Só um jogo?

Uma das frases que mais me chamaram a atenção na última rodada deste “Brasileirão”, que acaba de nos deixar “órfãos” por um tempo, foi dita pelo treinador do Flamengo e meu conterrâneo iguaçuano, Vanderlei Luxemburgo: “Isso é só um jogo!”. Em primeiro lugar, era um Vasco x Flamengo e estava em disputa o título do campeonato e uma vaga na Libertadores, respectivamente. Sendo assim, a meu ver, tal menção já seria alvo de questionamentos.

Deve-se salientar ainda a situação em que essa frase foi empregada para que haja um entendimento claro da intenção do treinador. “Luxa” utilizou-se dessas palavras para ressaltar a violência que ocorre nos entornos dos estádios, mais especificamente ao redor do “Engenhão” antes do início do jogo entre Vasco e Flamengo na última partida do certame.

A intenção dele com esta fala era tentar repreender os atos de violência entre as torcidas, explicitando o lado esportivo do que vem a ser o jogo de futebol. E, de fato, atitudes como essas, que se mostram tão naturalizadas em nosso país, devem acabar, tendo em vista a inutilidade delas perante o esporte e todas as questões que o englobam.

Não obstante, não é algo tão simples assim que possa ser explicado apenas através de uma frase, muito menos daquela utilizada pelo nosso querido (ou nem tanto) Luxemburgo. O futebol não é só um jogo. Nenhum esporte, de certa forma, é apenas um jogo.

Questões políticas sempre estiveram (e estarão) envolvidas nas entranhas do futebol, assim como em toda atividade social. O campo representa uma parte da sociedade e, tão logo, reproduz as suas particularidades; a violência entre as torcidas é uma amostra disso. O panorama social ajuda a criar a violência e permite a sua disseminação.

Não por acaso que é na posição de torcedor que muitos fazem o que fazem, principalmente os jovens. É exatamente dessa forma que eles mais afirmam a sua identidade e, sendo assim, sentem-se parte “ativa” da sociedade. Paradoxalmente, é exatamente nesse momento que a consciência social menos é levada em consideração.

Resumidamente, as brigas são um reflexo do “todo social”. O Estado, o governo, a sociedade, a cultura, a educação, a saúde, o patrão, a família: todos esses e muitos outros “batem” cotidianamente no torcedor, que encontra nos jogos de futebol um momento propício e oportuno para o revide.

Gostaria de ressaltar que não sou a favor, nem defendo esse tipo de conduta. Mas não é o simples fato de se arrumar uma nomenclatura para os adeptos dessa prática (vândalos, criminosos, etc.) e repetir inúmeras vezes na mídia o quanto isso é errado, que irá fazer este problema ser erradicado.

A violência no âmbito futebolístico envolve muito mais que rivalidade e a vontade de vencer. Na verdade, trata-se também de fatores sociais aparentemente externos ao futebol. Nessa linha, às vezes, esquece-se que o futebol não é uma “ilha” no meio social; ele modifica e é modificado por ele, como um todo.

Não é somente aumentando a segurança dentro e fora dos estádios que a violência irá se extinguir. Pelo contrário, dessa forma ela só ganhará o reconhecimento neste cenário. O que deve ser feito é acabar com a necessidade de “segurança”. A grande questão é como fazer e por onde começar. Com certeza, não é algo simples e nem fácil; se fosse, já teria sido feito.

10 pensamentos sobre “Só um jogo?

  1. “Ainda assim, o treinador está certo: É só um jogo.
    Só os torcedores fanáticos pensam diferente. Os demais “envolvidos”; Dirigentes, Treinadores, jogadores, etc, não estão tão envolvidos assim. Vide que os mesmos trocam de clube com frequência, sem o menor critério, apenas por dinheiro.
    Não vale a pena se ferir, ir preso ou até morrer por causa disso.
    Sobre esse assunto sugiro um ótimo filme:

    The Fan / Estranha Obsessão (1996), com Snipes e DeNiro.

    http://www.imdb.com/title/tt0116277/

    Toca fundo na questão da diferença entre torcedor (paixão) e jogadores (dinheiro).”

  2. Impossível discordar da parte em que você diz: “Não vale a pena se ferir, ir preso ou até morrer por causa disso.”. No entanto, ainda que seja algo tão óbvio, não consigo enxergar dessa maneira “simples”, ainda mais quando o foco é o torcedor. O treinador pode estar certo em sua afirmação pensando no universo do jogador e dos “demais” envolvidos, mas o torcedor também entra nessa história e aí o cenário muda um pouco. Não firmo minha posição à favor desses atos violentos que ocorrem corriqueiramente em dias de jogos (pelo contrário), mas enxergo o futebol como uma espécie de “facilitador” dessas situações.

    “O futebol, temos que admitir, é um eficaz caldo de cultivo da lógica tribal. E das lógicas intertribais às múltiplas possibilidades de representação da guerra, há, de fato, uma margem muito estreita.”

    (Walter Vargas)

  3. O futebol é um “Fato Social Total”. Ele consegue reunir todos os principais elementos da sociedade de uma única vez: poder, economia, política, honra e religião. Denominá-lo “apenas um jogo” é ser simplório com um assunto que merece análise, compreensão e respeito. Acho que a fala de Luxemburgo – que eu ouvi ao vivo, inclusive – é hipócrita. Onde o técnico do time com a maior torcida organizada do Brasil poderia dizer sinceramente que é aquilo é só um jogo? Acho que o que está em cheque quando a bola está em campo são exatamente esses fatos sociais.
    Quanto à violência, concordo com Joaquim. É preciso analisar e agir de modo que se evite “catástrofes”, mas sem interferir nessa manifestação social. Mas como fazer isso?
    Enfim, é o que eu acho.

    1. O futebol é um excelente “laboratório” para estudos sobre a violência. As torcidas organizadas merecem atenção específica nesse meio. No caso específico do Flamengo, como você mencionou, há uma situação, no mínimo curiosa, onde duas de suas torcidas organizadas brigam entre si. Como entender isso? Será que é simples assim? Enfim, estudemos!

  4. Concordo com a argumentação do autor pois o futebol acaba sendo um espelho da sociedade e obviamente não é só um jogo e sim tudo que envolve o meio social e a cultura que compartilhamos. Porém ,apesar de achar a imprensa de forma geral extremamente chata com o politicamente correto, entendo que são necessárias as campanhas feitas contra a violência nos estádios.

    1. Claro, Alvaro. Ao meu ver, as campanhas contra todo e qualquer ato de violência (dentro e fora dos estádios) durante as partidas de futebol devem existir sim. No entanto, acho que somente elas não conseguem dar conta do problema em si e, às vezes, a situação ganha um aspecto neoliberal, onde toda a responsabilidade cai inteiramente nas costas do torcedor.

  5. Continuo divergindo. É só um jogo. Não muda nada. Continuam os políticos honestos, os preços baixinhos, o trânsito organizado, as contas públicas sob controle e o asfalto liso.

  6. Parabéns pela forma como o tema foi abordado. Não tenho dúvida do fato do futebol ser um facilitador da violência. E fico profundamente da forma simplista como o tema é abordado. Já vi a violência em estádios muito de perto. Nunca a entendi. Talvez por isso nunca a tenha minimizado. O problema é grande e é tratado de forma totalmente equivocada.

    Penso que para a “nossa” Copa do Mundo, a violência será pensada e controlada de forma pontual. Assim como estão preocupados com um sistema de transporte público que funcione durante o evento, querem controlar a violência somente naqueles dias.

    Para mim, o futebol não é só um jogo. Mas até poderia ser. No entanto, para o profissional diretamente envolvido, é fato que não é.

    1. É exatamente essa a sensação que eu tenho, João – “(…) a violência será pensada e controlada de forma pontual.”. E ao término da Copa, além do clichê “Essa foi a melhor Copa de todos os tempos!”, se ouvirá que o esquema de segurança funcionou brilhantemente. Ainda que isso de fato ocorra, não passará de um simples “tapa buraco”. É o famoso “jeitinho brasileiro” num nível “profissional”.

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