Que estádio queremos?

A escolha do Brasil como sede para a próxima Copa do Mundo encheu de alegria parte da população, mas também gerou muita preocupação para alguns. A principal desconfiança gira em torno de como será o uso do dinheiro público. Logo de início ouvimos declarações oficiais, tanto da CBF quanto do Poder Executivo de que o Estado não colocaria verba na reforma de nenhum estádio. O dinheiro dos contribuintes iria se destinar somente às obras estruturais, leia-se reforma de aeroportos e melhorias viárias. O tempo passou e hoje governo e CBF (principalmente o primeiro) já sabem que sem este auxílio financeiro a Copa do Mundo pode se transformar em um pesadelo.

No entanto, não pretendo usar este espaço para fazer um juízo de valor sobre a Copa no Brasil. Queiram os críticos ou não, ela vai acontecer. Cabe à sociedade civil fiscalizar os gastos. Esperamos que grandes transtornos não ocorram e que, se possível, o evento deixe algum benefício para a população brasileira, coisa que o Pan de 2007 não foi capaz de fazer para os cariocas.

O que mais me incomoda neste período pré-Copa do Mundo são as exigências da Fifa para a reformulação dos estádios que irão sediar jogos da competição mais importante do futebol mundial. Algumas delas parecem não fazer sentido algum, mas exigem que os proprietários das arenas (sejam eles públicos ou privados) invistam mais que o necessário. O jornalista Mauro Cezar Pereira em seu blog no portal da ESPN Brasil, mostrou como algumas das obrigações impostas pela Fifa ao Maracanã não tem nenhum sentido prático (veja aqui).

Todas as reformas que estão em andamento nos estádios brasileiros prometem aumentar o conforto dos torcedores, facilitar o acesso ao estádio e criar maneiras de estímulo ao consumo que poderia ser revertido em benefício dos clubes. Estas propostas estão intimamente ligadas a um modelo europeu de torcer que se tornou padrão a partir da década de 1990, quando os estádios do Velho Continente se transformaram em verdadeiros Shopping Centers.

Não há aqui nenhum lamento pelo incentivo às melhorias como o aumento do conforto ou as facilidades de acesso. Portanto, é óbvio que reformas precisam ser feitas. Até mesmo estruturais para que tragédias como a da Fonte Nova (relembre aqui) não se repitam. Ninguém prefere assistir a um jogo sem proteção da chuva. Ninguém prefere um banheiro cheio e em péssimas condições de higiene. Torcedor nenhum gosta do lanche caro e de sabor duvidoso, como os que são oferecidos na maioria dos estádios brasileiros.

Porém, existe uma significativa parcela de torcedores que prefere ver o jogo de pé. Que pela tensão ou pela euforia da partida não quer se sentar durante nenhum minuto. Este mesmo fanático pode achar bonito a festa das bandeiras, a chuva de papel picado ou o efeito dos sinalizadores. Insisto: é óbvio que tudo isso precisa ser normatizado e fiscalizado. Mas não necessariamente ser extinto. Há hoje no Brasil um grande poder articulado por diversos setores da sociedade que quer modificar o jeito brasileiro de torcer. Sob a justificativa de que precisamos modernizar os espaços para a Copa do Mundo, a Polícia Militar, uma parte significativa da imprensa (que parece não freqüentar estádios), além de diversas esferas do Poder Público querem impedir as tradicionais manifestações em estádios brasileiros. Com a alegação de controlar a violência e aumentar o conforto querem acabar com um dos maiores patrimônios do futebol brasileiro: a festa das torcidas. No entanto, as medidas que vem sendo tomadas não tiram dos campos os irresponsáveis que se envolvem com brigas, mas afastam ainda mais o cidadão comum que vê o preço dos ingressos dispararem.

É preciso começar a refletir sobre a questão de uma forma mais ampla. Não se pode pensar no futebol como um espetáculo exclusivamente televisivo e que, em função disso, precisa subordinar-se a todas as exigências dos que detém os direitos de transmissão. Assim, tanto imprensa, como a academia, precisam começar a mobilizar interessados em discutir o tema. E a internet parece ser uma plataforma privilegiada para esta discussão.

Em maio de 2010, durante o I Simposio de Estudos sobre Futebol, organizado pelo Museu do Futebol apresentei um artigo com o título: “Os estádios de futebol enquanto espaço de consumo”. Nele discuto como estas mudanças propostas afetam o comportamento dos torcedores. No Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, em 2009, apresentamos outro artigo que também analisa a forma brasileira de torcer (veja aqui). Pela internet, surgem mobilizações para discutir o tema. A principal delas está neste blog que propõe a criação de uma Associação Nacional dos Torcedores.

2 pensamentos sobre “Que estádio queremos?

  1. Não que isto seja relevante, mas Mauro Cezar é carioca. No entanto, só o citei pelo belo trabalho de apuração. Na referida matéria encontramos informações. Não é apenas opinião.

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