Nacionalismos, paixões clubísticas e estilos na Copa do Mundo*

O futebol e o evento Copa do Mundo movimentam muito dinheiro ao redor do planeta. Mas a crença de que estamos diante de um duelo entre nações persiste.

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Fonte: O Globo

Em tempos de futebol globalizado, com seleções nacionais sendo formada por jogadores de diversos países, é curioso observar como as lealdades, os nacionalismos e as paixões clubísticas se manifestam neste ambiente.

Aqui no Brasil temos observado torcedores do Vasco comemorarem de forma mais entusiástica os gols e passes de Coutinho, formado nas divisões de base do clube. E até rubro-negros torcendo pela Sérvia contra a Suíça, menos preocupados com a tabela do grupo do Brasil, mas mais por conta de Petkovic, talvez o maior ídolo do Flamengo, junto com Adriano, desde a geração do Zico. Lealdade e gratidão relacionadas ao clube deixando em plano secundário as nações.

Na Argentina, a cobrança sobre Messi recae frequentemente em cima de sua suposta falta de “argentinidade”, já que foi para a Espanha com apenas 13 anos e não consegue repetir na seleção de seu país as atuações extraordinárias que exibe no Barcelona. Ao mesmo tempo que o idolatram, os argentinos questionam: seria ele argentino ou espanhol? É uma questão que nos remete ao nacionalismo. O próprio jogador já teve que dar entrevistas tentando mostrar que era “argentino”.

O antropólogo Howard Becker disse, certa vez, que as mudanças que ocorrem na sociedade são evidentes, mas que algumas coisas não se modificam em meio a esta miríade de transformações. O futebol e o evento “Copa do Mundo” se transformaram em um negócio que movimenta muito dinheiro ao redor do planeta. No entanto, a crença de que estamos diante de um duelo entre nações persiste, ainda que venha perdendo ímpeto recentemente.

As seleções “nacionais” não são mais tão “nacionais”, mas a crença de que elas o são cativam e atraem o torcedor. No Brasil, a seleção é formada por maioria de atletas que jogam no exterior, mas Coutinho, por exemplo, tem ligação com o Vasco. Daí o maior entusiasmo dos torcedores deste clube. Sentimentos de nacionalismo e de clubismo se misturam neste contexto, mas pendendo aqui para a lealdade clubística.

Afinal, estariam os torcedores catalães do Barcelona torcendo para a Argentina por causa do Messi e os espanhóis do Real Madri por Portugal por conta de Cristiano Ronaldo?

Um emblemático exemplo de secundarização de nacionalismo pôde ser visto em 2014, quando muitos torcedores do Flamengo meio que “torceram” para a Alemanha por conta do uniforme rubro-negro. E agora em 2018, a eliminação da Alemanha foi atribuída por eles à ausência deste uniforme. Nacionalismos e vínculos identitários clubísticos se misturando no maior evento do futebol.

A questão dos estilos é outra que sempre aparece nesta ocasião. Existiria um estilo de jogo próprio de cada país e isso teria relação com as culturas? É uma questão difícil.  Afinal, a maioria dos jogadores disputam campeonatos europeus. Porém, a crença nos estilos permanece e aí, no caso brasileiro, queremos não somente vencer, mas ver o nosso suposto estilo.

O fato é que todas as culturas costumam celebrar aquilo que as tornam únicas a seus olhos e aos olhos dos outros. No Brasil, a visão de fora foi importante para a “construção” do orgulho nacional. Desde a Copa do Mundo de 1938, a opinião dos europeus, sobretudo dos franceses, de que nossos jogadores seriam “bailarinos da bola”, conforme colocou Gilberto Freyre em artigo de 1938 intitulado “Football Mulato”, tem sido importante para a consolidação da crença de que teríamos um estilo único de jogar futebol.  E que esta maneira de jogar estaria correlacionada a formas de utilização do corpo no samba e na capoeira.

Apesar de não termos evidência empírica da unicidade deste estilo, nem tampouco de sua correlação com samba e capoeira, a crença resiste mesmo com seleções sendo formada por jogadores que não jogam em seus países. As convicções nos estilos e os vínculos identitários com clubes locais são demonstrações de “permanências” e “resistências” em um universo em constante transformação.

*Artigo publicado originalmente no O Globo no dia 01 de julho de 2018.

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