Barcelona e a vitória da exceção

Matéria originalmente publicada em 20 de dezembro de 2011 no jornal O Globo (veja aqui)

Um pouco antes da final entre Santos e Barcelona alguns jornais publicaram uma opinião do técnico da seleção brasileira, Mano Menezes, sobre o trabalho feito nas divisões de base dos clubes do país. Ele teria dito que, no Brasil, os treinadores da base, com medo de perder o emprego, preferem um jogador “botinudo” – durão, sem habilidade – a um mais habilidoso. Nossos melhores cronistas louvaram a avaliação de Menezes sem se darem conta que nesta afirmação está dito implicitamente que os “botinudos” seriam melhores para se vencer partidas. Certamente, a maioria estaria em desacordo com o que está dito de forma implícita. Penso que um treinador da base fica com o “botinudo”, entre este e outro de mediana habilidade, quando o primeiro for mais forte que o segundo. Entre um “botinudo” e um Neymar – não precisaríamos chegar a tanto – o Neymar sempre prevalecerá. De qualquer forma, considero importante uma investigação na base de nossos clubes para podermos emitir uma avaliação mais precisa sobre o tema.

Na véspera da final, o respeitado colunista Joaquim Ferreira dos Santos escreve na seção de esportes de O Globo uma crônica no qual diz que é mais Neymar. De primeira eu me identifiquei com a crônica, porque considero Neymar a melhor revelação do nosso futebol nos últimos 20 anos. No entanto, o cronista argumenta que prefere Neymar a Messi porque o primeiro seria “alegria” e o outro “travado”. Se utiliza de estereótipos como o da “alegria” para nós e o da “tragédia” para os argentinos para fundamentar sua preferência. E ainda coloca Maradona como exemplo do “trágico”. Se estivermos falando da vida pessoal de Maradona, estou de acordo, mas o futebol de Maradona, repleto de dribles, sempre me pareceu muito “alegre”. Santos poderia ter dito que era mais Neymar simplesmente por considerá-lo com mais recursos técnicos do que Messi. Considerar Messi um jogador “travado” é uma questão de opinião. Mas os estereótipos utilizados em seu texto reproduziram as “essencializações” que fazemos de nós mesmos como seres “irreverentes” e “moleques”, atributos que, para muitos, explicariam a “superioridade” de nosso futebol.

Veio a partida final. A goleada do Barcelona atingiu nossa autoestima. Mas nem assim deixamos de crer que somos os inventores do estilo que se convencionou chamar de “futebol-arte”. Li que o Barcelona jogou que nem o futebol brasileiro do passado e que seu treinador disse que aprendeu a admirar o futebol brasileiro pelo que seus pais diziam sobre a seleção de 1970. Não seria mais plausível pensar que times extraordinários possuem um futebol mais vistoso, independente de suas nacionalidades? Não existiria algo em comum entre o Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha, o Flamengo de Zico, a Hungria de Puskas, a Holanda de Cruyff e o Barcelona de Messi? Não podemos exigir que nossos times joguem como o Barcelona de hoje, simplesmente porque seria impossível reunir tanto talento em tantos times de uma só vez. Não podemos pedir a um jogador “botinudo” que jogue como Neymar ou Messi. É um antagonismo inerente aos esportes, talvez até na própria vida, entre os ordinários e os extraordinários.

O Brasil continua produzindo jogadores extraordinários, mas volto a afirmar, como já fiz neste espaço em outras ocasiões, que jogadores extraordinários possuem estilo semelhante: o estilo extraordinário. O Barcelona nos faz lembrar os times extraordinários que existiram em um passado do nosso futebol. É liderado por Messi, um extraordinário. No Brasil de hoje somente o Santos – o mesmo que perdeu de quatro – poderia fazer frente ao Barcelona. Outros times daqui também poderão entrar neste páreo, mas será preciso reunir jogadores extraordinários e contar com uma boa dose de treinamentos. Talvez, a melhor lição que podemos tirar da goleada é a de que treinamento é fundamental, mesmo em equipe com craques. E também a de que temos que olhar com atenção ao trabalho que está sendo realizado na base dos clubes.

4 pensamentos sobre “Barcelona e a vitória da exceção

  1. Confesso que vejo esse barcelona jogar e não vejo nada demais, além do toque de bola e a manutenção da posse (facilitadas pelos adversários que parecem temer sua fama). O próprio Santos, se tivesse jogado, ao invés de entrar com medo, covarde, teria tido melhor resultado.

  2. Esse texto me fez pensar, acima de tudo, no trabalho de preparação dos garotos da base aqui no Brasil e o perfil “industrial” que ele assume no contexto atual. Tudo com muita pressa, priorizando uma produção em massa que leve ao lucro. Isso fica muito claro para mim quando me lembro do caso do não aproveitamento do atacante Vágner Love pela equipe do Vasco, devido às características desse não serem ideiais para um jogador dessa posição. Ao invés de Love, o Vasco aproveitou o Anderson, um gradalhão para as jogadas aéreas. Tenho certeza que muitos não se lembram dele por motivos óbvios. O que eu quero dizer com tudo isso é que nós, brasileiros, queremos jogadores e times “diferenciados”, mas produzimos sempre os “iguais”.

  3. Se não me engano o Love começou no Bangu e foi parar nos juniores Palmeiras via empresários de SP. Teve sua primeira chance nos titulares no ano de 2002, terrível para o parmeras, após a saída da parmalat, lembram? foram até rebaixados, com Levir Culpi (que fim levou ele?) que tinha substitído Luxemburgo que abandonara o clube (ele adora fazer isso!),

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