Oba! Uma matéria grande sobre o Vôlei

Em nossa reunião do grupo de pesquisa, Esporte e Cultura, de terça-feira (05/04/2011), vários participantes apontaram o baixo espaço ocupado na imprensa pelos outros esportes em relação ao ocupado pelo futebol. Hoje, dia 6, encontro que a página 5 do caderno Esportes do Globo está ocupada (fonte), 70% aproximadamente, por uma matéria sobre o vôlei. São duas colunas e uma fotografia de 4 colunas e do mesmo tamanho. Ou seja, quase 70% do espaço é ocupado pela fotografia que foca o Michael Pinto dos Santos, do Vôlei Futuro, rodeado pelos seus companheiros de time, no jogo contra Cruzeiro.  A matéria nada diz sobre o jogo. Seu tema é o ato homofóbico da torcida do Cruzeiro sobre o Michael. A matéria não informa quando ou sob quais circunstancias a torcida do Cruzeiro gritava “bicha” para o jogador Michael e isto teria atrapalhado seu desempenho. Eu gostaria de saber, em princípio, se seu nome de registro em cartório é mesmo Michael, em caso contrário, se foi escolhido por ele ou dado pelos colegas. Se alguém souber peço para me informar. Reconheço que o brasileiríssimo Pinto dos Santos não se junta no meu ouvido com o anglicismo Michael, embora muitos adorem tais justaposições..

A matéria coloca a coragem de Michael, por assumir-se como guei (creio que se deveria escrever “guei” como indica o Aurélio, onde aparece com verbete), contra o preconceito homofóbico (que alguns defendem deveria ser “homofilofóbico”, tive que adicionar homofóbico ao dicionário do WORD, ou seja, parece que não há grande consenso no seu uso) de toda a torcida, mais de 2000 pessoas, coisa que o surpreendeu pela universalidade. Entrevistado, Michael respondeu que ele é guei, que no clube sabiam de sua opção ou preferência sexual e que jamais tinha tido problemas por essa razão (eu descobri que existia um Clube com o nome Vôlei Futuro-SP). A matéria indica que Michael se surpreendeu pela intolerância e preconceito da torcida, sobretudo, pela unanimidade. A matéria bate e rebate sobre os preconceitos em tempos de declarações “impactantes” de Bolsonaro que deu a entender que considera a relação homossexual como promíscua.

Eu não entendi bem a matéria. Não me pareceu uma matéria sobre esporte e sim uma peça da campanha contra o comportamento dito homofóbico, estratégico da intolerância no esporte. A intolerância seria apenas o grito repetido de “bicha” da torcida. Se a torcida tivesse gritado em coro “guei” ou “homossexual”, isto teria atrapalhado a Michael? Depois de tudo, “bicha” é apenas o nome popular de homossexual ou guei. Creio que estamos diante de sinônimos.

Os gueis  que conheço, e não são poucos, usam a expressão “bicha” entre eles como qualificativo para muitas coisas e não se ofendem, incomodam ou surpreendem. Alguns chamam de “careta” ou de “conservador” a todo heterossexual. Mais ainda, conheço gueis que afrmam que todo hetero é um homo que ainda não saiu do armário. Os gueis são muito bons na criação de qualificativos e explicações favoráveis. Deduzo, voltando ao ponto, que a intolerância aparece quando um heterossexual chama a um homossexual de bicha. Creio que lá pelos anos setenta existia um Grupo Somos, fundado pelo Jornal Lampião em 1978, que lutava contra o americanismo e pelo reconhecimento dos homossexuais como “bichas” em suas palestras. Ganharam os que seguiram a moda internacional e o anglicismo de se tornarem guei, então passamos do BLS para o GLS. É assim que se reconhece Michael. Se a torcida tivesse gritado repetidas vezes “homossexual” ele estaria surpreso e atrapalhado? Estaríamos ainda diante de um ato de intolerância ou homofóbico ainda nesse caso? Michael parece pensar que o único que importa é o desempenho do atleta. Isto é falso pois a mídia se ocupa de suas vidas privadas e, muitas vezes, os atletas procuram estar nas páginas sociais. No caso dos ídolos populares enfrentamos uma promovida necessidade de conhecer os meandros de suas vidas privadas. Isto também ocorre com os artistas, com empresários e com aristocratas. Enfim, pareceria que com todos aqueles que estão na mídia. Exposição da intimidade. Estaremos diante de uma dupla moral: a intimidade pode ser exposta quando favorece e deve ser oculta quando tira pontos da imagem?

Também não entendo qual é a coragem de Michael. Corajoso teria sido se, incomodado ou atrapalhado pelos gritos, tivesse saído do jogo. Não parece exigir muita coragem se reconhecer como guei nos dias de hoje. Se um guei não se reconhece como guei estaria enganando a seus semelhantes. Seria como um corrupto que não se reconhece como tal? Espero que algum colega me explique a coragem de Michael. Hoje, coragem muita é necessária para formar uma família e criar filhos, sobretudo, diante do “catatal” de exigências reguladoras.

A lei não os descrimina e cada dia reconhece mais seus direitos. Em alguns países lhe permitiram se apropriar da instituição do casamento, criada pelos heterossexuais e religiosos que, na maioria dos casos, não aceitam a legalidade marital dos homossexuais. Mais ainda, a discriminação se tornou crime. Não há nada ilegal em ser guei.

Além do campo da lei existe a moral social. Lei e moral social nem sempre se confundem ou são a mesma coisa. Os preconceitos estariam na moral social e em algumas de suas referências religiosas? Se assim for, e o preconceito tivesse funda penetração na moral social, a lei estaria distante dos sentimentos morais? Seria mais uma lei dos iluminados para guiar as massas?

Possivelmente, por cálculo de probabilidades, entre os que gritavam “bicha” para Michael Pinto dos Santos, deviam existir os que tinham parentes, colegas e amigos gueis ou bichas, com os quais mantém relações tolerantes e frequentes.  Mais ainda, não seria difícil encontrar na torcida gueis que também gritavam bicha para Michael. Então o problema é: o que estão fazendo, e não dizendo, quando gritavam bicha. Pareceria que estão torcendo pelo próprio time, tentando abalar o time adversário. O papel da torcida não é dar força ao próprio time e minar as do adversário? Com essa finalidade qualquer traço privado ou íntimo, que possa se tornar instrumento para os objetivos, poderá ser utilizado.  Se Michael se atrapalha com os gritos, a torcida está atingindo seus objetivos. No fundo, podem não ter o menor interesse em criticar a opção sexual de Michael. Apenas pretendem atrapalhar o jogo do adversário. Se Michael não se atrapalha ou joga cada vez melhor, é bem possível que a torcida cale seu grito. Porque se atrapalhar por ser identificado pelo que se escolheu ser?

Se dizermos: como joga essa bicha!; essa bicha é um gênio!; o gordão vale por mil!; esse negro canta como os Deuses; o negão é o maior cirurgião que existe por aqui!; essa bicha é um craque! Será que os indicados com palavras de preconceito e intolerância se sentiriam ofendidos?  Creio que não.

Formulo por último uma apreciação arriscada. A reiteração das campanhas politicamente corretas, associadas “a solicitação de punições”, veja-se o caso da casca de banana no jogo Brasil e Escócia na matéria do domingo 03/04 do Globo ou sobre as declarações de Bolsonaro (os tolerantes não toleram suas opiniões), podem provocar a reação inversa. De fato, é crescente a massa de recomendações, regulações e controles sobre como nos devemos comportar. As válvulas de descarga estão sendo obstruídas crescentemente e isto pode levar a reações impróprias quando a invisibilidade ou a multidão protegem. Os Bolsonaros podem aparecer e crescer significativamente. Isto já ocorreu e pode voltar a ocorrer.


Um pensamento sobre “Oba! Uma matéria grande sobre o Vôlei

  1. Concordo que o vôlei passa à margem dessa exposição.
    Não se trata de uma matéria sobre esporte, sim de uma matéria-queixa.
    Casos semelhantes aconteceram antes: (bichas e esporte de alto rendimento).
    Por exemplo: O Juiz Margarida, O Jogador Richarlisson do São Paulo, etc.
    No vôlei acho que é menos grave, pois é um jogo de meninas mesmo.
    Gostei do texto, Só senti falta de um “linque” para o discurso do
    Deputado Jair Bolsonaro.

    Peter/ San Francisco, USA.

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