As mulheres e os Jogos Olímpicos – alguns pontos para reflexão

Se atualmente as atletas ocupam lugar de destaque no mundo olímpico, a história nos revela que esse lugar foi conquistado a duras penas. Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos Olímpicos Modernos e presidente do COI por 25 anos, acreditava que o esporte era uma atividade eminentemente masculina. Esse entendimento, de uma maneira ou de outra, estava presente nos discursos de dirigentes esportivos e jornalistas ao redor do mundo. Não era diferente no Rio de Janeiro. Ao observar as narrativas sobre a significativa entrada das mulheres no campo esportivo a partir da década de 1920, é notório o desconforto dos jornalistas cariocas, homens em sua maioria, com o que se verificava.

Analisando os periódicos do Rio de Janeiro da época, podemos nos deparar com recomendações como essa: “ […] Realizem-se então disputas num limitado terreno e não se proporcione ao sexo belo as grandes disputas internacionais para que se não veja despertado na mulher o entusiasmo pelo combate, o que a levará um dia a querer rivalizar com o companheiro homem, esquecendo-se da sua real função na natureza” (JS, 01/07/1931, p. 4). “Belo sexo”, “sexo fraco”, “sexo frágil” e “sexo débil” eram algumas das expressões empregadas como sinônimos para o sexo feminino, o que escondia certa condescendência e paternalismo dos jornalistas. Um exercício frequente nas matérias era dividir os esportes, entre aqueles aptos à prática feminina e os não recomendados.

Muitas vezes o esporte não era interpretado pelos benefícios que traziam às mulheres, mas sim pelo prazer visual que proporcionava aos espectadores do sexo masculino. Quando da participação de Maria Lenk nos Jogos de 1932, o jornalista Edgar Proença, do Estado do Pará, tece os seguintes comentários sobre a nadadora: “Espiritualmente bela, a sua simplicidade arrebata, pondo no coração da gente o desejo prendê-la, de tê-la prisioneira de nosso encanto numa época em que as mulheres se banalizam” (O Jornal, 30/10/1932, 2ª seção, p. 4).

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A nadadora Maria Lenk foi a primeira atleta brasileira e sul-americana a competir em Jogos Olímpicos, com a participação em Los Angeles-1932. (Foto: Folha Imagem)

Outros tantos expressavam o temor quanto aos rumos que a aventura esportiva feminina representava para a ordem social em vigor. Analisando a Olimpíada de Paris, um jornalista deixa escapar seu receio: “O número de mulheres que acorreram dos pontos mais diversos do globo constitui uma surpresa, que é, também, um perigo” (O Imparcial, 20/08/1924, p. 1). Outro profissional da imprensa foi ainda mais categórico: “Mas o que é preciso a todo o transe impedir é que a mulher se masculinize; que faça sport, que seja corajosa e forte, mas que fique mulher, bem feminina” (Revista da Semana, 18/04/1925, p. 39-40).

Em várias edições da carta olímpica, podemos encontrar restrições à participação feminina. Vejamos o que diz a edição de 1933: “Women are not excluded but the International Olympic Committee, if requested by an International Federation, decides the events in which they may take part”. Em bom português, as mulheres eram convidadas nos Jogos, mas não participantes no mesmo nível de seus colegas do sexo masculino.

Para observar o árduo caminho percorrido pelas atletas brasileiras e estrangeiras, basta analisar percorrer os dados referentes as edições dos Jogos desde 1896, disponível no site oficial do COI. A discrepância no percentual de atletas homens e mulheres só começa a ser revertida em décadas recentes. Considero algumas datas especialmente relevantes e com elas gostaria de encerrar esse texto:

1932: primeira mulher (Maria Lenk) na delegação brasileira;

1981: primeiras delegadas olímpicas no COI (a venezuelana Flor Isava Fonseca e a finlandesa Pirjo Häggman);

1987: último ano em que vigora o subitem da Carta Olímpica, acima referido, versando sobre a especificidade da participação feminina;

1996: primeiras medalhas olímpicas femininas brasileiras (Sandra Pires/Jackie Silva e Adriana Samuel/Mônica Rodrigues no vôlei de praia).

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Sandra Pires e Jackie Silva, com o ouro, e Adriana e Mônica, com a prata foram as primeiras brasileiras a conquistarem medalhas olímpicas, 64 anos após a participação de Maria Lenk (Foto: Acervo Estadão)

Post scriptum – Curiosidade olímpica

O amadorismo foi um dos grandes assuntos do esporte nas primeiras décadas do século XX. A literatura acadêmica nacional já abordou exaustivamente a querela envolvendo o amadorismo no futebol brasileiro nos anos 1930, por exemplo. Nos Jogos Olímpicos, o tema esteve em pauta até meados da década de 1980. Em meio as pesquisas para a redação da minha tese de doutorado, encontrei o questionário abaixo apresentado na Carta Olímpica de 1933. É curioso observar nesses vestígios da história como a experiência do amadorismo era transmitida aos atletas e torcedores de então. Se seguidas as recomendações abaixo expostas, qualquer um poderia se tornar um sportsman.

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