Barcelona contra Santos ou Brasil contra Argentina

Sábado, 17/12. Acordei cedo e no Globo on line, destacado e no centro, aparecia uma matéria animada comparando Messi e Neymar. No mesmo, Maradona fez uma de suas charadas dizendo que por respeito não ia responder a pergunta. No fundo, um gesto de prudência. Pelé declarou Neymar como superior a Messi, curiosamente, por ser parecido com ele. Eu teria gostado de um Pelé generoso, formulando um voto de confiança e apoio, porém, dando tempo ao jovem craque.

Como existem cinco anos de diferença cronológica a favor de Messi a comparação desfavorece Neymar, pois “el pulga” já ganhou todas. Neymar, exceto pela Libertadores e o Mundial sub-20, as premiações locais. Creio que os jornalistas devem ter sentido o gol contra, pois logo passaram a comparação para um lugar com pouco destaque. Quase a esconderam. Achei a matéria comparativa pouco responsável: expõe e exige de Neymar desnecessariamente.

Logo entrei no jornal La Nación. Aqui a comparação é bem mais sutil e se destaca que, para Neymar, Messi significa inspiração: é o número um. Contudo, nas matérias de La Nación, se perfila o futuro como sendo o de Neymar, pela vantagem da idade. Assim, se o passado presente recente é de Messi, o futuro presente pode começar a ser de Neymar. Em aberto, o futuro decidirá quem foi melhor ou, ao menos, jorrarão dados, comentários e imagens apostando em um ou outro craque.

O futebol, se afirma, é um jogo de equipe. No entanto, o destaque dado aos ídolos não é menor que o existente nos esportes individuais. Os jornalistas constroem os ídolos. De fato, tanto Barcelona quanto Santos contam com jogadores de primeiríssima linha. Eles não são totalmente esquecidos, mas aparecem soterrados pela avalanche da dedicação aos ídolos.

No O Globo impresso aparece uma crônica do colunista social, Joaquim Ferreira dos Santos, onde ele declara que “é Neymar” (leia aqui). Neymar seria a festa, o improviso, o fantástico, o humor e a alegria do futebol moleque. Messi significaria alguma coisa contida, sem humor, “trágica como Maradona”, esconde a traição, melancólico, sem festa. A alternância de Maradona entre a tragédia e a comédia, entre o drama e o humor, é jogada ao escanteio sem evidências que operem como juízes.

Enfim, o autor trabalha com a relação que toma a parte pelo todo: Neymar é o Brasil, como Messi é a Argentina. Sua verborragia é impressionante e chega até a mudar a grafia das palavras (eu não sei por que escreve “chorizzo” e “alfajore”, essas palavras não existem no espanhol da Argentina). O mais impressionante é que chega a determinar que os argentinos são carentes de humor. Parece ignorar a copiosa literatura humorística argentina que se vende no mundo todo, ou talvez porque pense que a definição do humor é “Didi Mocó” ou Chico Anísio. O humor ácido e irreverente argentino é reconhecido internacionalmente, desde o finamente intelectual de Borges ao de Luis Sandrini, passando pelo amante e cronista do futebol, e criador do Inodoro Pereyra, que foi Fontanarosa. A Argentina passou por várias tragédias, isto é inegável, sem perder o humor (veja esse exemplo do atual humor argentino). Ri muito com o filme “O Conto Chinês”. Mas, parece que para Joaquim dos Santos o Brasil é uns pais sem tragédias, pura festa. Santos opera sem evidências comparativas (se estas fossem possíveis), apenas se embala na imagem do Brasil alegre, criativo, fantástico -de uma identidade imaginária e estereotipada.

Os estereótipos são bons para a guerra. Ajudam os soldados a matar e morrer. O futebol não é uma guerra. No futebol se chora e se ri, se lamenta e se explode de alegria. Ele é bom por permitir expressar e representar uma ampla gama de emoções. Depois de tudo, 1950 foi ou não uma tragédia? Um mundo sem sentimentos trágicos ou sem sentimentos alegres seria um mundo sem uma parte importante da dimensão humana. Consideraria inadequado que se tome, esteriotipadamente, o Brasil como representante da comédia e a Argentina da tragédia. Santos parece induzir nessa direção, embora talvez não seja sua intenção.

Santos, o cronista, pode “ser mais Neymar” por todas as razões que se lhe ocorram, a principal porque é um craque, ou porque sendo Santos tem que ser do Santos do Neymar. Entretanto, não precisa da metonímia de identificar o jogador com seu país de origem para realizar sua opção. Quando faz isso se torna proselitista do etnocentrismo brasileiro, melhor dizendo, da imagem de um Brasil discutível sob vários pontos de vista: o Brasil do futebol, samba e carnaval e que exclui muitos outros brasis.

A festa é boa, sempre e quando não elimine o que nela não se inclui.

Os que amamos e admiramos ao Brasil nos perguntamos, por vezes, qual é o “grilo” que alguns brasileiros têm com a Argentina?

PS. Domingo, após o jogo. Deu a festa do Barcelona. Deu seu jogo de equipe e eles foram os moleques. De novo deu Messi. As declarações de Neymar aumentaram a admiração que tenho por ele: joga, pensa e se expressa muito bem. Por último, será que para os “grilados” deu Argentina?

3 pensamentos sobre “Barcelona contra Santos ou Brasil contra Argentina

    1. Pelada ou baile? Se o seu queridinho santos ganha dessa maneira você diria que foi um baile? Como fez o meu mengão em 81.
      Mas como o seu nacionalismo ou clubismo torcia pelo santos, para ti foi uma pelada. Quando um time se impões como no domingo isso não é pelada é supremacia e domínio.
      E nem foi da Argentina para com o Brasil. Apenas de dois clubes um representante de uma parte da espanha e outro representante de uma parte do Brasil.

  1. Ao acordar para assistir o jogo, encontrei um bilhete ao lado da TV. Era da minha irmã (13 anos) pedindo que eu a acordasse quando começasse o jogo do Neymar contra o Messi – essas foram as palavras dela. Acho que parte da mídia, de maneira muito infeliz, tentava traduzir a final do Mundial como sendo um confronto particular entre esses dois. Os mesmos, trataram a vitória do Barcelona como sendo a vitória do Messi – ao meu ver, uma grande tolice. No fm, deu o mais óbvio, por mais que o futebol nem sempre tenha muito respeito por ele.

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading

Pular para o conteúdo