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“Ganhar ou perder, mas sempre com democracia”

“O Brasil hoje é uma casa velha, antiquada, sem condições de moradia e que precisa ser demolida. Então precisamos demolir essa casa, construir outra, com concorrência pública, isso quer dizer: a população do país precisa participar dessa concorrência pra construir uma casa que se espera que seja suficiente pra se poder viver bem. E que nós possamos fazer uma casa maravilhosa.” (BRASILEIRO, s/p., 2014).

O trecho do depoimento do jogador Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, que integra o documentário Democracia em Preto e Branco[1], do diretor Pedro Asbeg (2014), remonta à Emenda Dante de Oliveira, a qual propunha eleições diretas para presidente em 1984, após 20 anos de regime militar no Brasil. Esse trecho, recuperado em entrevista de arquivo no longa-metragem, também ilustra o momento em que a Democracia Corinthiana (DC) se consolida enquanto movimento político e não mais meramente restrito à esfera do futebol. Constituída durante a redemocratização do Brasil, a DC compreende o período que vai de março de 1981 a março de 1985, sob as duas gestões do presidente Waldemar Pires, quando foram estabelecidas regras mais flexíveis para gerir o clube e o elenco, considerando-se os jogadores como parte essencial nos processos decisórios do time: contratações, regras de concentração, consumo de bebidas alcoólicas, entre outras questões pertinentes ao dia a dia dos clubes de futebol.

Contudo, as pesquisadoras Mariana Martins e Heloisa dos Reis – autoras de um artigo que avalia os significados atribuídos ao sentido de democracia por jogadores, técnicos e dirigentes que participaram da Democracia Corinthiana – ponderam que

“esta forma de organização do clube, pensada a partir da formação de uma burocracia especializada, não tem relação direta e, tampouco, necessária com a democracia, por mais que Waldemar Pires tenha a denominado assim” (MARTINS; REIS, 2014, p. 88).

Aqui vale um adendo para salientar que a expressão “Democracia Corinthiana” em si foi criada pelo publicitário Washington Olivetto, inspirado por uma citação do jornalista Juca Kfouri, um dos pioneiros em correlacionar as conotações de liberdade do movimento ao momento político vivido pelo Brasil na época.

“Nós começamos a verbalizar o que estávamos fazendo, aí o Juca uma hora falou ‘ah, se eu tô entendendo, isso é uma democracia de corinthianos’. Ao que Juca falou, eu falei ‘puxa, achei o nome’ e anotei: democracia corinthiana.” (OLIVETTO, 2014, s/p.).

Na ótica de Martins e Reis (2014), a confluência dos movimentos pode ser explicada pelo sentido unívoco de democracia que pairava sob o país nesse período.

“Os anos de ditadura militar no Brasil fizeram com que surgisse uma expectativa unívoca com relação à democracia. A reivindicação por esta, contida na agenda da campanha das “Diretas Já”, confluiu num sentido pretensamente universal, homogeneizando os distintos significados contidos nas aspirações democráticas dos movimentos populares, sindicais e partidários.” (MARTINS; REIS, 2014, p. 85).

Enquanto o período de redemocratização se consolidava no Brasil, o Corinthians vinha de péssimas campanhas na esfera esportiva, como os fiascos nos campeonatos Brasileiro e Paulista de 1981. Com o fim da gestão de Vicente Matheus na presidência do clube, Waldemar Pires é eleito, escolhendo para o cargo de diretor de futebol o sociólogo Adilson Monteiro Alves. Pode-se dizer que a atuação de Adilson, aliada à presença de jogadores politizados no elenco do clube – liderados pelo meia Sócrates – compôs o embrião que daria origem à Democracia Corinthiana, um movimento inicialmente de cunho futebolístico que foi ganhando proporções cada vez mais políticas e sociais.

Em termos desportivos, Adilson prezava por ouvir sua equipe, de modo que as decisões do grupo fossem tomadas por meio do voto igualitário de seus membros. A opinião do diretor Adilson, portanto, valia tanto quanto a de um jogador ou de um funcionário da agremiação. E assim criou-se essa espécie de autogestão do Corinthians, na qual as decisões mais importantes envolvendo os aspectos técnicos do clube eram tomadas em conjunto, votadas democraticamente, algo bastante revolucionário para os moldes como os clubes brasileiros em geral são administrados – mais revolucionário ainda se considerarmos que no Brasil do início dos anos 1980 não se votava nem para presidente. 

Fonte: Manatí

Em depoimento para o documentário “Democracia em Preto e Branco”, que introduz esse texto, o jornalista Juca Kfouri é conclusivo ao descrever o processo de tomada de decisão que se consolidava no Corinthians: “Eram votos abertos. É claro que com a inteligência do Sócrates e do Adilson a coisa caminhava pro lado que eles caminhavam. Eu não lembro de eles terem perdido nenhuma votação.” (KFOURI, 2014, s/p.). 

Além da questão do voto para definir aspectos como contratação, regras de concentração e horários dos treinos, outros fatores socializantes emergiram na Democracia Corinthiana, a exemplo da divisão do “bicho”. Essa premiação paga em dinheiro para os atletas pelas vitórias e títulos conquistados passava agora a ser dividida com os demais funcionários do clube. 

“Massagista, auxiliar, esse pessoal mais humilde, o roupeiro… eles não participavam do bicho. E a democracia mudou essa filosofia mostrando que ela tinha uma visão um pouco de esquerda, um pouco socializante da história”. (KFOURI, 2014, s/p.). 

Também em depoimento ao longa-metragem, o ex-diretor de futebol Adilson Monteiro fala sobre a importância de seus jogadores se posicionarem politicamente naquele momento, ainda que inicialmente circunscritos à esfera futebolística. Em crítica aos modelos de gestão vigentes na época, ele relembra seu posicionamento diante do grupo ao assumir o Corinthians em 1981:

“Acho que futebol não é desse jeito, mas eu não sei como é. E gostaria que a gente descobrisse juntos uma maneira de fazer futebol, de jogar futebol, de viver futebol e, principalmente, de participar da sociedade, de participar do momento que o país tá vivendo. O país tá num momento… era a final de 81… muito duro. E vocês estão assistindo. Nenhuma participação, nenhuma opinião, sendo que, qualquer coisa que vocês digam é muito importante.” (MONTEIRO, 2014, s/p.).

Foi, portanto, dessa convergência de pensamento do então diretor Adilson com alguns jogadores do Corinthians que surgiu a revolucionária forma de gestão do clube, na qual tudo era pensado e discutido em conjunto, com o objetivo inicial de retirar o time da situação desportiva calamitosa em que se encontrava. Diversos movimentos de resistência pelo Brasil figuravam como pano de fundo da Democracia Corinthiana, a exemplo do movimento operário do ABC, liderado por Luiz Inácio “Lula” da Silva. Em depoimento ao documentário aqui citado, Lula relata que a entrada dos trabalhadores em cena pelo direito de greve e melhoria de salários também foi decisiva na luta pela democracia, considerando-se o apelo popular de dimensões cada vez maiores em torno de um mesmo objetivo: “Era um momento de êxtase de uma sociedade. Não era de um partido político ou de um governador. Era da sociedade como um todo.” (SILVA, 2014, s/p.).

“Eu lembro que eu fui ver um jogo, Corinthians x Guarani, e tinha muita gente no Morumbi, e eu tava com um grupo de companheiros e diziam assim pra mim: o dia que a gente levar essa quantidade de gente na Assembleia a gente começa a mudar a história do Brasil. E quando foi em março de 79 a gente colocou 100 mil pessoas no estádio, ou seja, foi uma coisa boa.” (SILVA, 2014, s/p.).

Ainda em depoimento ao documentário Democracia em Preto e Branco, Lula acrescenta que os jogadores que lideraram a Democracia Corinthiana – Sócrates, Casagrande e Wladimir – assumiram esse posto de líderes ao perceberem que teriam apoio da torcida corinthiana, que, segundo ele, não era uma torcida qualquer, mas, sim, “um bando de militante” (SILVA, 2014, s/p.). A conscientização política de Sócrates – “um médico, de um metro e noventa, com pé 41, que resolvia as coisas com calcanhar porque se tivesse que virar o corpo caía” (KFOURI, 2014, s/p.) – aliada ao posicionamento do líder sindical Wladimir Rodrigues dos Santos – que assumia também a lateral esquerda do Corinthians – e somada à personalidade rebelde do jovem centroavante Walter Casagrande Júnior, fizeram deste trio os porta-vozes do movimento pioneiro que alterava as relações de trabalho dentro de um clube de futebol, flertando dia após dia com o ambiente de redemocratização do país.

Sócrates considerava o atleta Wladimir como o pilar mais importante do processo, não só pelo fato de a história do lateral ser intrinsicamente atrelada ao Corinthians e pela sua atuação política como presidente do Sindicato de Atletas Profissionais de São Paulo nos anos 1970, mas, também, pelo fato de ele ser negro:  “Num país tão racista quanto o nosso, cuja cor de pele é sinônimo de riqueza ou pobreza, é fundamental que tenhamos alguém que represente a maior parte da nação.” (BRASILEIRO, 2014, s/p.). 

Casagrande, por sua vez, “era a dose de rebeldia que faltava na receita”, conforme narra a cantora Rita Lee também no referido documentário. Em um dos takes, inclusive, Casagrande, Sócrates e Wladimir relembram o icônico momento em que sobem ao palco do Ginásio do Ibirapuera em um show da cantora – que é torcedora do Corinthians – e entregam a ela uma camisa do clube[2]. Vestida “a caráter”, Rita e os jogadores aproveitam o momento para endossar sutilmente o discurso que seria a base da campanha das Diretas Já, cujo último comício, realizado em abril de 1984, reuniria cerca de um milhão e meio de pessoas no Vale do Anhangabaú.

“Nós íamos em todos os shows que tinha em São Paulo na sexta-feira, se a gente concentrava no sábado. Nós fomos ver a Blitz, Maria Bethânia, Djavan, Ney Matogrosso, Moraes Moreira, Caetano Veloso… todos os shows a gente ia. E da Rita eu falei “Pô! Da Rita tem que ir!” […] Aí eu olhei e tinha um cara no público com a camisa do Corinthians, no show né, aí eu cheguei no cara e falei assim “Ô meu! Vem cá! Cê num me dá essa camisa do Corinthians?!”, aí o cara falou “Porra, mas você não é o Casagrande?! Você joga no Corinthians, meu!”. “Mas eu não tenho a camisa. E eu quero dar a camisa pra Rita Lee!”. (CASAGRANDE, 2014, s/p.).

Nessa ocasião, Casagrande ainda convidou a cantora para comparecer à decisão do Campeonato Paulista de 1982 – contra o São Paulo no Morumbi, que ocorreria alguns dias após o show – e prometeu fazer o “gol Rita Lee”. O Corinthians venceu aquele jogo por 3 x 1, com dois gols de Biro Biro e um de Casagrande, que assim cumpriu a promessa feita para Rita, enquanto ela assistia à partida da arquibancada. Vale lembrar que, nesse mesmo período, a cena musical brasileira via nascer o chamado rock nacional, cuja produção artística, assim como a Democracia Corinthiana, dialogava bastante com o contexto de redemocratização do país. Esse novo gênero configurava-se, portanto, como uma obra bastante significativa não só do ponto de vista cultural, mas também político e social àquela época.

 “O momento em que essa geração começa a fazer o rock em português – sem se sentir um cachorro magro por isso – e começa a bater pesado, começa a ter letras muito consistentes… aquilo pra gente vira um grande estímulo. É uma voz.” (SOUZA, 2014, s/p.).

Nesse contexto, já estavam evidentes os vieses que tais fenômenos carregavam. Se a Democracia Corinthiana começou como um movimento de vestiário, seus contornos de militância ficaram claros em 1982. Segundo Sócrates, até então o movimento não era tão abertamente político. 

“Era um processo, digamos, de uma micro sociedade que tava querendo se organizar melhor pra ter condições de convivência mais satisfatórias e com expectativa de resultados melhores.” (BRASILEIRO, 2014, s/p.).

Porém, enquanto a crítica cultural elevava o rock nacional a um patamar de destaque e o Congresso Nacional aprovava por unanimidade de votos eleições diretas para os governadores estaduais, a Democracia Corinthiana já claramente politizada começava a sucumbir diante das pressões ideológicas de quem se opunha ao movimento, que chegou até a ser apelidado pelos mais conservadores como “anarquia corinthiana”. Inclusive, vale destacar que, antes mesmo de chocar essa parte conservadora da sociedade brasileira e a “estrutura carcomida do nosso futebol”, a DC chocou a imprensa esportiva em geral: “Você conta nos dedos, de uma mão, quem apoiou a democracia corinthiana.” (KFOURI, 2014, s/p.).

Sobre esse fato, Martins e Reis (2014) chamam atenção para os esforços institucionais do Corinthians em ressaltar as responsabilidades e deveres de seus atletas como elementos componentes da democracia – aqui no sentido amplo da palavra – de modo a rebater às críticas que davam um tom anárquico ao movimento.

“Tais elementos eram constantemente enfatizados pelos sujeitos do movimento alvinegro para se diferenciar de uma ideia corrente que relacionava democracia ao sentido mais corriqueiro de anarquia. […] No contexto de regime militar, as liberdades estavam restritas, de modo que a vivência delas poderia suscitar dúvidas sobre o seu conteúdo, o que alimentaria visões equivocadas sobre a mesma. Daí a necessidade de se enfatizar constantemente que sujeitos de direito também são de deveres, de modo que essa concepção precisava ser divulgada e aceita, firmando uma ideia de democracia que não se contrapusesse à ordem.” (MARTINS; REIS, 2014, pp. 92-93).

Mas, embora a Democracia Corinthiana e seu revolucionário modelo de autogestão viesse sendo contestada pelos conservadores de forma mais veemente a cada derrota do time em campo, o clima nas ruas ainda era de esperança.  Soma-se a isso o fato de o Brasil ter ido como favorito para a Copa do Mundo de 1982 na Espanha, com Sócrates de capitão. Entretanto, para a decepção de um povo que se embrionava no espírito da luta pelas Diretas Já – que viria a se consolidar nos dois anos seguintes – a Seleção volta para casa sem o título, amargando o quinto lugar no Mundial e enterrando no Estádio de Sarriá o famoso futebol-arte que tanto o distinguia.

Dentro de campo, contudo, o clube alvinegro aproveitava os momentos decisivos para reforçar seu compromisso com a Democracia Corinthiana e com a dimensão política que o movimento havia ganho. Não à toa, na final do Campeonato Paulista em dezembro de 1983 – novamente contra o São Paulo, como em 1982 – o time adentrou o gramado portando uma faixa com os seguintes dizeres: “ganhar ou perder, mas sempre com democracia”.

Fonte: Irmo Celso/Placar/ Divulgação Corinthians

As conquistas corinthianas valorizavam a equipe e começavam a pôr em xeque a permanência de Sócrates no clube, tendo em vista as propostas milionárias que chegavam para ele do futebol europeu, mais precisamente dos clubes italianos Inter de Milão, Napoli e Fiorentina. Nesse impasse, a mobilização nacional quase unânime pelas eleições diretas para presidente chegava ao seu auge com a votação da Emenda Dante de Oliveira, proposta em março de 1983 e que seria votada em abril do ano seguinte.

Foi quando, no último comício das Diretas – realizado em 16 de abril de 1984 – Sócrates prometeu que, caso a Emenda fosse aprovada no Congresso Nacional, ficaria no Brasil. Entretanto, na noite de 25 de abril de 1984, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 5 – conhecida pelo nome de seu autor, o jovem deputado Dante de Oliveira – foi derrubada em votação na Câmara por apenas 22 votos de diferença.

Foram 298 votos a favor, 65 contra, 113 ausências e 3 abstenções. Para que a Emenda fosse aprovada, seriam necessários 320 votos a favor (2/3 da Casa). Apesar do baque da derrota, a democracia brasileira se consolidaria com a Constituição de 1988, ainda que sobreviva constantemente sob ameaças. Sócrates, por sua vez, sucumbiu à amargura da derrota no Congresso e, em junho de 1984, optou por deixar o país rumo à Itália para jogar na Fiorentina. Findava-se aí o movimento que até hoje, quase 40 anos depois, retroalimenta o imaginário de popularidade arraigado ao Sport Club Corinthians Paulista.

 Em depoimento ao documentário Democracia em Preto e Branco, que embasa a discussão aqui proposta, Sócrates atribui a importância do movimento ao fato de, naquela época, o grupo ter sido capaz de discutir política com a linguagem do futebol, considerada universal e, portanto, plenamente acessível. Foi isso que, segundo ele, possibilitou a compreensão da ação política atrelada ao movimento, fazendo-o funcionar como mais um dos mecanismos propulsores da transformação que o país exigia (BRASILEIRO, 2014, s/p.).

Já Walter Casagrande recorre a uma metáfora futebolística para ponderar que a Democracia Corinthiana “nada mais fez de importante do que bater o pênalti que o time anterior tinha construído” (2014, s/p.), atribuindo a consolidação do cenário de redemocratização a todos “que lutaram desde 64, que morreram, que sumiram, que foram torturados, que foram presos […]. Eles fizeram todas as jogadas, só que na hora de bater o pênalti não tinham mais força, estavam já exaustos, de tanto apanhar.”.

Vale destacar ainda a conclusão do pesquisador José Paulo Florenzano em sua tese “A democracia corinthiana: práticas de libertação no futebol brasileiro” (2003), na qual o autor discorre sobre a DC enquanto um fator de desestabilização do paradigma do ópio do povo. Conforme o pesquisador, esse movimento foi uma maneira legítima de desvincular o futebol do sentido que corriqueiramente era atribuído à prática: uma forma de domínio cultural sobre a classe trabalhadora (FLORENZANO, 2009).

Para Martins e Reis (2014, p. 96), a “pluralidade contida na Democracia Corinthiana permite vislumbrar um momento no qual o esporte e a política estabeleceram uma relação excepcional entre si”, possibilitando que os jogadores, sob a liderança de Sócrates, se afirmassem como sujeitos históricos e políticos para exercerem seu papel de cidadão ao representarem o ideário populacional quase unânime à época: a redemocratização do país.

Sócrates, que se mudou do Brasil devido à amargura da derrota no Congresso em 1984, veria o retorno às urnas em dezembro de 1989, um ano após a promulgação da Constituição de 1988. Em entrevista de arquivo rememorada no documentário aqui citado, Sócrates é perguntado se a escolha de seu nome teve relação com o filósofo grego homônimo, um dos ícones da tradição filosófica ocidental. A resposta, em tom sagaz, poderia remeter também ao simbolismo de sua liderança no legado da Democracia Corinthiana: “É um nome que eu gosto, principalmente porque é Sócrates Brasileiro”.

Referências

ASBEG, Pedro. Democracia em Preto e Branco. São Paulo: ESPN Brasil, 2014.

BRASILEIRO, Sócrates. Depoimento em: ASBEG, Pedro. Democracia em Preto e Branco. São Paulo: ESPN Brasil, 2014.

CASAGRANDE, Walter. Depoimento em: ASBEG, Pedro. Democracia em Preto e Branco. São Paulo: ESPN Brasil, 2014.

FLORENZANO, José. A democracia corinthiana: práticas de libertação no futebol brasileiro. 2003. 306 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.

KFOURI, Juca. Depoimento em: ASBEG, Pedro. Democracia em Preto e Branco. São Paulo: ESPN Brasil, 2014.

MARTINS, Mariana; REIS, Heloisa. Significados de democracia para os sujeitos da Democracia Corintiana. Movimento. Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 81-101, 2014.

MONTEIRO, Adilson. Depoimento em: ASBEG, Pedro. Democracia em Preto e Branco. São Paulo: ESPN Brasil, 2014.

OLIVETTO, Washington. Depoimento em: ASBEG, Pedro. Democracia em Preto e Branco. São Paulo: ESPN Brasil, 2014.

SANTOS, Wladimir. Depoimento em: ASBEG, Pedro. Democracia em Preto e Branco. São Paulo: ESPN Brasil, 2014.

SILVA, Luiz Inácio. Depoimento em: ASBEG, Pedro. Democracia em Preto e Branco. São Paulo: ESPN Brasil, 2014.

SOUZA, Marcelo. Depoimento em: ASBEG, Pedro. Democracia em Preto e Branco. São Paulo: ESPN Brasil, 2014.


[1] O documentário Democracia em Preto e Branco é um filme longa-metragem dirigido pelo cineasta Pedro Asbeg. Lançado em 2014 em uma coprodução da ESPN Brasil com a TV Zero, o longa resgata o caráter político do movimento que ficou conhecido como Democracia Corinthiana no período da redemocratização brasileira, que culminou na campanha das Diretas Já em 1984. O filme mescla imagens de arquivo, entrevistas com os líderes do movimento (Sócrates, Casagrande e Wladimir) e depoimentos de personalidades inseridas neste contexto, como políticos, jornalistas e artistas. A narração do texto em off do documentário é feita pela cantora Rita Lee. Importante destacar que o longa começou a ser filmado em 2010, ano em que foram realizadas entrevistas exclusivas com alguns atletas, entre eles Sócrates, que faleceu em dezembro do ano seguinte, em decorrência de choque séptico.

[2] Essa história foi registrada em reportagem do Esporte Espetacular, da Rede Globo, de dezembro de 1982. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RLYpx1BfTKY.

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Discutindo valores-notícia na cobertura de futebol

A discussão sobre noticiabilidade, valor-notícia e seleção noticiosa, amplamente abordada nos estudos de Comunicação, é bastante pertinente ao campo porque traz consigo possibilidades outras de se pensar tais variáveis para além da vertente convencional, que tende a tratar esses três conceitos como sinônimos no newsmaking (ou fazer-notícia). Alguns pesquisadores demarcam bem essa diferenciação, dando o devido peso a cada um desses fatores que interferem expressivamente no cotidiano de produção jornalística.

Na visão de Silva (2005), a noticiabilidade é como um grande guarda-chuva que abrigaria os outros dois conceitos, funcionando “como todo e qualquer fator potencialmente capaz de agir no processo da produção da notícia” (p. 52). Já os valores-notícia seriam os atributos que orientam a seleção primária dos fatos, isto é, que selecionam aqueles acontecimentos que, por determinado motivo/valor, importa noticiar. A seleção noticiosa, por sua vez, estaria relacionada à hierarquização desses fatos e ao tratamento que lhes será dado nas páginas dos jornais.

Partindo dessa perspectiva, proponho-me a discutir os modos como esses conceitos atuam no jornalismo esportivo, mais precisamente na cobertura de futebol, que, por seu teor subjetivo – envolvendo paixão, emoção, preferências etc. – considero dotada de certas particularidades editoriais. Um dos pontos que me interessa discutir é que os valores-notícia (VNs) clássicos do jornalismo como um todo – tragédia, proeminência, governo, conflito etc. – podem adquirir outras dimensões em se tratando da cobertura futebolística, de modo que, por exemplo, quando se fala no valor-notícia governo, a intenção é se referir à administração dos clubes; quando se fala no valor-notícia tragédia/drama, ele se refere ao contexto dramático de uma situação decisiva dentro campo; quando se fala no valor-notícia proeminência das pessoas envolvidas, ele se refere ao protagonismo dos personagens do jogo, e assim por diante.

É importante ressaltar que, ao mencionar os valores-notícia clássicos do jornalismo, estou me baseando na nomenclatura proposta pelos principais autores que abordaram o tema, como Sousa (2002), Traquina (2001) e Wolf (2003), os quais também embasam a diferenciação entre noticiabilidade, valor-notícia e seleção noticiosa proposta por Silva (2005) e descrita no início deste texto. Pensando mais especificamente na cobertura de futebol, me propus um breve exercício para tentar compreender quais atributos fazem determinado acontecimento virar notícia na editoria esportiva. Para tanto, desconsiderei alguns VNs tidos como óbvios para o fazer-notícia de um modo geral, como atualidade – visto que esse valor já é um pré-requisito do jornalismo – e importância – sobretudo considerando-se que a editoria em análise pressupõe que o tema esportivo por si só já é relevante para os consumidores do segmento.

Por consequência, esses conteúdos seriam também os mais contestados em termos de verdade, objetividade e credibilidade jornalísticas. Esse último quesito ganha destaque na ótica das pesquisadoras Lisboa e Benetti (2016), que o compreendem para além de um conceito acessório no jornalismo. Na visão das autoras, a credibilidade é algo imprescindível para que os sujeitos possam presumir que o discurso jornalístico diz a verdade – mesmo nesta editoria onde a subjetividade de jornalistas e espectadores tende a ser mais atuante tanto na produção quanto na interpretação dos conteúdos noticiosos, já que na maioria das vezes o jornalista que escreve sobre esportes está se reportando a um público tão apaixonado (e entendido do assunto) quanto ele.

Não à toa, os jornalistas esportivos tendem a ficar mais suscetíveis aos julgamentos de parcialidade. Isso faz com que permeie nos profissionais da área a necessidade de reforçarem que seu trabalho é realizado em conformidade com os fundamentos da profissão, como a constante busca pela verdade, objetividade e isenção no fazer-notícia. Uma perspectiva semelhante se dá nas editoras de política e de economia, áreas em que interesses vitais das empresas jornalísticas estão “em jogo” e nas quais o jornalista também precisa lidar com suas preferências rondando o seu cotidiano profissional.

Ao se ancorar nesses fundamentos básicos da profissão, a intenção do jornalista é balizar seu trabalho e proteger-se das eventuais críticas da audiência, isentando de culpa o profissional que, mesmo de maneira involuntária, acaba se envolvendo sentimentalmente com a cobertura, visto que o evento, por si só, já carrega um misto de paixão e emoção intrínseco ao universo dos esportes. Embora tais fundamentos por vezes sejam tratados como grandezas absolutas nos manuais de redação, caberia relativizá-los, apesar de não ser este o foco deste texto. Mas vale lembrar que, relativizar o caráter romântico dos fundamentos da profissão não significa negligenciar os rigorosos métodos e técnicas de produção noticiosa, mesmo que isso às vezes seja ainda mais desafiador para o jornalista esportivo.

É o que Heródoto e Rangel chamam de “desafio da paixão”, na obra Manual do Jornalismo Esportivo, onde afirmam que o jornalismo é para ser realizado com paixão.

“Porém não pode exceder aos limites éticos da profissão. Seres humanos não são exatos como relógios de quartzo, mas nada justifica que o entusiasmo e a alegria se transformem em manipulação e distorção.” (BARBEIRO & RANGEL, 2006, p. 122).

Ainda conforme Barbeiro e Rangel, é justamente pelo fato de o esporte ser visto como diversão e entretenimento para a maioria dos brasileiros, que é praticamente impossível relatá-lo com o nível de formalidade característico de outras editorias, até porque “a descontração, o bom humor, o sorriso não afrontam a credibilidade nem a seriedade do trabalho. É preciso ser isento, ético, exato, mas não carrancudo.” (2006, p. 77).

Inclusive, nas últimas décadas, essa vertente do jornalismo esportivo como entretenimento ganhou destaque no ambiente acadêmico, a exemplo do conceito de INFOtenimento, inicialmente debatido por Dejavite (2006). Relendo a sistematização de valores-notícia feita por Silva (2005), noto que a autora categoriza o tema esportivo como assunto de potencial noticioso enquanto “entretenimento/curiosidade”, categoria esta que, segundo a autora, engloba também temáticas voltadas para o divertimento, comemorações e aventuras, conforme aponta a tabela seguinte:

No entanto, embora Silva (2005) insira a temática esportiva dentro da categoria de entretenimento, o esporte visto sob outra ótica é um tema repleto de potencialidades noticiosas únicas que, em alto grau, justificam a existência de uma editoria específica para o gênero – editoria esta que perdura há quase um século desde sua consolidação na imprensa brasileira, no contexto de popularização e consequente profissionalização do futebol. Mas, se por um lado, o esporte estabeleceu-se como editoria permanente e de destaque nos principais veículos brasileiros, por outro, foi relegado a uma visão estigmatizada que, embora em menor escala, ainda perdura, caracterizando a atividade como uma área de menor prestígio quando comparada às demais coberturas, fato este que, mesmo passível de contestação, talvez tenha justificado a categorização proposta pela autora.

O que se pretende nesta discussão é tomar a temática esportiva como segmento dotado de potencialidades noticiosas próprias, sobre o qual os valores-notícia clássicos sistematizados por Silva atuariam de maneira análoga às editorias mais universais. Para ilustrar esse raciocínio, estabeleci a seguir uma correlação entre os doze VNs clássicos apontados na tabela da autora e alguns dos modos como, por exemplo, eles poderiam atestar a noticiabilidade dos acontecimentos em uma cobertura futebolística:

  • VN impacto: número de pagantes nos estádios e, sobretudo, número de torcedores que acompanham o dia a dia dos clubes;
  • VN proeminência: personagens do jogo;
  • VN conflito: rivalidades clubísticas;
  • VN entretenimento/curiosidade: bastidores da partida;
  • VN conhecimento/cultura: esporte como prática educativa e cidadã;
  • VN polêmica: escândalos dentro ou fora de campo;
  • VN raridade: situação inusitada dentro ou fora de campo;
  • VN proximidade: abrangência dos campeonatos (local, estadual, nacional etc.);
  • VN surpresa: placares inesperados;
  • VN governo: administração dos clubes;
  • VN tragédia/drama: situação dos clubes das últimas posições da tabela;
  • VN justiça: decisões contratuais envolvendo contratações de atletas.

Importante ressaltar que os valores-notícia aqui elencados não são independentes e, na maioria das vezes, devem ser compreendidos de forma conjunta, pois dizem respeito a uma série de inter-relações possíveis entre os acontecimentos do universo esportivo ou de qualquer outra editoria em questão. Em muitos casos, inclusive, é a complementaridade de tais fatores o que torna noticiáveis certos acontecimentos, além, é claro, dos critérios organizacionais que são parte intrínseca às rotinas produtivas.

Acredito que resida aí um dos maiores compromissos do jornalista, sobretudo o esportivo que, lidando com a subjetividade da editoria e ancorando-se aos fundamentos canônicos da profissão – como a constante busca pela verdade, equilíbrio e isenção no trato noticioso – sobrevive de apurar informações inéditas e condizentes com o interesse público, construindo histórias bem encadeadas e, por consequência, atraentes e credíveis. Mas que, acima de tudo, ofereçam subsídios para estimular o pensamento crítico, o debate e a reflexão, justificando porque é limitante enquadrar a temática esportiva como mero entretenimento ou curiosidade. Afinal, como bem assinala o jornalista esportivo Paulo Vinicius Coelho em seu livro clássico sobre essa editoria:

“a única maneira de mostrar que o esporte é viável é mostrar que o jornalismo esportivo não é feito apenas por esporte”. (COELHO, 2003, p. 115).

Referências

BARBEIRO, Heródoto; RANGEL, Patrícia. Manual do Jornalismo Esportivo. São Paulo: Contexto, 2006.

COELHO, Paulo Vinícius. Jornalismo esportivo. São Paulo: Editora Contexto, 2003.

DEJAVITE, Fábia Angélica. INFOtenimento: Informação + Entretenimento no Jornalismo. São Paulo: Ed. Paulinas, 2006.

LISBOA, Silvia e BENETTI, Marcia. O jornalismo como crença verdadeira justificada. Brazilian Journalism Research. v. 11, n. 2, p. 10-29, 2016.

SILVA, Gislene. Para pensar critérios de noticiabilidade. Estudos em Jornalismo e mídia, v.2, n.1. Florianópolis: Insular, 2005, p. 95-106.

SOUSA, Jorge  Pedro.  Teorias  da  Notícia  e  do Jornalismo. Chapecó, SC: Argos, 2002.

TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2001.

WOLF, Mauro. Teorias da comunicação de massa. São Paulo: Martins Fontes: 2003.

*Uma versão mais abrangente deste texto encontra-se publicada no vol. 8 (n. 2) da revista Âncora – Revista Latino-americana de Jornalismo, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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Como é que faz pra sair da ilha? Hierarquias urbanas e disputa de classes no duelo catarinense Avaí x Figueirense

A ponte é muito, muito iluminada
O pôr-do-sol numa visão privilegiada
O povo quer passar, vê nela algo místico
A ponte virou ponto turístico.
Esse lugar é uma maravilha
No horizonte, no horizonte
Mas como é que faz pra sair da ilha?
Pela ponte, pela ponte.

Apesar de não fazerem referência à capital catarinense, os versos da música “A Ponte”1, composta por Lenine e Lula Queiroga e parafraseada em versão posterior pelo rapper GOG2 – desta vez fazendo alusão à superfaturada Ponte JK em Brasília – me remetem a um imaginário que persiste no cotidiano de Florianópolis desde 1926, quando foi inaugurado o cartão postal mais famoso da cidade: a Ponte Hercílio Luz, maior ponte pênsil do Brasil e primeira ligação terrestre entre a ilha de Santa Catarina e o continente. Com 821 metros de comprimento, duas torres que medem 75 metros a partir do nível do mar e estrutura de aço que pesa aproximadamente 5 mil toneladas, a Hercílio Luz foi projetada por engenheiros norte-americanos – e executada por mão de obra operária catarinense – durante o mandato do governador que lhe deu nome em homenagem póstuma. Fechada por motivo de segurança em 1982, a ponte foi reaberta somente em 2019, a princípio para pedestres e ciclistas.

Ponte Hercílio Luz na década de 1960. Foto: Reprodução/Portal Floripa
Centro

Nesse entremeio em que deixou de ser utilitária para se tornar o principal ponto turístico do estado, foram inauguradas as pontes Colombo Salles, em 1975, e Pedro Ivo Campos, em 1991, ambas interligando a ilha ao continente, como o fazem até hoje. Já a Hercílio Luz – que em 2021 voltou a ser liberada para o tráfego de veículos – foi oficialmente tombada como patrimônio histórico, artístico e arquitetônico de Florianópolis em 1997, coincidentemente o ano de lançamento da canção metafórica do recifense Lenine. Muito antes, em 1938, o violonista e compositor catarinense Luiz Henrique Rosa3 homenageara o patrimônio da capital na canção “Ponte Hercílio Luz”, posteriormente interpretada pelo sambista carioca Martinho da Vila. É também de autoria de Luiz Henrique (em parceria com Fernando Bastos) o hino do Avaí Futebol Clube, fundado na ilha em 1923, cerca de um ano depois de iniciadas as obras da ponte.

Naquela ocasião, o comerciante Amadeu Horn presenteara um grupo de jovens futebolistas da Pedra Grande (atual Bairro da Agronômica) com camisas listradas em azul e branco, dando origem ao então Avahy Football Club, em referência à batalha homônima de 1868 durante a Guerra do Paraguai. Dois anos antes da fundação do Avaí, surgia o Figueirense Futebol Clube. Embora tenha transferido sua sede para o lado de lá da ponte em 1945, o Figueirense também se originou na porção insular de Florianópolis, no popular bairro da Figueira, localizado à beira-mar, na porção oeste da ilha. Era ali que se estabelecia a população carente da cidade, grupos de pequenos comerciantes locais, marinheiros, estivadores e outros trabalhadores do mar, conforme narrado pelos pesquisadores Paulino de Jesus Cardoso e Karla Leandro Rascke (2014) em obra sobre as origens dos clubes catarinenses.

Assim como a maioria das agremiações futebolísticas no Brasil, Avaí e Figueirense também rivalizam para além dos limites do gramado. Esse embate geográfico entre o time da ilha e o time do continente alimenta o imaginário do torcedor catarinense desde que o clube do bairro da Figueira transferiu sua sede para o Estreito – bairro da porção continental da cidade – na década de 1940. Esse imaginário carrega ainda uma disputa social bem demarcada, na qual o Avaí é comumente associado ao estereótipo de time de elite e o Figueirense ao estereótipo de clube do povo. A memória histórica e geográfica de Florianópolis eleva o embate clubístico entre os dois principais clubes de futebol da cidade a esse patamar de disputa de classes – o que, não raro, é fomentado pelos torcedores e pela própria mídia esportiva.

No entanto, tais construções muitas vezes permeiam a ótica das tradições inventadas (HOBSBAWN; RANGER, 2008), ou seja, que se perpetuam desde a fundação dos clubes, mas que não necessariamente condizem com o contexto atual das agremiações. Em debate sobre a rivalidade entre os clubes catarinenses, veiculado em 2020 no Portal Ludopédio4, o historiador Felipe Matos (2020) pondera que a construção desses estereótipos – e sua propagação pelo jornalismo esportivo – é problemática porque deturpa a história dos clubes e perpetua trajetórias que não mais correspondem às agremiações.

Eu não tenho dúvidas de que a origem do Figueirense é muito mais popular do que a origem do Avaí. O Avaí surgiu em 1923 como um grupo de jovens filhos da classe média, estudantes do Colégio Catarinense, que é o colégio das elites da cidade. […] Mas a questão é: até quando o Figueirense foi popular? E por que o Avaí é considerado um time de elite mesmo quando o pessoal do Morro do Céu fazia história jogando pelo clube? […] Fala-se muito da oligarquia Ramos no Avaí, mas se o Avaí tinha os Ramos do PSD, o Figueirense tinha a UDN. Tinha Thomas Chaves de Cabral, tinha o Charles Edgard Moritz, tinha a família Ferrari, a família Galotti. São família populares? O Avaí tinha a família Amin, o Figueirense tinha a família Bornhausen. […] Até hoje, há muitas famílias tradicionais de Florianópolis que compram esse discurso estereotipado. Mas, ao longo de sua história, o Avaí não pode ser considerado um time de elite – pelo menos não o Avaí de muita gente da Costeira, do mangue, do Morro da Caixa, do Morro do Céu. (MATOS, 2020, s/p.).

Desde sua fundação em 1923, o Avaí contemplava em seus domínios essas oligarquias tradicionais de Florianópolis que ocupavam espaços de poder no clube, como as famílias Ramos e Amin. A memória do Figueirense, por sua vez, remete ao já extinto bairro da Figueira, situado nas proximidades do porto. Segundo Cardoso e Rascke (2016), esse pequeno território, considerado pelas elites locais como um antro de prostituição, reunia centenas de marinheiros, praças da Marinha de Guerra, estivadores e tantos outros populares que representavam um cenário afrontoso às elites dirigentes da época. Vale lembrar ainda que, até sua modernização na década de 1940, o bairro da Figueira constituía um dos locais com a maior presença de pessoas de origem africana em Florianópolis. Foi também na década de 1940 que o Figueirense transferiu sua sede para o bairro do Estreito, onde em 1960 inaugurou o Estádio Orlando Scarpelli, passando a mandar seus jogos definitivamente na porção continental de Florianópolis, que agora representava a “casa” do clube.

O bairro da Figueira, local de marcante presença africana e de seus descendentes extinguiu-se como território negro nos anos de 1940, quando a cidade estava transformada, conformando uma capital que deveria seguir os rumos do progresso, segundo aspirações das elites políticas dirigentes. A região central passara a ser espaço da administração pública, dos comércios estabelecidos, da prestação de serviços (CARDOSO; RASCKE, 2014). As classes populares tiveram que construir suas vidas nas regiões periféricas da cidade, nos contornos dos morros ou em áreas mais afastadas do perímetro central e suas bordas. (CARDOSO & RASCKE, 2016, p. 103).

Essa transformação se deu no contexto em que as elites portuguesas – colonizadoras do território que hoje corresponde à capital catarinense – foram suplantadas por elites germânicas nas primeiras décadas do século XX, forjando um modelo de urbe que atendesse aos anseios da República. Como resultado desse modelo, os populares de origem africana, bem como os demais pobres e desvalidos, foram empurrados para os morros adjacentes ao centro urbano, em um processo que se intensificou ainda mais com a inauguração da Ponte Hercílio Luz em 1926. Nesse aspecto, a estrutura planejada para ligar a porção insular à porção continental de Florianópolis também delimitava a segregação espacial. Não à toa, com a transferência do Figueirense para o Estreito a trajetória do clube ganhou novos contornos de popularidade, agora por integrar a porção continental da cidade, não mais dividindo território com a elite beira-mar da ilha.

Estádio Orlando Scarpelli inaugurado em 1960 no bairro do Estreito, em
terreno cedido pelo empresário e esportista que lhe deu nome. Foto: Memorial
Figueirense Futebol Clube

É importante situar a inauguração dos estádios de Avaí e Figueirense nesse contexto de disputa de classes e de territórios justamente porque a configuração geográfica de Florianópolis contribui para evidenciar tais marcações sociais. A origem dos dois principais clubes de futebol do estado, suas relações com as hierarquias urbanas da capital e o pertencimento clubístico de Avaí e Figueirense materializado na construção de seus respectivos estádios – Ressacada e Orlando Scarpelli – ajudam a compreender a consolidação dos estereótipos de time do povo e time de elite que se perpetuam até os dias de hoje, seja pelas narrativas do jornalismo esportivo, seja pela cultura torcedora em si.

Na década de 1970, o Avaí toma posse do estádio Adolfo Konder, de estrutura bastante acanhada, porém situado numa área muito valorizada da cidade: a Avenida Beira-Mar Norte. Nessa mesma época, o clube fez uma permuta com a construtora que ergueria o Beiramar Shopping no local. O Avaí então entrega a área do Adolfo Konder à essa construtora e inicia as obras do Estádio da Ressacada na Aderbal Ramos da Silva, inaugurado em 1983 sobre uma área de mangue no bairro Carianos. No citado debate do Portal Ludopédio, os pesquisadores Alexandre Vaz, Danielle Torri e Felipe Matos contextualizam esse cenário, apontando para as contradições evidentes entre a inauguração da Ressacada e o distanciamento de um clube que dialoga pouco com a comunidade do entorno que hoje lhe serve de casa.

O estádio do Avaí sai de uma área absolutamente valorizada, que é o primeiro shopping da ilha, o Beiramar Shopping, e vai para a Ressacada, que era também uma área muito rural naquele momento, uma área de mangue, mas lá se torna um estádio de elite. Então existe uma contradição interessante aí: quando se situava em um bairro central, era um estádio que atendia o Morro da Caixa D’água, que recebia um público muito popular. Inclusive,
vários jogadores do Avaí saíram dali. Agora, o estádio vai para um bairro muito afastado e se transforma em um lugar de elite. É muito difícil, por exemplo, chegar na Ressacada de ônibus. Sair, então, nem pensar. (VAZ,
2020, s/p).

Outra contradição que se pode evidenciar a partir desse raciocínio da invenção de tradições e da construção de estereótipos se evidencia na maneira como os torcedores do Figueirense usualmente provocam o rival, referindo-se ao Avaí de forma pejorativa como o “time do mangue”. Ora, se os manguezais são tidos como territórios suburbanos, por que o Figueirense reivindicaria para si o título de “time do povo” enquanto seus torcedores fazem chacota do rival que ergueu seu estádio nesse território essencialmente popular entre os bairros Costeira e Carianos? “A Costeira é um bairro de passagem. Ninguém vai para a Costeira se não mora na Costeira. Tu passas pela Costeira para ir pro sul da ilha, para ir ao aeroporto. É um bairro popular, assim como Carianos”, reforça o historiador Felipe Matos (2020, s/p.).

Estádio Aderbal Ramos da Silva, erguido sob o mangue da Ressacada
e inaugurado em 1983. Foto: Reprodução/Mercado do Futebol

Nesse sentido, convém destacar ainda o que Matos (2020) pondera sobre a identidade do Avaí em relação ao manguezal, referindo-se ao fato de o clube não reforçar essa política identitária junto à comunidade que o recebeu de braços abertos na década de 1980: “Hoje na Costeira a maioria da população é avaiana, não sei se era antes dos anos 80, antes de o Avaí chegar. Essa comunidade abraçou o clube e dialoga-se muito pouco com ela.”. Segundo o pesquisador Alexandre Vaz (2020), o fato de o Avaí não aproveitar esse diálogo com a comunidade que dá sustentação urbana à Ressacada também é fruto do atual processo de elitização do futebol: “É como se o Avaí saltasse a Costeira, saltasse o Carianos e chegasse ao centro direto. Por isso, por não ter perfil de torcida, o clube vai tomando um perfil de camadas médias e vai se afastando do elemento popular.”.

Isso, de certa maneira, talvez o Figueirense preserve um pouco mais, afinal, o clube está mesmo encravado numa confluência de bairros, sobretudo a Vila São João e a Coloninha – que são bairros populares – e até pelas ligações do clube com a escola de samba também, a Unidos da Coloninha. Então o diálogo com o elemento popular é quase que obrigatório ali. Não há como o Figueirense saltar. (VAZ, 2020, s/p.).

Quanto à construção dos estereótipos de povo e elite em si, Vaz é categórico: “origem não é destino”. E complementa: “As duas grandes oligarquias catarinenses uma basicamente adotou um time e, a outra, adotou o outro.”. Esse imaginário que fica na cidade e que é fomentado pela configuração geográfica da capital nos mostra que entender Florianópolis passa por conhecer o Avaí e o Figueirense, como bem salientou a pesquisadora Danielle Torri também no referido debate do Portal Ludopédio. Retomando os trechos da canção que ilustra o início deste texto, podemos refletir sobre o refrão em que o compositor Lenine se pergunta “como é que faz pra sair da ilha”. Nessa metáfora, estar ilhado não significa estar do lado insular da ponte, mas sim alienar-se em determinada zona de conforto, ancorando-se a imaginários que muitas vezes não condizem com a realidade e que nos impedem de enxergar o que há do outro lado – coisa que nós jornalistas fazemos com certa frequência. Portanto, nunca é demais lembrar que para sair da ilha é preciso cruzar a ponte.

*Uma versão mais completa deste texto integrou o GT Historiografia da Mídia, pertencente ao 8º Encontro Regional Sul de História da Mídia, promovido remotamente pela Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (ALCAR) em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em abril de 2021.


Referências bibliográficas

CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco; RASCKE, Karla Leandro. Figueirense: o bairro da Figueira e o nascimento de um clube. In: VAZ, Alexandre Fernandez; DALLABRIDA, Norberto (orgs). O futebol em Santa Catarina. Histórias dos clubes (1910-2014). Florianópolis: Insular, 2014. p. 17-45.

CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco; RASCKE, Karla Leandro. Cidadania e expectativas no bairro da Figueira: o surgimento do Figueirense Foot Ball Club (Florianópolis/SC, 1921- 1951). Vozes, Pretérito & Devir, v.5, n. 1, p. 77-98, 2016.

HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. 6. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.

MATOS, Felipe. Ludopédio em Casa #30: Rivalidades Catarinenses: Avaí x Figueirense. Portal Ludopédio.

TORRI, Danielle. Ludopédio em Casa #30: Rivalidades Catarinenses: Avaí x Figueirense. Portal Ludopédio.

VAZ, Alexandre. Ludopédio em Casa #30: Rivalidades Catarinenses: Avaí x Figueirense. Portal Ludopédio.


1 “A Ponte” integra o terceiro álbum de estúdio do cantor e compositor Lenine, “O Dia em que Faremos Contato”, lançado em 1997. Uma segunda versão da canção foi gravada com a orquestra holandesa Martin Fondse Orchestra, compondo o CD/DVD “The bridge: Lenine & Martin Fondse – live at Bimhuis”, lançado em outubro de 2016.

2 “Eu e Lenine (A Ponte)” foi composta pelo rapper brasiliense Genival Oliveira Gonçalves (GOG) e lançada em 2004 no álbum “Tarja Preta”. A letra é uma crítica à superfaturada Ponte Juscelino Kubitschek inaugurada em Brasília no ano de 2002, bem como à segregação espacial evidente na cidade e ao processo de gentrificação no curso da obra. Ao saber que sua canção foi parafraseada pelo rapper GOG, Lenine o convidou para cantá-la com ele em versão que integra seu segundo álbum ao vivo, o Acústico MTV, gravado no Auditório Ibirapuera em 2006. Esta história pode ser conferida em: https://youtu.be/p_SJ1Hlr738&t=1s.

3 Luiz Henrique Rosa foi um cantor, violonista e compositor brasileiro de bossa nova e MPB. Morreu aos 46 anos, em 1985, quando completaria 25 anos de carreira, vítima de um acidente automobilístico. Em 2003 foi organizado o CD “A Bossa Sempre Nova de Luiz Henrique”, no qual os músicos Martinho da Vila, Elza Soares, Ivan Lins, Luiz Melodia, Sandra de Sá, Biá Krieger e Toni Garrido interpretam as composições do homenageado, entre elas a citada canção “Ponte Hercílio Luz”.

4 O Ludopédio é a principal referência brasileira em divulgação científica sobre futebol da América Latina. Criado em 2010, trata-se de um portal independente composto por pesquisadores que visam propor uma ponte entre a produção acadêmica e a sociedade. Em março de 2020, no início da pandemia de Covid-19 no Brasil, o Portal lançou o quadro semanal “Ludopédio em Casa”, compondo mesas virtuais com jornalistas, pesquisadores e especialistas da área para debater diversos temas que envolvem o futebol para além das quatro linhas, como racismo, homofobia, política e torcidas.

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Direitos das atletas gestantes: o caso Allyson Felix e a relação com patrocinadores

A velocista norte-americana Allyson Felix é detentora de vinte e cinco medalhas entre Jogos Olímpicos e Campeonatos Mundiais de Atletismo, sendo dezoito delas de ouro – os dois últimos conquistados nas Olimpíadas do Rio em 2016. Competidora dos 100, 200 e 400 m raso, ela é a única atleta do mundo a somar seis medalhas de ouro no atletismo olímpico. Em sua maior especialidade, os 200 m rasos, Felix tem uma medalha de ouro olímpica e três como campeã mundial, sendo 21,69 segundos sua melhor marca nessa distância – sexto melhor tempo da prova na história, feito que inclusive a coloca como a quarta velocista mais rápida do mundo. Em 2018, Alysson Felix decidiu ser mãe. Sua filha Camryn nasceu em novembro, de um parto prematuro de 32 semanas. No mês de maio daquele ano, a atleta se juntou às denúncias de discriminação feitas por outras desportistas, o que culminou em um texto de grande repercussão publicado no The New York Times, no qual Felix relatava que a Nike, sua então patrocinadora, reduziu em cerca de 70% os valores de seu contrato de patrocínio após o nascimento de Camryn.

Durante a gravidez, a atleta ainda pediu garantias à patrocinadora de que não seria penalizada caso rendesse abaixo de seu nível nos meses anteriores e posteriores ao parto. A princípio, a resposta da empresa foi negativa. Porém, cerca de três meses após ser exposta no jornal, a Nike escreveu à atleta para anunciar que não rescindiria o contrato e nem reduziria os valores durante os dezoito meses de gestação e maternidade, sendo oito deles anteriores ao parto. Dez meses após o nascimento da filha, Alysson Felix integrou o revezamento 4×400 misto composto de duas mulheres e dois homens, no Mundial de Atletismo em Doha, de 2019. Na ocasião, a equipe de Felix ganhou a medalha de ouro e ainda estabeleceu o recorde mundial da prova. Essa foi a décima segunda medalha de ouro de Alysson Felix em mundiais de Atletismo, superando o recorde do jamaicano Usain Bolt, detentor de onze ouros na competição. O feito foi marcante não só por se tratar de uma mulher batendo o recorde de um homem, mas, sobretudo, porque contradiz o argumento de empresas patrocinadoras que insinuam o suposto baixo rendimento de atletas que retornam da licença maternidade.

Legenda: Allyson Felix e a filha Camryn em 2019/Reprodução Instagram @af85

Sabemos que o mercado de trabalho para as mulheres, qualquer que seja a profissão, ainda é terreno fértil para práticas discriminatórias e relações abusivas pautadas pela hierarquia de gênero. Prova disso é que, mesmo ocupando posições correlatas às dos homens, as mulheres recebem salários inferiores em todas as ocupações, segundo pesquisa divulgada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa mentalidade se deve ao machismo estrutural no qual o papel do homem é supervalorizado, o que no mundo do trabalho é ilustrado pela falsa acepção de que a mulher produziria menos e, portanto, contribuiria menos para uma lógica econômica de mercado. Para as que trabalham no meio esportivo, esse cenário tende a ser ainda mais duro, tanto é que o Brasil – justamente a nação que ostenta o imaginário de país do futebol – precisou esperar até setembro de 2020 para que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) finalmente anunciasse a equiparação de valores de premiações e diárias entre a modalidade futebolística masculina e feminina.

Embora nos últimos anos os espaços midiáticos – em especial os alternativos, isto é, que não fazem parte da imprensa hegemônica – venham subvertendo essa lógica do machismo estrutural em diversas esferas da sociedade (que não só o esporte), é impossível não retomar as previsões da pesquisadora Miriam Adelman (2006) já no início do século, em relação ao papel da mídia na luta de gênero:

Como a filósofa feminista Susan Bordo (1994) nos adverte, estamos ainda longe de um momento “pós-gênero”, as práticas subversivas ainda não se afirmam como majoritárias, e a cultura pós-moderna, atrelada ainda aos discursos hegemônicos disseminados poderosamente nos meios de comunicação de massas, produz a cada momento novas formas de disciplinar os corpos e os sujeitos, segundo critérios dicotômicos e desiguais sobre o que pode/deve ser e fazer, uma mulher, ou um homem. (ADELMAN, 2006, p. 13).

Adelman (2006) ainda traz para o debate a escritora feminista Susan Brownmiller e sua definição de feminilidade como “estética da limitação”, sob a qual se resumem os impulsos dominantes de vários séculos de cultura moderna. Nessa ótica, entende-se por que o esporte é terreno de luta sobre o que pode ser ou fazer uma mulher, tendo em vista que as práticas esportivas – pelo menos nas modalidades mais competitivas – “desafiam os limites” das habilidades corporais. “Para as mulheres, torna-se uma disputa por acesso a espaços, legitimidade, e recursos materiais e simbólicos, que encena de forma muito sensível, a luta maior para ter controle sobre o próprio corpo, e sobre a vida.” (ADELMAN, 2006, pp. 13/14). Nessa luta, naturalmente, inclui-se o direito de decidir-se ou não pela maternidade.

Foi justamente por priorizar o esforço corporal exigido pelo atletismo, que a empresa de material esportivo Nike não hesitou ao reduzir em cerca de 70% os valores de patrocínio concedidos à velocista Allyson Felix após a atleta anunciar sua gravidez. Em um artigo publicado no jornal The New York Times no dia 22 maio de 2019, Felix se posicionou a respeito, acusando a patrocinadora Nike de discriminar atletas que tiram licença maternidade: “Se eu, uma das atletas mais comercializadas da Nike, não podia conseguir essas proteções, quem poderia?”. Ela não foi a primeira atleta a denunciar publicamente a marca por reduzir contratos de patrocínio de atletas logo depois de se tornarem mães:

Na semana passada, duas de minhas ex-companheiras de equipe da Nike, as corredoras olímpicas Alysia Montaño e Kara Goucher, heroicamente quebraram seus acordos de sigilo com a empresa para compartilhar seus relatos da gravidez em uma investigação do The New York Times. Elas contaram histórias que nós, atletas, sabemos que são verdadeiras, mas temos medo de contar publicamente: se tivermos filhos, corremos o risco de cortes nos salários de nossos patrocinadores durante a gravidez e depois. É um exemplo de uma indústria esportiva onde as regras ainda são feitas principalmente para e por homens (Allyson Felix – The New York Times).

Legenda: Alysia Montaño em 2014, competindo no Campeonato de Atletismo dos Estados Unidos em sua 34ª semana de gravidez/Reprodução Instagram @alysiamontano

Allyson Felix decidiu ser mãe em 2018, mesmo ciente do que isso poderia acarretar para a sua carreira. Nessa mesma época, ela estava negociando a renovação de seu contrato com a Nike, que havia terminado em dezembro de 2017. Embora seja uma das atletas mais vitoriosas já patrocinadas pela marca, Felix não apenas teve seu contrato de patrocínio significativamente reduzido pela Nike, mas, também, recebeu uma negativa quando solicitou à empresa que não a punisse caso rendesse abaixo do seu melhor desempenho nos meses anteriores ao parto.

Além disso, Felix alega em seu artigo que foi pressionada pela empresa para voltar à forma o mais rapidamente possível após o nascimento da filha em novembro de 2018, mesmo tendo passado por uma cesariana de emergência quando completou 32 semanas de gravidez e teve sua vida (e a da sua bebê) ameaçada por uma pré-eclâmpsia: “Apesar de todas as minhas vitórias, a Nike queria me pagar 70% menos do que antes. Se é isso que eles acham que valho agora, eu aceito. O que não estou disposta a aceitar é o status quo duradouro em torno da maternidade.”. Ainda no mesmo artigo, Felix afirma que um dos fatores decisivos para ela assinar com a empresa há quase dez anos foi, ironicamente, o que pensou ser um dos princípios fundamentais da empresa: a igualdade de gênero:

Eu poderia ter assinado em outro lugar por mais dinheiro. […] Mas quando me encontrei com a liderança da empresa em 2010, uma mulher me contou sobre uma iniciativa patrocinada pela Nike chamada Girl Effect, baseada na crença de que, quando as meninas têm oportunidades, elas são capazes de tirar seus países da pobreza. Ao ingressar na Nike, ela disse, eu poderia ajudar a empoderar mulheres. Ela me afirmou que a Nike acreditava em mulheres e meninas, e eu acreditei nela. Isso também explica por que minha experiência recente foi tão dolorosa (Allyson Felix – The New York Times).

A ironia da pseudo-política não-discriminatória da Nike também apareceu no relato da atleta Alysia Montaño para o mesmo jornal: “A Nike me disse para ter sonhos loucos, até que eu quis ter um bebê.”. A atleta se referia à uma campanha publicitária da empresa, “Dream Crazier”, lançada em fevereiro de 2019 na cerimônia do Oscar e narrada pela tenista norte-americana Serena Williams. Com tom de voz enérgico, Williams narra as discriminações diversas as quais atletas mulheres estão sujeitas apenas por tentarem acreditar em seus sonhos:

Se demonstramos emoção, somos chamadas de dramáticas. Se queremos jogar contra os homens, somos loucas. E se sonharmos com oportunidades iguais, estamos delirando. Quando lutamos pelo que é justo, somos desequilibradas. Quando estamos muito bem, há algo errado com a gente. E se ficamos com raiva, somos histéricas, irracionais ou simplesmente doidas. […] Se eles querem te chamar de ‘louca’, tudo bem, mas mostre a eles o que as loucas são capazes de fazer (Trecho do comercial Dream Crazier, da Nike, narrado por Serena Williams).

O problema do anúncio feminista da Nike é que ele incorre na contradição salientada pelas atletas no The New York Times: ao mesmo tempo em que a empresa lança uma série de campanhas ativistas denominada “Just Do It” (“Simplesmente faça”), ela também reduz o patrocínio de esportistas gestantes e pune quem tira licença-maternidade depois de apostar na “loucura” de ser mãe enquanto se está no auge da carreira. Diante dos relatos expostos no jornal nova-iorquino, a Nike respondeu que colocaria em andamento uma nova política de salários-padrão às atletas durante suas gestações. Cerca de três meses depois, formalizou seu compromisso em um e-mail assinado por John Slusher, vice-presidente de Marketing global da marca, e endereçado à Allyson Felix. No comunicado, a Nike afirmou que não mais rescindiria nem aplicaria reduções econômicas em contratos de atletas gestantes durante os dezoito meses de gravidez e maternidade.

Contudo, em julho de 2019 – cerca de um mês antes de receber o comunicado oficial da empresa e após voltar a competir pela primeira vez depois do parto – Felix encerrou as negociações com a Nike e assinou um contrato com a Athleta, uma marca de roupas esportivas que nunca havia patrocinado atletas – homens ou mulheres. Pode-se dizer que Allyson Felix também “formalizou” seu rendimento pós-parto ao conquistar, em outubro daquele mesmo ano, sua décima segunda medalha de ouro em mundiais. O feito foi no revezamento 4×400 metros com a equipe dos Estados Unidos no Mundial de Doha, no Qatar. Além de ter sido campeã do torneio, Felix ainda bateu o recorde do jamaicano Usain Bolt – registro que se mantinha desde 2013 quando o velocista conquistou seu décimo primeiro ouro.

Legenda da foto: Allyson Felix no Mundial de Doha em 2019/Getty Images

Essa vitória foi bastante simbólica para as atletas mulheres – e para o Esporte em geral – não apenas porque se trata de uma mulher batendo o recorde de um homem, mas, sobretudo, porque o feito se deu apenas dez meses após Allyson Felix ter dado à luz a filha Camryn em meio ao imbróglio da queda de seu patrocínio com a Nike. Na ocasião em que recebeu o e-mail onde a empresa anunciava sua nova política contratual não-discriminatória, Felix publicou a resposta em sua conta pessoal no Instagram, demonstrando-se realizada com a decisão da Nike em dar proteção às atletas mulheres as quais patrocina, que já não serão penalizadas economicamente por decidirem ter filhos. Na postagem, Felix conclui: “Nossas vozes têm poder. […] Agradeço a John Slusher e Mark Parker por sua liderança e seu desejo de guiar a Nike como empresa que acha que somos mais do que atletas. Obrigada às marcas que já assumiram esse compromisso. Quem será o próximo?”.

No âmbito trabalhista, a ausência de profissionalização e, consequentemente, da garantia de direitos previdenciários como a licença-maternidade, faz com que as desportistas precisem pensar duas (ou centenas de vezes) antes de decidir ter um filho. Ao escolherem tê-lo, ainda correm o risco de estarem submetidas a cláusulas de redução de ganhos por perda de performance nos contratos de exclusividade com patrocinadores, a exemplo da norte-americana Allyson Felix. Não se sabe, por exemplo, de nenhum caso relevante em que um atleta homem teve o patrocínio diminuído em função da paternidade.

Quando Felix competiu no Mundial de Doha dez meses após ter dado à luz a filha sagrando-se campeã e ainda batendo o recorde do consagrado velocista jamaicano Usain Bolt, muitos jornais estamparam a vitória da atleta na primeira página de seus cadernos esportivos. Poucos, porém, contextualizaram o simbolismo que aquela conquista trazia em termos de representatividade, visibilidade, reconhecimento e, sobretudo, direito da mulher ao próprio corpo. Considerando o esporte como um “espaço de transgressão, empoderamento, e/ou disciplinamento patriarcal das mulheres” (ADELMAN, 2006, p. 11) e o papel social do jornalismo como um dos vetores da igualdade de gênero, convém finalizar este texto retomando um trecho de Allyson Felix na denúncia que fez ao The New York Times, a qual felizmente culminou em significativas alterações contratuais na política de patrocínio esportivo da Nike: “Sempre soube que me expressar poderia prejudicar minha carreira. Então tentei antecipar o que as pessoas esperam de minhas conquistas e não fazer isso. Eu não gosto de decepcionar as pessoas. Mas não se pode mudar nada ficando em silêncio.”.

*Uma versão mais completa deste texto integra o Simpósio Temático “Educação de corpos, gêneros e sexualidades nas práticas esportivas e de lazer: entre resistências e reificações” da edição 2020 do Seminário Internacional Fazendo Gênero. Além disso, a versão completa também foi apresentada à disciplina Debates Contemporâneos em Estudos Feministas e de Gênero, ministrada remotamente no segundo semestre de 2020, pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) da Universidade Federal de Santa Catarina, sob supervisão das professoras Miriam Pillar Grossi, Caroline Soares de Almeida, Claudia Lazcano, Marie Leal Lozano e Vera Gasparetto.

Referências bibliográficas

ADELMAN, Miriam. Mulheres no Esporte: Corporalidades e Subjetividades. Revista Movimento, Porto Alegre, v.12, n. 01, p. 11- 29, janeiro/abril de 2006.

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Jornalista esportivo pode falar pra que time torce?

Neste mês de agosto, fez dois anos que defendi minha dissertação de mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina. A minha intenção com o trabalho era identificar de que maneiras as preferências clubísticas dos jornalistas esportivos gaúchos interferiam na cobertura da rivalidade GreNal em Porto Alegre. Embora essa questão das subjetividades na editoria esportiva já esteja bem (de)batida, fiz o exercício de reler o tópico “Jornalista esportivo pode falar pra que time torce?” da minha dissertação para tentar compreender porque alguns jornalistas que entrevistei no jornal Zero Hora foram tão hostis comigo às vésperas de eu defender o trabalho. Chegaram a me dizer, entre e-mails e ligações em tom de ameaça, que a minha irresponsabilidade na pesquisa colocaria fim à minha carreira de jornalista – que mal tinha começado, por sinal.

Hoje, dois anos após o ocorrido, já consigo falar com mais maturidade sobre o que aconteceu: em algum momento nas minhas quatrocentas páginas de dissertação, eu deixei bem claro para que time cada um dos jornalistas entrevistados torcia. Se fazer isso na imprensa esportiva do Rio de Janeiro ou de São Paulo já soaria uma afronta, imaginem no Rio Grande do Sul, onde a grenalização beira a irracionalidade. Eu, na boa fé de quem está fazendo um favor às fontes, enviei a pesquisa aos meus informantes antes de protocolar o pedido de defesa na universidade. Foi quando seis – dos sete jornalistas que eu havia entrevistado em dois dias intensos de pesquisa na redação da Zero Hora – me responderam de uma forma que julguei desproporcional à situação e muito desagradável com quem estava prestes a obter sua conquista profissional mais importante até então – e que tinha trabalhado duro pra isso.

Pode ser que esses jornalistas tenham se sentido ludibriados porque cheguei na Redação querendo falar sobre a rivalidade GreNal e saí de lá sabendo o time de todo mundo, um segredo de estado no Rio Grande do Sul. E para mim uma bobagem tão grande quanto um jornalista que faz crítica de música na Rolling Stone, mas não pode ter seu top 10 de discos na estante. O professor Celso Unzelte explica melhor esse raciocínio: “como ser objetivo e imparcial (mas sem perder a paixão, jamais!) nessa que é, talvez, a mais subjetiva e passional de todas as áreas do jornalismo?” (UNZELTE, 2009, p.12). Pois é, era essa uma das perguntas que eu tentava responder na minha dissertação. Tanto é que lendo as matérias da Zero Hora logo percebi uma série de indícios clubísticos nas entrelinhas, os quais suponho que gremistas e colorados também percebessem. Tudo bem que eu estava analisando matérias e reportagens de um período ímpar na história secular de Grêmio e Inter: um deles sendo campeão na quarta e o outro sendo rebaixado no domingo. Então, naquele momento apocalíptico, até mesmo quem estava apenas de passagem por Porto Alegre vestia azul ou vermelho.

É lógico que tomar partido sendo repórter esportivo é mais complicado, vai ver por isso o único dos sete jornalistas que não questionou minha conduta – e inclusive quis ter o seu nome (e o seu time) divulgados na pesquisa – era alguém que há um tempo havia deixado o caderno de esportes. Afinal, mais do que os fundamentos do jornalismo em si, o assunto envolve questões óbvias de segurança, nem tão óbvias assim para mim naquele momento, mas que foram motivo suficiente para eu rever minha escrita e defender o trabalho sem tocar na ferida. Ainda que durante as entrevistas não tenha ficado claro um pedido de off, depois de todo esse impasse na Redação concordei com as fontes em omitir suas identidades, substituindo-as por “A” “B”, “C”, “D”, “E”, e “F” para protegê-las dos depoimentos* que transcrevo a seguir, os quais compõem a versão final do trabalho e resultaram de  muito vai-e-vem nas entrevistas até que eu chegasse direto ao ponto:

Trecho da entrevista com o jornalista C:

Thalita Neves (T.N.): Aqui na Zero Hora vocês têm essa coisa de o setorista do Grêmio ser alguém que torce pro Grêmio e do Inter alguém que torce pro Inter?

Jornalista C (J.C.): Não, não necessariamente. Eu, por exemplo, sou paulista. Eu não sou nem gaúcho.

T.N.: Bom que você escapa de qualquer tipo de julgamento…

J.C.: Não, não escapo. As redes sociais não nos perdoam. Por qualquer coisa, sério, por indício, eles apontam: “lá você falou isso, aqui você falou aquilo…”.

Trecho da entrevista com o jornalista B:

Jornalista B (J.B.): A maioria não identifica o clube pra qual torce porque sabe que isso é uma questão problemática aqui.

Thalita Neves (T.N.): Vocês recebem críticas por e-mail ou isso é mais comum nas redes sociais?

J.B.: Tá cada vez menos comum por e-mail e mais comum em redes sociais. Inclusive, com táticas, entre aspas, de descontextualizar coisas que tu escreve. […] E aí eles vão lá e esquadrinham o teu perfil do Twitter pra buscar tweets antigos pra denunciar uma suposta parcialidade.

T.N.: E pra que time você torce?

J.B.: Eu sou colorado.

T.N.: Aqui o setorista do Inter é um colorado e do Grêmio um gremista ou isso independe?

J.B.: Independe. Isso independe.

Trecho da entrevista com o jornalista F:

Thalita Neves (T.N.): Eu vejo que aqui os jornalistas não gostam de falar pra que time torcem.

Jornalista F (J.F.): Eu acho isso uma besteira, na real, tá? […] Todo mundo que nasceu no Rio Grande do Sul ou 90% das pessoas que nasceram no Rio Grande do Sul ou torcem pro Inter ou torcem pro Grêmio. Alguns torcem pro Brasil [de Pelotas], de verdade, outros torcem pra alguns times do interior… São Paulo de Rio Grande, enfim. A maior parte torce, de fato. Eu não conheço ninguém que torce pro juiz. Ninguém nasceu torcendo pro juiz. A não ser o filho do juiz que é um, dois, dez, vinte.

T.N.: E eu não conheço ninguém que entrou no jornalismo esportivo e não tem um time, né?

J.F.: Porque provavelmente o cara gosta, se não o cara ia se torturar, estando aqui todo dia falando disso. […] Eu evito falar. Mas não acho que mancharia a minha credibilidade.

T.N.: E você é colorado?

J.F.: Eu não tenho problema nenhum, eu sou sócio. Porque durante trinta anos eu não cobri o Inter. E obviamente eu gosto de ir no estádio. […] Mas eu te confesso que eu acho uma besteira assim, sabe. Se eu não tivesse essa questão da segurança eu não teria problema nenhum em dizer. Eu não acho que o meu trabalho seja comprometido por eu torcer pro Inter. Primeiro porque eu não vou mudar, não conheço ninguém que mudou de time, mesmo em bom ou mau momento.

T.N.: E aqui vocês têm essa coisa de quem torce pro Inter cobre Inter e quem torce pro Grêmio cobre Grêmio ou independe?

J.F.: Não sei, te confesso que eu não sei.

Trecho da entrevista com o jornalista A:

Jornalista A (J.A): As pessoas que aparecerem com foto minha no estádio, não tem problema, eu vou assumir. Se a pessoa me disser: “ah tu torce pra esse time”, eu vou assumir, eu não escondo.

Thalita Neves (T.N.): Então, se você for perguntado, você não vai negar?

J.A.: Se a pessoa vier com uma foto: “olha aqui, tô te vendo aqui”, tudo bem. Eu não vou sair falando que eu torço pra A ou B. Não vou. […] Mas é engraçado, pois como eu faço Inter há bastante tempo, as pessoas já acham que eu sou colorado.

T.N.: E você é colorado?

J.A.: Sim.

T.N.: Eu ia perguntar se tinha essa coisa de os setoristas cobrirem o time deles…

J.A.: Eles te disseram?

T.N.: Não. Eu supus.

J.A.: Mas não, não tem. É coincidência.

Trecho da entrevista com o jornalista E:

Jornalista E (J.E.): A seriedade é básica em qualquer setor da vida. Mas aqui, a seriedade, e aí tu junta no jornalismo a isenção, de não pender pra nenhum dos lados, né? Porque se tu fica marcado como gremista ou como colorado…

Thalita Neves (T.N.): Vai estar sujeito a mais julgamentos e até ameaças.

J.E.: É. E depois eu acho que o básico para o jornalista esportivo é estar bem informado, e saber contar a história […]. Eu tenho que fazer as pessoas entenderem aquilo que eu tô querendo dizer, e com a melhor qualidade e com o melhor padrão de texto possível. Eu acho que é mais ou menos por aí.

T.N.: E informalmente você pode me dizer se você é Grêmio ou Inter?

J.E.: Não, não posso.

T.N.: Que pena, todo mundo me disse.

J.E.: Todo mundo tem um time. Eu era colorado.

Trecho da entrevista com o jornalista D:

Thalita Neves (T.N.): Pelo o que eu vi dos setoristas aqui, o pessoal prefere ficar na defensiva pra não estar sujeito a julgamentos o tempo inteiro.

Jornalista D (J.D.): É… Entra nesse tipo de coisa que não contribui em nada pro nosso trabalho também.

T.N.: Mas informalmente você pode falar se eu te perguntar pra que time você torce?

J.D.: Posso. Eu torço pro Inter, mas eu sou muito mais crítico do que oba-oba.

T.N.: E aqui o setorista do Inter é alguém que torce pro Inter e do Grêmio alguém que torce pro Grêmio?

J.D.: Não, não. Coincidência só.

Confesso que essa coincidência me deixou intrigada, inclusive porque o único jornalista do meu corpus de análise que se negou a me conceder entrevista era exatamente o que fugia ao acaso. Este se mostrou incomodado com a minha presença na Redação desde o início. Os demais foram todos muito solícitos – pelo menos até virem o trabalho pronto. Entre as minhas fontes da editoria esportiva, apenas uma era mulher. E acho importante ressaltar que em muitos aspectos foi esta a entrevista mais enriquecedora. Cheguei a pensar que a veemência com que um dos jornalistas questionou minha conduta, dizendo que estraguei minha carreira, podia soar um tanto abusivo, afinal, talvez ele se ressentisse por ter revelado para alguém que julgasse estar num patamar inferior aquilo que não poderia jamais ser revelado. Cheguei a pensar também se alguns deles agiriam com a mesma rispidez no posterior pedido de omissão caso fosse um jornalista homem quem tivesse descoberto o que eles queriam esconder a todo custo.

JE
jornalismoderno.wordpress.com

Fato é que, dos seis entrevistados, partiu da jornalista mulher o argumento que me pesou a consciência por não ter protegido as identidades. Depois de ver o trabalho pronto e sem medir palavras, ela exigiu que eu omitisse seu nome da minha pesquisa porque tinha muito medo de ser violentada por simplesmente torcer para um time de futebol. Sobretudo por que somos mulheres, acatei o pedido de imediato. Repito que, durante as entrevistas, ninguém me pediu claramente para manter a informação em off – vai ver que isso já estivesse subentendido por se tratar de Grêmio e Inter ou porque em alguns casos eu, muito ingênua, perguntei em tom informal. Naquele momento, não percebi o quanto a divulgação daqueles nomes poderia ser problemática, até porque eu não estava escrevendo nenhum best-seller. As dissertações tendem a ficar restritas ao universo acadêmico. E eu realmente acho que ninguém vai atrás de pesquisa científica para descobrir time de jornalista.

Toda aquela confusão me deixou muito receosa para a defesa, que ocorreria dali duas ou três semanas. Meu orientador me confortou dizendo que era justamente essa a grande sacada da minha pesquisa. Embora saber o time dos meus informantes fosse crucial para o objetivo do meu trabalho, esse mal-entendido me fez perceber que o que estava em jogo ali eram bem mais do que as discussões sobre (im)parcialidade jornalística e sua relação com o caderno de esportes, mas sim o peso de uma rivalidade que, além de colocar pessoas em risco, se constrói sob aspectos socioculturais bastante característicos, como a suposta marginalidade do futebol gaúcho em relação ao restante do país – refletida pela marginalidade geográfica do Rio Grande do Sul – e as particularidades da história de Grêmio e Inter: dois grandes clubes, com grandes títulos, estádios próprios e os programas de sócio-torcedor mais bem-sucedidos do país, mas que, a meu ver, ainda buscam motivos para fazer páreo aos times do “eixo” e não se sentirem longe demais das capitais. Isso de os jornalistas esportivos gaúchos ostentarem que guardam a sete chaves a resposta para “qual seu time do coração” me parece apenas uma dessas facetas que às vezes me sugere um bairrismo inconsciente.

Enfim, de qualquer forma, deixei explícito na minha dissertação que o fato de os jornalistas da Zero Hora terem seus respectivos times para torcer não intervém nas matérias a ponto de comprometê-las quanto aos fundamentos jornalísticos, pelo menos não no material que analisei. Inclusive, os conteúdos analisados preservam boa parte daquilo que autores como Kovach & Rosentiel (2004) consideram os princípios básicos do jornalismo, como a obrigação com a verdade, o compromisso com a apuração e o empenho para apresentar de forma interessante o que é mais significativo na notícia – além do respeito ao off-the-record, é claro! Se eu posso tirar mais alguma lição disso tudo, acho que convém usar esse episódio para ilustrar alguma aula que eu venha a dar sobre informação em off no jornalismo, assim como faziam meus professores na Universidade Federal de Ouro Preto, exemplificando as teorias e o código de ética da profissão com suas ânsias e tropeços de início de carreira. Sobre a defesa, a banca aprovou o trabalho sem alterações e me recomendou publicá-lo. Quem sabe um dia!

 

Referências

KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Geração Editorial, 2004.

NEVES, Thalita. Jornalismo esportivo: Jornalismo esportivo e a cobertura da rivalidade GreNal em 2016: o título do Grêmio e o rebaixamento do Inter. 431 f. Dissertação (Mestrado em Jornalismo), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.

UNZELTE, Celso. Jornalismo esportivo: relatos de uma paixão. São Paulo: Saraiva, 2009.

*Os depoimentos aqui transcritos são parte das entrevistas em profundidade realizadas pela autora na Redação da Zero Hora, em Porto Alegre, nos dias 26 e 27 de abril de 2018.

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O “GreNal das Américas” e outros grenais históricos, heróicos e dramáticos

No dia 12 de março, quinze dias depois de confirmado o primeiro caso de coronavírus no Brasil, eu assistia o GreNal 424 num bar tomado por colorados em Florianópolis, o que hoje configuraria um bando de suicidas literalmente morrendo pelo seu time. Embora muitos gaúchos gostem de acreditar que Porto Alegre é a melhor cidade do mundo, a costa do Rio Grande não é assim tão atrativa. Então, eles esticam o passo até Santa Catarina e fazem morada nas belas praias da ilha. Eu também não sou daqui nem sou gaúcha, mas simpatizo com o Inter e não dispenso uma cerveja gelada, por isso estava no bar naquela noite.

Em menos de dez minutos de partida, já tinha jogador trocando farpa dentro de campo porque o juiz argentino Fernando Rapallini paralisou o lance e mesmo assim insistiram na jogada. Como já era de se esperar, os comentaristas de boteco (e os da transmissão – que, importante ressaltar, estava sob os direitos do Facebook) iniciaram suas análises, pouco táticas e bastante infladas, que remetiam claramente àquele típico imaginário do gaúcho como um produto das guerras: “Partiu pra cima dele!”, “Já começou a pegar fogo”, “GreNal é GreNal”, “Aqui é na raça”. Alguém mais generalista dizia: “Libertadores é isso!”, aludindo ao clima dramático de tango argentino que normalmente envolve o campeonato sul-americano.

O dramatismo portenho, vale lembrar, respinga nas páginas dos cadernos esportivos do Rio Grande do Sul não só pela relativa proximidade geográfica do estado com a Argentina (que tem os dois maiores campeões do torneio), mas também porque, conforme denota o estereótipo, o gaúcho adora exagerar. E o que são oito expulsões em um jogo de futebol senão um exagero? O simples fato de enumerar um GreNal também me soa um tanto hiperbólico, pois eu desconheço outro clássico que seja demarcado por um número, pelo menos aqui no Brasil.

Fonte: gauchazh

A pancadaria generalizada e o excesso de cartões vermelhos do GreNal 424 – que já no sorteio dos grupos caiu nas graças da imprensa como o “GreNal das Américas” – só não foi páreo para o que ocorreu em 1971, num confronto entre Boca Juniors x Sporting Cristal, que resultou em 19 expulsões ordenadas pelo árbitro colombiano Alejandro Otero, número recorde na história da Libertadores. No histórico dos amistosos, por sua vez, Grêmio e Inter muito provavelmente ocupam o primeiro lugar do pódio: foram 20 expulsões no GreNal 189, jogo comemorativo pela inauguração do Beira-Rio. O estádio já havia sido inaugurado oficialmente, no dia 6 de abril de 1969, em jogos da dupla contra outros adversários. O batismo, porém, só se confirmaria com um GreNal, como manda o culto à tradição.

O enredo deste clássico está destrinchado no livro a “História dos Grenais” (2009), escrito pelos jornalistas David Coimbra, Nico Noronha, Mário Marcos de Souza e Carlos André Moreira, todos ícones da imprensa gaúcha e, portanto, acostumados com essa ideia de trazer elementos teatrais para o jornalismo – a despeito das implicações deontológicas que isso possa levantar. O confronto que batizou o Beira-Rio estava tomado por um ar de revanche. Afinal, à época da inauguração do Olímpico em 1954, os colorados venceram os gremistas, carimbando a faixa de abertura da casa tricolor. Os autores contam que o fascículo nº 4 da História Ilustrada do Grêmio dedicou minúsculas três linhas para descrever aquele GreNal de número 135, sem sequer registrar o placar de 6 x 2 para o Inter.

Por isso, no amistoso de 1969, a intenção dos tricolores era dar o troco na mesma moeda, vencendo o Internacional em seu novo domínio. “Os gremistas esperavam por essa partida como um presidiário anseia pelo indulto de Natal. Queriam vingança por uma humilhação de 15 anos de idade.” (COIMBRA et al., 2009, p. 140). Se o placar de 6 x 2 do primeiro GreNal do Olímpico foi humilhante para o Grêmio, o clássico de inauguração do Beira-Rio seria vergonhoso para ambos: um 0 x 0 acompanhado de 20 expulsões e múltiplos socos, voadoras e pontapés. Restaram imunes somente o meia colorado Dorinho e o goleiro tricolor Alberto. Este tentava em vão pedir paz ao uruguaio Urruzmendi, que entrara em campo aos 37 minutos da etapa complementar, ainda em tempo de ser o pivô da barbárie:

O Inter começou melhor. Pontes e Valmir, atrás, controlavam bem as investidas impetuosas de Alcindo e Volmir. No meio, Bráulio tocava a bola com maciez e fazia a torcida colorada suspirar numa voz só. O Grêmio reagiu com dureza. O Inter replicou jogando ainda mais duro. A tréplica do Grêmio veio no bico da chuteira. Até que o ponteiro Hélio Pires foi expulso aos sete minutos do segundo tempo. Chuteira contra canela, cotovelo contra nariz, o jogo prosseguiu sem que se desse muita atenção à bola. Objeto, aliás, definitivamente esquecido aos 83 minutos. O goleiro Alberto estava com a dita cuja nas mãos. O lateral Espinosa à sua frente. Urruzmendi, ponteiro do Inter, correu do risco da grande área em direção aos dois, numa evidente e perigosa rota de colisão. Espinosa deu-lhe as costas para proteger o goleiro. Urruzmendi não quis nem saber. Atropelou Espinosa como se fosse um ônibus da Carris desgovernado. Espinosa caiu. Assustado com o abalroamento, Alberto atirou a bola pela linha lateral para que ele fosse atendido. A bola não foi mais vista em campo desde então. Tupãozinho desembestou do meio de campo e só parou quando atingiu Urruzmendi. Que revidou. Lá do meio também vinha, desabalado, o Bugre Xucro, bufando e urrando, louco para entrar na briga, justificando plenamente o apelido. Percebendo suas intenções belicosas, Sadi correu atrás dele, agredindo-o pelo caminho. Alcindo não ligou para o ataque do lateral do Inter. Continuou a carreira e só parou ao encontrar Urruzmendi e pespegar-lhe um rotundo soco no rosto. Urruzmendi não se fez de rogado e retribuiu a agressão. Apesar de lutar como um espartano, estava em desvantagem numérica e apanhava comoventemente dos gremistas. A sétima cavalaria, entretanto, não tardou. O goleiro Gainete atravessou o gramado em linha reta, veloz, demonstrando invejável preparo físico, e saltou feito um leopardo sobre o bolo de jogadores, as pernas e os braços abertos. Mas errou o bote e caiu no meio dos gremistas. Levou porrada de todos, democraticamente. A esta altura, os integrantes dos dois bancos de reservas já estavam em campo, distribuindo e recebendo, igualmente, jabs, diretos e pés-na-orelha. (COIMBRA et al., 2009, p. 141-142).

Quando a confusão terminou, o Inter ainda aguardava o reinício do jogo sem saber que 10 de seus jogadores haviam sido expulsos. Na saída de campo, Gainete, o goleiro colorado, respondia convicto às perguntas dos repórteres: “aqui nós é que vamos cantar de galo!” (COIMBRA et al., 2009, p. 142). A diferença entre o GreNal “amistoso” de 1969 e o que ocorreu 51 anos depois – além do número de cartões vermelhos que caiu de 20 para 8 – é o fato de este ter sido um clássico válido pela Libertadores, algo até então inédito na história dos dois rivais centenários. Pelo Campeonato Brasileiro, contudo, Grêmio e Inter já haviam se enfrentado, valendo vaga na final de 1988 e também um passaporte para a Libertadores do ano seguinte. Seria o GreNal 297 ou, nos termos do jornalismo esportivo gaúcho, o GreNal do Século.

Fonte: inter-noticia

Na edição de 1988, a disputa das fases finais do Brasileiro se estendeu pelo ano seguinte. Grêmio e Inter empataram em 0 a 0 no jogo de ida, no Olímpico, e a decisão seria três dias depois, no Beira-Rio. O Grêmio saiu na frente e tinha um jogador a mais em campo, pois Casemiro havia sido expulso (naquela que, pasmem, foi a única expulsão da partida). O técnico Abel Braga – que anos depois seria campeão da Libertadores e do Mundial pelo Inter – decidiu ousar, contrariando a mística da “escola gaúcha de futebol” e mandando o time para o ataque. Deu certo. Mais de 80 mil pessoas assistiram à virada dos colorados com dois gols de Nílson Esídio, uma figura também muito afeita à dramaturgia.

Nílson vibrou de forma estranha, caminhando desengonçado, trêmulo. Mais tarde explicaria que estava imitando Sassá Mutema, o personagem que Lima Duarte interpretava na novela do momento, “Salvador da Pátria”, na Globo. Explicou também que a faixa em seu joelho direito era apenas uma forma de enganar os rudes zagueiros adversários. – O problema que eu tinha era no tornozelo esquerdo e eles deram porrada na minha perna direita a tarde inteira. (COIMBRA et al., 2009, p. 214).

O Inter ganhou o “Grenal do Século”, no entanto, perdeu o título brasileiro para o Bahia e, naquele mesmo ano, ainda veria o Grêmio levar sua primeira Copa do Brasil, sobre o Sport Club do Recife. Na semifinal da Libertadores, nova baixa: o Internacional jogava pelo empate, mas foi eliminado em casa pelo Olímpia do Paraguai. “Nílson ‘Sassá Mutema’ Esídio desperdiçou um pênalti e teve de deixar o Beira-Rio na madrugada, às escondidas, como um criminoso, pois os mesmos colorados que o haviam carregado nos ombros, agora queriam surrá-lo.” (COIMBRA et al., 2009, p. 215-216).

O GreNal das Américas ocorrido em março de 2020 reforça aquilo que sabemos: que a história dos GreNais é uma incansável disputa para um desbancar o outro – ainda que um não viva sem o outro. Incansável porque vem se repetindo ao longo das décadas numa retórica bem freudiana, em que o irmão mais novo tenta a todo custo superar o mais velho. E, quando assim o faz, o mais velho fica tomado pelo mesmo sentimento de vingança. O GreNal 235, por exemplo, serviu para o Grêmio se vingar da hegemonia dos colorados que, ao longo da década de 1970, somavam oito Campeonatos Estaduais e três Brasileiros no currículo. Com Figueroa, Falcão, Carpegiani e companhia, era um time praticamente imbatível. “O Inter alcançara o topo. E, do topo, o próximo caminho só podia ser lomba abaixo, como se veria em 1977.” (COIMBRA et al., 2009, p. 184).

Em 1977, inclusive, a casa do Grêmio já não era como em 1954. No início da década de 1970, enquanto os vermelhos passavam por cima dos azuis no gramado, nas arquibancadas bradava o grito tricolor com a notícia da ampliação de seu estádio – que agora ganharia o sobrenome Monumental. Tudo isso para fazer páreo ao prodígio Beira-Rio, que roubara do Olímpico a faixa de maior estádio particular do mundo. Se a nova casa do Inter contou com 100 mil torcedores em seu jogo de estreia, estava decidido: seria essa a capacidade do novo Olímpico. Curioso que, em 1954, quando o Grêmio mudou-se do Moinhos de Vento para a Azenha, o domínio dentro de campo também era colorado, sob a remanescente figura do “rolinho” compressor. Com o estádio erguido, a hegemonia mudou de lado. Quinze anos depois, esse enredo se repetiria: o Inter dominando 70 com o octa do Estadual e o tri do Brasileiro e o Grêmio confabulando um novo Olímpico que ficaria pronto no início dos anos 1980. O Monumental inauguraria consigo uma outra década azul para abrigar os títulos mais importantes da história tricolor: Brasileiro, Libertadores e Mundial.

A arrancada começou justamente na final do Gauchão de 1977, ocasião em que o Olímpico recebeu a ilustre visita do músico Gilberto Gil que, embora torcesse para o tricolor baiano, dizia simpatizar-se também com o tricolor gaúcho, pois, nas palavras dele, o Grêmio tem o azul do céu, o branco da paz e o preto, que é a sua cor. Gil era amigo do atacante gremista André Catimba, que foi o personagem principal daquele episódio. Após marcar o gol do título, Catimba, apesar da ginga de capoeirista, se atrapalhou para comemorar o tento e acabou caindo de cara no chão: “eu fiquei tão emocionado naquela tarde que não sabia como expressar. Pensei em dar o salto mortal, desisti, mas já estava no ar quando voltei atrás. Era tarde. Me machuquei todo.” (COIMBRA et al., 2009, p. 186).

Fonte: gauchazh

Tamanha empolgação era por ter freado uma conquista épica do adversário, pois, caso o Inter levantasse aquele caneco, emendaria uma série de nove títulos estaduais, feito que até hoje nenhum dos dois conseguiu alcançar. No vestiário, Catimba ainda receberia os cumprimentos do velho amigo de Salvador. “Gil falou alto, em meio à algazarra: ‘Já estava na hora, não é? Tomara que agora o Grêmio ganhe por dez anos consecutivos’.” (COIMBRA et al., 2009, p. 186). Outro músico que também destaca aquela conquista de 1977 é o gremista Humberto Gessinger, ex-líder dos Engenheiros do Hawaii. Convicto e superlativo, ele ressalta em seu livro de crônicas:

Futebol é uma bobagem, né? […] Um dos grenais de que me lembro com mais carinho foi o de 1977. Ganhamos por 1 a 0, quebrando uma série de 123 anos correndo atrás. Meu pai estava internado num hospital perto do Estádio Olímpico. No fim do jogo, assisti, pela janela do quarto, à caravana das bandeiras tricolores. Carros e torcedores silenciosos por respeito. Sensação boa de pertencimento. Consolo de não estar sozinho. A vida seria uma bobagem sem essas bobagens. (GESSINGER, 2009, p. 101).

Relendo esse trecho de Gessinger, me volto para o cenário de hoje em que o melhor remédio é tirar o time de campo. O primeiro GreNal das Américas foi disputado na nova Arena do Grêmio e terminou empatado em 0 x 0. O jogo de volta, que a princípio aconteceria em 8 de abril no Estádio Beira-Rio, está suspenso por tempo indeterminado. Das declarações da imprensa sobre aquele pré-jogo, uma em especial chamou minha atenção: “O gaúcho tem mais medo de perder GreNal do que de contrair coronavírus”, proferida por David Coimbra, o mesmo jornalista que assinou a “História dos Grenais”. Exageros à parte, a decisão da CBF de suspender os campeonatos devido à pandemia veio no domingo logo depois daquela quinta-feira em que eu acompanhava a partida do bar. Quando começou a confusão aos 41 minutos do segundo tempo, fui embora pra casa, pois no esporte nos interessa a rivalidade, não a pancadaria. Mas, se eu soubesse que agora a bola não vai rolar tão cedo, talvez tivesse ficado mais um pouco.

 

Referências

  • COIMBRA, David; NORONHA, Nico; SOUZA, Mário Marcos de; MOREIRA, Carlos André. A História dos Grenais. Porto Alegre: L&PM, 2009.
  • GESSINGER, Humberto. Pra ser sincero: 123 variações sobre um mesmo tema. Caxias do Sul: Belas-Letras. 2009.
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