Copa das Confederações e Manifestações Políticas

Soa como opinião culta dizer que o “futebol é o ópio do povo”, como se com isso se afirmasse que os brasileiros se deixam ser enganados por eventos futebolísticos. As atuais manifestações batem de frente com a suposta opinião culta. Com todo o descontentamento em relação ao fantasma da inflação, à possibilidade de aprovação da PEC 37 – medida que retiraria do Ministério Público a atribuição de realizar investigações criminais -, às obras superfaturadas dos estádios para a Copa do Mundo e ao aumento das tarifas das passagens de ônibus, pode ser que as manifestações não tivessem ocorrido de maneira tão intensa e com tanta adesão como agora. Talvez tenha sido justamente a Copa das Confederações o estímulo que faltava para que as pessoas fossem às ruas protestar. A visibilidade das manifestações ganharia, assim, o noticiário internacional.

Ora, garantir à população sistemas de saúde e educação eficazes e combater a corrupção com punições exemplares são tarefas de todo governo, independentemente de Copas do Mundo e Jogos Olímpicos. O futebol alienaria o “povo” tanto quanto as novelas, os reality shows, o chope com os amigos e até mesmo o sexo. Em todas estas atividades nos distraímos – ou seja, desviamos nossa atenção – e não nos preocupamos com questões políticas. No entanto, isto não significa necessariamente que estamos narcotizados por elas.

O futebol, o carnaval, os diversos programas televisivos e – repito – até mesmo o sexo podem ser ópios no sentido estrito do termo, significando um narcótico, dependendo do que fazemos com eles. No caso do futebol, se o sujeito regula sua vida pelo que se passa no universo futebolístico, isso pode se tornar um problema, da mesma forma que o chope, se o sujeito bebe todos os dias e por horas seguidas.

Tem sido uma constante e também soado como opinião erudita correlacionar os resultados da seleção brasileira em Copas do Mundo com as eleições presidenciais que ocorrem no mesmo ano. As evidências empíricas têm demonstrado repetidamente o equívoco desta associação. Em 1998, o Brasil perdeu para a França por 3 a 0 na final, e o então presidente Fernando Henrique Cardoso se reelegeu ainda no primeiro turno, possivelmente embalado pelo sucesso, na época, do Plano Real. Em 2002, o Brasil conquistou o pentacampeonato e Lula, candidato da oposição, se elegeu presidente. Em 2006 e 2010, a seleção foi eliminada nas quartas de final e a situação seguiu no poder. Em nenhuma pesquisa sobre comportamento do eleitor observamos a correlação do sucesso ou fracasso da seleção com os resultados das eleições presidenciais. Mas, talvez por inércia, muitos continuam acreditando nesta falácia.

Tenho observado nas redes sociais certa tendência a “demonizar” o futebol e a Copa do Mundo no Brasil. Os problemas brasileiros são muitos, mas não são culpa do futebol. O país melhorou, ainda que lentamente, em alguns setores básicos, mas ainda falta muito. Porém, há que se destacar que a democracia se consolida cada vez mais no país e as manifestações sem bandeiras de partidos têm sido uma novidade na história recente do Brasil. O fato delas estarem ocorrendo justamente no período da Copa das Confederações demonstra que o futebol não engana a população. Se a intenção de aumentar as passagens e de votar a PEC 37 – já derrotada em votação -, justo neste período, era uma aposta na suposta alienação das massas, o tiro saiu pela culatra. Momento mais propício para chamar a atenção nacional e internacional do que este, somente na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos.

A sociologia e outras disciplinas das ciências sociais não conseguem controlar as diversas variáveis que se apresentam a cada instante, o que torna muito difícil fazer um prognóstico do resultado final das manifestações. Pelo que temos visto até agora, elas resultaram em recuo no aumento das tarifas de ônibus, na derrota da PEC 37, na transformação da corrupção em crime hediondo, na proposta de plebiscito vindo da presidência e outras questões. Talvez possamos considerar tudo isso o maior legado deixado pela Copa das Confederações.  E ainda: até os mais céticos terão que admitir que, pelo menos desta vez, o futebol contribuiu para a mobilização das massas para questões políticas.

Matéria originalmente publicada em 27 de junho de 2013 no jornal O Globo

**O autor desse post, Ronaldo Helal, participou de uma matéria da BBC sobre as manifestações ocorridas em todo o Brasil. Veja aqui.

***Ronaldo Helal também participou de programa da CBN com Evaldo José, Alvaro Oliveira Filho e o economista Gilberto Braga, onde debateu sobre os erros e acertos da Copa das Confederações. Veja aqui.

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