Incômodos e lamentos

Sou tão aficionado por futebol que algumas vezes ligo a tv em uma partida e fico olhando para a tela sem enxergar o jogo. Em certos momentos, o que está no entorno me atrai mais do que a bola rolando. Perceber as manias dos atletas, o comportamento das torcidas, dos árbitros, enfim: o ritual como um todo é que me encanta.

Mas dentre as coisas que me incomodam, uma, em especial, tem me chamado muito a atenção nos últimos tempos: a disposição dos atletas para tentar burlar a regra. A bola toca no jogador e sai pela linha lateral. O descarado implora ao árbitro dizendo que a pelota não tocou nele. Convenhamos! Para ganhar um mísero lateral?

No vôlei e no basquete situações semelhantes acontecem e discussões acaloradas são travadas. Mas, não raro, os jogadores assumem, levantando a mão num gesto característico, que a bola desviou no bloqueio antes de sair ou que fizeram uma falta dentro do garrafão. No rugby, a situação é quase caricata. As discussões entre árbitros e jogadores inexistem e o respeito dos cavaleiros para com quem comanda a partida é demonstrado na forma respeitosa como o capitão da equipe trata o juiz.

A grande questão é que no futebol a mentira foi institucionalizada. Reclamações desnecessárias e simulações ridículas viraram parte do espetáculo. Os árbitros agem partindo do pressuposto de que todos estão ali para enganá-los. E, na maioria das vezes, estão mesmo. Talvez essa seja uma das justificativas para o comportamento agressivo e autoritário de alguns sopradores de apito.

Pais ensinam seus filhos a serem honestos na vida real e malandros dentro das quatro linhas. Antagônico e incompreensível. Não se trata apenas de enganar o juiz. É mentir. Entendo que durante o jogo pedimos licença a várias regras do cotidiano, faz parte e é necessário que seja assim. Mas daí a naturalizar a mentira… Pelo menos na pelada, eu continuo assumindo quando faço falta. E ainda me desculpo depois!

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Passei a semana muito incomodado com a forma como a imprensa brasileira estava abordando o bom momento da seleção da CBF. Duas vitórias seguidas, contra Dinamarca e Estados Unidos, eram suficientes para decretar a nova era dos comandados de Mano Menezes. Transformaram o tal “bom momento” em certeza de recuperação da “nossa capacidade” de ser protagonista no futebol mundial.

Manchetes dos jornais, assim como os principais portais da internet, estampavam conclusões precipitadas sobre um evidente resgate do nosso jeito de jogar futebol agora apimentado com os ensinamentos que o Barcelona nos ofereceu. Além de jogar para frente e com garotos atrevidos, tínhamos a consciência tática de pressionar o adversário e valorizar a posse de bola. Tínhamos a certeza de que estávamos no caminho certo.

Já escrevi aqui sobre como a imprensa brasileira tem memória curta, quando o assunto é seleção. Mas, desta vez, passamos do limite. Após uma semana de incontáveis elogios, bastou o resultado ruim contra o México, para os mesmos que aplaudiram e reverenciaram começarem a fazer críticas. Até aí, problema algum. Afinal de contas, há muitos que entendem que o papel dos cronistas esportivos é elogiar os acertos e criticar os erros. O grande problema ocorre a mesma característica que era digna de elogio no dia anterior, vira a razão para as críticas do dia seguinte.

No domingo pela manhã, acordei com a manchete de que o Brasil entraria em campo contra o México com garotos que já estavam quase prontos para uma Copa do Mundo. Após a derrota por dois a zero, a imaturidade dos meninos era apontada como responsável pelo fracasso. Francamente!

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Ronaldinho Gaúcho deixou o Flamengo e não se furtou a dar entrevistas. Para a TV Globo foram duas, concedidas com exclusividade. Durante sua passagem pelo Rubro-negro foram raras as vezes em que ele se dispôs a conceder entrevista coletiva. Muitos o criticavam por isso e diziam que o jogador precisava estar presente mais vezes na conversa com os repórteres para que o clube conseguisse melhores contratos de publicidade. Ele foi embora e ficamos sem esta resposta.

O saldo da passagem dele pela Gávea é inegavelmente negativo. Não cabe aqui avaliar os resultados esportivos, ainda que sejam quase inseparáveis. O que ficou provado foi a incapacidade de boa parte dos dirigentes do futebol brasileiro em criar receitas e viabilizar o pagamento do salário de uma grande estrela mundial.

Na imprensa, o destaque fica para a incapacidade de produzir análises críticas com um mínimo de profundidade. Aquele que quando chega é apontado indistintamente como o salvador da pátria corre o risco de se transformar no verdadeiro Judas quando deixa a casa pela porta dos fundos. No programa Esporte Espetacular, da TV Globo, a melhor maneira encontrada para abordar o fato foi fazer uma enquete com os torcedores dos times da Série A para saber quantos deles ainda gostariam de ver o dentuço no seu time. Um gráfico de pizza sobre a rejeição do jogador. Condenemos aquele cujo sorriso estampou a nossa manchete com frequência e está tudo resolvido. Só isso.

6 pensamentos sobre “Incômodos e lamentos

  1. “Passei a semana muito incomodado com a forma como a imprensa brasileira estava abordando o bom momento da seleção da CBF”

    Como assim “A seleção da CBF”? não seria a seleção de todos nós, brasileiros?

  2. E eu que nem gosto de outros jogos, só do Flamengo, então?
    Aliás, ultimamente, nem os do flamengo eu tô gostando…
    Só me dá raiva.

  3. Muito bom, João! Não discordo de nenhuma vírgula posta no texto. E o problema da desonestidade dentro das quatro linhas ratifica, erroneamente, a mentira como um meio de se alcançar o êxito. Quem “mente bem”, se dá bem. Que grande problema…!

  4. Muito bom, João! Concordo com cada uma das vírgulas no texto. E o problema da desonestidade dentro de campo ratifica, erroneamente, a mentira como uma forma de se alcançar o êxito. Logo, seguindo esse raciocínio, quem “mente bem”, se dá bem. Que grande problema esse, hein!?

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