Há cem anos: a inauguração de Wembley recebeu 250 mil pessoas – e quase terminou em tragédia

Final da Copa da Inglaterra de 1923 teve público estimado em mais de 250 mil presentes, contou com a presença do Rei, deixou milhares de feridos e marcou a memória do futebol inglês

Até a criação do Maracanã para a Copa do Mundo de 1950, o símbolo maior da popularidade atingida pelo futebol cabia ao Wembley, estádio localizado na cidade de Londres, capital do Reino Unido. Utilizado pela primeira vez em 28 de abril de 1923, na final da Copa da Inglaterra (FA Cup) em que o Bolton venceu o West Ham por 2 a 0 para um público estimado em mais de 250 mil pessoas, essa que é uma das arenas mais famosas do mundo agora completa 100 anos de uma história repleta de curiosidades, antes, durante e depois de sua inauguração.

Hoje, transformado em moderna arena após longo período reforma entre 2000 e 2007 – quando passa a ser propriedade de The Football Association (a federação inglesa) –, o estádio de Wembley foi originalmente projetado como parte da British Empire Exhibition de 1924, um dos muitos eventos do tipo “exposição universal” realizados à época.

Wembley na época da inauguração — Foto: Divulgação

Essas grandes e custosas exibições serviam como momento especial para projetar a imagem desses países – no caso das potências, as suas ambições imperialistas (o Brasil, por exemplo, realizou a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, em 1922).

Era uma oportunidade de apresentar inovações tecnológicas, proporcionar oportunidades comerciais e, de certa forma, também impulsionar o interesse dos grupos econômicos locais ao redor do globo. O nome do Wembley, inicialmente, não à toa, era “The Empire Stadium” (O Estádio Imperial).

Portanto, erguia-se naquele momento um símbolo do poderio do império e da grandiosidade dos feitos do capitalismo britânico, elaborado exatamente para causar impacto visual e projetar uma imagem de solidez do Reino Unido e de suas colônias após a I Guerra Mundial.

Quase demolido

Desenvolvido por um grupo de empreiteiros e projetado para receber até 126 mil espectadores, o estádio de Wembley não tinha previsão de ter tanta longevidade. Assim como quase toda a estrutura da grandiosa “Exhibition” realizada em um imenso terreno de Wembley Park, no subúrbio de Londres, a ideia original era simplesmente demolir o estádio logo em seguida, uma vez que desde o começo a estrutura era considerada financeiramente inviável.

Isso só não aconteceu porque o investidor imobiliário James White teve a ousada ideia de adquirir o que sobrou do evento, especular sobre a estrutura e repensar sobre a demolição do estádio. White morre pouco depois (em suicídio, em razão de problemas financeiros) e quem acaba ficando com o Wembley é seu funcionário, o jovem Arthur Elvin, um rapaz de 25 anos que havia lutado na guerra e depois trabalhado como vendedor de cigarros em um quiosque da “Exhibition” (!). 

Foi Arthur Elvin quem se responsabilizou, ao longo de muitas décadas, por manter o gigantesco estádio de Wembley de pé, através de uma sociedade criada para adquirir a estrutura. O fato era que praças daquela magnitude não eram comuns. Era uma época em que os clubes esportivos de futebol e rugby já construíam as suas próprias praças desportivas que, ainda que com menor capacidade, já eram capazes de receber públicos de mais de 60 mil espectadores (como se imagina, em condições bem pouco confortáveis).

Diferente do que ocorreu no Brasil e nos principais centros do futebol da Europa nas décadas seguintes, a Inglaterra não costumava erguer grandes estádios públicos. Isso obrigava a Football Association (FA, a federação inglesa) a buscar acordos para utilizar praças esportivas, companhias privadas e clubes (que já eram em sua maioria sociedades limitadas) na ocasião da grande final da FA Cup – prioritariamente na capital Londres.

Wembley recebeu a final da última Eurocopa entre Inglaterra e Itália — Foto: Lee Smith/Reuters

A FA Cup, que em 2023 será disputada entre Manchester United e Manchester City, é a competição de futebol mais antiga do mundo ainda em disputa, realizada desde 1872. Só não havia completado 50 anos quando da inauguração do Wembley porque foi interrompida por quatro edições durante a I Guerra Mundial.

É de se imaginar, portanto, o tipo de sensação de “tradição anual” que cinco décadas de um evento quase ininterrupto provocava na população local. Não apenas torcedores dos clubes finalistas, mas o público em geral se excitava para assistir ao evento decisivo da competição. O fluxo de pessoas no sofisticado sistema ferroviário britânico aumentava consideravelmente rumo a Londres e a própria população da metrópole se mobilizava em massa para testemunhar a final da copa.

É certo que já havia registros de finais com mais de 100 mil presentes no estádio Crystal Palace, como em 1901 (110 mil); em 1905 (101 mil), em 1913 (121 mil). Entretanto, em razão de problemas financeiros dos proprietários desse estádio, a final da FA Cup passou a ser realizada em Stamford Bridge após a guerra. Um estádio menor que não comportava a demanda desse grande evento anual – que recebeu no máximo 72 mil espectadores.

É em virtude desse quadro pouco estruturado de estádios que a FA vai se interessar no projeto de construção do Wembley e definir, ainda em 1921, que esta seria a sede da final da FA Cup de 1923. É quando a história começa a acontecer.

Artigo publicado originalmente no site GE.Globo.com, em 28 abr. 2023 por Irlan Simões.

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading

Pular para o conteúdo