Futebol e Tango

Creio que argentinos e brasileiros compartilham algumas ideias sobre tango, futebol e suas relações. Vejam que estou me colocando no plano dos acordos possíveis e deixo de lado as diferenças de opinião sobre, por exemplo, Pelé e Maradona. São os seguintes os acordos, não Pelé e Maradona: 1) o tango é triste e melancólico; 2) o tango, apesar de suas raízes populares e identitárias, pouco tem a ver com o futebol.

Não estou disposto a refutar estas opiniões, principalmente porque hoje já não fazemos mais isso. Tornamo-nos polidos e no lugar de refutar apenas relativizamos ou mostramos outro ponto de vista. É uma época perigosa para arrasar as opiniões alheias e até para defender opiniões com veemência. Uma prova disso é que recentemente o Conselho Universitário da Uerj, aprovou, a pedido do Magnífico Reitor, uma resolução proibindo opiniões racistas e sexistas. Faltei a esta reunião e fiquei preocupado pelos meus amigos homossexuais, pois a resolução dizia que era crime formular hipóteses biológicas sobre a homossexualidade. Imaginei se um amigo querido, como o meu colega Rafael Freda, ou meus queridíssimos colegas da FCS, por circunstâncias vivenciais e intelectuais, decidem algum dia apostar em explicações biológicas. Serão processados! Queridos, se cuidem que não queremos perdê-los. Outra prova, que ainda não pude confirmar, é que tramita a proibição das obras de Monteiro Lobato nas escolas no Conselho Superior de Educação,  motivado porque em algum lugar escreveu que a Anastácia, esquecendo-se de seu reumatismo, subiu em uma árvore como um macaco…Estaremos em um tempo de conservadorismo e repressão progressista?

Perdoem-me a digressão. Volto ao tema. Sempre tenho dúvidas sobre a tristeza do tango, compartilhada por brasileiros e argentinos. Guardo de criança, a imagem da minha família cantando tangos tristes como “Mi Noche Triste” o “Sí se Salva el Pibe”, e imediatamente passavam a cantar uma alegre música cigana. Não sei como podiam passar tão rapidamente de um sentimento a outro. Depois, mais velho, aprendi que o controle da expressão dos sentimentos caracterizava o treinamento do ator profissional. Ninguém em minha casa era ator. De fato, é conveniente aos brasileiros pensar que o tango é triste porque a música popular brasileira seria alegre. Os argentinos podem compartilhar a opinião e perguntar ironicamente: será que Deus é brasileiro? Mais um caso para reforçar as identidades. Contudo, temos muitos exemplos de música brasileira triste e de tangos alegres. Não existe nenhuma investigação comparativa sobre o tema e, talvez, seja difícil fazê-la e interessasse a poucos um resultado, como dizia Boas, de cinqüenta por cento. Imaginem se os dois possuem o mesmo percentual de músicas “tristes”. Que confusão para as identidades! O segundo acordo é que o tango e o futebol não se relacionam. A “hagiografía” de Carlos Gardel e os tangos que ele escreveu, mostram esta relação, dedicada aos cavalos de corrida, mais ainda como apostador empedernido.

Xavier Febrés (De Carlos Gardel al Tango Electrónico, 2008, Barcelona, RBA Libros) apresenta uma imagem diferente da estadia de Gardel em Barcelona, lá pela década de vinte, a partir da segunda metade.

Em Barcelona, o futebol era mais popular que os hipódromos e o tango uma febre. Febrés quer demonstrar que depois do Rio da Prata e de Paris vem Barcelona como berço criativo do tango. Gardel gravou, atuou e cultivou amizades e relações na cidade. Gardel era tão simpático, tão sedutor. Suas relações com os jogadores de futebol foram estreitas, especialmente com o craque do Barcelona, o legendário “Mago” Pepe Samitier, em 1927 aclamado como o melhor atacante da Europa. Em 1928 o FC Barcelona recebeu a seleção argentina e venceu por 4 a 1. Pouco depois, em uma turnê pela Argentina, o Barcelona perdeu cinco, empatou duas e ganhou apenas uma partida, contra o Boca Junior, por 2 a 1. Comissão técnica e treinador foram demitidos. O que importa é que Samintier foi o apresentador de Barcelona para Gardel. Mais ainda, no dia 20 de maio de 1928, Gardel se deslocou para Santander para assistir a final do campeonato espanhol  era o Barcelona contra o Real Sociedad de San Sebastián. O jogo foi violento. O goleiro do Barcelona, Franz Platko, o “Urso Húngaro”, saiu de maca e recebeu sete pontos na cabeça e o capitão, Samintier, dois. Os Bascos são duros. Que identidade forte!

No dia seguinte, Gardel visitou os feridos no hospital e, como correspondia, cantou para eles alguns tangos. Para alegrá-los, suponho! Gardel sempre alegrava as pessoas cantando uns tangos! Depois de tudo, se quem canta é Gardel, quem se fixa na letra e porque ficar triste? Se D’Arienzo ou Di Sarli tocam um tango, qual o bailarino que se importa com a “tristeza de los bandoneones”? Se o tango é fundamentalmente dança, qual a importância da letra? Mas ainda, não seria melhor dançar sem a letra! Para julgar tem que praticar, não se pode fazer somente com a letra, o corpo.

Para concluir, em 1929, Gardel regravou o tango Patadura em Barcelona. Abaixo, disponibilizo o áudio desse tango e a letra para que se divirtam, observem a boa mistura de inglês, español e “lunfardo”. Que língua maravilhosa, certo?

Patadura

Enrique Carrera Sotelo y José Lópes Ares

Piantate de la cancha, dejale el puesto a otro,

de puro patadura, estás siempre en orsay;

jamás cachás pelota, la vas de figurita

y no servís siquiera para patear un hands.

Querés  juga de forward y ser como Seone

y hacer como Tarasca, de media cancha goal,

burlar a la defensa, con pases y gambetas

y ser como Ochoita, el crack de la afición.

Chingás a la pelota,

chingás en el cariño,

el corazón de Monti

te falta, ché, chambón.

No sé consiguen goles

pateando a la ventura,

con juego y picardía

se altera el marcador.

Piantate de la cancha que hacés mala figura,

con fouls y brusquedades te pueden lastimar,

te falta el tecnicismo, colgá los papirulos,

de linesman hay puesto, si es que querés jugar.

El juego no es para otarios, tenelo por consejo

hay que saber cortarse y ser buen shoteador.

En el arco que cuida la dama de tus sueños,

mi shot de enamorado acaba de hacer goal.

Sacate los infundios,

Vos no tenés más chances,

ya ni tocás la pelota

la vas de puro aubol.

Te pasás así en el campo

de amor, donde jugamos:

mientras corrés la liebre

te gano un corazón.

2 pensamentos sobre “Futebol e Tango

  1. parabéns pelo trabalho.gostaria de receber os informes.Gostei muito da apresentação e, certamente da ltra do tango.

    Elizabeth

    1. Elizabeth, para receber as atualizações/informes do blog é só inserir seu email em “Newsletter” e clicar em “Quero assinar”. Assim, a cada novo post no blog, você será imediatamente sinalizada.
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      Att, Equipe do blog Comunicação, Esporte e Cultura

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