O sonho olímpico morreu

Iniciozinho de manhã no Rio de Janeiro. Zona Sul da cidade. Uma operação policial está em curso. Desta vez, contudo, não se trata de nenhuma mobilização das Forças Armadas na Rocinha para prender algum líder do tráfico carioca. O alvo, desta vez, é uma outra quadrilha. De chefes bem mais ricos. Mais organizados. Mais poderosos. Mais internacionais.

São presas duas pessoas. Carlos e Leonardo. Poderiam ser qualquer um. Poderiam ser apenas dois nomes. De certa forma são, visto que estão presos. Mas, na verdade, não são qualquer um. Trata-se de Carlos Arthur Nuzman e Leonardo Gryner, presidente e diretor-geral de operações do Comitê Olímpico do Brasil respectivamente.

Não fiquei surpreso quando soube da notícia. Mas fiquei triste. Não pela prisão em si, obviamente. Nesse aspecto, eu comemorei o encarceramento dos dois. Mas, lamentei mesmo, pela destruição do “sonho olímpico”. Da morte dos românticos. Da amputação do espírito dos deuses de Olímpia.

Quando li a notícia, lembrei por alguns minutos de 1997. Eu era um estudante de 15 anos. Estava no que antes era chamado de primeiro ano científico e tinha que ir ao colégio justo no dia em que o Comitê Olímpico Internacional iria fazer o primeiro corte nas cidades-candidatas para os Jogos Olímpicos de 2004.

Eu era uma criança. Boba. Romântica. Não queria perder aquele momento. Não me fiz de rogado. Pedi emprestado ao pai de um grande amigo uma televisãozinha portátil. Não estávamos nos tempos dos celulares modernos. Da internet móvel, fácil, acessível. Levei a TV, um pequeno trambolho, na verdade, para o colégio. Gazeei aula de Biologia com mais um amigo. Tudo para assistir ao grande momento.

A história já sabemos. O Rio de Janeiro foi cortado. Buenos Aires seguiu na disputa. Mas, no fim, Atenas foi escolhida sede. E a capital fluminense só seria sede olímpica em 2016.

Na época, já era o enérgico Nuzman, “o moderno e ativo” ex-presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, quem estava a frente do COB.

Eu era uma criança. Gostava de Nuzman. Gostava de compará-lo com Ricardo Teixeira e gostava de pensar que o movimento olímpico brasileiro estava em melhores mãos do que o nosso futebol.

Lamentei aquela derrota. Voltei para a sala de aula. Amigos ansiosos, mas que não tiveram a devida coragem de gazear a aula, perguntaram-me o resultado. Baixei a cabeça. “Não deu”, disse sussurrante. E me surpreendi quando percebi que estava perto de chorar.

Volto aos dias atuais. O moderno dirigente virou um presidiário. Acusado de suborno, compra de voto para a eleição dos Jogos Olímpicos de 2016, fraude, enriquecimento ilícito. É acusado ainda de ter participações no escândalo do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, que envolve lavagem de dinheiro, corrupção passiva e associação criminosa.

O nome do dirigente está na lama. A PF e o MPF dizem que ele tem barras de ouro não declaradas em bancos da Suíça, diz que seu patrimônio cresceu de forma inexplicável em 450%, e que pagou ao menos dois milhões de dólares em troca de votos africanos no comitê do COI que escolheu o Rio como sede dos Jogos.

Nuzman não é diferente de Teixeira, como se supunha. Está no cargo há 22 anos. Vive de relações promíscuas com confederações esportivas nacionais para garantir suas seguidas reeleições nos mesmos moldes que existe na CBF com as federações estaduais de futebol.

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Nuzman em dois momentos de exposição mundial: do topo, na abertura das Olimpíadas, à vergonha, com sua prisão.

Carlos e Leonardo merecem estar presos. E se o Brasil for mesmo sério, merecem ficar alguns bons anos atrás das grades. Eu pouco me importo com o futuro deles. Tomara que a justiça seja dura com ambos.

Mas, no fim de tudo, quando volto a relembrar daquele garoto de 15 anos que chorava, se arrepiava e se emocionava diante do movimento olímpico, do simbolismo dos Jogos, da força dos heróis gregos da antiguidade, eu percebo que a maior derrota é simbólica.

Os bandidos nos proíbem de sonhar. De nos arrepiarmos com o simples toque da música Carruagem de Fogo ou com as superações humanas frente ao que parecia impossível. Os bandidos não deixam que nos encantemos. Os bandidos sempre fazem questão de nos lembrar que por trás de toda a magia existem cartolas que roubam, sacaneam, sujam o que deveria ser puro.

Esta sim, é a maior de todas as derrotas.

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