Uma nova forma de se beijar a camisa…

O que é necessário para ser ídolo de um clube no Brasil? Conquistar títulos? Certamente. E isso Juninho Pernambucano fez pelo Vasco: dois Brasileiros (1997 e 2000), uma Libertadores (1998), uma Copa Mercosul (2000), um torneio Rio-São Paulo (1999) e um Carioca (1998). Mas não são apenas as boas lembranças e a expectativa de um bom futebol que chamam a atenção para o contrato fechado entre o Vasco e Juninho, mas também o discurso do próprio jogador, quando ele fala sobre como foi feita a negociação para sua volta. E é este discurso que interessa para pensarmos em algumas questões do futebol na atualidade.

Em meio a tantas críticas a jogadores chamados pela torcida de mercenários, que não se preocupam com os clubes, mas apenas com seus próprios contracheques, Juninho Pernambucano parece remar contra a maré. Pelo menos, é o que está dito em seu discurso. Este traz elementos polêmicos que permeiam a conflituosa relação entre futebol, paixão e lucro. A negociação, pelo menos da forma como é anunciada por Juninho em entrevista ao site Lancenet!, já como jogador do Vasco, é que o atleta receba, pasmem, apenas um salário mínimo por mês. Antes que se diga que isso é ‘cascata’ ou que há outros tipos de negócios rolando por trás desse contrato, avisa-se: o que cabe a este post é pensar o discurso do jogador, como ele mesmo descreve sua situação, e não suposições.

Juninho inicia sua primeira resposta deixando claro que ganhar esse valor é o justo com o clube e com a torcida, que ele não quer dar prejuízo ao Vasco e que o gasto do clube com ele será condicionado a bons resultados. Resumo: um ídolo, abaixo do preço de custo, querendo jogar e querendo ganhar só se trouxer vitórias. Proposta que já parece perfeita para qualquer torcedor, mas que ainda vem acompanhada de justificativas por parte do jogador: o “Reizinho” afirma que ainda tem pontaria afiada nas cobranças de falta e que volta ao Vasco com condições físicas para jogar os 90 minutos, afastando-se da imagem do jogador que tem outros interesses no retorno ao Brasil que não, apenas, favorecer seu clube.

Procurando outras notícias sobre o fato, encontro no Globoesporte.com uma reportagem que traz depoimentos de conhecidos do Juninho. Na parte final da matéria, um dos amigos fala que o amor do jogador pelo Vasco é tão grande que ele teria medo de se sentir roubando seu clube ao não corresponder às expectativas da torcida e, por isso, as negociações sempre emperravam. Ao ler essa frase já imagino os saudosistas do futebol menos espetacular e baseado no amor a camisa, quando o mundo parecia mais justo e o futebol movido pela paixão.

Voltando à entrevista para o Lancenet!, Juninho nega que a condição de vitorioso no clube no passado recente deva lhe deve trazer regalias. Para os jovens jogadores do Vasco, ele avisa que lutará pela posição como qualquer outro e que o técnico não tem nenhuma obrigação em escalá-lo para as partidas. É curioso pensar que o discurso de Juninho é óbvio, afinal, joga quem estiver melhor. O importante é a vitória do grupo, certo? Não é esse o discurso tão proferido pelos jogadores nas coletivas de imprensa no estilo “estou aqui para somar”? Nada disso. O que o discurso de Juninho nos mostra é o contrário. O craque tem, sim, regalia e a relação do ídolo que chega com o técnico experiente tende a ser conflituosa.

Parece-me que o discurso de Juninho trata de práticas comuns no futebol quando ele mesmo as nega como condições para sua contratação, ou seja, fica claro que é comum o ídolo voltar ao Brasil apenas quando está mal no clube do exterior, já perto de encerrar sua carreira ou para valorizar seu passe e voltar a brilhar no cenário internacional, onde realmente se ganha fama e dinheiro, não necessariamente nessa ordem. Juninho, em seu discurso, parece pedir licença para voltar ao clube e, também, pedir uma oportunidade para mostrar seu valor, como se todos os títulos acima citados não fossem bastante para a torcida lhe dar crédito. Além disso, já antecipa um discurso de dirigente, que é uma proposta para Juninho no Vasco após encerrar sua carreira, ao reforçar o coletivo e não apenas sua condição de jogador.

Para terminar, reforça-se a questão já colocada no início do post, quando se pretende pensar a relação entre amor e bons negócios no futebol. Negar os interesses econômicos e privilegiar a instituição e os torcedores em seu discurso não seria uma forma atual e, quem sabe, eficaz de declarar amor ao clube na atualidade?

4 pensamentos sobre “Uma nova forma de se beijar a camisa…

  1. Luisa, parabéns pela estreia! Este tema também me chamou muito a atenção e certamente merece uma análise. Como torcedor do Vasco, confesso que o discurso de Juninho me emocionou. Ao mesmo tempo que mostrou um possível (e impensável nos dias de hoje) amor ao clube não deixou de lado o profissionalismo (afinal, pediu que levassem até ele as bolas que serão usadas no Campeonato Brasileiro para que já começasse a treinar faltas).
    No entanto, tenho algumas ponderações com relação a esta contratação. Em primeiro lugar, ele deixou claro no início que gostaria de ter privilégios, principalmente o de ser liberado das concentrações. Mas este fato repercutiu pouco depois que ele confirmou que viria quase de graça.
    Porém, não é isso que mais me “incomoda”. A questão é: é justo um jogador abrir mão de receber? No esporte mercantilista, será que não vai haver um momento em que vão usar o argumento de que “o Juninho não ganha nada e você, atleta dos juvenis, já está querendo aumento”? Ou ainda: será que a torcida não irá cobrar mais de um jogador que não atue bem comparando o salário dele com o salário mínimo de Juninho?
    Bem, acho que estas perguntas só o tempo vai responder. E sei que não era sua proposta. A análise do discurso foi muito pertinente.

    1. Concordo com você tanto no seu sentimento positivo, acho que eu me sentiria assim também e, claro, que existam outras questões polêmicas relacionadas a essa atitude do Juninho que vão muito além do discurso publicado no Lancenet! Acredito que a pouca repercussão se deve ao fato de que ele ainda não está aqui no dia-a-dia. Certamente esse assunto vai voltar com força quando ele chegar ao Brasil. Dará muito ‘pano para manga’. E obrigada pelo comentário. =)

  2. Em meu entendimento trata-se de uma estratégia de marketing, tanto pró-clube quanto pró-atleta. Ambos se beneficiarão dessa tática. Destaque-se que isso não é tão novo quanto se faz pensar: Quem já ouviu falar em contrato “de risco” sabe disso.
    Outra coisa: Jogador receber salário mínimo também é comum no Brasil. Vão na terceira divisão e vcs vão constatar isso.
    O referido Juninho, além do mais, vai ter participação em ações publicitárias e rendas do clube.

    Afrânio.

  3. Afrânio, em primeiro lugar, ótimo que esse seja um espaço para troca de ideias.
    Bom, como dito no post, não cabia ao artigo pensar as estratégias por trás do discurso do atleta e, sim, o discurso em si. De qualquer forma, eu concordo com você que deva existir uma estratégia de marketing na negociação. No entanto, eu te pergunto quantos jogadores com o mesmo nível de futebol do Juninho Pernambucano e que gozam do mesmo prestígio que o dele em um clube (no caso, o Vasco) e, portanto, não precisariam fazer esse contrato, optaram pelo “risco”? Eu confesso que desconheço. Se foi falha minha aproveito para sugerir que você cite alguns nomes. Lembrando que o Juninho, de acordo com as palavras dele, está em atividade, sem lesão e fazendo gols.
    E o fato de vários atletas receberem salário mínimo na terceira divisão, questão amplamente conhecida, não diminui, na minha opinião, o estranhamento quando um jogador com a trajetória do Juninho aceita ganhar um fixo tão baixo em um clube de primeira divisão onde ele é ídolo. Abs, Luisa

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