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O “eixo Rio-São Paulo” e a desigualdade do futebol brasileiro

Enquanto nordestino, venho utilizando este espaço no site Comunicação e Esporte para tratar de algumas especificidades sobre representação midiática dos clubes locais. Além de outras questões mais teóricas ligadas à Economia Política da Comunicação (EPC) aplicada ao futebol.

Para a coluna deste quadrimestre, minha pretensão era me voltar a um texto do segundo grupo, discutindo uma produção teórica da década de 1980 sobre futebol. Porém a nota oficial conjunta de quatro clubes de Rio de Janeiro e São Paulo sobre a regulação de apostas esportivas me chamou a atenção. Explicarei o porquê.

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Clubes de Rio de Janeiro e São Paulo se uniram na publicação de uma nota sobre apostas esportivas. Divulgação: Twitter/Palmeiras

Momento crucial para o futebol brasileiro

A extensão da mercantilização sobre o futebol é tema de constantes pesquisas nas últimas décadas minhas e de outros colegas, alguns inclusive ligados ao Leme (Laboratório de Estudos de Mídia e Esporte). 

A procura para maior acumulação de capital a partir de um elemento com tamanha importância sociocultural domina o debate acadêmico com demonstração de preocupação. 

É desse caminho que apareceram as críticas à “arenização” dos estádios, gentrificação no entorno deles e a partir dos megaeventos esportivos no Brasil e à preocupação com a empresarização dos clubes, com a Lei da Sociedade Anônima do Futebol sendo o ápice disto.

Do outro lado da moeda, a discussão sobre aproveitar melhor as receitas que o futebol supostamente pode dar sempre esteve presente. Mas, para isso, era preciso uma melhor organização do futebol brasileiro.

Há cerca de dois anos, dirigentes de clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro discutem uma melhor organização do futebol a partir de uma liga de clubes. Mas a divisão entre Forte Futebol e Libra mostra que é um caminho difícil, especialmente no que se refere a dividir melhor as receitas entre os clubes numa mesma competição – e para divisões inferiores.

Esta é uma das diferenças que não permitiram ainda unidade para uma proposta de liga no futebol brasileiro que possa começar em 2025, primeiro ano de um novo ciclo contratual de direitos de transmissão.

É justamente neste momento que Botafogo, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco resolveram se posicionar de forma isolada sobre receitas oriundas de apostas esportivas. A seguinte frase me chamou bastante atenção e, supostamente, justificaria esta atitude por fora, inclusive, da Libra, à qual todos estão ligados: “é inegável que o maior volume de transações feitas se dá em face dos grandes clubes do futebol brasileiro”.

Para mim, é um tema que poderia entrar facilmente no debate da liga, afinal, traria mais vozes para serem ouvidas e gerariam uma sinalização ao mercado de unidade para negociações futuras. Não foi esta a opção.

O “eixo”

Se quem me lê agora já ouviu alguém que torce para equipe do Nordeste, deve ter ouvido falar de tratamento desigual histórico, econômico e midiático. Na busca pela hegemonia do capital esportivo no futebol brasileiro, locais com maior industrialização e melhores relações políticas concentraram empresas, matrizes de veículos de comunicação nacionais, melhores relações políticas e, consequentemente, clubes que puderam nacionalizar ou contar com mais recursos.

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Imagem via satélite das luzes noturnas formando o “eixo” entre Rio de Janeiro e São Paulo. Divulgação: Anderson Santos

“G12” é um termo muito utilizado pela cobertura esportiva dita nacionalizada para tratar dos 8 clubes supracitados que assinaram a nota, agregados a Cruzeiro, Atlético-MG, Grêmio e Internacional. De vez em quando, um colunista ou outro tenta incluir Bahia ou Atlético-PR nesse grupo – curiosamente, não lembro de citação ao Fortaleza nisso.

Enquanto alguém que já atuou em mídia alternativa nordestina (o podcast Baião de Dois, da Central 3), não era incomum ver torcedores mineiros e gaúchos reclamarem também de tratamento midiático diferenciado. Pois então temos os próprios 8 clubes se considerando como “Grandes Clubes do Eixo RJ x SP”. 

“Eixo”, uma palavra que às vezes parece incomodar até parte mais progressista da mídia esportiva e da torcida dessas equipes por, talvez, sinalizar uma construção hegemônica que, definitivamente, não passa por “meritocracia”.

Mas há quem prefira reclamar de uma reação simbólica de parte da torcida (faixas “Vergonha do Nordeste” nos estádios) ou campanhas pontuais de clubes (como Fortaleza e Bahia, recentemente), que discutir como esses clubes acreditam que, realmente, só eles precisam ser ouvidos pelo poder público federal.

Lembrando ainda que na discussão sobre aprovação da Lei do Mandante e da Lei da SAF, houve representação de clubes direcionada para reuniões em Brasília após decisão coletiva. Isso para 2021. O que mudou de lá para cá?

E agora?

De lá para cá, o governo federal recebeu os clubes sem qualquer problema, assim como outros agentes. As casas de apostas, por exemplo, já criaram ou estão em três associações diferentes no Brasil, sinalizando que querem a regulação do mercado – que possibilitará também uma estabilidade neste, com provável concentração oligopólica.

Vale salientar que a muito necessária proposta de regulação das casas de apostas esportivas, seguindo a Lei nº 13.756/2018 que possibilitou que elas funcionassem para brasileiras/os, deveria ter saído em 2020. Entrou na agenda inicial do atual governo federal por só gerar receitas via impostos ao Estado na tributação do Imposto de Renda sobre ganhos de jogadores, mas nada de quem lucra com isso (as empresas).

Mas, por fim, não recordo de ter qualquer pressão naquele movimento de 2021, início de uma tentativa de unidade dos clubes, sobre este tema. Conseguiu-se aprovação de duas leis, uma delas a partir de Projeto de Lei do executivo, o que dá caráter de urgência à votação.

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Por que tantas transmissões de jogos ficam restritas a pagamento?

Na semana em que escrevo este texto, o atual campeão da Taça Libertadores da América jogará a partida de ida das oitavas-de-final da competição com transmissão audiovisual exclusiva a uma plataforma paga, cujo acesso é restrito a assinantes de duas distribuidoras de TV fechada e suas respectivas possibilidades na internet. Não só, pois todos os jogos da Copa Sul-Americana no Brasil estão restritos a esta plataforma, independentemente de ser fase decisiva e/ou envolver grandes equipes brasileiras. Há o que fazer?

Fonte: print do Prime Video

O que me motivou a escrever este texto e responder a isso foi um tuíte do perfil @cornetafpfpe com o seguinte conteúdo:

“Tem que se regulamentar a transmissão por streaming, times como Bahia, CAP, a dupla cearense, o choque rei, não podem ter seus jogos exclusivos neles, acaba excluindo muita gente, até no ponto de acesso à informação. O que acha, Anderson?”.

A citação à dupla cearense se refere à transmissão do Clássico-Rei da Copa do Brasil pela Amazon Prime Video, na semana passada; mas pode ser aplicada aos jogos sul-americanos. Mesmo caso de Bahia X Athletico.

Após a resposta inicial, veio um novo comentário:

“Acho que deveria ter alguma regulamentação que jogos de times que possuem mais de 1mi de torcedores tem que ser disponibilizados em tv se a competição tiver vendido direitos de tv”.

A justificativa dele era que essa exclusividade restringia o acesso para quem poderia pagar e sabia usar os aplicativos.

Vamos às respostas

Eu também queria e defendo o maior acesso possível para o público torcedor ao programa futebol quando o seu time está na tela e em campo. Tanto a minha dissertação de mestrado, transformada em livro (SANTOS, 2019), quanto a minha tese de doutorado (SANTOS, 2021) partem da premissa de que alguns jogos de futebol são “conteúdos de interesse social”, como consta em legislações de vários países, inclusive na Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998), que considera assim os jogos da seleção brasileira de futebol.

Não há muito o que fazer para garantir a transmissão de todas as partidas na TV aberta de tantos clubes. Tudo não dá e, na minha avaliação, delimitar por quantidade de torcida em torneios nacionais seria também gerar privilégios.

Fonte: canal do CAP no YouTube

No caso de Athletico (Brasileiro) e Bahia (Baiano e Copa do Nordeste) passa ainda por opção das diretorias em certos campeonatos. Ou seja, apresentar tudo na TV aberta acabaria com uma fonte de receitas importante para o próprio clube.

Desde o contrato para transmissão da Série A do Brasileiro, a partir de 2019, que a partilha de receitas de transmissão está mais próxima entre as plataformas de transmissão, caminhando para as plataformas pagas colocarem mais dinheiro. E aí, onde tem mais dinheiro vira prioridade para os clubes, mesmo que seja a torcida o público-alvo também da transmissão.

As licitações para a transmissão dos torneios sul-americanos demonstraram isso. Se não passarão mais pela Conmebol TV (ainda bem!), com jogos exibidos pela Globo (Libertadores) e SBT (Sul-Americana), mas também pelo Paramount+ e, provavelmente com mais jogos exclusivos no Star+.

O mercado se encaminha para poucos jogos por rodada na TV aberta, como quase sempre foi, aliás. Num momento inicial, por falta de condições técnicas para exibir todos os jogos. Depois, para não acabar com o modelo de negócio dos canais esportivos na TV paga e no pay-per-view (ppv), iniciados em momentos diferentes da década de 1990.

Vale ressaltar que os jogos transmitidos em plataformas pagas sempre foram de acesso restrito porque poucas pessoas, proporcionalmente falando, podiam pagar TV fechada e, a mais, o ppv. Nem precisava falar qual era a prioridade para transmissão em rede na TV aberta nas décadas de 1980 a meados da de 2010: times de Rio de Janeiro e São Paulo.

A diferença de agora é que a maior parte dos jogos estão/estarão espalhados em uma ou mais plataformas pagas. Cenário realmente pior para quem assiste/paga porque precisará ter a assinatura de mais de um serviço, talvez pagando muito por isso – considerando ainda a necessidade de uma boa internet banda larga – e com a necessidade de ter mais conhecimento sobre como cada aplicativo funciona.

Importante ressaltar ainda que o modelo de TV paga segue minguando no Brasil, então não pode ser mais considerado isolado, mas dentre as possibilidades de acesso pago aos jogos. Por um lado, os problemas econômicos que afetam o país a partir de 2015 diminui a base de assinantes por questões financeiras individuais. Por outro, a mudança do mercado de audiovisual, com a entrada do streaming, faz com que o público opte pela assinatura de plataformas de streaming e que os grandes grupos empresariais escolham focar mais nessa mídia que nos canais de TV fechada – como mostra a ESPN com o Star+.

Isso se dá por uma questão simples. Se falamos em “futebol-negócio” é porque esta prática de lazer foi normatizada, controlada por um agente privado (ou de característica paraestatal), com extensão da mercantilização sobre o jogo a partir das transformações do modo de produção capitalista a partir da década de 1970.

Não ter tanto jogo de “graça” é porque o próprio esporte se voltou mais ao estímulo ao consumo, ou seja, à compra de produtos e serviços ligados a ele, inclusive o acesso à assistência dos jogos; que para uma aproximação social. Enfim, reflexos de uma prática profissional que se desenvolve no âmbito da disputa e das contradições capitalistas.

Fonte: print de canal do YouTube “Lances Hoje” com melhores momentos de The Strongest 1X2 Ceará

Mas o que dá para fazer?

A possibilidade que defendo na tese, dentro de uma proposta regulatória mais ampla, é garantir que jogos relevantes (número restrito) sejam transmitidos na TV aberta. Considero que o acesso é mais amplo, irrestrito e de forma igual no tempo (sem muito atraso por condições técnicas estruturais) que a internet, mesmo que nesta seja de forma gratuita.

É preciso entender que cabe às agências reguladoras evitarem prejuízos de ordem econômica para a concorrência entre os agentes (que transmitem ou em competição). Porém, é necessário que elas tratem também de determinados produtos como de interesse social, que devem ter acesso facilitado ou gratuito a quem é cidadã/o.

É por isso que as leis normalmente tratam do “flagrante jornalístico”, ou seja, a possibilidade de acesso ao principal do evento esportivo enquanto informação, inclusive com imagens, mas sem que isso possa ocorrer ao vivo e prejudique quem adquiriu o evento. Ou também de quais jogos devem ter transmissão em TV aberta, casos de partidas decisivas de torneios importantes.

Ampliar isso para jogos em escala regional envolve outros tipos de acordos ou indicação de necessidades, especialmente num país do tamanho do Brasil. Recordando ainda que a nossa radiodifusão por sons e imagens, para usar os termos da lei, nunca se preocupou na regionalização do conteúdo, privilegiando os centros econômicos (inclusive, dentro dos estados).

Referências

SANTOS, A. D. G. dos. Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol. Curitiba: Appris, 2019.

SANTOS, A. D. G. dos. Um modelo para regulação dos direitos de transmissão de futebol. 2021. 461 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, 2021. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/42947. Acesso em: 19 fev. 2022.

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Atualização sobre o mercado de transmissões de futebol no Brasil

2022 é um ano importante para o próximo ciclo de transmissão de eventos de futebol no Brasil. Libertadores e Sul-Americana começaram a ser negociadas; a Copa do Brasil e a Série C do Campeonato Brasileiro devem ser em breve, por estarem no último ano de contrato; além de as Séries A e B do Campeonato Brasileiro de futebol masculino também poderem ser.

Este texto serve como atualização da minha publicação neste Comunicação e Esporte (SANTOS, 2019a), em que ponderei especialmente sobre as plataformas pagas, algo que tratei naquele momento, para tratar da situação atual para estas disputas.

Fonte: TV História

Mudanças no cenário

Apontei há mais de dois anos a necessidade de aguardar como o mercado iria se estabelecer frente às novas possibilidades de exibição, partindo de análises da economia heterodoxa usadas pela Economia Política da Comunicação brasileira. Claro, não imaginava que uma pandemia iria acelerar certos processos e tornar o mercado de direitos de transmissão mais competitivo.

Na TV aberta, o Grupo Globo precisou se desfazer da transmissão da Libertadores e foi surpreendido com a aquisição pelo SBT para 2020, 2021 e 2022 – que ficou ainda com o ciclo trienal da Liga dos Campeões da Europa (2021-2022 a 2023-2024).

A Record TV adquiriu o Campeonato Carioca para 2021 e 2022, ainda que pagando pouco, mas surpreendeu ao ter o pacote TV aberta do Campeonato Paulista para 2022 a 2025. Enquanto a Band transmitiu a Copa do Mundo de Clubes FIFA 2021, com participação do Palmeiras e recorde de audiência, em fevereiro de 2022.

A “TV fechada” segue com assinaturas minguando, sendo melhor falar de “plataformas pagas de transmissão”. As empresas que atuam no setor, inclusive, passaram a priorizar seus serviços de streaming. O Grupo Disney (canais ESPN + Fox Sports 2) criou o Star+ em 2021, com vários torneios sendo adquiridos para lá. Enquanto a Warner Media criou o HBO Max, com início no Brasil também em 2021, com direitos exclusivos para essa plataforma – e migrando o conteúdo esportivo do Estádio TNT, antigo EI Plus, para lá.

Nos dois casos, representou um foco maior em plataformas ligadas a mais conteúdos, o que pode facilitar procedimentos de assinatura. Ou seja, no caso da Warner Media, não é preciso assinar o Estádio TNT para futebol e outra plataforma para filmes e séries. Também neste sentido que a Sky tem o DirecTVGo e a Claro tem assinaturas à parte para acesso via internet.

Além desses serviços oriundos de conglomerados internacionais históricos para transmissão de audiovisual, importante tratar da mudança de atuação do Facebook (Grupo Meta). Deixou de disputar os direitos de transmissão para ser parceiro de quem desejar usar a plataforma, ou seja, não é mais um agente de mercado relevante.

Em compensação, a Amazon, até pouco tempo um agente extra-mídia, passou a transmitir futebol no Prime Video, estabelecendo para 2022 uma parceria de sublicenciamento com o Grupo Globo para exibir a Copa do Brasil. Também plataforma da empresa, a Twitch vem sendo usada como plataforma para transmissão de influenciadores digitais de torneios como o Campeonato Carioca de 2022.

Ao mesmo tempo, o YouTube atua como parceiro e alguém que adquire direitos pontuais, sem entrar em grandes disputas. E um conjunto de outras plataformas como TV NSports, One Football e Eleven (antigo My Cujoo) atuam no que sobra de conteúdo, com a DAZN mantendo apenas aqueles conteúdos com contrato vigente para exibição no Brasil.

Assim, o cenário de disputas pode aparecer com três agentes dispostos a gastar em alguns direitos na TV aberta, Globo, Record e SBT; com a Band de olho em conteúdos que podem sobrar para apostas pontuais (como foi com o Mundial de Clubes e a Fórmula 1). Enquanto nas plataformas pagas, Disney e Warner Media vêm disputando tudo, com vitórias dos dois lados; mas com a Amazon devendo ser mais uma.

Fonte: print do Prime Video

Libertadores como referência

A CONMEBOL (Confederação Sul-Americana de Futebol), a partir da agência FC Diez, iniciou semanas atrás o processo para venda dos direitos de transmissão de seus torneios a partir de 2023. Espera-se uma competição dura pelos direitos com o cenário que apontamos para a disputa.

Dentre as novidades, há duas sinalizações: primeira opção de transmissão ser de plataformas pagas para metade dos jogos da primeira fase e a possibilidade de um mesmo agente adquirir direitos de exclusividade, ou seja, os dois pacotes em negociação (transmissão gratuita e paga) – ver Beting (2022) e Simon (2022).

Assim, a FC Diez aposta na disputa das plataformas pagas para ganhar mais no mercado brasileiro, que é responsável por mais da metade das receitas da entidade (BETING, 2022). Isso se justificaria porque não se espera um valor maior do que era pago pela Globo até romper o contrato em 2020, crescendo nos valores de transmissões pagas.

Se apontamos anos atrás os problemas da transmissão de quase todos os torneios mais importantes por apenas uma emissora na TV aberta (SANTOS, 2019b), que tinha muito controle sobre jogos a serem exibidos e no próprio formato disso, uma exclusividade de transmissão para plataforma paga pode ampliar problemas.

Primeiro que a escolha da Conmebol TV (pay-per-view disponível apenas em Claro, Sky e DirectvGo) praticamente fez sumir a Copa Sul-Americana nos últimos anos. A TV aberta é uma plataforma fundamental para transmissão de esporte no Brasil, como mostra o sucesso da escolha da Fórmula 1 pela Band mesmo com a ativação da F1TV no país em 2021.

Além disso, é preocupante para o público, considerando ser um torneio relevante no mercado local, que muitas pessoas buscam acompanhar ao vivo. Tratei dessa preocupação no texto anterior aqui no site: “A maior ‘oferta’ de canais para acompanhar futebol faz com que o torcedor tenha que ser assinante de diversas plataformas, o que, na soma, pode dar mais que o pacote básico da TV fechada” (SANTOS, 2019a).

Se os problemas econômicos acentuados pela pandemia afetaram grupos midiáticos, imagina a população brasileira, com alto índice de desemprego e sob efeito da consequência de reformas legais que flexibilizaram direitos trabalhistas.

Essa preocupação está no que apresentei na minha tese de doutorado, defendida em novembro de 2021 (SANTOS, 2021). É necessário garantir que partidas de interesse social relevante tenham acesso gratuito pela TV aberta, considerando os problemas de acesso à internet banda larga de qualidade e ao atraso desse tipo de transmissão.

Referências

BETING, Erick. Venda de Libertadores e Sul-Americana será definida no dia 4 de abril. Máquina do Esporte, São Paulo, 14 fev. 2022. Disponível em: https://maquinadoesporte.com.br/futebol/venda-de-libertadores-e-sul-americana-sera-definida-dia-4-de-abril. Acesso em: 19 fev. 2022.

SANTOS, Anderson David Gomes dos Santos. Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol. Curitiba: Appris, 2019. 2019b

SANTOS, Anderson David Gomes dos Santos. Um modelo para regulação dos direitos de transmissão de futebol. 2021. 461 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/356969776_Um_modelo_para_regulacao_dos_direitos_de_transmissao_de_futebol. Acesso em: 19 fev. 2022.

SANTOS, Anderson. Qual o estágio das transmissões de futebol no Brasil? Comunicação e Esporte, Rio de Janeiro, 17 out. 2019. Disponível em: https://comunicacaoeesporte.com/2019/10/17/qual-o-estagio-das-transmissoes-de-futebol-no-brasil/. Acesso em: 19 fev. 2022. 2019a.

SIMON, Allan. CONMEBOL define PACOTES da LIBERTADORES. Sem TV? + TRANSMISSÕES DA RODADA. Blog do Allan Simon, 11 fev. 2022. Disponível em: https://youtu.be/PMbbgPMG1ec. Acesso em: 19 fev. 2022.

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Anotações sobre a transmissão dos Jogos Paralímpicos Tóquio 2020

Os Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020 foram realizados de 24 de agosto a 5 de setembro de 2021. Em meio à melhor campanha brasileira, com mais ouros (22) e que igualou o total de medalhas (72) e a melhor classificação (7º), pretendo aqui trazer algumas observações da minha experiência enquanto espectador desta Paralimpíada de Verão.

Falha minha, apesar de lembrar de atletas paralímpicos de diferentes momentos, desde Adria Santos (atletismo) e Clodoaldo Silva (natação) a Daniel Dias (natação) e Petrúcio Ferreira (atletismo), além do histórico da multicampeã seleção do Futebol de 5, nunca tinha acompanhado os Jogos Paralímpicos com o mínimo de atenção que dou às Olimpíadas de Verão.

Neste ano mesmo, minha ideia era seguir acompanhando como em edições anteriores, ou seja, lendo e vendo notícias e reportagens audiovisuais. Até por estar na reta final da escrita da tese, após a imersão numa edição olímpica com competições do final da noite ao início da manhã, optei por sair das mídias sociais para focar no trabalho docente na universidade, em momento final de semestre letivo, e na pesquisa.

Mas bastou uma noite no terceiro ou quarto dia das Paralimpíadas para mudar de ideia. Ia assistir a um filme, mas acabei colocando no SporTV2 e estava passando as competições de atletismo, com comentários da Verônica Hipólito. Dali em diante, virei espectador quase tão assíduo quanto fui nos Jogos Olímpicos. Não avancei tanto nas madrugadas, com exceção dos jogos finais do Futebol de 5, mas também as opções de canais sobre isso não eram tão amplas.

Assim, com esse contexto, a escolha por “anotações” no título é para tratar aqui de coisas que me chamaram a atenção enquanto pesquisador, mas que, dado o fato de não ter sido meu objeto de estudo anterior, não seria honesto da minha parte usar referências e deixar reflexões formadas adequadamente.

Quem transmitiu?

Há um comentário em comum ao se avaliar a supremacia do futebol para o interesse popular e da cobertura esportiva no Brasil: o esporte do país é o futebol, o segundo é o que tiver brasileira ou brasileiro ganhando. Ainda que por pesquisas de torcida já dê para pensar até na primeira frase, o caso da Paralimpíada é interessante porque há muitas vitórias brasileiras, logo, era para haver muita vontade em transmitir.

Entretanto, entre o final do encerramento dos Jogos Olímpicos e a abertura dos Paralímpicos, havia uma dúvida sobre quem iria transmitir. Na semana de iniciar, confirmou-se que a TV Brasil (da Empresa Brasil de Comunicação, público-estatal) e o SporTV, normalmente no segundo canal, iriam exibir a competição. Além deles, o site internacional do evento também fazia a exibição com acesso gratuito.

A novidade da edição no Brasil, ao menos do que eu lembro das anteriores, foi um boletim noturno diário e a transmissão dos jogos eliminatórios do Futebol de 5 sendo transmitidos pela Rede Globo. Aposta, por sinal, tranquila: era futebol e que ganhou todas as edições paralímpicas sem perder um jogo sequer!

Fonte: Perfil da CPB no Twitter

Detalhes sobre a transmissão

Aproveitei a (cara) assinatura do pacote TV fechada + internet para assistir pelo SporTV 2. A opção do Grupo Globo foi por ter narradores mais novos, casos de Luiz Felipe Prota, Natália Lara e Sergio Arenillas. Nos comentários, atletas ou ex-atletas paralímpicos, com destaque (e afeto) para a dupla Verônica Hipólito (atletismo) e Clodoaldo Silva (natação).

Em todas as situações houve uma preocupação em seguir um jornalismo anticapacitista[1], que não seguissem, por um lado, o senso comum das histórias de superação, ainda que a “jornada de herói/heroína” façam parte da cobertura esportiva; e, por outro, de entender que o público contava com Pessoas com Deficiência (PcD), o que gerava momentos de audiodescrição e a preocupação em explicar bem quais os motivos de categorias para provas semelhantes, com correções quando necessário.

Confesso ainda que só tentei ver a TV Brasil no dia 4 de setembro, durante a final do Futebol de 5. Pareceu-me que a imagem tinha qualidade inferior do SporTV2, como se o sinal fosse reproduzido do site dos Jogos. Voltei ao canal horas depois, quando havia a exibição de outros eventos das Paralimpíadas, e a impressão foi a mesma.

Mas a transmissão do SporTV2 também teve suas limitações. Em alguns momentos, especialmente no atletismo, as provas de “campo” eram apresentadas como se fossem ao vivo, inclusive ficava o “ao vivo” na tela. Como eu estava acompanhando em paralelo no minuto a minuto do Ge.globo, sabia que determinado arremesso já havia sido realizado e, até, que a competição tinha terminado com certo resultado.

Nesse caso, o problema ainda é da geradora do sinal. O Comitê Paralímpico Internacional (CPI) não tem a mesma capacidade do seu referente olímpico para produzir e enviar ao vivo as imagens de todas as competições ao mesmo tempo. Mesmo no caso do atletismo, o sinal era apenas para uma prova por vez. Tendo competição na pista, prioridade, saia-se do campo.

Esse problema ficou ainda mais claro em competições em que só foram liberados posteriormente os vídeos, caso da canoagem, e trechos da bocha. Em alguns esportes, como o taekwondo, só havia foto ou vídeo do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) postados nos perfis das mídias sociais, que eram utilizados na transmissão do SporTV2 – e nas reportagens da Rede Globo.

Fonte: Site dos Jogos Paralímpicos

Na expectativa da 73ª medalha brasileira, entrei no site do CPI antes de dormir no dia 4 de setembro para saber o resultado da semifinal do badminton, com Vitor Tavares. Mas não havia transmissão, tive que acompanhar pelo minuto a minuto do Ge.globo, que também não tinha muita possibilidade de atualização, e então tive que esperar acabar o jogo para saber do resultado

Por curiosidade, fui ver o perfil do CPB no Twitter[2]. No dia 4, a programação de atuação de atletas brasileiras e brasileiros contava com a “transmissão”, mas sinalizando apenas Rede Globo e SporTV 2 ou espaços vagos. Voltando alguns dias no perfil, havia programação com indicações e dias que não havia.

Aguardemos que o aumento do interesse a cada edição dos Jogos Paralímpicos amplie as formas de transmissão daqui a três anos em Paris.


[1] Ainda que eu tenha prometido não colocar referências, Silva (2021) tratou disso num texto do Ludopédio, vale a leitura. Disponível em: https://ludopedio.org.br/arquibancada/paralimpiadas-de-toquio-e-a-caminhada-por-um-jornalismo-inclusivo/. Acesso em: 21 set. 2021.

[2] Disponível em: twitter.com/cpboficial. Acesso em: 21 set. 2021.

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As limitações da cobertura esportiva da Globo em campeonatos não transmitidos

No início deste mês, escrevi para a coluna da ReNEme (Rede Nordestina de Estudos em Mídia e Esporte) no Ludopédio sobre o fato de o Fantástico não ter dado a música para o atacante Gilberto, do Bahia, após ter feito 4 gols contra o Altos, em partida válida pela Copa do Nordeste.

Naquele texto optei por focar nas opções de transmissão da Liga do Nordeste para o torneio regional nos últimos anos, que não passava pela Globo. Neste, tratarei exclusivamente da cobertura esportiva do conglomerado comunicacional.

Fonte: Perfil da Copa do Nordeste no Instagram

Critérios de noticiabilidade

Quando se fala em “critérios de noticiabilidade” ao estudar ao que leva à transformação de determinado fato em acontecimento jornalístico, logo, sob mediação de profissionais, sintetizamos que não é notícia se “um cachorro morde um homem”, por ser algo corriqueiro. Apenas será se fugir do que deveria ser natural, ou seja, “quando um homem morde um cachorro”.

Mas também é necessário lembrar que, mesmo na segunda possibilidade, depende de quem era o homem, quem era o dono do cachorro e qual o local em que ocorreu. Dependendo ainda do nível de poder das pessoas envolvidas, até mesmo o como e o porquê podem ter versões a se apresentarem de formas diferentes – se é que só isso não baste para que o fato não se torne notícia.

A discussão sobre o entretenimento na cobertura esportiva é bastante realizada, mas é necessário destacar que as opções editoriais do jornalismo (esportivo) também passam por questões político-econômicas, com maior ou menor efeito no que é difundido.

Fonte: O Planeta TV – A Globo foi patrocinadora dos Jogos Rio 2016

Os negócios na transmissão de eventos esportivos

O século XXI é o que consolida no Brasil os efeitos da liderança do Grupo Globo na transmissão de eventos esportivos muitas vezes de forma isolada na TV aberta, gratuita, ou em plataformas midiáticas sob pagamento (Sportv e Premiere).

A forma incisiva de atuar no mercado ficou marcada especialmente no Campeonato Brasileiro da Série A. Além da construção das barreiras para transmiti-lo, a possibilidade de concorrência via licitação a partir do torneio de 2012 abriu espaço para um modelo de negociação individual, acabando com a “União dos Grandes Clubes do Brasil”, o Clube dos 13 – ver mais em Santos (2019).

Este processo não ocorreu sem estratégias de concorrentes para trazer para si o potencial de audiência deste tipo de programa. A Record tentou enfrentar a líder de mercado e, se não conseguiu sucesso com torneios de futebol importantes no final da década de 2000, adquiriu exclusividade para transmissão de Jogos Pan-Americanos e Jogos Olímpicos.

Anos mais tarde, o então Esporte Interativo, atual TNT Sports, conseguiu fechar contrato com alguns clubes para transmissão de jogos da Série A, em TV fechada, a partir da edição de 2019. Isso gerou alguns jogos sem transmissão e mudanças nas possibilidades de transmissões pelas plataformas do Grupo Globo.

Mas o que a Globo faz na sua cobertura esportiva, seja nos programas específicos (Globo Esporte e Esporte Espetacular) ou nos telejornalísticos gerais, para tratar de torneios que estão sendo transmitidos por concorrentes?

Sem veto, mas sem grande atenção

Eu me recordo de num Globo Esporte gerado de São Paulo no início da década de 2010, ainda apresentado por Thiago Leifert, de ele comentar que era opção editorial da Globo não tratar de eventos esportivos com direitos de outras emissoras – acredito que possa ter sido sobre vitória de piloto brasileiro nas 500 Milhas de Indianápolis, da Fórmula Indy, que tinha transmissão da Band.

A lógica era simples: não chamar a atenção para um produto que poderia levar a audiência da Globo, líder, para a outra emissora. Podemos dizer que um dos critérios de noticiabilidade para a cobertura esportiva era a difusão de conteúdo de propriedade da rede.

A venda de qualquer pacote de publicidade para torneios esportivos sempre contou com entrega da emissora em telejornalísticos generalistas. Os gols da rodada têm destaque, por exemplo, no Jornal Nacional e no Fantástico, mas com a vinheta do pacote “Futebol 2021” passando antes do bloco.

Enquanto líder, com audiência maior em outros momentos que na transmissão do jogo em si, por muito tempo isso foi uma barreira importante no mercado de TV: maior visibilidade das marcas envolvidas – ainda que com o contrapeso de não abrir espaço para as específicas de torneios, especialmente se concorrentes das parceiras do pacote.

Segundo Bolaño (2000), a mercadoria audiência é o foco da empresa de TV por ser principal fonte geradora de receitas, pois é ela que é vendida aos anunciantes a partir da publicidade. Assim, na concorrência com outros grupos econômicos, isso é considerado para a linha editorial.

O cenário mudou nos últimos anos. Por um lado, houve a necessidade de flexibilizar nas negociações com clubes pelos direitos da Série A a partir da edição de 2018, com concorrência numa das mídias.

Além disso, há alteração no perfil do conglomerado, seguindo para ser uma mediatech, com redução de custos e direcionamento melhor de investimentos – caso das mudanças de contratos com seu corpo de artistas. A pandemia da Covid-19 acentuou o processo de mudança, com a perda de transmissão de torneios para concorrentes.

Fonte: Reprodução do site RD1

Casos de 2021

Com toda a disputa do Flamengo com a Globo, os efeitos da Medida Provisória 984/2020 do governo federal sobre a transmissão do Campeonato Carioca fizeram com que a emissora deixasse de transmitir o estadual, que foi para a Record TV. Além disso, Flamengo e Fluminense também estão na Libertadores, torneio que passou ao SBT.

Tratarei aqui da minha experiência de quem recebe o Globo Esporte produzido para a rede a partir do Rio de Janeiro, após um primeiro bloco local (de Alagoas).

A cobertura sobre os times do estado segue no mesmo formato do mesmo período do ano passado, com reportagens sobre a preparação para os jogos do Carioca e da Libertadores e a repercussão deles. O que mudou é a logomarca de uma das concorrentes na tela ao tratar dos resultados – ainda que no Carioca a Globo tenha tentado usar apenas o crédito da agência responsável pelo torneio, a Sportsview.

Reproduziu em escala nacional o que acontece no local, com a cobertura esportiva seguindo de acordo com a atuação dos times do estado, independente se tem ou não o direito de transmitir os jogos ao vivo.

No caso da rede, ainda teve o percalço da paralisação do Campeonato Paulista por algumas semanas, ou seja, sem conteúdo considerado “nacional” de torneios que o grupo ou alguma de suas afiliadas podem transmitir – além dele, Catarinense, Gaúcho, Goiano, Mato-grossense, Mineiro e Pernambucano.

O que mudou foi na estratégia de programação para concorrer com os jogos ao vivo, ainda que as concorrentes tenham fugido dos horários tradicionais da Globo (quarta à noite e domingo à tarde).

Seguindo a definição de 5 tipos de estratégias de programação de TV elaborada por Brittos (2001), a Globo atuou com “contra-programação”. “A efetivação desta estratégia implica também em desprogramação, no sentido de alterar o horário e o conteúdo em si previamente anunciado, conforme as ações dos demais agentes” (BRITTOS, 2001, p. 158). Assim, a emissora buscou superar a concorrente com conteúdo de grande audiência, casos do reality-show Big Brother Brasil e da novela das 21h.

Enquanto isso, a Copa do Nordeste só apareceu, creio eu, para tratar do título do Bahia contra o Ceará. Por isso, escrevi no Ludopédio que “não há surpresa de um jogo de primeira fase da Copa do Nordeste, especialmente, não ter os gols reproduzidos”. Por isso também destaquei o “local”, mais acima, como um dos critérios, pois está presente no jornalismo que tem difusão nacional – e que merece bastante crítica.

Observar como os critérios de noticiabilidade são definidos é algo bastante interessante para quem se interessa em estudar a cobertura esportiva, considerando ainda que críticas mais diretas a torneios que determinada emissora transmite, mesmo nos telejornais generalistas, podem interferir no interesse do público em determinada competição e trazer prejuízos comerciais ao conglomerado comunicacional.

A atenção a possíveis limitações no que é, porque é e como é demonstrado, especialmente considerando as questões político-econômicas, é importante para não nos surpreendermos com omissões em coberturas midiáticas.

Referências

BOLAÑO, C. R. S. Indústria Cultural, Informação e Capitalismo. São Paulo: HUCITEC, 2000.

BRITTOS, V. C. Capitalismo contemporâneo, mercado brasileiro de televisão por assinatura e expansão transnacional. 2001. 425f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas, Universidade Federal da Bahia – UFBA, Salvador, BA, 2001.

SANTOS, A. D. G. dos. A visibilidade midiática buscada e conquistada pela Copa do Nordeste. Ludopédio, São Paulo, v. 143, n. 7, 2021.

SANTOS, A. D. G. dos. Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol. Curitiba: Appris, 2019.

Artigos

O fim da marca “Esporte Interativo” como expansão da Warner Media na América Latina

Em 8 de janeiro, Rodrigo Mattos informou em sua coluna do UOL: “Warner faz mudanças e troca marca Esporte Interativo por TNT Sports”. Por um lado, isso fecha a história de uma proposta inovadora para transmitir esportes e interagir com o público. Por outro, demonstra diferentes movimentos de mercado, em expansão para outros países, mas com poucos agentes na disputa.

No final de 2016, publiquei um artigo com César Bolaño na Revista Chasqui em que apresentamos o histórico do Esporte Interativo a partir de duas estratégias: a aposta em conteúdos regionalizados, com grande destaque para a volta da Copa do Nordeste, em 2013; e a captação de recursos com agentes estrangeiros, com uma parceria inicial de conteúdo com o Yahoo! e a posterior venda para a Turner, completada em 2015 e tendo como marco a aquisição dos direitos de transmissão da Uefa Champions League.

Fonte: Meio e Mensagem

Naquele momento, indicamos que para ser um forte agente na TV fechada era necessário ter mais recursos para disputar os direitos de transmissão de outros torneios e isso só poderia ocorrer com grande captação de recursos que só se daria a partir de uma venda para conglomerado estrangeiro. Para a Turner, foi uma forma de “entrar no mercado brasileiro com uma estrutura já pronta, ainda que por ser melhorada, e com uma marca já conhecida pelo público” (SANTOS; BOLAÑO, 2016-2017, p. 293).

Criado em 2004 a partir de uma empresa que atuava com futebol desde 1999 (a Top Sports), o Esporte Interativo era até então um agente periférico do mercado de TV fechada, sem estar nas duas principais distribuidoras (Net e Sky) – mas com captação satelital –, que apostava em torneios que não recebiam interesse dos concorrentes principais e em mecanismos de aquisição de recursos em novas aplicações tecnológicas de interação com o público – do SMS num clube de pontuação ao aplicativo de streaming EI+Plus.

A Turner já colocou naquele momento algumas partidas do torneio europeu em seus canais TNT e Space, com presença nos pacotes básicos de TV fechada. Em 2016 o EI conseguiria entrar nas distribuidoras líderes de mercado. Além disso, o segundo ano de aquisição marcava a disputa com o Grupo Globo pela transmissão em TV fechada do Campeonato Brasileiro, aproveitando a negociação individual, para transmitir alguns jogos da Série A a partir de 2019. No final do ano, a aquisição da Time Warner pela AT&T, empresa de telecomunicações, com mudança de nome para Warner Media, sinalizava possíveis alterações de atuação – inclusive por limitações regulatórias, pois a empresa estadunidense de telecomunicações é uma das proprietárias da Sky, o que configuraria propriedade cruzada (SANTOS; BOLAÑO, 2016-2017).

Fonte: tntsports.com.ar

Enquanto isso, a Turner ampliou a atuação na América Latina. Em 2017, adquiriu com a Disney (Fox Sports) os direitos de transmissão do Campeonato Argentino e da Supercopa Argentina, criando o canal TNT Sports, que transmitiria também a Copa do Mundo FIFA Rússia 2018. No final daquele ano, adquiriria ainda o “Canal del Fútbol” (CDF), canal de TV fechado existente desde 2003 no Chile, podendo transmitir os torneios organizados pela associação de futebol do país.

Como a marca Esporte Interativo foi mudando

Em termos de formato utilizado, os canais Esporte Interativo mantiveram o padrão tecnoestético que o diferenciava no mercado, com narração que tentava ser mais emocionante – o que gerou o apelido de “Esporte Interagrito” – e diferentes tentativas de interação com o público, com grande atuação nas mídias sociais, fazendo a primeira transmissão pelo Facebook. No conteúdo, a aposta passou a ser a UEFA Champions League, considerado como premium, enquanto Copa do Nordeste, Copa Verde, campeonatos estaduais nordestinos e Séries C e D do Brasileiro seguiam no pacote, mas com menos atenção que outrora.

Mudança mais significativa se deu a partir de agosto de 2018, quando foi anunciado o fim dos canais Esporte Interativo, em que pequena parte do conteúdo esportivo migraria para a TNT, canal dedicado a filmes da Turner. Sobreviveu apenas o conteúdo premium, UEFA Champions League e o Campeonato Brasileiro a partir de 2019 e programas pós-jogos, gerando demissão em massa e diminuindo a quantidade de agentes no mercado – com a fusão do Fox Sports com a Disney acentuando isso.

Ainda que o formato de conteúdo seguisse o que foi construído ao longo da marca Esporte Interativo, desde as transmissões alugadas em canais de TV aberta no início dos anos 2000, particularmente eu já estranhava que mantivessem o símbolo do eI ao lado da TNT, além da sua manutenção nas mídias sociais – com alguns programas que tinham migrado para o Youtube com o tempo se tornando canais à parte na plataforma.

Fonte: Meio e Mensagem

Segundo Mattos (2021), a nova marca TNT Sports surge no Brasil dentro de uma proposta panregional, a partir da criação da Warner Media Latin America. Além do Esporte Interativo, o CDF, no Chile, também mudará para o nome em comum. Ainda que tenha se dado agora, repete-se uma estratégia de canais como ESPN e Fox Sports, cujas marcas são unificadas para todos os países em que as empresas atuam.

Cenário de mercado

Se a TV fechada no Brasil viveu um aumento de assinantes do final dos anos 2000 até 2014, de lá para cá os números só apresentaram queda. O cenário econômico no país, com número considerável de pessoas desempregadas, é uma das justificativas mais claras. Por outro lado, o aumento de oferta de blocos de conteúdo audiovisual em separado, gera diferentes prioridades de consumo, para quem pode pagar. Acentua-se isso com a autorização, desde julho de 2020, para a oferta de canais da TV fechada de forma separada na internet, a partir do caso do Fox+ – ver mais em Amaral (2020).

A venda de conteúdo pago pela internet teve crescimento com a quarentena causada pela Covid-19. Sem a possibilidade de público nos estádios, a transmissão audiovisual por um veículo de comunicação torna-se a única forma de acesso possível ao conteúdo esportivo. Ou seja, o momento de oferta de conteúdo audiovisual poderia ser o mais favorável, dadas as restrições à oferta presencial de entretenimento.

Entretanto, isso não deve desconsiderar os problemas econômicos individuais – como mostra o recuo na venda de pay-per-view pela Premier League em novembro do ano passado; e os problemas econômicos agravados com a pandemia, que fizeram com que Globo (Copa do Mundo, Libertadores e Fórmula 1) e Record (Jogos Panamericanos) reconsiderassem contratos de transmissão por causa do valor do dólar; e DAZN (campeonatos europeus de futebol e reestruturação global) e Mediapro (campeonato francês) diminuíssem a atuação em vários mercados, interrompendo acordos.

Neste mesmo blog, em outubro de 2019, apontei que vivíamos um processo de mudança no mercado e que era difícil ver o final disto. A pandemia colocou mais problemas para os agentes em disputa, amplificando até a quantidade de empresas a ofertarem conteúdo gratuito, mas com a centralização de alguns mercados sob pagamento (casos da TV fechada e da oferta pela internet), com a Amazon surgindo por duas frentes ainda em fases iniciais: Prime Video e Twitch (com a transmissão de Athletico X Vasco no Brasileirão).

Com redução das limitações da transmissão ao vivo com a internet 5G e um cenário de recuperação econômica pós-pandemia ainda distantes, a vantagem de guiar o mercado de transmissão de futebol seguirá, em curto prazo, com grandes agentes em termos de potencial financeiro e com os líderes de mercado.

Referências

AMARAL, Bruno do. Anatel decide que canais lineares pela Internet são SVA. Teletime, Brasília, 9 set. 2020. Disponível em: <https://teletime.com.br/09/09/2020/anatel-decide-que-canais-lineares-pela-internet-sao-sva/&gt;. Acesso em: 11 jan. 2021.

MÁQUINA DO ESPORTE. Premier League desiste de pay-per-view e jogos voltam para a BBC e Amazon. Máquina do Esporte, São Paulo, 13 nov. 2021. Disponível em: <https://maquinadoesporte.com.br/futebol/premier-league-desiste-de-pay-per-view-e-jogos-voltam-para-a-bbc-e-amazon&gt;. Acesso em: 11 jan. 2021.

MATTOS, Rodrigo. Warner faz mudanças e troca marca Esporte Interativo por TNT Sports. UOL, São Paulo, 8 jan. 2021. Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rodrigo-mattos/2021/01/08/warner-acaba-com-marca-esporte-interativo-canal-se-chamara-tnt-sports.htm&gt;. Acesso em: 11 jan. 2021.

SANTOS, Anderson. Qual o estágio das transmissões de futebol no Brasil? Comunicação, Esporte e Cultura, Rio de Janeiro, 17 out. 2019. Disponível em: <https://comunicacaoeesporte.com/2019/10/17/qual-o-estagio-das-transmissoes-de-futebol-no-brasil/&gt;. Acesso em: 11 jan. 2021.

SANTOS, Anderson David Gomes dos; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Las estrategias de mercado de Esporte Interativo: regionalización y capital extranjero en la televisión brasileña. Chasqui, Revista Latinoamericana de Comunicación, n. 133, p. 283-296, dez. 2016-mar. 2017.

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Vamos falar mesmo sobre uma efetiva democratização do futebol?

A campanha de clubes brasileiros para que o mandante da partida seja o único possuidor do direito de arena vem sendo marcada por reuniões com o presidente da República, mas também por tuitaços e campanhas conjuntas nas mídias sociais. Dentre elas, em 19 de agosto, uma faixa foi colocada nas arquibancadas da Arena da Baixada informando que Athletico e Palmeiras, que se enfrentavam no gramado, estavam juntos pela “lei do mandante” e pela “democratização do futebol”. Na hora me veio à mente: será que entendem o mesmo que eu sobre democracia no futebol?

Desde a promulgação da Medida Provisória 984, em 18 de junho, que venho falando muito sobre os direitos de transmissão do futebol brasileiro, tema de pesquisa já há 10 anos, quando formulei o projeto para o mestrado, e que teve como resultado, além da dissertação, o livro “Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol” (Appris, 2019).

Print do canal de Youtue do Esporte Interativo

Publicada após uma reunião do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, com o atual presidente da República, a MP criou imbróglios jurídicos, com liminares para diferentes partes mudando em cima da hora a transmissão de partidas, mas tem apoio da maior parte dos clubes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro de Futebol (35 em 40) para ser transformada em lei no Congresso Nacional.

Os manifestos dos clubes, fossem os das Séries A e B ou da Liga do Nordeste usam “democratização da transmissão do futebol”, mas, numa rápida busca, além da faixa da Arena da Baixada, pelo menos Flamengo, Bahia e Athletico utilizaram “democratização do futebol”. Temos neste recorte três modelos distintos de democracia interna e de como a democracia, de forma geral, é entendida.

Deles, o Bahia vem desde 2013 num processo de maior participação torcedora e tem sua atual gestão muito bem marcada pelas suas ações sociais, com destaque para a criação do Núcleo de Ações Afirmativas – escrevi sobre a #BahiaClubedoPovo em artigo científico publicado no ano passado (SANTOS, 2019).

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Já os rubro-negros carioca e paranaense não são modelos de participação torcedora nas suas instâncias internas e suas diretorias atuais não escondem o apoio ao atual grupo político no poder presidencial, assumidamente de extrema-direita.

Não me aprofundarei nas especificidades, mas para conhecimento do quão parece ser contraditória a frase no Athletico, veja artigo de André Pugliese na Gazeta do Povo, publicado no dia seguinte à partida contra o Palmeiras.

Pugliesi não se aprofunda no mérito da MP 984, que até considera “que não há nada de errado na campanha athleticana”, mas questiona: “se virá uma nova política, de ingressos populares em setores ociosos e planos variados de associação. Ou ‘democratização do futebol’ é só no bolso dos outros?”.

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Elementos democráticos

Ampliar o acesso da torcida a uma forma de entretenimento marcada por relações de afeto e sentimento de comunidade, caso do futebol, é algo fundamental para a sociedade. Trabalho na tese, em andamento, com o conceito de “conteúdos de interesse social” como proposta básica para garantir que algumas partidas de futebol possam ter a garantia de acesso amplo e gratuito, seguindo o que países como Argentina, Uruguai e México colocaram em mudanças de leis sobre os meios de comunicação neste século.

Assim, independentemente da minha avaliação pessimista sobre o que consta neste momento no Art. 42 da Lei Pelé, com as modificações da MP 984, não posso ser contrário a um entendimento que destaque a importância da ampliação do acesso aos jogos transmitidos por uma plataforma audiovisual.

Entretanto, isso pode significar apenas “democratização das transmissões esportivas”. E, mesmo assim, é preciso considerar algo que os próprios clubes destacaram numa série “fato e fake” nas mídias sociais – com alguns problemas, começando pela linguagem que faz tratar divergências como “fake” (news): “cabe a TV decidir”. A Turner, por exemplo, decidiu não exibir em TV fechada Fortaleza X Athletico na primeira rodada da Série A deste ano por “escolha da programadora”, que preferia transmitir Palmeiras X Vasco – utilizando-se de uma interpretação da MP, mas que acabou não ocorrendo porque o jogo foi adiado.

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Além disso, como bem aponta Pugliese (2020) sobre o Athletico, quando for possível frequentar estádios de futebol é preciso saber se teremos ingressos com valor que possibilite que diferentes pessoas possam entrar nos estádios ou se seguiremos com a lógica arenizada de públicos que precisam pagar caro para apoiar seu time. Fora outro limite que está se espalhando: presença da torcida visitante.

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É importante sempre lembrar que:

O “público família” mais pobre não está contemplado no novo projeto de futebol que abrange as arenas multiuso, apesar de terem sido poucos os momentos históricos que ele esteve. Os torcedores mais pobres sempre foram obrigados a se amontoar em espaços ditos “populares”, ainda que pouco tenham se queixado. Agora, como ocorreu na Europa, parece estar sendo encaminhando à intermediação de um meio de comunicação. A maior presença do broadcasting nas receitas dos clubes tende a aumentar com mais possibilidades de transmissão do audiovisual – caso dos aparelhos móveis (A. SANTOS; I. SANTOS, 2019, p. 35).

Da mesma forma, é preciso saber se a liberdade de se expressar dentro do estádio será permitida ou o Estatuto de Defesa do Torcedor seguirá sendo usado contra nós, torcedoras e torcedores, quando queremos torcer com instrumentos musicais e bandeiras ou quando nos vemos no direito de protestar contra organizadoras de torneios – para não falar contra decisões de agentes do Estado que interferem diretamente nas nossas vidas.

Ampliar a possibilidade de acesso também nas instâncias decisórias dos clubes é tão importante quanto, refletindo ainda em melhoria nas relações de transparência para a torcida de tudo o que ocorre, com processos político-eleitorais mais amplos. Além de permitir que a “comunidade” seja mais do que um sentimento, abrindo mais os espaços do clube para a presença da torcida, não só o estádio.

Isso que ainda não pretendemos prolongar esse texto para questionar as perspectivas gerais sobre democracia, pensando na reversão de relações de exploração e de subalternização de classes sociais, o que, no meu entender, também envolve o devido posicionamento pelos agentes do futebol, considerando este esporte de “interesse social”, como disse mais acima.

Esqueci de algum outro elemento? Coloca aqui nos comentários. O Brasil atual nos mostra o quanto é importante ponderar sobre esses diferentes modelos democráticos que anunciam.

Referências Bibliográficas

PUGLIESI, A. O Athletico, clube mais elitista do país, fala agora em “democratização do futebol”. Gazeta do Povo, Curitiba, 19 ago. 2020. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/andre-pugliesi/athletico-lei-do-mandante-democratizacao-do-futebol-elitista/&gt;. Acesso em: 01 set. 2020.

SANTOS, A. D. G. dos. #BahiaClubedoPovo: A diversidade em campanhas de um time de futebol brasileiro. Dispositiva, v. 8, p. 100-117, 2019.

SANTOS, A.D. G. dos. Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol. Curitiba: Appris, 2019.

SANTOS, A. D. G.; SANTOS, I. S. da C. História do espectador dos jogos de futebol no Brasil: da elitização amadora às novas formas de exclusão das Arenas Multiuso. In: SANTOS, V.; MOTTA, J. S. M.; MARTINS, B. T. de S. (Org.). XIII Seminário OBSCOM/CEPOS e I Fórum Regional ALAIC Cone Sul: Compilação de trabalhos apresentados. São Cristóvão; São Paulo: OBSCOM/CEPOS/ALAIC, 2015. p. 28-41.

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A estruturação do futebol mostrada em The English Game

Com a necessária parada do entretenimento ao vivo, o consumo de jogos antigos, mas também de séries e filmes sobre futebol nos ajudam a dirimir um pouco da saudade das partidas. Aqui, tratarei de The English Game, série da Netflix lançada este ano, do ponto de vista de alguns conceitos adaptados dos estudos de Crítica à Economia Política.

Fonte: Netflix

Aviso de antemão que neste texto eu não irei avaliar a série do ponto de vista cinematográfico (roteiro, fotografia etc.), nem verificar os problemas de representação histórica. Para ambos objetivos, sugiro que acompanhe a live do podcast Na Bancada que tratou muito bem dessas questões.

Em 2014, publiquei o artigo “Os três pontos de entrada da Economia Política no futebol” (SANTOS, 2014), em que adapto “os pontos de entrada da Economia Política” apontados por Mosco (2009) – mercantilização/comodificação, espacialização e estruturação –, enquanto categorias conceituais para análise do futebol profissional ao longo do tempo, entendendo aí as transformações histórico-dialéticas, logo, na perspectiva da totalidade social, para estudar esse esporte.

Fonte: Cena da série The English Game.

“Deixamos o jogo civilizado”

Até pelo período histórico recortado na série, final do século XIX, aqui nos interessará especificamente a estruturação – ainda que a mercantilização também começasse a se fazer presente. Sobre ela, Mosco (2009, p. 311) afirma que:

Especificamente, a estruturação equilibra a tendência na análise político-econômica ao apresentar as estruturas, normalmente as instituições empresariais e governamentais, estudando e incorporando as ideias de ação, de relações sociais, do processo social e da prática social. Ao mesmo tempo, […] rechaça como extrema a ideia de que se pode analisar a ação em ausência de estruturas. Isto se explica porque a estrutura proporciona o meio a partir do qual a ação atua.

A partir disso, eu inicio o artigo apontando a importância de estruturas formais para normatizar o futebol da maneira que temos até hoje, com destaque para as escolas no momento da diferenciação entre as práticas, que definem valores liberais básicos, com a competitividade sendo limitada pelo conjunto de regras, o que diminuiria a violência, mas também geraria algum nível de igualdade na disputa.

Mascarenhas (2014, p. 68) indica que em diversas regiões do mundo a prática ruidosa de uma partida deixou de ser vista como distúrbio apenas “adicionando ao jogo um conjunto de sentidos e significados nobres, trabalho cultural realizado por bacharéis, educadores laicos e missionários”.

The English Game trata, de forma romantizada, de 1879 ao início da década seguinte, com a transição da exclusividade da prática do jogo pelas pessoas de elite para trabalhadores, contando já ali com times de operários das fábricas inglesas, com os primeiros jogadores sendo “contratados”, mas apenas para jogar nos clubes, que assim podiam concorrer com os aristocráticos. A cada nova FA Cup aproximam-se do título, o que gera revolta nos controladores e participantes do jogo, que buscam usar o seu poder como barreira de atuação de outros jogadores e clubes.

Ainda que apareça de forma clara nas discussões sobre os problemas referentes à participação de determinados clubes, esse modelo de decisão é o que será aplicado na formação das entidades em caráter internacional. Assim, “por mais que a habilidade e a técnica estejam com os jogadores, o ordenamento da lei e a organização institucional e corporativa convergem numa grande entidade paraestatal” (SANTOS, 2014, p. 564), que no caso do filme é a FA (Football Association).

Fonte: Cena da série The English Game

“Mas também precisam do futebol”

Mesmo com a possibilidade da participação de operários jogando ou, como ocorre com Fergie, enquanto trabalhadores, logo podendo negociar a sua força de trabalho para um patrão, este segue detendo a posse dos meios de produção necessários para que a prática profissional ocorra.

Na série, vemos greves e outras formas de manifestação da classe operária e também o papel do futebol como forma de diversão, mas cuja gestão estrutural era garantida financeiramente pelos patrões.. Mascarenhas (2014, p. 91) afirma sobre isso que os capitalistas estavam preocupados com o movimento sindical do período, assim, “o trabalhador vestindo a camisa da empresa para jogar futebol significaria, muito mais que fazer sua propaganda, assumi-la como ‘sua’ instituição, um grau inequívoco de pertencimento”. Isso faz com que não seja estranho que alguns clubes tenham surgido a partir da gerência industrial, que tornava ainda eficiente certa “‘pedagogia da fábrica’: trabalho em equipe, obediência às regras, especialização nas tarefas, submissão ao cronômetro etc.” (idem, p. 91).

A estrutura de classes se estabelece naquele momento, com a elite político-econômica de dada localidade deixando aos poucos a atuação nos gramados para passar ao comando gerencial do futebol, caminhando já ali para uma prática lucrativa. Enquanto isso, cabia às classes populares o acesso ao jogo enquanto trabalhador ou, quando consegue pagar a entrada, como assistente. Nesse processo é que aparece a construção dos espaços de hegemonia. Como afirma Bolaño (1999, p. 53), “há um processo de edificação de uma ordem esportiva que, partindo do mundo da vida, sobrepõe-se a ele e o coloniza”.

Importante ainda dialogar com Mascarenhas quando ele faz uma relação direta com a organização taylorista do trabalho, que também passa a ocorrer nas fábricas naquele momento histórico. O saudoso pesquisador brasileiro salienta a especialização individual que passa a ser necessária para quem atuará profissionalmente no esporte: “Um jogador de futebol assume determinadas funções relacionadas à sua posição no time e no campo de jogo, e deve nela se especializar, tal qual o operário numa linha de montagem” (MASCARENHAS, 2014, p. 91).

***

Dado o limite da proposta deste espaço, pararemos por aqui. Vejam que não só não me aprofundei nas claras questões sobre a mercantilização, mas também não avancei na espacialização do jogo e como determinados aspectos estruturais hão de se repetir em outros países, como o Brasil. Creio que as referências específicas sobre futebol aqui utilizadas podem jogar luz sobre outras questões, da mesma forma que a série vem instigando outras reflexões para os estudos sobre o futebol.

Referências

BOLAÑO, C. R. S. A capoeira e as artes marciais orientais. Candeeiro, Aracaju, v. 3, p. 51-56, out. 1999.

MASCARENHAS, G. Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol. Rio de Janeiro: Eduerj, 2014.

MOSCO, V. La Economía Política de la Comunicación. Barcelona: Bosch, 2009.

SANTOS, A. D. G. dos. Os três pontos de entrada da Economia Política no Futebol. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 36, n. 2, p. 561-575, abr.-jun. 2014.

THE ENGLISH Game. Direção: Birgitte Stærmose e Tim Fywell. Produção: Jorge Ramos de Andrade. Londres: Netflix, 2020. Streaming (série com 6 episódios).

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A representação midiática do CSA na Série A do Brasileiro

Tratar da representação midiática do futebol no Brasil possibilita diferentes perspectivas de comentários e análise. Mas há quase que um consenso que os principais veículos de comunicação que se propõem a ser nacionais partem de uma base do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, onde se encontram as sedes das redes nacionais de TV aberta e… Continuar lendo A representação midiática do CSA na Série A do Brasileiro

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