Após a partida final da Copa Sul-Americana, alguns amigos me cobraram uma reflexão sobre o ocorrido no estádio e em seu entorno. Meu filho estava lá e passou por dificuldades ao retornar pela rampa de acesso à estação Maracanã do metrô. Passado o susto, o que podemos dizer do ocorrido?
Vandalismo foi a palavra mais proferida pela imprensa para relatar o episódio. Porém, cabe perguntar: eram todos vândalos? E por que cenas de vandalismo nesta partida?

Costumo dizer que o “mal” faz mais barulho e se faz notar mais facilmente do que a turma do “deixa disso”, que é maioria, mas costuma ser mais silenciosa. Elias Canneti em seu clássico Massa e Poder nos mostra, de forma assustadora, como seres humanos racionais podem rapidamente se transformar em uma coletividade enfurecida e violenta. Santo em suas Confissões relata que, aos 16 anos, furtou, junto com amigos, peras de um vizinho, pelo simples prazer do . Esta ação o deixou atormentado por boa parte de sua vida, na qual ele tentava entender a origem do “mal”.
O Estádio Mário Filho, popularmente conhecido como Maracanã, costumava ser palco de multidões de mais de 100 mil torcedores, na maioria das vezes em confrontos pacíficos entre as torcidas. Após a Copa do Mundo sediada no Brasil em 2014, o estádio passou a ter a capacidade máxima de 78.838 espectadores, seguindo as imposições da FIFA. O curioso é que este número só foi visto na partida final da Copa entre Alemanha e Argentina. Por questões ditas de segurança, esta nova arena nunca coloca à disposição dos torcedores todos os ingressos. Na final da Copa Sul-Americana tivemos um público pagante de 54.963 e um público presente de 62.567, sem contar os torcedores que invadiram o estádio.
O apelo desta final era muito maior do que o número de ingressos colocados à venda. Além disso, os preços dos ingressos deixavam de fora do espetáculo um público acostumado a frequentar o estádio.
Meu filho me relatou que logo ao chegar ao Maracanã sentiu um clima hostil, com muito barulho de bombas. Dentro do estádio, se sentiu seguro – estava nas cadeiras, setor A. Mas ao sair para pegar o metrô sofreu com as diversas bombas de gás lacrimogêneo e de pimenta arremessadas por policiais na rampa de acesso à estação Maracanã. Por que este clima hostil? O que havia de diferente nesta final? Por que arremessar bombas em cidadãos que tentavam retornar para seus lares?
Certamente havia um número expressivo de vândalos e delinquentes que não merecem ser tratados como “torcedores”. No entanto, creio que havia também um número não menos expressivo de descontentes por terem sido excluídos do estádio que tantas vezes frequentaram. A junção de “vândalos” com “descontentes” resultou em uma confusão que tendeu para uma tremenda desordem, somada à ação da polícia que, temerosa, arremessou várias bombas de gás lacrimogêneo sem necessidade, na direção de famílias pacíficas e ordeiras, as quais, assustadas, corriam sem rumo gerando um caos ainda maior. De um lado, uma massa enfurecida nos termos de Elias Canneti. Os vândalos certamente aí estavam. De outro, uma multidão em estado de pânico. E no meio delas, uma polícia que parece não ter tido em suas ações. O “furto de peras” de um lado, o “mal” Agostiniano de difícil explicação, mas capaz de produzir muito barulho. De outro, a maioria presente no estádio, acuada entre aquele grupo e a força policial.
Em tempo: sou rubro-negro e considero que meu clube tem responsabilidade sobre o que aconteceu dentro do estádio, bem como sou favorável que a direção repense sua política de preços de ingressos. Mas tudo o que aconteceu fora do estádio não pode ser jogado somente na conta do Flamengo. O poder público tem que ser responsabilizado e refletir sobre suas ações e estratégias em eventos porte.