Argentinos e Brasileiros

Faltando ainda mais de dois meses para o início da Copa do Mundo, um comercial da rede Casas Bahia já “tira um sarro” com os argentinos. Os “hermanos” (como são chamados nossos vizinhos no referido comercial) estão uniformizados com a camisa da seleção de seu país gritando “Argentina”, quando o “vendedor” anuncia que, se o Brasil vencer o mundial, a compra de outra televisão sairia por um real. Na cena seguinte, os argentinos estão com a camisa da seleção brasileira, gritando “Brasil”.

Lembro que durante a Copa de 2010 quase todos os anúncios publicitários veiculados pelos nossos meios de comunicação “tiravam um sarro” com os argentinos. Podemos “ler” estes anúncios como sinal de uma mera relação jocosa, mais amistosa do que ofensiva. Porém, o curioso é que do lado de lá ainda não tivemos uma resposta. Os comercias argentinos não colocam o Brasil como seu principal antagonista e ainda não “tiraram sarro” conosco. Quando os argentinos irão nos responder? Afinal, não tem muita graça “gozar” quem não nos responde.

Realizei pesquisa de doutorado na Universidade de Buenos Aires entre os anos 2005 e 2006. A pesquisa tratava justamente de investigar como a imprensa argentina narrava nosso futebol (já que a fundação simbólica deste esporte é muito parecida em ambos os países). Posso afirmar, com base na análise do material (Copas do Mundo de 1970 a 2002), que, de uma forma geral, a imprensa argentina nos considera os profissionais do “jogo bonito” (quase sempre escrito assim, em português, “jogo”). Cheguei a levantar a hipótese de que o ideal do que eles chamam de “fútbol criollo” seria o “jogo bonito” do Brasil, principalmente a mitológica seleção brasileira de 1970. Quando passei da análise de material jornalístico para as entrevistas com jornalistas e lhes mostrava minha hipótese baseada na análise do material coletado, eles me diziam que o tal do “fútbol criollo” seria uma mistura do “jogo bonito” com a chamada “garra” argentina (charrua, para alguns).

pele-vs-maradonaAlém disso, nem todos os jornalistas que entrevistei acreditavam que Maradona teria sido melhor do Pelé. Esta comparação que surge somente a partir de 2000, virou meio que folclórica para muitos. Ela funciona como um elemento compensador do tipo: se os brasileiros são os profissionais do jogo bonito, quem mais jogou bonito foi Maradona. Pelé foi, inclusive, colunista do jornal Clarín em várias Copas do Mundo. Em 1990, com Maradona já campeão do mundo em 1986, o jornal o anuncia como o melhor da história do futebol.

Com o surgimento do Olé em 1996, a provocação ao Brasil começa a surgir e vai aumentando. Mas, mesmo este jornal, em suas matérias (não em suas edições) demonstra muita admiração pelo nosso futebol. O Olé é um jornal “debochado” mesmo localmente. Quem deveria responder o Olé seria o Lance!, e não o Globo, por exemplo, como acontece algumas vezes.

No final da minha estadia em Buenos Aires, comecei a perguntar aleatoriamente para vendedores de loja, livrarias, jornaleiros, como eles definiram em uma palavra ou frase o futebol brasileiro. As respostas variavam entre: “com inveja”, “gostaríamos de ter os títulos que vocês têm” e “profissionais do jogo bonito”. Isto tudo respondido a um brasileiro.

A publicidade nacional em Copas do Mundo tem quase sempre o argentino como o nosso “outro”. Isto ainda não aconteceu por lá, ainda que os jornais venham alimentando a rivalidade nos últimos anos.

Em artigo escrito em parceria com Alvaro do Cabo, intitulado “De la magia a la merde: la mirada de la prensa argentina sobre la selección brasileña de fútbol en el Mundial  2006 ”, onde analisamos os jornais argentinos durante a Copa do Mundo de 2006, observamos uma ligeira mudança no “olhar” da imprensa argentina em relação ao nosso futebol. Seria o começo de uma resposta? Durante minha pesquisa de pós-doutorado havia trabalhado com a frase do antropólogo argentino, Pablo Alabarces, de que os “argentinos odeiam amar os brasileiros”, enquanto os “brasileiros amam odiar os argentinos”. Neste artigo, observamos que este “amor” se dilui quando a seleção brasileira se exibe de forma distante do que os argentinos consideram como sendo intrínseco a nossa tradição e  principalmente em um momento onde, por conta da internet, os argentinos se deram conta de como os brasileiros os provocam e passaram a reagir e a torcer contra.

De fato, os argentinos têm outros rivais, além dos brasileiros: os ingleses, os chilenos e os uruguaios. Muitas vezes transcendendo o universo futebolístico. Nossa implicância com os argentinos é maior e de outra natureza – predomínio de sentimentos de repulsa e ódio (ou “amor de odiar”). Por que reagimos assim? Pode ser que necessitemos mais “deles” para marcar nossa alteridade do que “eles” de “nós”. Esta é uma hipótese plausível que, no entanto, merece uma pesquisa mais detalhada.

De todo modo, creio que vai chegar um momento em que a publicidade argentina vai nos responder. Como reagiremos? Vamos entender que se trata apenas de relações jocosas ou partiremos para um litígio diplomático?

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