Crônica pós-derrota

*Esclarecimento: Apesar do título, este texto foi escrito antes da eliminação do Brasil. Se fosse escrito depois, talvez houvesse uma pitada maior de desesperança.

– Começa a Copa do Mundo, o brasileiro esquece de tudo.

– Copa do Mundo acabou para mim.

– Esse ano não vou torcer pelo Brasil.

– Depois do 7 a 1, não tenho mais ânimo para torcer.

– Talvez só uma bandeirinha na janela.

– Agora que ganhou a primeira já posso sair com a minha camisa do Brasil.

Escutei algumas dessas frases vindas de familiares e amigos um pouco antes e no início da Copa do Mundo de 2018. São frases que sinalizam inicialmente certo desencanto do torcedor brasileiro com a sua seleção, o que veio sendo progressivamente superado com os resultados positivos e o desempenho dentro de campo da equipe durante a competição.

O clima antes da Copa não era definitivamente dos mais auspiciosos. Poucas ruas enfeitas, raras bandeiras na janela, pouca empolgação. A publicidade e as chamadas nos canais de televisão tentavam animar os torcedores brasileiros, mas não sei se surtia o mesmo efeito que em Copas passadas. Não restam dúvidas de que a maior goleada sofrida pela seleção brasileira em Copas do Mundo ainda não havia sido superada no imaginário coletivo. A situação político-econômica do país também não colaborava para fomentar o orgulho patriótico. Eram sinais inequívocos de que algo mudara na forma como o brasileiro experimenta a Copa do Mundo. O antigo diagnóstico de Hugo Lovisolo, de que a “pátria calça chuteiras cada vez menores”, vinha fazendo muito sentido nesse período pré-Copa.

Faço aqui um pequeno parêntese. Cresci em um bairro do subúrbio carioca, onde a Copa do Mundo sempre foi um momento de ruas enfeitadas, apetrechos variados em verde e amarelo, comemorações coletivas, churrascos em família, resenha com amigos no colégio. Voltar do colégio passando pelas ruas vestidas de patriotismo era uma espécie de ritual quadrienal para mim. Dito isso, admito que sinto certa tristeza por não ver mais tantas ruas coloridas com bandeiras do Brasil. Apesar de compreender todos os motivos futebolísticos e sociais que justificam essa situação, minha memória afetiva não me permite assimilar friamente a nova realidade.

Retornando ao “fio da meada” deste post, o início da Copa trouxe consigo tanto aquele torcedor típico dessa competição, que não acompanha tanto os campeonatos locais ou internacionais, mas que, a cada quatro anos, vira um boleiro padrão: se envolve com o esporte, assiste a vários jogos pela televisão, comenta nas redes sociais, posta nos grupos do Whatsapp e por aí vai. Acredito que principalmente esse torcedor era quem estava reticente sobre a validade de dispender energia emocional para assistir aos jogos e, principalmente, vibrar com a seleção canarinho. No fundo, eu não tinha dúvidas de que o apelo futebolístico falaria mais alto, ao menos para o espectador habitual de futebol. Afinal, são os melhores jogadores do mundo, reunidos em uma competição de mata-mata de curta duração. Se o atrativo estético do esporte não for suficiente, há o duelo de nações figurado. Como Ronaldo Helal já sinalizou em muitos de seus ensaios, apesar de a seleção não ser a nação, sua capacidade mimética é claramente percebida pelos torcedores, o que se torna mais um encanto da Copa do Mundo.

Na Rússia, torcedores organizados compuseram novas canções para embalar a seleção brasileira em campo e abandonar a monotonia do clássico “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. O Canarinho Pistola ganhou a simpatia dos brasileiros. Os memes ao final de cada jogo circularam pelas redes sociais e nos proporcionaram momentos felizes e de descontração. No Brasil, as imagens da televisão mostravam a empolgação crescente da torcida ao final de cada jogo do selecionado nacional. Por fim, ao menos entre o meu círculo de amigos e conhecidos, a desesperança inicial e a desmotivação com a Copa cederam lugar ao ávido interesse pelos jogos, às resenhas entusiasmadas e à confiança de que o Brasil poderia finalmente conquistar o hexa. Houve, dessa forma, uma perceptível alteração no nível de atenção pelo torneio futebolístico.

Assim como a derrota de 1950, o vexaminoso 7 a 1 nunca será totalmente esquecido. Vitórias e atuações contundentes são capazes, no entanto, de reverter a descrença e o desânimo coletivos, levando o torcedor a novamente torcer apaixonadamente pela sua seleção antes, durante e depois da Copa.

Se cotidianamente o futebol não é dos temas que mais influenciam a vida do cidadão brasileiro em suas necessidades básicas, a cada quatro anos esse esporte impacta grandes parcelas da população e com certeza altera alguns aspectos de sua rotina (transporte, lazer, alimentação). E é por isso que devemos olhar atentamente para essa manifestação cultural.

*O sonho do hexa ficou para 2022…

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Em tempo, acho que ainda tem de ser escrito aqui no blog um post sobre os memes que circularam nessa Copa do Mundo. Se o brasileiro não enfeitou as ruas como outrora, nas redes sociais temos observado uma enxurrada de imagens e vídeos “meméticos” – desde Cristiano “eu sou lindo” Ronaldo até Neymar rolando ao som do pião da casa própria. Aprecio muito as tradições do passado, mas também celebro os memes como uma importante adição ao comentário esportivo.

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Jogadores da seleção brasileira lamentam derrota para a Bélgica – Eduardo Knapp/Folhapress. Fonte: Folha de São Paulo

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