Simoni Guedes, a precursora

Simoni Guedes
A homenageada, Simoni Guedes. | Reprodução: Ludopedio

Parece existir um consenso entre os estudiosos sobre futebol no Brasil de que foi a partir do livro Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira, organizado por Roberto DaMatta em 1982, que o campo de estudos sobre essa temática surgiu e ganhou respeito na academia. Esse livro seria uma espécie de “pedra fundamental” da literatura acadêmica. Editado pela Pinakotheke, com acabamento refinado para os padrões editoriais brasileiros, com capa dura e ilustrado por gravuras de diversos artistas brasileiros, Universo do Futebol reuniu quatro autores para discutir academicamente o futebol no Brasil, sob uma perspectiva das ciências sociais. Eram eles: o próprio Roberto DaMatta, organizador da coletânea, Luis Felipe Baêta Neves, Simoni Guedes e Arno Vogel.

De fato, talvez pela reputação acadêmica merecida de DaMatta, que já havia publicado quatro anos seu clássico Carnavais, Malandros e Heróis, este livro abriu a porta para os estudos acadêmicos que eram, na época, escassos e que tendiam a ver o fenômeno somente como um “ópio do povo”. Como já mencionei em artigo intitulado “Futebol, Comunicação e Nação: a trajetória do campo acadêmico”. Universo do Futebol pode ser considerado o “pontapé inicial para a formação estrutural dos estudos acadêmicos sobre o futebol no país utilizando-se de uma perspectiva ritualística, procurando entender o fenômeno como um “drama” da sociedade brasileira.”

Simoni Guedes, que tinha defendido dissertação de mestrado intitulada O Futebol Brasileiro – Instituição Zero”, em 1977, na UFRJ, escreve, neste livro de DaMatta, o artigo “Subúrbio: celeiro de craques”, apresentando resultados de sua pesquisa com operários de uma fábrica têxtil do Rio de Janeiro, em relação ao que ela denominou de “carreira do jogador de futebol frustrado”. A autora nos mostra como o sonho de ser jogador de futebol de sucesso é alimentado pelos meios de comunicação de massa, que difundem a história de vida dos maiores astros do esporte. Dos quatro autores da coletânea, Simoni Guedes foi a única que apresentou resultados empíricos de uma pesquisa realizada, bem como continua sendo a única que seguiu realizando pesquisas sobre futebol.

Nos anos 1990, me deparei com um artigo de Simoni Guedes intitulado “O Salvador da Pátria: considerações em torno da imagem do jogador Romário na Copa do Mundo de 1994”, na Revista Pesquisa de Campo do então Núcleo de Sociologia do Futebol da Uerj. Esse artigo contribuiu para minhas reflexões acerca das narrativas da imprensa em torno de nossos ídolos futebolísticos. A forma como Guedes trabalha a categoria “performance” ou “desempenho” é simples, mas reveladora no sentido de nos ajudar a compreender a via de mão dupla entre as façanhas do atleta e a “construção” midiática de sua figura.

Pouco tempo depois, conheci Simoni Guedes pessoalmente e aí percebi que além de dotada de inteligência e sagacidade extraordinárias, ela cativa por sua simpatia, simplicidade e generosidade. Por ocasião do meu pós-doutorado em Buenos Aires nos anos 2005 e 2006, estive com Simoni em um congresso em Rosario, em junho de 2005, se não me engano (clique aqui para ler esse artigo). Ao apresentar os resultados parciais da minha pesquisa, que tratava de analisar as narrativas da imprensa argentina sobre o futebol brasileiro e ao perceber que o material analisado indicava que nossa implicância com os argentinos é maior e anterior a deles conosco, Simoni levantou uma hipótese simples, porém perspicaz, que permeou todo o meu trabalho. Disse ela: “Ronaldo, talvez nós, brasileiros, precisemos mais deles para marcar nossa alteridade, do que eles de nós”. De fato, os argentinos tinham outros rivais que transcendiam o universo esportivo e a “construção” da identidade nacional argentina tinha tido início antes do advento do futebol no país, por meio das escolas públicas. Pesquisei mais sobre o tema e o pós-doutorado ganhou rumos importantes.

Mais ou menos na mesma época, Simoni publicou o artigo “De criollos e capoeiras: notas sobre futebol e identidade nacional na Argentina e no Brasil” que também contribuiu para minhas reflexões acerca do material coletado em Buenos Aires.

De lá para cá, meus encontros com Simoni Guedes têm se restringido a participar de alguns eventos e bancas de doutorado de seus orientandos. Em todas as ocasiões, o jeito cativante, inteligente e sagaz de Simoni se destaca e nos encanta. Obrigado Simoni, precursora do campo acadêmico sobre o futebol no Brasil.

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