Raducanu: uma campeã entre a diversidade e a exceção

Reprodução/Redes sociais

Restringir a chegada de imigrantes ao Reino Unido esteve no cerne da campanha a favor do Brexit, vitoriosa em 2016. O controle migratório foi o principal argumento daqueles que queriam se divorciar da União Europeia e que flertavam, sem pudor, com a xenofobia. Portanto, quando uma tenista nascida no Canadá, filha de mãe chinesa, de pai romeno e naturalizada britânica vence um Grand Slam, acabando com um jejum de 44 anos, o discurso do “troco” já está pronto.

Foi o que aconteceu com Emma Raducanu, que chegou ao Reino Unido aos 2 anos de idade e conquistou, duas semanas atrás, o US Open, aos 18. Desde 1977, uma representante do Reino Unido não conseguia o feito. O prefeito de Londres, Sadiq Khan, não perdeu tempo. Filho de imigrantes paquistaneses, o político, provavelmente emocionado e relembrando sua própria história de vida, tuitou: “Aqui em Londres, abraçamos e celebramos nossa diversidade. E se você trabalhar duro e conseguir uma mão amiga, você pode conseguir qualquer coisa”. Quase um conto de fadas.

A pergunta, no entanto, é inevitável, por mais hipotética que seja: isso tudo aconteceria se Raducanu não fosse campeã, ou não fosse finalista?

Parece coerente supor que a repercussão seria menor. Logo, a valorização, o respeito e a aceitação do imigrante e do multiculturalismo representados por Raducanu estariam, nesse caso, mais atrelados ao sucesso do que ao que realmente importa: a diversidade em si, o ser humano. E “sucesso” como sinônimo de vencer. Nada menos do que isso.

Usar vitórias de imigrantes e de outros grupos sociais minorizados como exemplo de integração bem-sucedida pode invisibilizar questões que precisam ser debatidas.

A seleção brasileira masculina de futebol na Copa do Mundo de 1938 foi a primeira a dar protagonismo ao País nos gramados. Um time em que, pela primeira vez, negros e brancos atuaram juntos, algo visto corretamente, à época, como um avanço civilizatório. No entanto, as narrativas em torno da característica multiétnica daquela equipe acabaram por transmitir a falsa sensação da existência de igualdade racial no Brasil, o que infelizmente nunca foi alcançado até hoje. Desde então e por muito tempo, o racismo estrutural chegou a ser até negado por aqui.

O mesmo pode se dizer da seleção francesa masculina de futebol em 1998. O título mundial inédito sob o protagonismo de um descendente de argelinos parecia um ponto final nas desavenças entre brancos, negros e árabes ainda oriundas dos tempos da colonização francesa na África. Zidane, porém, não tem super poderes, e menos de dez anos depois, em 2005, uma série de protestos liderados por imigrantes e franceses descendentes de imigrantes nos subúrbios de Paris mostrou que não estava tudo bem.

É esta reflexão que deve ser feita quando Raducanu ou a seleção multiétnica francesa vencem: seus pares imigrantes e descendentes estão bem? Terão eles oportunidades para, de fato, fazerem o mesmo que Zidane e Raducanu? Ou a idolatria é apenas fruto de casos isolados e esporádicos? Refletir perante essas indagações é o primeiro passo para políticas e comportamentos que, de fato, promovam a inclusão.

Da mesma forma, até que ponto a própria tenista deseja “carregar” essa associação com a diversidade? É preciso estar atento ao que se coloca nos ombros dos atletas, ainda mais em início de carreira. Afinal, o foco deve ser na própria afirmação de Raducanu no tênis ou em qualquer causa que ela representa? Ídolos, como o heptacampeão de Fórmula 1 Lewis Hamilton, se sentem muito confortáveis em debater abertamente questões sociais, mas é importante lembrar que posicionamentos dessa natureza aconteceram de forma frequente somente após o piloto ter uma carreira sólida, em que não mais precisava provar nada a ninguém. Por outro lado, Simone Biles e sua experiência nos Jogos Olímpicos de Tóquio mostram o fardo de lidar com cobranças além da performance esportiva.

Esses são dilemas para os quais nem Raducanu tenha respostas ainda. No entanto, as redes sociais da tenista são um indício. Na “Bio”, a atleta apenas colocou as cidades que fazem parte da sua história: Londres (onde vive), Toronto (onde nasceu), Bucareste (origem do pai romeno) e Shenyang (lar da mãe chinesa). Nada de “tenista”; nada de “campeã de Grand Slam”. Talvez seja “apenas” isso que Raducanu espera: ser vista e respeitada como ser humano por onde passar pelo mundo, independentemente de ter títulos ou não nas quadras.

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