Uma análise comparativa entre dois momentos do jornalismo esportivo

Versão adaptada do meu trabalho final no Curso de Extensão Jornalismo Esportivo: Teoria e Prática, coordenado por Ronaldo Helal e Marcelo Barreto.

O fazer jornalístico não é estático. Nenhuma novidade há nessa constatação, admito. Da mesma forma, o jornalismo esportivo é dinâmico e evoluiu ao longo dos anos. Inicialmente, apareceu tímido em alguns poucos jornais, posteriormente foi conquistando mais páginas e, hoje, vemos uma profusão de periódicos destinados exclusivamente ao esporte. Os jornalistas esportivos também passaram a contar com um maior destaque e respeito perante seus pares e à sociedade.

Fiz essa breve contextualização inicial para seguir ao relato das aproximações e, principalmente, das diferenças entre um texto jornalístico para o futebol no início do século XX e um do século XXI. Essas diferenças são justificáveis quando entendemos a evolução natural a que me referi no parágrafo anterior. Os textos escolhidos para análise se referem ao clássico gaúcho Grêmio e Internacional disputado em 1909 e a recente vitória do Vasco sobre o Avaí na semifinal da Copa do Brasil 2011. Para facilitar a distinção chamarei os exemplares do primeiro tipo de “jornais antigos” e os do novo, “jornais atuais”. Os textos estão disponíveis nesses links: 1 e 2.

O primeiro objeto, publicado no jornal Correio do Povo, edição de 20 de julho de 1909, retrata um esporte ainda praticado e voltado primordialmente para as elites. Essa elitização perpassa todo o excerto analisado, não deixando dúvidas quanto ao público ao qual era destinado. Os traços linguísticos, marcados por estrangeirismos e palavras rebuscadas, a própria organização textual e as construções frasais denotam o caráter do evento descrito.

Palavras como ground, teams, toilettes, halfbacks, kick-off, center forward são reflexos da origem inglesa do futebol e da ausência, na época, de palavras em português para designá-las. Poderíamos conjecturar também que essas palavras trouxessem certo refinamento a um esporte que, de outro modo, não possuiria tanta “pompa”. Não devemos nos esquecer que, àquela época, o futebol como um evento da alta sociedade, possuía na platéia homens e mulheres em seus melhores trajes para assistir aos outros membros de sua classe praticarem o esporte bretão. Daí provém, aliás, a denominação polida utilizada para denominar Augusto Koch e João Leopoldo Seferin: “senhores”.

Outra marca dessa formalidade textual está presente nas frases com ordem invertida, como, por exemplo, “Lindíssimo era o aspecto que apresentava anteontem o ‘ground'”. Ela atende provavelmente a um leitor acostumado a ler obras literárias, e não ao trabalhador que comprava o jornal matutino com o simples desejo de se informar sobre os assuntos em voga. Já a linguagem dos “jornais atuais” demanda frases diretas e curtas para efetivamente prender o leitor à narrativa.

Além das diferenças já citadas, encontramos algumas outras, que não passam de contrastes culturais entre períodos históricos distintos. “Jogo indeciso”, “bizarria”, “rechaçados”, “elementos” não são termos usuais na atual crônica esportiva. Podemos encontrá-las, no máximo, em romances jornalísticos. Outra peculiaridade é a presença de uma “banda de música” a sinalizar a entrada dos teams. Essa prática, deve-se salientar, só se aplica ao público elitizado de então, pois, atualmente, os acordes da banda seriam totalmente ofuscados pelos sons entoados das arquibancadas dos estádios.

A principal semelhança que encontro com as narrativas atuais diz respeito a descrição do jogo. Guardadas as discrepâncias já pontuadas, o objetivo final da análise pós-jogo é informar aos torcedores que não compareceram a partida sobre os principais lances ocorridos. Outro ponto em comum é a informação sobre a escalação das equipes, ainda que ela não tenha se feito nessa matéria do Correio do Povo.

A matéria atual, escolhida para servir de contraponto comparativo, tem por título “Futebol de campeão”, veiculada no jornal O Globo do dia 26/05/2011, e analisa o jogo entre Vasco e Avaí, válido pelas semifinais da Copa do Brasil. Ocupando uma página inteira, há espaço para fotos do jogo e uma descrição detalhada dos lances. O primeiro ponto divergente que “salta aos olhos” são as notas dadas a atuação dos jogadores. A disposição visual também é outra1, muito mais propícia a uma leitura detida e sem cansar os olhos do leitor. Outro ponto importante a ser sublinhado, é a presença das opiniões de técnicos e atletas sobre a partida. Além de simbolizar uma quebra no discurso, ela aproxima o leitor dos responsáveis pelo espetáculo futebolístico, dando um tom de informalidade  ao texto, e torna a leitura, a meu ver, mais prazerosa.

No que tange ao vocabulário empregado, vemos mais uma disparidade. Não há o emprego de estrangeirismos nem de palavras por demais rebuscadas. O tratamento dado aos protagonistas do jogo, árbitros, jogadores e torcida, não possui traços de formalismo. A leitura que é feita do jogo já possui todo um formato próprio, característico do jornalismo para o futebol. Nos “jornais antigos”, a narrativa tomava emprestado termos e expressões típicos de outros esportes, como o turfe e o remo, por exemplo.

Ao final, posso chegar a algumas simples conclusões. Para mim, a linguagem dos jornais atuais é de mais fácil consumo e voltada a um público muito mais amplo que os jornais de outrora (ainda que o jornal atual escolhido tenha sido O Globo, voltado às classes A e B). Não obstante, não posso deixar de levar em consideração que os “jornais antigos” atendiam a uma demanda específica de leitores, e estes, provavelmente, teriam o mesmo estranhamento, que tive com os “jornais antigos”, quando se deparassem com os atuais periódicos esportivos.


[1] Ainda que não tenha a imagem dessa “matéria antiga”,  possuo algumas outras aqui comigo de como era a diagramação dos jornais nesse período.

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