Em tempos de ódio, para Tiffany, com carinho

Quando estreou na Superliga Feminina em dezembro de 2017, Tifanny Abreu, do Vôlei Bauru entrou para a história: a primeira atleta trans a disputar partidas na elite da modalidade no país. Com suas belas atuações, Tifanny entrou também para as estatísticas: liderou rankings, bateu marcas, contribuiu em vitórias. Com o sucesso, vieram as páginas dos jornais: a força física e o desempenho eram superiores às outras mulheres cis (aquelas que se identificam com o sexo que nasceram). E, com o debate, surgiu o preconceito: as críticas de profissionais do vôlei, da medicina do esporte, jornalistas, “comentaristas” de redes sociais…

volei tiffi
Fonte: IG Esporte

Um olhar crítico, áspero, incipiente sobre a atleta. Muitos questionamentos são sobre a formação do corpo da jogadora, “homem” até os 30 anos, o que daria certa vantagem a ela. Contudo, ainda não temos estudos plausíveis que confirme essa hipótese.

O meio esportivo é preconceituoso. Tivemos oportunidade de ler neste espaço, textos de Leda CostaClara Quintaneira tratando do machismo, assim como o de Tatiane Hilgemberg. Renée Richards sofreu isso. Ela foi a primeira transexual num torneio profissional de tênis. A norte-americana chegou a disputar a final de duplas do Aberto dos Estados Unidos em 1977. Já vamos para mais de 40 anos… Mais recentemente, outra americana, a lutadora trans de MMA, Fallon Fox, teve lutas recusadas por nomes do esporte como Ronda Rousey e a brasileira Beth Correia. O pioneirismo de Laurel Hubbard, medalhista de prata no Campeonato Mundial de levantamento de peso, no ano passado, é colocado como “venceu porque é um homem travestido de mulher”. O lutador Mack Baggs, de 17 anos, queria lutar entre homens cis ou trans. Não o permitiram. Ele, então, disputou num grupo de mulheres. Venceu 53 lutas. O que aconteceu? Foi criticado e sua presença na competição questionada. São apenas alguns exemplos.

A pressão é enorme. O Comitê Olímpico Internacional (COI), que autorizou transexuais em competições oficiais (com questões como o fim da obrigatoriedade de cirurgia de resignação sexual, conhecida popularmente como mudança de sexo, e exigindo uma quantidade de testosterona que não pode ultrapassar 10 nmol/L de sangue nos doze meses anteriores à competição), decidiu rever as regras por agora, pós Olimpíadas de Inverno.

A verdade é que grande parte da sociedade não está preparada para as mudanças que os novos tempos trazem. A transgeneridade é vista, sim, como patologia. Até mesmo pela Organização Mundial da Saúde. Mas a cisnormatividade é criticada entre uma parcela que busca se reconhecer. A questão trans precisa ser debatida no meio esportivo. Na imprensa esportiva. E respeitada. Tifanny tem o direito de escolher seu destino. Sua profissão. Se está dentro das regras, não sou eu que vou impedi-la. Existe, dentro dessa narrativa, muita transfobia, às vezes revelada, às vezes velada.

Na última semana, o time da “imbatível” Tifanny perdeu o segundo jogo seguido para o Dentil/Praia Clube, desta vez por 3×0, sendo eliminado nas quartas de final da Superliga. Ela teve atuação mediana. Ao fim de sua participação na temporada 2017/18, no site da competição, ela lidera apenas um quesito: o número de pontos por set, com média de 5,4. Nos demais, não está entre as cinco melhores. Nesta mesma página na internet, algo que pode ser uma “coincidência”: apenas a sua foto não aparece entre as atletas do elenco.  Apenas algumas informações para o debate sobre a vantagem que um atleta trans poderia ter em relação aos demais.

O futuro de Tiffany ainda é incerto, já que o Vôlei Bauru deve se unir ao Sesi para a formação de uma nova equipe na próxima temporada. O que é certa, sim, é a luta contra o ódio e o preconceito que ela ainda terá pela frente…

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