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Abusos sexuais atingem o cenário esportivo

A falta de voz das vítimas, muitas vezes por medo da exposição pública ou mesmo de perderem a oportunidade de alcançar seus objetivos esportivos, tem se tornado um dos motivos para que a porcentagem de ocorrências de abusos sexuais tenha sido crescente. Uma das primeiras atletas a romperem esse silêncio foi Joanna Maranhão, que chocou o mundo ao relatar que foi abusada sexualmente por seu treinador.

Após os escândalos de abuso sexual na ginástica artística terem sido expostos no programa televisivo Fantástico em 2018, Joanna Maranhão voltou a falar de seu caso para o Globo Esporte (https://globoesporte.globo.com/ginastica-artistica/noticia/apos-denuncias-joanna-maranhao-lembra-abuso-na-infancia-nunca-vai-deixar-de-doer.ghtml). A ex-nadadora, que se tornou conhecida por seus feitos em Pan-Americanos e Olimpíadas, revelou em 2008 que foi molestada sexualmente pelo seu treinador quando era criança.

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Nadadora Joanna Maranhão. Fonte: Torcedores.

A atleta passou sua vida nas piscinas e acumulou muitos feitos, sendo consagrada na natação, entretanto não foi apenas alegria que a mesma teve nas piscinas, defendendo o Brasil. Abusada sexualmente pelo homem que a inspirava, seu técnico, Joanna assumiu em diversas entrevistas que tal acontecimento deixou marcas profundas em sua carreira, onde começou no Clube Português, em Recife (PE). O primeiro contato de Joanna com a natação foi aos três anos e no meio do processo se descobrindo apaixonada pelas piscinas, passou a ganhar a admiração dos pais que conjuntamente passaram a confiar muito no trabalho do treinador, Eugênio Miranda.

Com uma aproximação íntima, quase que familiar, seu técnico a molestava e a nadadora expôs que reconhecia que aquilo não era correto, mas não sabia do que se tratava e como reagir, caso comum entre diversas vítimas abusadas sexualmente. Além disso, o treinador lhe pedia para sorrir e não contar a ninguém sobre o que estava acontecendo.

Os abusos rapidamente refletiram no comportamento de Joanna, que pediu a mãe para mudar seu turno na escola, para não ficar sozinha em casa com o treinador e de treinar com um grupo maior de pessoas em um horário que os pais fossem lhe buscar, para evitar de ter de ir para casa do professor.

Joanna em entrevista para o portal Vix, em outubro de 2015, disse que aos poucos tentou contar de seu caso para seus familiares, porém a mãe não foi capaz de acreditar, dizendo que a filha estava apenas confundindo um carinho paternal, com um ato sexual, fazendo com fez com que a nadadora se sentisse culpada, acreditando que tudo que ocorrera foi sua culpa, sendo assim se sentindo suja e carregando este segredo por muitos anos.

Os abusos sofridos por Joanna Maranhão tiveram consequências maiores do que se poderia imaginar. A atleta desenvolveu depressão, síndrome do pânico, fobia ao escuro e gagueira, a nadadora tentou suicídio duas vezes. A primeira, em 2006, ela entende que tem total ligação com tudo o que viveu. “Eu estava no auge da terapia, indo à fundo nas emoções e achei que não fosse aguentar”. Já a segunda tentativa aconteceu em 2013, por problemas financeiros. “Acredito que eu nunca teria tido de fato coragem de acabar com minha própria vida. Eu queria fugir daquela sensação e tomar remédio pareceu a solução. É idiota, eu sei, mas eu me perdoo por isso, o que é o mais importante”, afirmou em seu depoimento para o site Vix (https://www.vix.com/pt/bdm/abusos-sexuais/joanna-maranhao-fala-abertamente-ao-bolsa-sobre-abusos-era-um-heroi-para-mim).

Joanna ainda disse ao Vix que nunca quis denunciar o técnico e que só se sentiu à vontade de falar sobre o assunto porque a perguntavam sobre sua queda de rendimento e suas mudanças comportamentais ao longo dos anos.

O ex-treinador, que por anos não teve seu nome exposto, ainda tentou lhe denunciar por calúnia e difamação, mas tal ato serviu para a criação da Lei Joanna Maranhão, criada em 2012, que torna possível que um adulto denuncie abusos sexuais sofridos na infância. Para se livrar da dor daquelas lembranças Joanna buscou tratamento e frequentou psiquiatras, além de tomar remédio controlado até hoje.

O caso de Joanna não foi o único a ser exposto, em 2011, Larry Nassar, médico da seleção de ginástica artística dos Estados Unidos, deixou de surgir ao mundo como o médico das grandes estrelas da ginástica artística para se tornar acusado de praticar diversos casos de abuso sexual.

O médico foi condenado a até 125 anos de prisão (mínimo de 40 anos) por diversos abusos sexuais, sendo eles molestar três ginastas do clube Twistars, dos Estados Unidos entre 2009 e 2011.

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Larry Nassar, ex-médico de ginástica artística da seleção dos Estados Unidos. Fonte: Público.

Chelsea Markham, uma das vítimas de Nassar, com dez anos tinha o sonho de tornar-se uma ginasta de topo e visitou pela primeira vez Larry Nassar, considerado um guru para todas as meninas que pretendiam iniciar carreira na ginástica artística. Chelsea foi uma das vítimas do médico, o acusando de ter colocado os dedos em sua vagina sem luvas e a fazendo lhe prometer não contar a ninguém, alegando que isso prejudicaria seu sonho. Antes dos 14 anos deixou a ginástica e entrou em uma espiral de depressão, aos 23 suicidou-se.

O caso de Chelsea é apenas um dos demais colecionados por Larry Nassar, que fez ao total 265 vítimas, sendo 140 ginastas; algumas, campeãs olímpicas de renome como Simone Biles e Gabby Douglas. Entre as vítimas, estavam meninas de 15 anos a mulheres de 40 anos.

Com a primeira condenação por pornografia infantil (60 anos de prisão) e a condenação por molestar sete mulheres no Condado de Ingham, também no Michigan (até 175 anos), Nassar soma 360 anos de condenações. Ele também abusou de atletas da Universidade de Michigan e de mulheres nos condados de Ingham e Eaton. Em seu julgamento do Condado de Ingham, a juíza Rosemarie Aquilina permitiu que todas as vítimas de Larry Nassar contassem suas histórias em depoimentos de impacto antes do anúncio da sentença. Ele estava sendo julgado por molestar sete mulheres, mas 156 se apresentaram para depor, algumas de forma anônima, outras por vídeo ou carta, mas muitas encararam o ex-médico na Corte, inclusive as campeãs olímpicas Aly Raisman e Jordyn Wieber.

O caso de Larry Nassar não só chocou ao mundo, como deu voz para que demais casos pudessem ser denunciados, como o de Fernando de Carvalho Lopes, ex-técnico de ginástica artística da seleção brasileira. Ele, com grande renome no esporte foi acusado de abuso sexual, por feito 42 vítimas. O ex-técnico foi responsável por treinar nomes como Diego Hypolito e Petrix Barbosa, ambos prestigiados pela ginástica artística mundialmente.  Fernando foi afastado da seleção em 2016, com um mês de antecedência das Olimpíadas do Rio de Janeiro, acusado de abusar os atletas que treinavam.

Petrix Barbosa que se consagrou como medalha de ouro pela seleção brasileira foi uma das vítimas de abusos sexual desde a infância por seu técnico, Fernando de Carvalho Lopes.

 

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Fernando de Carvalho Lopes, ex-técnico da seleção brasileira de ginástica artística. Fonte: O Tempo.

Dois anos desde o afastamento de Fernando de Carvalho e nada havia sido resolvido, entretanto muitas vítimas se pronunciaram para acusar o ex-técnico de assédio moral, agressão física e, especialmente, abuso sexual. Crimes praticados sistematicamente durante pelo menos 15 anos. O ato do ex-técnico agravou muitos problemas na vida dos jovens ginastas, mas quem expôs o ocorrido abertamente foi Petrix Barbosa, que para muitos colegas de equipe foi o mais sofreu nas mãos de Fernando, que abusou do ginasta desde seus 10 anos de idade.  Abalado com a presença de Fernando na seleção, Petrix caiu de rendimento e não conseguiu fazer parte da equipe que representou o Brasil na Olimpíada do Rio, mas o que chocou a muitos foi o fato de não ter sido Petrix a denunciar Fernando.

Segundo as vítimas, Fernando tinha um comportamento que se repetia e os que denunciaram o treinador afirmaram que uma das lembranças mais marcantes era o pedido insistente do treinador para olhar os órgãos genitais para saber como estava o desenvolvimento do corpo de cada um para mudar os treinamentos. As vítimas possuíam um perfil parecido e geralmente eram atletas mais jovens e tímidos, além de não possuírem pais presentes.

O ex-técnico buscava ter uma relação próxima com quem treinava e oferecia sua casa para viagens e marcava viagens com grupos de alunos, onde praticava seus atos obscenos. O caso que teve grande repercussão no ano de 2018, dois anos após o afastamento do ex-técnico, não teve grandes divulgações sobre o processo final, mas foi pertinente para criar novos mecanismos de denúncia contra abusos sexuais praticados por técnicos e a CBG (Confederação Brasileira de Ginástica) vai lançar em sua página um canal específico para que se apresentem relatos e denúncias de abuso e assédio sexual e outras violações ao código de ética da entidade.

Além do mais, o caso de Fernando de Carvalho propiciou que houvesse uma movimentação na Câmara dos Deputados e no Senado, em Brasília, onde a deputada Erika Kokay (PT-DF) apresentou um projeto de lei em maio de 2018 que condiciona o patrocínio de bancos públicos a times de futebol e outras associações esportivas à assinarem um termo de compromisso público com medidas para proteção de crianças e adolescentes contra abusos e todas as formas de violência sexual.

Com exigências propostas como apoio campanhas educativas, alertando para os riscos da exploração sexual e do trabalho infantil; qualificação dos profissionais que atuam no treinamento esportivo de crianças e adolescentes; adoção de providências para prevenir o tráfico interno e externo de atletas e instituição de ouvidoria para receber denúncia de maus tratos e de exploração sexual de crianças e adolescentes, essas mudanças buscam dar fim a casos de abusos sexuais, com parceria da Caixa Econômica Federal, o banco estatal que mantém os maiores contratos com clubes de futebol e entidades esportivas no Brasil.

O atual presidente do COB, Paulo Wanderley, assinou um termo de compromisso, em maio de 2018, para ações de prevenção ao abuso e ao assédio sexual e moral no ambiente esportivo. A assinatura aconteceu a três dias do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, comemorado em 18 de maio.

O caso de Fernando de Carvalho ainda trouxe mais uma medida, onde o deputado Evandro Roman (PSD-PR) propõe criar um código de conduta no esporte para evitar abusos sexuais contra crianças e adolescentes.

Tais medidas podem tornar mais seguro o cenário onde muitos meninos e meninas se inserem tão cedo no cotidiano de treinos. É importante que os atletas tenham voz para compartilhar os seus desafios no meio esportivo e falar de suas experiências, para que possam incentivar outros jovens, que passaram por questões semelhantes, a contarem e enfrentarem seus problemas, além de ressaltar a importância de se ter um acompanhamento com profissionais especializados.

 

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