Futebol nordestino e taça Libertadores: uns chegaram, outros quase

E o Fortaleza, quem diria, chegou à Taça Libertadores da América. Um clube que em 2017 ainda estava na Série C.

Foi uma ascensão meteórica. Subiu à Série B de 2018, depois à Série A de 2019 e se impôs como um clube que desafiava os grandes do país. Ficou em quarto lugar nessa Série A de 2021. É o quarto clube nordestino a chegar na prestigiada competição continental. Antes, apenas Bahia, Náutico e Sport haviam se classificado.

Participações nordestinas, em 62 disputas da Libertadores (de 1960 a 2021), foram apenas seis. O Bahia esteve na competição três vezes (1960, 1964 e 1989), o Sport duas (1988 e 2009) e o Náutico uma (1968). É fácil perceber, então, que a Libertadores, para o futebol do Nordeste, é uma raridade. Chegar lá é um feito merecedor de enorme comemoração, exatamente como fez o time e a torcida do Fortaleza.

“Libertadores, prazer, soy Fortaleza” (foto: Jornal do Ceará)

Para os nordestinos que ainda não chegaram à Libertadores, fica a frustação. Frustração por não participar de uma competição que ganhou (e continua ganhando) cada vez mais importância com o passar dos anos. E o que é mais grave para alguns torcedores: fica também o amargor de ver o arquirrival se vangloriar da sua façanha. Um amargor que se torna ainda pior para os que já chegaram muito perto de também se classificarem, mas perderam a chance. É o caso do Santa Cruz, do Ceará e do Vitória.

O Santa Cruz chegou perto da Libertadores no ano de 1975, durante a disputa do Campeonato Brasileiro. Depois de começar com um desempenho mediano na primeira fase, o time melhorou nas duas etapas seguintes da competição e se classificou à semifinal, que seria disputada em partida única contra o Cruzeiro. O local do jogo seria o estádio do próprio Santa Cruz (o Estádio do Arruda).

Três dias antes da partida contra o Cruzeiro, o Santa Cruz havia vencido o Flamengo no Estádio do Maracanã por 3 a 1. Foi essa vitória que classificou o time para a semifinal, além de eliminar os flamenguistas da competição. O entusiasmo depois dessa partida contagiou a torcida em Recife.

O Santa Cruz, então, vinha de uma empolgante vitória no Rio de Janeiro e precisava de um novo êxito em seu próprio estádio para chegar à final do Campeonato Brasileiro (e, consequentemente, se classificar à Libertadores do ano seguinte). Parecia bem possível e alguns achavam que não seria tão difícil.

Mas o jogo foi duro e estava empatado em 2 a 2 aos 45 minutos do segundo tempo. Foi quando o cruzeirense Palhinha marcou o terceiro gol do seu time. O Cruzeiro classificou-se à decisão e o Santa Cruz perdeu a oportunidade de ir à Taça Libertadores da América. Oportunidade que não se repetiu mais na história do clube.

Flamengo 1 X 3 Santa Cruz (Maracanã, 1975) Imagem: Museu da Pelada (internet)

O Santa Cruz não chegou à final, mas o Vitória, de Salvador, chegou. E chegou duas vezes.

Primeiro, chegou à final do Campeonato Brasileiro de 1993, mas naquele ano apenas o campeão se classificava à Libertadores, ao lado do campeão da Copa do Brasil. O Vitória, então, precisava vencer o seu adversário na decisão. Era o Palmeiras. Nas duas partidas da final, os palmeirenses venceram. Por 1 a 0 (em Salvador) e por 2 a 0 (em São Paulo).

Em 2010, o Vitória chegou novamente a uma decisão que valia vaga na Taça Libertadores. Dessa vez, era a final da Copa do Brasil. O adversário, assim como em 1993, era um time paulista: o Santos, que já contava com o talento de Neymar. Na primeira partida da final, em Santos, o time local venceu por 2 a 0. A segunda partida, em Salvador, foi vencida pelo Vitória, mas por 2 a 1, o que deu o título de campeão ao Santos pelo saldo de gols da final. 

Além dessas duas decisões nacionais, o Vitória esteve perto da competição sul-americana em mais duas oportunidades: 1999 e 2013.

Em 1999, o clube chegou à semifinal do Campeonato Brasileiro, Caso passasse à final, estaria classificado para a Libertadores. Mas foi desclassificado pelo Atlético Mineiro em uma partida realizada no Estádio Barradão, o estádio do próprio Vitória, que recebeu naquela noite mais de 30.000 torcedores. Os atleticanos venceram a terceira partida da semifinal pelo acachapante placar de 3 a 0.

Em 2013, os quatro primeiros colocados do Campeonato Brasileiro classificavam-se para a Libertadores do ano seguinte. O time de Salvador chegou à última rodada com chances de terminar a disputa exatamente em quarto lugar, mas precisava derrotar o seu adversário. Esse adversário era, de novo, o Atlético Mineiro. A partida, em Belo Horizonte, terminou empatada em 2 a 2 e o Vitória, afinal, ficou na quinta colocação, dois pontos a menos do que o Botafogo, que foi o quarto colocado. Decepção rubro-negra mais uma vez.

Palmeiras 2 X 0 Vitória (final do Campeonato Brasileiro de 1993) Imagem: YouTube

O Ceará teve sua grande chance de ir à Libertadores no ano de 1994, quando chegou à final da Copa do Brasil. O adversário nas duas partidas da final foi o Grêmio. Em Fortaleza, a primeira partida terminou empatada em 0 a 0.

Na segunda partida, em Porto Alegre, o Grêmio marcou um gol logo aos 3 minutos de jogo. Aos 31 minutos do segundo tempo, deu-se o lance que revolta os torcedores do Ceará até hoje: Sérgio Alves foi derrubado na área adversária e o seu time exigiu a marcação do pênalti. O árbitro Oscar Roberto de Godoy considerou o lance normal e, diante das reclamações, deu cartão vermelho ao próprio Sérgio Alves. Outro jogador do Ceará, Vitor Hugo, também recebeu cartão vermelho pouco depois, o que deixou o time cearense em condição de desvantagem irremediável. O resultado final foi 1 a 0 para o Grêmio. Mais de 25 anos depois, os protestos cearenses contra a arbitragem ainda continuam.

Grêmio 1 X 0 Ceará (final da Copa do Brasil de 1994) Foto: jornal O Povo (Ceará)

O Ceará só voltou a estar perto de se classificar para a Libertadores nos dois últimos Campeonatos Brasileiros: 2020 e 2021. Em 2020, porém, o time chegou à última rodada do campeonato já sem chance matemática de classificação. Em 2021, foi um pouco diferente.

Na 33ª rodada da Série A de 2021, o Ceará impôs uma goleada por 4 a 0 ao rival Fortaleza. O placar empolgou a sua torcida e colocou o time na luta pela classificação à Libertadores. Mas nas cinco rodadas seguintes, que ainda restavam até o fim do campeonato, o Ceará vacilou e obteve apenas uma vitória. Em sua última partida, contra o Palmeiras, precisava vencer para ainda ter a chance de ficar em oitavo lugar e, assim, conquistar uma vaga na Libertadores de 2022. Foi derrotado e ficou em 11º lugar. A goleada de 4 a 0 diante do Fortaleza de nada adiantou.

Chegar perto e não se classificar é frustrante, mas os clubes e suas torcidas não desistem porque sabem que essa não é uma opção.

O próprio Fortaleza, que hoje comemora sua primeira classificação para a Libertadores, serve de exemplo. O clube conheceu bem essa experiência de chegar perto, mas não se classificar. Na Taça Brasil de 1960, foi o vice-campeão. Naquela ocasião, porém, apenas o campeão era indicado para a Libertadores. Na Taça Brasil de 1968, o Fortaleza voltou a ser o vice-campeão e poderia, com justiça, ser indicado junto com o campeão (o Botafogo) para a Taça Libertadores de 1969. Mas aquela Taça Brasil de 1968 apresentou sérios problemas e sofreu um atraso fora do comum. Chegou ao fim apenas em outubro de 1969. O Brasil, assim, ficou sem representantes na Libertadores daquele ano.

O Fortaleza, com direito a ir à Libertadores em 1969, não foi. Mais de meio século depois, tem direito a ir novamente. “Dessa vez vai jogar”, como disse Cassio Zirpoli.

Serve de inspiração, talvez, para Santa Cruz, Vitória, Ceará e outros.

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