O futebol pode aprender do tênis?

Por Hugo Rodolfo Lovisolo e Tania Mara Tavares da Silva

Acompanhamos as finais do Australian Open. Chove bastante e o Rio de Janeiro está frio para a época do ano. Dizem que por causa da Linha de Convergência do Atlântico Sul. Não sabemos  do que se trata, porém soa muito bem. Deveríamos conversar com Fabiane Proba que aprendeu muito com as “moças do tempo”. A atividade da Internet cai muito com as férias. Talvez nossas relações tenham um vínculo maior de trabalho do que de passatempo com (e na) internet.  Assim, ou aguentam o tédio ou procuram passatempos em outros lugares. Mereceria uma pesquisa para sabermos o que passa quando o tempo não passa e a internet não é utilizada ou, pelo menos, é utilizada de forma reduzida. Mas o mundo eletrônico é muito mais que a Internet. Assim, vamos ao que nos fez voltar ao blog nas férias.

Nos últimos tempos temos lido matérias e recebido artigos que propõem modificações nas regras de marcação do futebol. Mais juízes e juízes especializados, sistemas eletrônicos de ajuda para os juízes, entre outras iniciativas. O futebol, todos dizem, por suas características é difícil de apitar. O campo é grande e as regras são muitas. Mesmo uma cobrança de lateral sem importância aparente no meio do campo pode se tornar objeto de discussões sobre a competência e acuidade dos juízes. O problema se multiplica nas faltas corporais entre jogadores (amarelo ou vermelho?), na marcação dos impedimentos e nas virtuosas discussões sobre se a bola entrou ou não entrou no gol.

A transmissão por rádio ou televisão aumenta as polêmicas e usa recursos tecnológicos que não estão à disposição dos juízes na arbitragem real do jogo. Juízes aposentados comentam o desempenho dos juízes em atividade, a partir da autoridade da experiência e do contrato pelas emissoras. As torcidas, os dirigentes e mesmo os jogadores comentam sem muito respeito o desempenho dos juízes. Mais ainda, tentam, por meio de diversas ações, de influenciar a atuação dos juízes ou de encontrar padrões de arbitragem que favorecem ou desfavorecem a determinados times. Neste contexto, nada faz estranhar as propostas de mudanças na arbitragem.

Em comparação com o futebol, o tênis aparece como um esporte simples em ser arbitrado. Seis juízes de linhas e um juiz de cadeira têm, por principal função, determinar se a bola foi in ou out. Historicamente foi a marcação da veloz “amarelinha” do tênis o principal problema dos juízes. As quadras de saibro facilitavam a arbitragem por deixar a marca do quique da bola no chão e os juízes principais desciam de suas cadeiras para apontar com o dedo onde a bola tinha quicado. Embora diante da testemunha do suposto sinal no chão a discussão não raro esquentava, pois, a marca em disputa podia ser confundida com outra anterior. Daí decorre o passar do pé pela marca. Lembremos que o Guga sofreu em um importante jogo por não passar o pé. As quadras duras criavam dificuldades para apontar para a marca da bola.

Os dirigentes do tênis (ATP e WTP) decidiram instalar um sistema de marcação eletrônica que denominaram de desafio. Cada tenista teria um número de desafios por set. Quando o tenista desafiava a marcação do juiz (de linha, de cadeira ou de ambos) e errava perdia um desafio e se acertava continuava contando com a possibilidade de desafiar ao seu favor. O público gostou da inovação e acompanhar a bola no telão, emitindo sons de seguimento, se tornou mais um momento de participação do público no jogo. Reconheço que a imagem eletronicamente gerada marca out ou in por fios, como dizem os comentaristas. Ainda não consegui saber qual a margem de erro, os falsos positivos e falsos negativos, que o sistema de desafios gera. A desconfiança sobre a margem de erro gera as contradições entre o gesto do tenista diante da imagem e a aceitação da marcação eletrônica. Contudo, isto parece não ser importante, pois a aceitação por parte dos atletas do sistema eliminou conflitos que podiam levar a paradas nada funcionais para os jogos. O tenista deve, se confia no sistema, poupar os desafios ou usá-los em pontos importantes para a definição do game ou do tie break. Se os desafios são gastos em pontos pouco importantes, eles podem fazer falta nos importantes.

No Australian Open os narradores e os comentadores especialistas em tênis, como Paulo Cleto, passaram a emitir declarações desfavoráveis sobre os juízes que estariam marcando errado em freqüência não aceitável. Os tenistas, por sua vez, parecem que aumentaram os desafios, sobretudo a partir de uma proporção maior de acertos provocados pelos erros dos juízes. A resposta dos juízes de linha parece que passou a ser a de declarar “bola fora” e colocar a responsabilidade nas costas dos tenistas. A resposta dos juízes de cadeira pareceria ter sido o aumento da omissão na marcação de bolas duvidosas. Ou seja, aceitar, mesmo quando a bola quicou dentro de sua área de visão privilegiada, a marcação dos juízes de linha.

A conclusão que se deriva é a de que os juízes passaram a renunciar a parcela de sua competência de arbitrar, dado que os desafios apontaram suas incompetências. Se o desafio faz que os juízes sejam alvo de gargalhadas, a resposta esperada é que reduzam o número de oportunidades de passar vergonha. De modo geral, narradores e comentaristas apontaram que a arbitragem, além de errar, arbitra menos ou renuncia a sua responsabilidade.

Os tenistas ganharam participação na arbitragem mediante o desafio. O tenista de “olho bom” passou a desafiar mais vezes que o tenista que não confia em sua capacidade de determinar o dentro ou fora. Assim, o tenista de olho bom ganhou mediante o desafio uma capacidade de jogo a mais, capacidade que não existia quando eram somente os juízes que determinavam o dentro ou fora do ponto. Já existem tenistas que fazem uma rápida consulta com o olhar para sua equipe e algum sinal combinado indica-lhe se deve ou não desafiar. Esta participação, proibida na regra, deverá crescer?

Tal desenlace torna o desfia eletrônico um produtor de efeitos não esperados, perversos ou colaterais. Um sistema de ajuda eletrônico para a marcação produz, ao longo do tempo, e em função de avaliações sobre a marcação dos juízes, uma diminuição na importância da arbitragem. Ao que parece e a se levar em conta os nossos comentaristas, o Australia Open de 2012 levou este efeito ao extremo. Se haverá (ou não) alguma volta que fará valer novamente “o olho do juiz” só o tempo dirá.

Um sistema que parece excelente poderia provocar, como muitos medicamentos, efeitos colaterais que superam seus benefícios? Se o tênis ensina que isto é possível, os que propõem mudanças no sistema de marcação do futebol não deveriam testar e avaliar prudentemente as mudanças que propõem?

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