A Copa do Mundo e a memória esportiva nacional

Ele foi um dos maiores jogadores que o futebol mundial já produziu. Com seu drible fácil e “sempre para o mesmo lado” desmontou defesas do mundo inteiro. Ajudou, e muito, na construção da um suposto jeito tipicamente brasileiro de jogar futebol: com dribles, floreios e ginga. Faz até hoje os torcedores relembrarem e narrarem para seus filhos e netos suas façanhas dentro de campo. Conquistou duas Copas do Mundo e em 1962, no Chile, foi chamado de “extraterrestre” pelos jornais do mundo inteiro, devido a sua atuação fantástica. É claro que estamos falando de Garrincha, o “gênio de pernas tortas”.

Mesmo sendo considerado um ídolo nacional nos anos 60, Garrincha até hoje não tem o devido reconhecimento das novas gerações de torcedores e admiradores do futebol. Discussões sobre quem foi melhor ficam à parte, porém é claro que o jogador deveria ser mais lembrado e festejado, já que muitos outros não fizeram tanto quanto ele e tem um destaque muito maior na imprensa e na construção da memória do futebol nacional. Eis que receberemos, 64 anos depois, mais uma edição da Copa do Mundo FIFA. O evento por si só já provoca um frisson entre os brasileiros, sendo muito estudado no meio acadêmico como um grande momento para se identificar e difundir identidades nacionais. Foi assim ao longo de todas as outras 19 edições e não será diferente agora.

Durante a construção dos estádios milionários, alguns que certamente não terão uso efetivo depois dos jogos, a reforma do estádio de Brasília me chamou a atenção. Não pelos gastos vultosos, já que todos estão neste patamar, mas sim pela permanência do nome: Estádio Mané Garrincha. Algumas emissoras já direcionavam para chamá-lo de Estádio Nacional, mas logo viram o descabimento de tal nomeação e trataram de completar com o apelido do eterno camisa 7 do Brasil. Como pesquisador da vida de Garrincha e como a mídia sempre o abordou, confesso que fiquei com uma ponta de esperança de uma homenagem justa ao craque. Os próprios europeus, que o valorizam mais do que a imprensa nacional, ficariam maravilhados de ir a um estádio com o nome do homem que os encantou há anos atrás. Seria um legado esportivo, talvez o único, para a capital federal: ter o estádio com o nome de um dos nossos maiores ídolos. Logo imaginei o estádio com um possível museu sobre a rica história e trajetória de Garrincha que poderia ser visitado durante todo o ano em Brasília. Nada de extraordinário para um herói nacional.

Entretanto, ao “zapear” as notícias esportivas ontem pela manhã  (05/04) minha esperança se desfez. A FIFA não permitirá o uso do nome de Garrincha no estádio. Um duro golpe em nossa, já fraca, memória esportiva nacional. A alegação é descabida e sem nenhuma lógica. O que parecia ser uma homenagem mais que justa, se transformou num desrespeito ao nosso Garrincha, mais um frente a todos os outros que já sofreu. A falta de memória da FIFA também fica evidenciada: um jogador que disputou 3 edições de seu mundial sendo campeão em duas oportunidades não merecia essa honraria? Voltar a chamá-lo de Mané Garrincha somente após a Copa é perder uma chance enorme de homenageá-lo durante a competição e consequentemente espalhar tal homenagem pelos bilhões de espectadores de todo o mundo. Garrincha é uma marca, mas não comercial, uma marca forte de nosso futebol, de nosso “estilo” cultuado pela imprensa e que juntamente com Pelé elevou a nação à condição de “pátria de chuteiras”. O que me alegra é saber que uma parte da imprensa nacional trabalha na base do jeitinho e vai boicotar essa punição da FIFA. Como as leis no Brasil não pegam, confio para que essa não seja seguida pela imprensa nacional e chamem o estádio de Brasília de Estádio Mané Garrincha.

Um pensamento sobre “A Copa do Mundo e a memória esportiva nacional

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading

Pular para o conteúdo