16] A piscina da praia da Grama custou R$180 milhões. Disponível em: < https://exame.com/casual/com-praia-artificial-de-700-metros-condominio-em-sp-anuncia-ultimos-lotes/&gt;. Acesso em 14 ago. 2022

[17] Empresa que construiu a piscina do condomínio Praia da Grama.

Artigos

Futebol: do patrocínio na camisa à era digital

O futebol parece estar finalmente aflorando para o mercado digital. Desde quando o Flamengo, em 2008, foi o primeiro clube a investir num canal do Youtube para cá, o que parecia ser visionário é quase que quesito obrigatório. Além dos perfis nas redes sociais, a criação das TVs de clubes tem sido uma realidade. O que ainda não está bem claro é como monetizar, ou seja, como fazer com que as redes sociais e os canais no Youtube sejam parte importante do planejamento orçamentário dos clubes. Pensando nisso, entrevistei dois ex-vice presidentes de Marketing de Flamengo e Vasco, Daniel Orlean e Bruno Maia, respectivamente.

Quando falamos da mídia digital, temos a questão da valoração. Tratando-se de uma mídia tangível, como, por exemplo, os patrocínios em uniformes, chegar ao resultado da equação valor + preço parece mais fácil. Mas quando pensamos no digital, ainda há muito o que se estudar, como aponta Bruno Maia:

Falando de maneira geral, um veículo – qualquer que seja ele, blog, TV – para gerar receita é um projeto de médio prazo, precisa gerar audiência e relevância e gestão do contato com a sua audiência. A VascoTV agora passou a ter uma plataforma própria e ela também funciona muito no Youtube, o que limita muito. Óbvio que se consegue algo com anúncio, mas parte da receita fica no Youtube. No começo é bom porque o Youtube já tem toda a estrutura e seria um alto investimento para o clube. Por exemplo, o patrocínio de camisas do clube que leva x minutos da Vasco TV, isso é ruim. A gente precisa fazer uma valoração do quanto vale aquele minuto. Tratar como complemento para vender uma mídia principal. O ideal seria saber qual o valor mensurável disso para realmente vender um pacote.

Fazendo um paralelo com a declaração de Bruno e com o que explica De Marchi (2018), os clubes entraram na lógica dos derivativos. Como ressalta o autor, as transações virtuais acontecem graças ao algoritmo, que é um conjunto de regras que fornecem resultado específico a partir de fórmulas matemáticas e dividem as informações em distintos fragmentos ou atributos, desenhando cenários possíveis. Desta forma, as plataformas digitais têm se valido das técnicas do mercado de derivativos.

De forma geral, programam-se algoritmos proprietários (de código fechado) para que fragmentem um ativo subjacente em diferentes atributos, utilizando parâmetros que lhes permitem tornar comparáveis entidades aparentemente incompatíveis. Em seguida, recompõem-se tais atributos num composto derivado, uma unidade informacional abstrata. Tal como ocorre no mercado de arbitragem, a este produto atribui-se algum valor monetário, a partir do qual outros compostos serão avaliados em seu valor intrínseco. Assim, uma ampla gama de práticas sociais se torna passível de codificação, pois são padronizadas e intercambiáveis (DE MARCHI, 2018, p. 204).

Transportando essa lógica para o futebol, se você segue um clube na rede social, por exemplo, podem aparecer anúncios de produtos deste mesmo clube em outras plataformas na rede. É como se você deixasse as suas pegadas e fosse construindo um caminho a ser seguido pelas empresas de materiais esportivos ou até mesmo pelo próprio clube. A partir dos seus dados, o conteúdo vai sendo retroalimentado. Desta forma, como nos conta Orlean, há a possibilidade de chegar ao público digital de maneira mais precisa:

Eu consigo dizer: eu quero atingir as mulheres de 25 a 35 anos, com este produto, os homens de 18 a 25 com este produto. Ou seja, trabalhar a informação digital dos meus torcedores. De maneira macro, eu não sei quem são os 40 milhões de torcedores, mas no digital, mesmo sendo, vamos supor, 6 milhões, eu consigo ter mais informações sobre ele. Já o esporte eletrônico, ele nasce digital, com target, eu sei quem é cada pessoa que está assistindo aquela partida porque ela assiste pela Twitch TV, comenta durante o jogo. O esporte eletrônico já veio com este modelo e fomos tentando adaptar ao futebol tradicional. Sair da visão de broadcasting, de transmitir para todo mundo e não sei para quem, para uma visão mais individualizada, mais digitalizada, e aí a gente consegue rentabilizar de várias formas. Eu rentabilizo porque posiciono a marca digitalmente, rentabilizo porque eu converto clientes de forma muito mais específica, rentabilizo porque eu consigo licenciar aquele conteúdo de várias formas diferentes, rentabilizo porque a própria plataforma me paga, seja o Youtube, seja o Twitch TV. 

Desta forma, ocorre uma segmentação de público-alvo e este público, digital, pode gerar também patrocinadores que estão nesta ambiência. É o caso do Vasco, que fechou parceria com a plataforma de apostas NetBet e com o banco digital da BMG, como conta Maia: “O Vasco foi o primeiro clube a ter um site de apostas como patrocinador. Parceiros com natureza mais digital acabam valorizando e tendo mais percepção da importância das mídias digitais”.

Já o Flamengo fechou, em abril de 2021, contrato com a empresa Mercado Livre: 30 milhões por 18 meses, ou seja, 1,5 milhão por mês[1]. No mesmo mês, o clube fez parceria pontual com a Amazon Prime Vídeo, para a partida final da SuperCopa[2], o que pode ainda se tornar, no futuro, uma parceria efetiva, apesar do fechamento do contrato com o Mercado Livre que, de certa forma, é concorrente em alguns segmentos de mercado da Amazon. Maia analisa o potencial dessa parceria:

Em relação ao patrocínio do Flamengo com a Amazon, eu acho promissora por um lado e problemática por outro. Uma empresa que trabalha com dados como a Amazon é bem vista no futebol. A maior marca de fãs do Brasil unida com a maior marca do mundo de tratamento de dados é lógico que você está falando de uma coisa com potencial absurdo. Mas você tem dezenas de complexidades que vão desde cultura de empresa, modelos estruturais de negócios, de cada um destes stakeholders, é uma empresa na bolsa de valores, uma das maiores do mundo e a outra é uma empresa política, que os acionistas são sócios estatutários, o presidente eleito a cada três anos. Você tem uma série de desafios a estruturar uma parceria como essa. É um terreno quase virgem no futebol brasileiro a exploração de dados em favor do negócio. É uma promessa grande em se tratando de teoria, mas não é simples.

Maia aponta ainda que o mercado do futebol no Brasil ainda é muito tradicional:

O futebol circula com patrocinadores que também têm uma visão que combina com a visão velha do futebol. Então é muito comum como passamos anos apresentando o digital como algo complementar à mídia principal, os próprios patrocinadores tinham pouco interesse sobre essas informações. Você lida com marcas menores no futebol brasileiro. No tempo que eu estive, nenhuma das 40 maiores empresas do país estava no futebol brasileiro. E eles usam atalho pra falar com o público pela televisão. Até as empresas digitais a gente tinha que mostrar os dados. Quanto mais digital o futebol for e tiver mais cases, ele vai conseguir atrair estes patrocinadores. 

Sendo assim, podemos dizer que a presença dos clubes na ambiência digital ainda encontra entraves na própria maneira de pensar o mercado de divulgação de produtos e serviços. Podemos inferir que, a partir do momento que os patrocinadores perceberem que podem obter lucros por meio da financeirização da vida cotidiana do próprio torcedor, ou seja, observarem que os hábitos cotidianos deles na rede são informações valiosas, mais contratos serão fechados. 

Seguindo esta tendência, tem sido comum os clubes criarem produtos para suas TVs próprias, com conteúdo específico. O Flamengo lançou, em 2021, um pacote de pay-per-view do Campeonato Carioca. Segundo o site do clube, os torcedores teriam: “uma cobertura muito ampla do pré e do pós-jogo e a narração totalmente rubro-negra dos jogos do Mengão[3]”. Além da cobertura pela FlaTV, alguns jogos também foram transmitidos pela TV Record. Ou seja, os clubes perdem em receita para a TV, porque não dão exclusividade a ela, mas podem transmitir as partidas buscando patrocinadores específicos, gerenciando os seus próprios dados. Foi a primeira vez que o Campeonato Carioca foi rentabilizado de forma digital, em multiplataformas. Orlean aponta que o ideal é justamente o modelo conteúdo exclusivo + transmissão na TV aberta: 

Fonte: Olhar digital.

É uma tendência ter estes canais mais exclusivos. Mas exclusivos não tem que ser elitista. Não precisa não passar na TV aberta. Pode passar também na aberta e ter uma venda de transmissão com uma pegada mais exclusiva, com um conteúdo mais exclusivo. Porque o Flamengo cresceu muito sendo popular, se você passa a transmitir somente via streaming para pouquíssimas pessoas, você começa a perder a essência popular que o clube tinha e começa a perder em outras frentes, vai vender menos camisa, vai vender menos ingresso quando voltar, vai ter menos sócio torcedor. Não podemos ir num caminho de elitizar. Tem rubro-negro que não tem 35 reais de sócio torcedor, mas o que tem, muitas vezes não têm uma internet boa o suficiente para essas transmissões. 

A fala do ex-dirigente vai ao encontro do que diz Schradie (2017) ao apontar que as formas democráticas de participação na internet não foram confirmadas, pois a filosofia igualitária da rede se choca com as desigualdades de classe social, em uma economia de livre mercado.

Ainda assim, se pensarmos que a probabilidade é de que o acesso à internet aumente, como tem crescido nos últimos anos e que há a possibilidade de quem ganha mais, acessar mais, este mercado é um grande potencial para os clubes, como diz Maia:

A plataforma nunca cria torcedor. O que ela faz é moldar o tipo de consumo.  A TV estimula você a torcer e os streamings fazem isso também. Nos estimulam para vender o que tem de tecnologia e de escala. O futebol está descobrindo um tamanho que ele não imaginava, precisa se entender. A gente consome futebol da mesma maneira que consome uma música instrumental em Botsuana. Agora o que é hegemônico é fragmentado. As plataformas contribuem para o que todas as mídias já contribuíram, para o que é característico de nossa espécie: a contação de história, a capacidade de emocionar. Os formatos que queiram fazer, a gente vai continuar vendo futebol, provocação, rivalidade, aquilo que transcenda a nossa vida em 90 minutos. Quanto mais ferramentas e linguagens as plataformas digitais criarem para estimular este tipo de coisa, que é humano, que é a mesma coisa que o cinema estimula, que os e-sports estimulam, que a música, que a moda, religião estimulam, essa transcendência, sensação de conseguir se superar, é com as características das próprias plataformas, com o que elas tiverem, e que case com isso, o esporte vai usar bem.

Partindo dessa lógica defendida por Maia, o próprio Vasco, em março, realizou parceria com a empresa MetaSoccer, além do patrocínio no short, os torcedores poderão criar seu próprio clube e gerar renda, nesta plataforma que é a primeira com jogo de futebol dentro do metaverso. Isto faz parte do projeto que o clube tem para a esfera digital, neste novo contexto, enquanto espera a formalização da venda de 70% da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) para o fundo de investimentos 777 Partners. Ou seja, muitas ainda são as possibilidades desconhecidas do universo digital.

BIBLIOGRAFIA

BETING, Erich. |Exclusivo: Vasco lança relatório digital de olho em venda para 777 Partners. Disponível em https://maquinadoesporte.com.br/futebol/exclusivo-vasco-lanca-relatorio-digital-de-olho-em-venda-para-777-partners/. Acesso em 04 maio. 2022.

BURLÁ, Leo. Flamengo terá patrocínio do Amazon Prime Video na final da Supercopa, Uol, 9 abr. 2021. Mais informações em https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2021/04/09/flamengo-tera-patrocinio-da-amazon-na-final-da-supercopa.htm. Acesso em 17 mai. 2021.

DE MARCHI, Leonardo. Como os algoritmos do Youtube calculam valor? Uma análise da produção de valor para vídeos digitais de música através da lógica social de derivativo. Matrizes, v 12, nº2, maio/ ago. 2018, São Paulo, Brasil, pp.193-215.

EXTRA. Flamengo é o primeiro clube brasileiro a ter canal oficial no Youtube. Disponível em: https://extra.globo.com/esporte/flamengo-o-primeiro-clube-brasileiro-ter-canal-oficial-no-youtube-551770.html. Acesso em 28 jul.2022.

FLAMENGO. Mais informações disponíveis em https://www.flamengo.com.br/noticias/institucional/flamengo-lanca-pay-per-view-para-transmissao-do-carioca-2021-em-plataforma-propria-de-streaming. Acesso em 17 maio 2021.

IBOPE REPUCOM. Ranking digital dos clubes brasileiros. Maio de 2021. Disponível em https://www.iboperepucom.com/br/rankings/. Acesso em 9 mai. 2021.

LANCE. MyCujoo vai reembolsar torcedores do Flamengo; saiba como, 5 jul. 2020. Mais informações disponíveis em https://www.lance.com.br/flamengo/mycujoo-reembolsara-torcedores-saiba-como.html. Acesso em 17 maio. 2021.

MATTOS, RODRIGO. Flamengo fecha com Mercado Livre após negociar com concorrente Amazon, Uol, 27 abr. 2021. Mais informações disponíveis em https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rodrigo-mattos/2021/04/27/flamengo-fecha-com-mercado-livre-apos-negociar-com-concorrente-amazon.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 17 mai. 2021.

MOROZOV, Evgeny. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: Ubu, 2018.

SCHRADIE, Jen. Ideologia do Vale do Silício e desigualdade de classe: um imposto virtual em relação à política digital. Parágrafo, jan / jun 2017, v 5, nº1, São Paulo, 2017.

TIC DOMICÍLIOS, maio de 2021. Disponível em https://cetic.br/pt/tics/domicilios/2019/domicilios/A4/. Acesso em 17 mai. 2021.

VASCO. Vasco e MetaSoccer iniciam parceria de patrocínio e licenciamento. Disponível em https://vasco.com.br/vasco-e-metasoccer-iniciam-parceria-de-patrocinio-e-licenciamento/. Acesso em 04 ago. 2022.


[1] Mais informações disponíveis em < https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rodrigo-mattos/2021/04/27/flamengo-fecha-com-mercado-livre-apos-negociar-com-concorrente-amazon.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em 17 mai. 2021.

[2] Mais informações em < https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2021/04/09/flamengo-tera-patrocinio-da-amazon-na-final-da-supercopa.htm>. Acesso em 17 mai. 2021.

[3] Mais informações disponíveis em < https://www.flamengo.com.br/noticias/institucional/flamengo-lanca-pay-per-view-para-transmissao-do-carioca-2021-em-plataforma-propria-de-streaming>. Acesso em 17 maio 2021.

Produção audiovisual

Já está no ar o episódio 55 do Passes e Impasses

O tema do nosso quinquagésimo quinto episódio é o Basquete Feminino: História e Legado. Com apresentação de Fausto Amaro e Júlio César Barcellos, gravamos com Claudia Maria Guedes, doutora em Educação Física pela Unicamp e Professora Associada na San Francisco State University, no Departamento de Cinesiologia.

Acesse o mais novo episódio do podcast Passes e Impasses no SpotifyDeezerApple PodcastsPocketCastsOvercastGoogle PodcastRadioPublic e Anchor.

O podcast Passes e Impasses é uma produção do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte em parceria com o Laboratório de Áudio da UERJ (Audiolab). O objetivo do podcast é trazer uma opinião reflexiva sobre o esporte em todos os episódios, com uma leitura aprofundada sobre diferentes assuntos em voga no cenário esportivo nacional e internacional. Para isso, contamos sempre com especialistas para debater conosco os tópicos de cada programa.

Você ama esporte e quer acessar um conteúdo exclusivo, feito por quem realmente pesquisa o esporte? Então não deixe de ouvir o quinquagésimo quinto episódio do Passes & Impasses.

No quadro “Toca a Letra”, a música escolhida foi “Essa moça tá diferente”, de Chico Buarque de Hollanda.

Passes e Impasses é o podcast que traz para você que nos acompanha o esporte como você nunca ouviu.

Ondas do LEME (recomendações de artigos, livros e outras produções):

Equipe

Coordenação Geral: Ronaldo Helal
Direção: Fausto Amaro e Filipe Mostaro
Roteiro e produção: Júlio César Barcellos e Carol Fontenelle
Edição de áudio: Leonardo Pereira (Audiolab)
Apresentação: Fausto Amaro e Júlio César Barcellos
Convidada: Claudia Maria Guedes