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O machismo persistente no tênis

46 anos após a histórica “Batalha dos Sexos” entre a tenista Billie Jean King e Bobby Riggs, o tênis feminino ainda sofre com o machismo dentro e fora de quadra. O episódio, que virou filme “A Guerra dos Sexos” estrelado por Emma Stone e Steve Carel, foi crucial na busca pela igualdade de gênero no esporte. Na época em que o movimento feminista estava em alta, a vitória de Billie Jean marcou para sempre a história do tênis feminino com a criação da Women’s Tennis Association (WTA), responsável pelos torneios femininos profissionais e pela garantia de premiações equivalentes para ambos os sexos. Apesar disso, o esporte que foi pioneiro em garantir igualdade financeira em grande parte dos torneios, ainda contém atitudes e regras ultrapassadas que prejudicam exclusivamente as mulheres.

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A ex-tenista Billie Jean King em uma partida de tênis em 1975 (Créditos: AP Photo)

Nos últimos anos, apesar das grandes conquistas das mulheres nos esportes, os casos de machismo no tênis continuam recorrentes. Em 2015, o Torneio de Wimbledon, o mais tradicional do circuito, foi alvo de várias reclamações por parte das tenistas. A número 1 da época, Serena Willians e a dinamarquesa Caroline Wozniacki queixaram-se da priorização das partidas masculinas nas quadras principais. De fato, os homens foram beneficiados, fazendo quatro jogos a mais do que as mulheres na Quadra Central, a principal do torneio. Além disso, eles tiveram cinco jogos a mais na Quadra 1, segunda mais importante, e um a mais na Quadra 2. A tenista bielorrussa, Victoria Azarenka, também fez reclamações, no entanto, o alvo dela foi o foco da imprensa nos gritos das jogadoras durante a partida, que também são ouvidos nos jogos masculinos devido ao grande esforço físico realizado.

Em 2017, as atitudes machistas saíram das quadras e foram parar no sorteio para o NextGen Finals, torneio que reúne os oito melhores tenistas da temporada até 21 anos. A principal patrocinadora, Redbull, juntamente com a Associação dos Tenistas Profissionais (ATP), resolveram renovar o sorteio, mas acabaram não alcançando o resultado esperado. De acordo com as novas mudanças, cada um dos tenistas tinha que escolher uma modelo para ter conhecimento do grupo o qual pertenceria e, em seguida, cada mulher revelava se o grupo era A ou B tirando uma peça de roupa, pois embaixo da tal peça, estava fixada uma das duas letras. O sorteio causou muitas discussões nas redes sociais, no qual maioria dos internautas dizia que tinha sido uma atitude sexista e infeliz, além de ter gerado constrangimento aos próprios tenistas, como foi o caso do sul-coreano Hyeon Chung, que ficou visivelmente incomodado com a situação.

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The NextGen ATP Finals Draw Party em Milão (Fonte: Sport360)

No ano seguinte não poderia ter sido diferente. Em 2018, as mulheres voltaram a sofrer dentro das quadras. O primeiro caso ocorreu no Torneio de Roland Garros, com a maior tenista de todos os tempos, entre homens e mulheres, Serena Williams. A ganhadora de 23 Grand Slams, que já sofreu intensas críticas por ter um corpo considerado masculino demais para a estética instituída para as tenistas femininas, foi alvo do dirigente do Grand Slam francês, Bernard Giudicelli, que proibiu o uso de uma peça de roupa preta e justa no corpo inspirada no filme Pantera Negra, usada pela tenista. O dirigente declarou em entrevista à revista Tennis Magazine, que a ex-número 1 faltou com respeito por trajar uma peça ousada. A peça intitulada “roupa de Wakanda”, foi usada pela atleta para inspirar mães que tiveram dificuldades depois do parto. Serena deixou claro seu orgulho em vestir a roupa e que fizera esse gesto também motivada por questões de saúde devido aos problemas que teve após a cesariana feita para o nascimento de sua filha, como a formação de coágulos no abdômen e o uniforme ajudava na circulação sanguínea. Depois do ocorrido, o torneio de Roland Garros terá um código de vestimenta e passará a ser mais rigoroso, os fabricantes deverão fornecer os modelos antes do torneio. Apesar de ser questionada pela adversária Krystina Pliskova que perguntou se a peça não seria contra as regras, atletas como Elina Svitolina, 4° do ranking e Caroline Wozniacki 3°, apoiaram Serena e evidenciaram a importância da mensagem passada pela tenista apoiadora do feminismo.

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Traje usado pela Serena Williams no Roland Garros. (Fonte: UOL/Foto: Guilherme Horcajuelo/EFE)

Alguns meses depois, outro caso foi registrado no US Open. No dia 28 de agosto, uma terça-feira, a francesa Alizé Cornet entrou em quadra para jogar contra Johanna Larsson. A partida seguia normalmente até a francesa voltar do vestiário para o começo do terceiro set. Preparada para reiniciar o jogo, Alizé percebeu que sua camisa estava ao contrário e resolveu trocá-la, no entanto o juiz aplicou-lhe uma advertência por “conduta inapropriada”. Vale lembrar que uma jogadora só pode trocar de roupa ao fim de um set ou durante o atendimento médico, e apenas fora da quadra, diferentemente nos jogos dos homens em que é permitida a troca, desde que estejam sentados. A treinadora Judy foi uma das primeiras a questionar a decisão do juiz juntamente com a tenista americana Bethanie Mattek-Sands. Fãs do esporte também se manifestaram, por meio de redes sociais como o Twitter, pela falta de “bom senso” do juiz na partida, uma vez que a tenista francesa tinha que iniciar o set e havia acabado de voltar do vestiário.

A situação piorou dois dias depois com um outro acontecimento. O também francês Julien Benneteau jogava contra o alemão Leonard Struff e após perder um ponto, em um acesso de raiva, o tenista francês simplesmente abaixou o calção em quadra, ficando de cueca. Apesar disso Benneteau não recebeu nenhuma advertência ou chamada pelo ocorrido. Terminado o jogo, o francês explicou que o ponto perdido tinha sido frustrante e agradeceu pela compreensão do árbitro e por não ter sido advertido. Benneteau, em entrevista ao SporTV, declarou:

– Às vezes, o árbitro tem momentos difíceis conosco. Eu tenho que agradecê-lo muito. Ele riu, entendeu a situação. Esta é a maneira que eu penso que você deve julgar. Sentir a partida, as emoções. Foi uma boa decisão.

Diante do ocorrido o caso da francesa só ganhou mais destaque. Apesar de a direção do US Open ter voltado atrás com a advertência e ter pedido desculpas no dia seguinte, nada foi suficiente para encobrir o ocorrido, principalmente diante do tratamento diferente dado a casos de indisciplina também passíveis de punição do juiz com o tenista francês Benneteau. Alizé levou uma advertência por conduta inapropriada ao consertar o uniforme, já Benneteau, após ter tirado as calças no meio de um jogo pode contar com o “bom senso” do juíz em compreender a situação para seguir a partida sem advertências.

Apesar da ajuda vinda das redes sociais que muitos estão de prontidão para atacar qualquer atitude machista, todos esses ocorridos são amostras de como o tênis tem uma longa jornada a percorrer na luta pela igualdade entre os homens e mulheres. Atletas como Serena Williams, Alizé Cornet e tantas outras, devem ter seus direitos respeitados e, dessa forma, praticar livremente o esporte que encanta milhares de pessoas em todo o mundo, sem serem enquadradas em códigos de vestimentas e outras regras antiquadas. Após a vitória de Billie Jean em 1973 e os recordes quebrados pela Serena Williams nos últimos anos, ficou mais que evidente que uma mulher joga tênis tão bem quanto um homem.

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