Diversidade social, cultural e futebolística: as diferentes “caras” do futebol

O futebol sempre terá suas particularidades se comparado com outras ações culturais. Esse fato proporciona um estudo singular do meio social através das “lentes da bola”. Os aspectos sociais contidos na experiência de sua prática permitem uma boa análise sobre a identificação, a significação e até o valor que ele tem na vida de seus personagens, principalmente quando estes são os jovens.

Esse esporte é um fenômeno cultural caracterizado pela participação e integração de todos, independentemente de classe social ou econômica. É nesse meio que ocorrem importantes trocas de valores e a interação entre todos que dele fazem parte e o vivenciam, cada um de uma forma e com um significado particular. Surgem a partir do “mundo do futebol” novos conceitos e fusões culturais, reinventando significados sociais e aproximando extremos que, se não fosse o futebol, dificilmente trocariam experiências e vivências, como pode-se entender a partir da fala do antropólogo Roberto DaMatta, alertando a todos sobre o papel do futebol como formador e gerador cultural:

 (…) O fato é que o futebol tem sido uma ponte efetiva (e afetiva) entre a elite que foi buscá-lo no maior império colonial do planeta, a civilizadíssima Inglaterra, e o povo de um Brasil que, naqueles mil oitocentos e tanto, era constituído de ex-escravos. Juntar brancos e negros, elite senhorial e povo humilde foi sua primeira lição. O futebol demonstrou que o desempenho é superior ao nome da família e a cor da pele. Ele foi o primeiro instrumento de comunicação verdadeiramente universal e moderno entre todos os segmentos da sociedade brasileira. Ele tem ensinado a agregar e desagregar o Brasil por meio de múltiplas escolhas e cidadanias.

[Trecho exposto no Museu do Futebol em São Paulo]

Cada qual que envolve-se direta ou indiretamente com esse esporte e o encara de diferentes formas. Vários “pontos de vista” são formados através das mesmas realizações e atividades efetivadas nesse espaço – a imagem do futebol está atrelada diretamente ao olho de quem o vê.

A “vida em campo” se entrelaça à “vida real” (fora de campo, no dia-a-dia). Esses dois focos se embaralham e interagem entre si, num vai e vem de simbolismos. O campo de futebol torna-se um mundo à parte que, querendo ou não, também possui suas regras e normas, ora se aproximando das leis funcionais do cotidiano, ora criando seus próprios códigos.

Há uma reinvenção do real. O futebol passa a ser um espaço de imersão para quem o pratica. Esquecem-se por momentos obrigações e deveres e vive-se algo novo e diferente do “palpável”. Uma espécie de ficção dentro da própria realidade.

Torna-se, assim, com a interação entre todos que o praticam, um ambiente pluralizado em todos os seus sentidos, até mesmo político. A partir desse momento, o futebol ganha “sotaques”. Nem todos passam a se comunicar da mesma forma – todos “dialogam”, no entanto, informações são perdidas ou não entendidas. A linguagem desse esporte, apesar de ser “única”, pode apresentar dificuldades de concessões, não para a prática do próprio esporte, mas, principalmente, para a vivência social e cultural dos indivíduos que vivem e constroem esse ambiente.

Desse modo, o universo futebolístico passa a representar uma mostra das injustiças do “mundo real” e, às vezes, amplia e potencializa essas mazelas, atingindo até de forma mais intensa e severa do que o próprio meio social vivido pelo indivíduo.

É dessa forma o futebol ganha importância como mediador sócio-político-cultural e relata as diferentes roupagens que essa prática esportiva ganha de acordo com quem a exercita. Um menino do Morro do Cantagalo que tem no futebol, talvez, a sua única fonte de lazer e fuga da realidade social e também uma das poucas chances de ascensão na vida financeira, não o vê nem o vive da mesma forma que outro menino, morador do Leblon, filiado à escolinha de um clube de renome.

Ainda que perpassem por muitos pontos de interseção, esses dois meninos descritos possuem mais diferenças que igualdades na realização dessa prática. Jogam futebol por motivos e estímulos diferentes e buscam respostas e resultados diferentes. Os meios, se são “distintos”, por assim dizer, com regras e conceitos próprios, principalmente no que diz respeito à interpretação do praticante do esporte – os “mundos reais” não são os mesmos. Isso torna a prática realizada por ambos, embora, aparentemente  a mesma, diferentes entre si. Não existe, assim, um único “universo do futebol”, mas sim universos. O Brasil na verdade, nunca foi o país do futebol, mas sim dos “futebóis”.

9 pensamentos sobre “Diversidade social, cultural e futebolística: as diferentes “caras” do futebol

  1. Johan, sou de uma cidade da Baixada Fluminense chamada de Nova Iguaçu. No entanto, em seus primórdios, teve como nome Maxambomba (corruptela de “machine pump”). Ou seja, falar ‘brow’, bro… tanto faz, não faz tanta diferença assim. Esse comentário só veio, mesmo que sem querer, ratificar a diversidade cultural existente em nosso país, que sempre viveu (e vai continuar vivendo) de “antropofagismos”.

  2. Não é tradução, é só uma corruptela. É porque aqui passava um trem [raridade naquela época] e era movido por ‘machine pump’, um tipo de bomba mecânica. Virou “apelido” da cidade e se transformou em nome, mas foi deformado. Assim nasce Maxambomba. Parece que o mesmo aconteceu no Recife. Enfim, é isso.

  3. Não, ‘bro’… em Recife, Terra onde tenho parentes, a origem é Geográfica/geológica. è devido a ocorrência dos arrecifes em sua costa. Quem esteve na Boa Viagem sabe bem. Veja na wikipédia:

    “O nome “Recife” provém da palavra arrecife, grande barreira rochosa de arenito (recifes) que se estende por toda a sua costa, formando piscinas naturais.
    Geralmente, o nome do município dentro de frases é antecedido de artigo masculino, como acontece com os municípios do Rio de Janeiro, do Crato, do Cabo de Santo Agostinho e outros. A esse respeito, muitos intelectuais recifenses e pernambucanos já se pronunciaram, entre eles Gilberto Freyre, em seu livro O Recife, sim! Recife, não!, em 1960.”

    1. Acho que eu não me fiz entender muito bem. Quis dizer que em Recife também existia um bairro [não sei ao certo, mas acho que é bairro mesmo] que foi chamado durante um tempo pela denominação Maxambomba – soube disso por uma amiga com quem divido um projeto e é nascida lá. Tenho certeza que Recife é Recife pelos motivos que você expôs… bro 😉

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