“O 7 a 1 é para sempre”

Berlim, 27 de março de 2018, Brasil e Alemanha se enfrentam em partida amistosa que serve como preparação para a Copa da Rússia, que começa em pouco menos de 3 meses.

Mesmo com a proximidade de competição tão importante, parte considerável das narrativas da imprensa esportiva naquele momento não aponta para o futuro, mas para o passado, mais especificamente para o dia 8 de julho de 2014, oportunidade na qual a seleção brasileira foi derrotada pela alemã por 7 a 1 em jogo válido pelas semifinais do Mundial realizado no Brasil.

Por que este fenômeno acontece? Tendo esta questão em mente é que este artigo é escrito. A meta é analisar as narrativas da imprensa sobre o jogo entre Brasil e Alemanha disputado em 27 de março de 2018 tendo como objeto as reportagens de “O Globo” e da “Folha de São Paulo” publicadas nas edições de 26, 27 e 28 de março de 2018.

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Mesmo sendo um amistoso, jogo entre Brasil e Alemanha realizado em 27 de março em Berlim foi cercado de grande expectativa. Créditos: Lucas Figueiredo/CBF

Antes do jogo

Nos dias anteriores ao reencontro entre Brasil e Alemanha era comum ver em programas televisivos esportivos reportagens sobre o 7 a 1. De certa forma estas matérias reavivavam memórias da torcida sobre o jogo, e aumentavam a expectativa para o confronto que se aproximava. Contudo, o objetivo aqui é observar as narrativas de impressos.

Um dia antes da partida uma pequena manchete de capa de “O Globo” dá o tom de algumas das narrativas da imprensa brasileira antes do jogo: “Seleção evita falar em revanche e se prepara para enfrentar a Alemanha”. Apesar do título, a ideia de que este jogo poderia servir como uma revanche, o que parece ser uma interpretação de parte da imprensa, é prontamente negada por técnico e atletas do selecionado brasileiro.

No caderno de esportes, uma reportagem narra o processo de renovação que Alemanha e Brasil vivem naquele momento. Segundo o jornalista Bernardo Mello, a presença de novas peças nas duas equipes impede que exista o caráter de revanche na partida disputada em Berlim: “Mesmo reconhecendo que o 7 a 1 segue vivo na memória, jogadores e comissão técnica da seleção brasileira têm procurado tirar a palavra ‘revanche’ do vocabulário pré-amistoso contra a Alemanha, amanhã, no Estádio Olímpico de Berlim. Não se trata de mero artifício para aliviar a pressão por vitória: dos 25 jogadores convocados por Tite, apenas seis – pouco mais de 20% – estavam envolvidos na fatídica semifinal da Copa do Mundo de 2014. Os alemães também mudaram de rosto. Oito campeões mundiais no Brasil apareceram na lista atual de Joachim Löw, mas dois deles (Özil e Müller) foram liberados para voltar a seus clubes e Khedira, com dores musculares, é dúvida para a partida”.

A ideia de renovação parece amenizar um pouco a ideia de que o jogo poderia servir como uma espécie de revanche, como sinaliza declaração do zagueiro brasileiro Miranda publicada na mesma reportagem: “Tanto eles têm jogadores que não estavam na Copa como nós também temos jogadores que não foram ao último Mundial. Aquilo lá (7 a 1) ficou no passado”.

No mesmo dia a “Folha de São Paulo” publica uma entrevista com um jornalista alemão que escreve o livro de seguinte título: “7:1 – Das Jahrhundertspiel” (7 a 1 – O Jogo do Século). O repórter Guilherme Magalhães abre a matéria fazendo uma comparação do 7 a 1 com outro evento marcante da história da Alemanha, a queda do Muro de Berlim. Ele afirma que as memórias destes dois episódios estariam tão vivas nas memórias dos alemães que, ao serem questionados sobre elas, eles teriam tanto a capacidade de citar o que estavam fazendo no momento em que a Alemanha goleou o Brasil como em 9 de novembro de 1989.

Nas palavras do autor do livro, o alemão Christian Eichler: “A grande festa foi ter vencido a Copa (…), mas a memória mais profunda, estou convencido de que foi o 7 a 1. Porque este jogo mudou a percepção que a Alemanha tinha da sua seleção. Jogamos o futebol que sempre queríamos ver, mas tínhamos que ver os outros jogarem. Foi como se apaixonar pela sua própria seleção”. O curioso nesta declaração é que o jornalista evidencia a percepção dos alemães sobre o 7 a 1. Para os europeus o 7 a 1 não é encarado como algo negativo, mas sim como um momento de glória, de ápice do futebol da seleção da Alemanha.

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Equipe escalada pelo técnico Tite para o amistoso de 2018 é bem diferente da que enfrentou a Alemanha na Copa de 2014. Créditos: Lucas Figueiredo/CBF

No dia do jogo

No dia em que Brasil e Alemanha se enfrentariam em Berlim tanto “O Globo” como a “Folha de São Paulo” dão destaque à partida com pequenas manchetes de capa. As duas manchetes citam o fantasma do 7 a 1: “Pós-7 a 1. Seleção encara o fantasma” (O Globo). “Contra o fantasma do 7 a 1, Tite escala volante no lugar de Neymar” (Folha de São Paulo).

Em sua seção de esportes o diário carioca publica uma matéria baseada na entrevista coletiva concedida pelo lateral Daniel Alves, ao lado do técnico Tite, um dia antes. A partir da trajetória profissional do jogador, o jornal apresenta uma narrativa na qual aponta Daniel Alves como uma peça importante no jogo contra os alemães: “Pós-7 a 1. Diante do algoz. Com Daniel Alves de capitão e referência, seleção tenta confirmar a sua recuperação contra a Alemanha, no primeiro confronto desde 2014”.

O autor do texto cita então episódios da carreira do jogador após o 7 a 1, como a conturbada saída do Barcelona, a ida para a Juventus e a chegada ao PSG em busca de novos desafios profissionais. No âmbito da seleção brasileira, o lateral consegue retornar à equipe, onde parece ocupar um papel de maior destaque: “Hoje, o desafio de Daniel é ser uma referência em campo diante do fantasma do 7 a 1”.

Já a “Folha de São Paulo” separa duas páginas de sua seção de esportes para falar da partida. Na matéria principal a publicação apresenta um infográfico sobre o desempenho de Brasil e Alemanha após o 7 a 1. O detalhe é que nesta conta aparece o jogo da final dos Jogos Olímpicos de 2016, no qual o Brasil conquistou a medalha de ouro após vencer a Alemanha na disputa de pênaltis, mas nesta oportunidade as equipes em campo não eram as principais, mas as olímpicas.

Esta matéria é elaborada a partir das coletivas concedidas pelo técnico do Brasil, Tite, e da Alemanha, Joachim Löw, um dia antes da partida. O destaque fica por conta da declaração do treinador brasileiro de que a derrota na Copa de 2014 ainda continua a acompanhar o Brasil: “O 7 a 1 é real. A gente carrega esse fantasminha todo o dia, te traz um componente que é inegável. O sentimento de frustração é normal”. Desta forma a publicação afirma que o treinador sente o peso do 7 a 1, o que poderia, inclusive, ser a causa da única mudança da escalação da seleção brasileira em relação ao seu último jogo, a entrada de um volante no lugar de um atacante, o que leva a uma formação mais cautelosa.

Além disso, o jornal paulista destaca uma declaração do treinador alemão que indica que os europeus têm uma percepção do 7 a 1 bem diferente da dos brasileiros: “Foi um bom jogo, mas só um passo rumo à final (contra a Argentina) (…). Claro, para o Brasil é outra coisa, talvez haja um sentimento de revanche, mas também não dá para voltar no tempo”. Além disso, a reportagem da “Folha de São Paulo” afirma que “o tema não pauta a imprensa local ou faz pate de qualquer ação publicitária do amistoso”, o que indica que o fantasma do 7 a 1 visita apenas o lado brasileiro da disputa.

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Derrota de 7 a 1 pela Alemanha é constantemente citada pela imprensa brasileira em suas narrativas sobre a seleção brasileira. Créditos: Rafael Ribeiro / CBF

Após o jogo

No dia seguinte ao jogo há uma disparidade nas narrativas apresentadas pelo jornal carioca e o paulista, enquanto o primeiro diário quase não cita o 7 a 1, menções ao jogo da Copa de 2014 aparecem a todo instante nos textos do segundo.

Em “O Globo” o principal texto sobre a partida foi o de autoria do jornalista Carlos Eduardo Mansur, que em nenhum momento usa a expressão 7 a 1, e que faz um grande esforço para apresentar uma interpretação da partida diferente da versão da revanche ou do exorcismo de um fantasma: “Vencer uma seleção alemã, ainda que cheia de reservas, é tão difícil quanto mostraram os minutos finais de forte pressão na área brasileira. Identificar estas virtudes, e também os equívocos ainda cometidos, é muito mais saudável do que o tolo discurso fora do tom, como se um fantasma tivesse sido exterminado numa pseudorrevanche”.

Já a “Folha de São Paulo” assume outra postura com a manchete da principal matéria sobre a partida: “Brasil vence para tentar esquecer trauma. Seleção consegue vitória contra a Alemanha no 1º confronto entre as equipes principais dos dois países após o 7 a 1”. Segundo os autores do texto a vitória ajudou “a afastar o ‘fantasminha’ que segundo o técnico Tite assombrava o time desde o último encontro entre as seleções”.

Em uma segunda matéria, elaborada a partir da coletiva concedida pelo técnico Tite após o jogo, o discurso sobre o 7 a 1 volta a aparecer: “Depois de falar que o amistoso contra a Alemanha era o teste psicológico e emocional mais importante que o Brasil iria enfrentar antes da Copa, o técnico Tite atenuou o discurso e disse que a vitória não apagará totalmente o 7 a 1 sofrido na semifinal do Mundial de 2014”. E para referendar este comentário, cita uma declaração do treinador: “Era um fantasminha. É da vida, passou. Não é agora que vencemos é que (o 7 a 1) vai deixar de ser falado. Nós tivemos méritos, e há um sentimento de resgate de autoestima, um pouco de orgulho próprio sim”.

Na mesma edição a “Folha de São Paulo” também publica um texto opinativo do jornalista Sérgio Rodrigues que tenta descrever o que o 7 a 1 representa agora para a seleção: “Descartado um embate de times jovens na final olímpica de 2016, vencida pelo Brasil, a era pós-7 a 1 teve início oficial em Berlim. Começou bem para a seleção, mas isso não quer dizer que o fantasma da maior humilhação da história da equipe tenha sido exorcizado. O 7 a 1 é para sempre”.

Considerações finais

Em 2016 completei a minha dissertação de mestrado. O objeto de análise deste trabalho eram as narrativas da imprensa brasileira sobre a seleção brasileira no decorrer da Copa do Mundo de 2014. No decorrer da pesquisa algumas destas narrativas assumiram o papel de protagonistas, as que se referiam à derrota de 7 a 1 do Brasil para a Alemanha.

Naquelas narrativas ficava evidente o desejo de a imprensa tentar compreender as razões e consequências daquela derrota. Muito se escreveu sobre o assunto, mas nada que possa ser considerado conclusivo.

Como pesquisador, fiz uma aposta, a de que o 7 a 1 se tornaria uma memória preferencialmente acionada dentro do repertório de memórias da seleção brasileira no âmbito de Copas do Mundo.

E assim aconteceu, no primeiro jogo do Brasil após a Copa do Mundo esta memória foi revisitada, assim como após o revés na Copa América de 2015, na data em que o 7 a 1 completou um ano de idade, e após a conquista da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 2016, em final disputada com a Alemanha.

Da mesma forma, o exercício realizado neste texto confirma a suspeita apresentada anteriormente, de que as memórias sobre o 7 a 1 ainda são acionadas pela imprensa no contexto dos jogos da seleção brasileira. Nesta dinâmica há um evidente esforço para tentar qualificar este episódio dentro da história do time do Brasil. Para alguns é um fantasma que continua a assombrar a equipe e que precisa ser exorcizado, para outros é uma vergonha que ainda tem que ser vingada, enquanto outros veem como consequência direta de uma má gestão do futebol brasileiro.

Independente da versão apresentada, o que é claro é que a imprensa não sabe bem como lidar com esta memória, ainda tão incômoda.

Da leitura das narrativas da imprensa brasileira sobre o último Brasil e Alemanha é notória a preocupação de técnico e jogadores do atual time brasileiro de admitirem a importância do 7 a 1, mas de se desvincularem deste jogo. A derrota aconteceu, trouxe consequências, mas não deve ser atribuída a eles, que fazem parte de uma equipe bem diferente da que disputou a Copa de 2014.

Outro destaque que merece ser feito nas narrativas observadas neste trabalho é sobre a forma como os alemães interpretam o 7 a 1. Se para os brasileiros esta é uma memória dolorosa, para equipe, torcedores e jornalistas da Alemanha este é um momento de grande orgulho e alegria, não porque venceram o Brasil de uma forma incontestável (não parece haver qualquer menosprezo a nós e a nosso futebol), mas porque finalmente conseguiram conquistar um Mundial apresentando um futebol do qual sentiram orgulho. Enfim, venceram porque eram realmente os melhores.

Finalizo este texto mantendo a percepção de que o 7 a 1 ainda permanecerá presente nas narrativas da imprensa sobre a seleção. E parece que, mesmo que o Brasil consiga devolver o 7 a 1 sobre a Alemanha, em jogo disputado em uma semifinal de Copa do Mundo realizada em solo alemão, esta lembrança ainda continuará acompanhando a equipe do Brasil, pois, como disse o jornalista Sérgio Rodrigues, “o 7 a 1 é para sempre”.

Referências Bibliográficas

LISBOA, Fábio Aguiar. Após o 7 a 1: A influência da derrota para a Alemanha nas narrativas da imprensa brasileira. 2016. 134 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2014.

Jornais

FOLHA DE S. PAULO. São Paulo, 26 de março de 2018.

______. São Paulo, 27 de março de 2018.

______. São Paulo, 28 de março de 2018.

O GLOBO. Rio de Janeiro, 26 de março de 2018.

______. Rio de Janeiro, 27 de março de 2018.

______. Rio de Janeiro, 28 de março de 2018.

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